Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 26
Cinzas


Notas iniciais do capítulo

Olá!

Boa notícia: Mais um capítulo imenso saindo do forno! Ele carrega o peso de ter o mesmo nome da história porque é tipo um breakpoint e a partir dele as coisas mudam... Enjoy!

Como última coisa, a dica do dia! Quem tiver interesse e gostar da família Weasley, não pode perder a oportunidade de ler essa one-shot M-A-R-A-V-I-L-H-O-S-A que eu achei por acaso num golpe de sorte. É fofa demais!

http://fanfiction.com.br/historia/415251/Coisas_De_Uma_Grande_Familia

Para quem quer saber, o nome é 'Coisas de uma Grande Família', da Anne Weasley. Não façam como fazem comigo e não se esqueçam de comentar a história dela, que gentilmente deixou que eu a divulgasse aqui. ;)

Mais uma vez, essa história só está aqui por causa da Rose, minha musa inspiradora e a única que tem a nobreza de deixar suas impressões (bem mais que isso, na verdade) e é a grande responsável por termos chegado nesse ponto.



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Março 2006

Gina sorriu forçadamente quando a Sra. Nott disse que ela estava deslumbrante; agradeceu com uma mesura, fez algumas polidas perguntas banais e se limitou a ouvir os comentários fúteis sobre a festa da qual as duas estavam participando naquele exato momento.

Uma festa proporcionada pelo Ministro, em comemoração às vitórias do Regime Inglês nos últimos tempos.

Desde que os comensais desbarataram o centro de operações na Romênia, meses antes, os focos das resistências nos outros países da Europa começaram a cair, um a um.

A influência das pessoas que se rebelaram contra o regime vigente ficou restrita ao Reino Unido e a mais alguns países onde suas forças ainda eram incipientes o suficiente para não assustar o Ministério da Magia britânico. Dessa forma, parecia que mais uma vitória se encaminhava para o lado de Voldemort e aumentaria a influência no Continente, ainda que a Resistência fosse forte na Inglaterra.

Isso deixava o espírito de Gina absolutamente soturno. Não só isso, a bem da verdade, mas ela se recusava a pensar no outro fato que a incomodava e que fazia com que ela se sentisse extremamente egoísta diante daquele cenário de guerra.

Um fato pequeno.

Incômodo.

Insuportável.

O fato de que Draco tinha virtualmente desaparecido nos últimos dois meses, como se estivesse evitando-a.

"Grande imbecil." Ela murmurou entre dentes e com a cabeça distante, pensando no seu marido foragido.

"Perdão?" A Sra. Nott pressionou os lábios numa linha fina, reparando que Gina não estava prestando atenção em nada do que ela estava dizendo tão animadamente.

"Oh, sim, sim." Gina sorriu amavelmente e concordou, sabendo que era o melhor a fazer. "Estava pensando que sou uma desajuizada por ter me esquecido de cumprimentar Olívia por essa maravilhosa festa." Gina balançou a cabeça pesarosamente. "Preciso ir procurá-la e corrigir meu terrível erro."

Ela acenou graciosamente para a mulher que nem teve tempo de falar mais nada e se retirou, procurando um lugar mais isolado no jardim que abrigava todos os convidados da luxuosa recepção.

Andando por entre o bem cuidado jardim, Gina nem se preocupou em procurar Olívia para dar veracidade à sua desculpa, deixando sua mente vagar até o lugar onde ela tinha estado durante toda a conversa com a Sra. Nott.

Draco.

Depois do primeiro encontro entre Draco e sua mãe, ele fizera questão de tornar sua presença na Mansão mais rara do que um unicórnio que soubesse dançar.

Bem, pelo menos para Gina.

Ela tinha consciência de que ele visitava os aposentos da sua mãe, que estava vendo Aries nos horários em que ela não estava com o bebê e até mesmo James parecia ter mais contato com Draco do que ela, conforme tinha descoberto depois que seu filho começara a tagarelar sobre uma ou outra coisa que Draco tinha feito ou falado.

Voltou a se sentir numa disputa entre gato e rato.

Ela entrava, ele saía. Ela saía, ele entrava.

No começo, disse a si mesma que esse era o arranjo ideal, que não poderia querer nada melhor: ele havia parado de atormentá-la, seus filhos estavam protegidos, a convivência com Narcissa aliviara sua consciência pesada e ela podia se dedicar ao seu trabalho, além de tentar ajudar a família da melhor maneira que podia.

Tudo p-e-r-f-e-i-t-o, Gina fungou cheia de escárnio com relação à palavra.

A verdade era que, no fim do primeiro mês, ela queria matar Draco dolorosamente.

Primeiro, por colocá-la numa situação ridícula sem nem explicar a razão. Depois, por fazer mistério. Depois ainda, por ter cometido o pecado de existir.

Com um nível vergonhoso de desespero – que ela jamais admitiria para si mesma - Gina começou a criar situações para que se encontrasse com ele 'acidentalmente': voltava da loja mais cedo, saía da Mansão para trabalhar mais tarde. Entrava 'por acaso' no escritório dele, ficava até mais tarde no quarto de Narcissa – e nesse ponto tinha que agradecer a relação estranha, porém amigável, que estava desenvolvendo com a sogra -, conversando sobre tudo e nada, aguardando que ele chegasse.

Teve sucesso algumas vezes, nas quais ele foi mais frio com ela do que o punhado de neve que se derretia nos jardins da Mansão Malfoy e ela sentiu vontade de enfiar sua varinha nele, num orifício muito impróprio.

No começo do segundo mês, Gina admitiu derrota: estava sentindo falta do bastardo.

Não sabia se era dos comentários ácidos, dos olhares frios que tinham um jeito estranho de esquentá-la por dentro, das refeições feitas com comentários espirituosos, de como ele, de um jeito bizarro, começava a tentar ensinar algumas coisas para James, de como ele embalava Aries num silêncio absoluto, que pai e filho pareciam partilhar e apreciar.

Agora, nem as raras presenças dele na Mansão podiam ser sentidas. Estava numa missão para o Ministério em algum lugar da Ásia há três semanas.

E lá estava ela, na casa de Olívia, acenando com graciosidade, graças a vontade e persuasão de Narcissa. A mãe de Draco fora sucinta e determinada – para não dizer intransigente – dizendo que era obrigação de Ginevra comparecer nesses eventos, sorrir o quanto pudesse e estar deslumbrante. Era o primeiro passo para ser um deles, para manter aquela identidade falsa e, por consequência, proteger os Malfoy.

Gina não pôde deixar de se lembrar da estranha conversa que ela tivera com a sogra, enquanto a bruxa mais velha a preparava para a celebração.

Narcissa em pessoa a ajudara na escolha do vestido, um longo prateado que salientava suas curvas recém-recuperadas da gravidez e deixava suas costas totalmente abertas, na maior demonstração de uma segurança que ela não sentia.

"Ah, agora está adequado." A Sra. Malfoy havia decretado satisfeita, enquanto girava em torno de Gina depois de fazer retoques com a varinha no vestido. A ruiva se limitou a olhar para ela, surpresa com o tom de aprovação na voz tradicionalmente fria. "Seria melhor que você tivesse me dado tempo para arranjar algo especialmente feito para a ocasião, mas esse vestido servirá aos seus propósitos."

Gina se olhou no espelho em frente de si. Tinha que admitir que havia ficado bastante desconcertada com o efeito final.

"Foi o que eu pensei," Gina disse, se sentindo mais confiante por ter tomado a decisão de comprar um vestido no Beco Diagonal e não mandado fazer algum estupidamente caro sob encomenda. Não pôde evitar se sentir idiota pela onda de alívio que surgiu dentro dela diante da aprovação de Narcissa.

"O que você vai usar com ele?" Narcissa perguntou, arrancando Gina dos seus pensamentos.

"Eu tenho um robe que combina com ele e uma sandália que vai ficar óti-"

Narcissa a interrompeu, acenando impacientemente a mão que carregava a varinha.

"Eu me refiro às joias." Ela olhou Gina pensativamente. "Precisamos de algo adequado e que não seja muito chamativo... Merlin sabe como seu cabelo já faz todo esse trabalho."

"Eu não preciso de nenhuma joia." Gina respondeu firmemente, não gostando do rumo da conversa. "Não é necessário mesmo-"

"Você não tem nada que combine?" Narcissa a olhou inquisitivamente, cortando-a mais uma vez. "Draco não te deu nenhuma joia?" Ela perguntou genuinamente curiosa, alheia ao fato de que Draco tinha entrado naquele casamento contra a vontade e a última coisa que iria querer era dar presentes para sua esposa.

"Não preciso da caridade dele." Gina respondeu mais bruscamente do que deveria, perdendo a paciência e evitando a todo custo ruborizar, se lembrando da única joia dos Malfoy que ela havia desejado e que lhe havia sido negada: um rústico e antigo colar da própria Narcissa.

"Não é caridade." Narcissa respondeu no mesmo tom impaciente, olhando-a com uma desconfiança mal disfarçada. "Se você não estiver usando nenhum adorno adequado, as pessoas dirão que os Malfoy não estão confiantes em colocar suas relíquias nas mãos da mãe do seu último herdeiro." Ela pressionou os lábios finos numa linha severa, exalando reprovação. "Não é essa a impressão que queremos causar."

Gina bufou baixinho depois de um momento e cruzou os braços, admitindo derrota.

"Vestirei o que for apropriado para não chamar atenção. Exclusivamente para nos proteger."

Narcissa assentiu quase que distraidamente, como se o consentimento de Gina já tivesse sido garantido séculos atrás.

Contudo, ainda com instintos rebeldes atiçando-a, Gina sentiu necessidade de continuar falando. "Nem sei por que preciso ir nessa confraternização estúpida... Draco-"

Ela quase, quase completou com 'Draco não estará lá mesmo', mas conseguiu frear sua língua imprudente a tempo, sem entender a razão pela qual tinha pensado aquilo, em primeiro lugar.

"Draco é quem deveria ir, não eu." Ela disfarçou rapidamente, rezando para que Narcissa não tivesse percebido o deslize.

Evidentemente, Narcissa percebeu. E olhou a nora fixamente, de uma maneira totalmente incômoda.

"Draco cumprirá com aquilo que for designado a ele." Ela disse inescrutável, sondando Gina com pálidos olhos azuis. "Essa lição meu filho pode se orgulhar de ter aprendido. E está na hora de você aprender algumas lições também."

Ah sim, precisamos corrigir o comportamento de quem não cresceu em um ninho de cobras, Gina pensou mordendo a língua para evitar uma réplica mal educada.

Ela deu de ombros como se não se importasse com o que deveria aprender e elas caíram num silêncio estranho.

Gina se distraiu, enquanto Narcissa fazia os últimos arranjos no vestido... Falar em Draco, como era de se esperar, não tinha sido uma boa ideia.

Mais uma vez e como vinha fazendo há muito tempo, sua mente traiçoeira convocou a imagem dele e inconscientemente Gina murmurou as palavras que tinha conseguido discernir e que a intrigaram no nascimento de Aries. As palavras que Draco tinha murmurado para ela, no momento do parto.

"Calme, mon coeur, tout finira bientôt..." Quando percebeu que tinha dito aquilo em voz alta, levou os dedos aos lábios como se pudesse fazer as palavras recuarem.

Narcissa levantou a cabeça rapidamente, não conseguindo esconder seu ar de curiosidade ao entender as palavras. "O que disse?" Ela perguntou polidamente, mas era evidente que tinha entendido absolutamente tudo.

Brilhante, Ginevra!, Gina zombou de si mesma.

"Nada!" Gina balançou a cabeça rapidamente, como se tivesse sido pega no flagra. "São só palavras aleatórias, que eu nem sei o que significam. Aliás, nem sei onde ouvi, só estava pensando alto e-"

"Podem ser traduzidas como 'calma, meu coração, tudo vai acabar em breve'." Narcissa a olhou fixamente e Gina resistiu à vontade de engolir em seco. "Eu costumava falar essas palavras para Draco, quando ele era pequeno."

"Hmm..." Gina mordeu o lábio, sem saber o que dizer.

"Tem certeza que não sabe onde ouviu isso?" Narcissa sorriu maliciosamente, como se soubesse mais do que estava dizendo.

Narcissa Malfoy acaba de sorrir para mim como uma criança travessa?, Gina quase ofegou.

"Não!" Gina exclamou atrapalhada. "Quer dizer, sim! Eu tenho certeza de que não sei onde ouvi."

Narcissa intensificou a malícia no seu sorriso, para então voltar seus pensamentos para si enquanto retirava os alfinetes do vestido de Gina com toques da varinha. Depois de um momento, sua expressão ficou séria e fria.

"Draco sempre teve uma intensidade dentro de si que eu nunca cheguei a entender totalmente. No fim, cheguei à conclusão que o responsável por isso era o sangue Black." Ela disse e Gina deduziu que ela estava pensando na loucura de Bellatrix, na impetuosidade de Andrômeda, no furor de Sirius, no fanatismo de Regulus... Todos os Black que deixaram suas paixões dominarem suas mentes, coisa que Narcissa evitava que acontecesse a todo custo, com ela e com seu filho.

Ela continuou divagando, parecendo falar mais consigo mesma do que com Gina. "No fundo, eu sempre me preocupei com a possibilidade de ele nunca encontrar alguém que pudesse tolerar sua natureza difícil."

Natureza difícil? Aquilo sequer começava a descrever Draco Malfoy, Gina pensou evitando a todo custo não rolar os olhos e chamar a atenção de Narcissa para si. Era melhor ouvir a bruxa mais velha divagando sobre Draco do que corrigindo sua postura, seus trajes, seu comportamento...

"Draco afasta as pessoas, esconde os sentimentos com os quais não pode lidar." Narcissa continuou, dando um aceno satisfeito com a cabeça quando terminou de retirar todos os alfinetes. "Sua companheira teria que ser capaz de bater de frente com ele ou seria destruída. Lembro-me de ter comentado algo em relação a isso, quando você foi me visitar no hospital."

"Eu me lembro." Gina respondeu, suas memórias se voltando para aquele longínquo dia.

"Mas enfim, outros tempos e eu nunca imaginei que as coisas terminariam assim."

Assim como? Gina sentiu a urgência de perguntar, mas engoliu em seco. Curiosidade nunca havia trazido nada de bom para ela.

Entretanto, sua resolução não durou dez segundos e ela não resistiu a outra pergunta que surgiu na sua mente. "Por que está me contando isso?"

"Porque quando alguém está cego, é necessário abrir seus olhos." Narcissa a olhou fixamente e por um segundo Gina achou que um brilho de divertimento tinha cintilado nos pálidos olhos claros. "Agora chega de amenidades, Ginevra. Vou procurar joias que lhe sirvam bem."

E com isso deixou Gina sozinha na grande sala íntima, entregue às próprias dúvidas e pensamentos.

Ela balançou a cabeça para voltar ao presente da estúpida celebração e, muito para não estragar a aparência tão apreciada pela sogra – e isso era mesmo uma raridade -, ela se afastou de maiores aglomerações, passando gentilmente pelas pessoas.

Era uma noite agradável e o grande jardim dos Thicknesse oferecia um espetáculo à parte, com o sussurro das águas que brotavam das fontes e o suave balanço das árvores dando ritmo ao ambiente. Ela encontrou um pequeno pavilhão com chão de mármore onde poderia desfrutar melhor do seu silêncio, sentada num banco estrategicamente posicionado para o conforto de quem pudesse passar ali num passeio vespertino.

Ao subir os três degraus que levavam até o banco e se voltar para se sentar, ela pensou que estava sonhando.

Piscou duas vezes para reconhecer a figura de negro que se aproximava, com a capa esvoaçando atrás de si com o leve vento da noite.

Draco parou ao pé dos degraus e se inclinou levemente para cumprimentá-la e, por um momento incômodo, Gina não pôde ler sua expressão, até que, ainda inclinado, ele a olhou por entre os longos fios platinados que tinham caído no seu rosto devido ao movimento.

"Minhas saudações à bruxa sangue-puro mais suja do Reino Unido." Ele disse arrastado e Gina viu o lampejo de um sorriso brincar nos lábios finos. "Tão deplorável quanto seu vestido."

Ela sentiu como se tivesse sido atingida por um raio e se surpreendeu como exatamente a mesma frase podia ter efeitos tão diferentes sobre ela.

Da primeira vez, anos atrás, aquilo tinha abalado-a até a ponta dos fios de cabelo ruivo. Tinha feito com que ela se desse conta da crueldade do mundo que a cercava.

Agora, conhecendo Draco como ela conhecia, aquelas palavras mudavam totalmente de aspecto. Tornavam-se estranhamente... Íntimas.

Quando levantou os olhos para ela, viu que ele sorria. E, quando Draco sorria de verdade, ele se transformava.

Os olhos claros adquiriam um brilho diabólico, cheios de humor e malícia, como se ele soubesse algo que Gina não sabia. Aquilo era bem desconcertante, mas não era exatamente a razão pela qual o coração dela dava um salto toda vez que aquele sorriso aparecia. Ela tinha sete irmãos (Fred e Jorge principalmente) e já havia visto muitos sorrisos diabólicos; ela se considerava bastante imune aos seus efeitos, de forma geral. Mas quando Draco a olhava e sorria daquele jeito, o fazia com um leve ar de timidez, como se não estivesse acostumado a sorrir de verdade. E Gina se sentia sem chão –sem fôlego -, toda vez.

Para não encarar aquele sorriso hipnotizante, ela baixou os olhos para o próprio vestido e deu um suspiro cheio de zombaria.

"Pelo preço que sua mãe insistiu em pagar por esse vestido, ela não ficaria nada feliz com seu comentário." Ela falou alisando a saia do vestido prateado, só então percebendo como a escolha inconsciente daquele tom havia sido feita por causa dos olhos dele. "E ele é bem melhor do que aquele que usei no baile em Hogwarts." Teve que completar na defensiva.

"O que você vestia naquela noite era horroroso, qualquer coisa seria melhor do que ele." Ele comentou com um gesto displicente da mão e torcendo levemente o nariz. "Era marrom e tinha umas rendinhas douradas nas mangas. Um desastre."

"Você se lembra dele?" Gina perguntou, ligeiramente surpresa. Já era a segunda vez que ele citava o vestido e, se lembrando das memórias que tinha visto quando entrou na mente dele, ela se deu conta de que aquele dia tinha sido marcante para ele também.

Mas por quê?, ela se questionou, franzindo a testa.

"Como não me lembraria?" Ele disse, distraído. Subiu os degraus e se apoiou numa das colunas de mármore do pavilhão, cruzando os braços. "Era bem feio mesmo."

"Eu – eu pensei que não viria para cá." Ela comentou casualmente, tentando puxar algum assunto diferente daquele, que a deixava um pouco insegura. "Achei que você estivesse na Ásia."

"Eu estava, mas uma mensagem do Ministro pediu que eu, como um dos cabeças do Ministério, retornasse para essa pequena comemoração para mostrar nossa força e unidade." Ele ficou em silêncio pensativo uns instantes, antes de completar. "É preciso dar às pessoas algo para se apegar, ter esperança de que estamos ganhando."

"E estão?" Gina não pôde evitar a pergunta.

Ele deu de ombros, indiferente.

"Digamos que não tanto quanto o Lorde quer nos fazer acreditar." A frase não traía nada, nem uma simpatia pela sua própria causa. "Seus amigos podem ser bem incômodos, quando querem."

Não pela primeira vez, Gina percebeu que ele não se importava com quem ganharia no final, contanto que ele, Draco Malfoy, se saísse bem.

Gina balançou a cabeça levemente para espantar aquelas ideias. Naquele momento, não queria falar sobre guerras, Resistência ou vitórias.

Já não o via há tanto tempo e não queria desperdiçar o tempo que possuía com aquele tipo de coisa, mas tinha sido irremediavelmente mordida pelo bichinho da curiosidade. "Você ficou bastante tempo fora… Por que o Ministro te mandou para a Ásia?"

"Não foi o Ministro." Ele continuou impassivelmente. "Eu pedi para passar um tempo fora, cuidando da diplomacia."

"Por quê?" Ela perguntou, um pouquinho chocada com a escolha dele de sair de cenário por uns tempos, logo quando sua mãe havia voltado e tinham um bebê tão pequeno em casa.

Draco balançou a mão, como se aquilo não merecesse ser discutido.

"Não importa mais." Ele respondeu olhando diretamente para ela, que ruborizou diante da intensidade do olhar. "Não consegui o que eu queria ao me afastar, no fim das contas."

Ela queria perguntar o que ele tinha desejado ao se afastar, mas pôde se orgulhar de ter segurado a língua. Mas, como nada era perfeito, falou a primeira outra coisa que veio à sua cabeça.

"Você me procurou no meio da festa?" Ela mordeu o lábio, se odiando por estar tão insegura.

Draco mudou o peso de um pé para o outro, desconfortável como se não tivesse gostado especialmente da pergunta ou da resposta que ela demandava. "Queria saber como está Aries. Não o vejo há semanas."

"Assumir que está com saudades não é vergonhoso, Draco." Gina disse suave e diabolicamente, vendo como ele desviava o olhar, levemente constrangido. "Ele está muito bem, a propósito."

"É claro que estou com saudades do meu filho, Ginevra. E eu não tenho vergonha de assumir que senti falta de alguém." Draco se defendeu um pouco enfaticamente demais. Então, vendo uma oportunidade de virar o jogo e atazanar Gina, ele levantou uma sobrancelha arrogante antes de perguntar. "E você?"

"Eu o quê?" Gina franziu a testa, não entendendo onde ele queria chegar. "Não tenho vergonha de dizer que sinto saudades, ora."

"Então, sentiu minha falta?" Ele sorriu afetadamente.

A resposta automática veio aos lábios dela com a facilidade imposta por meses de treinamento. Chegou a formar mentalmente um indignado 'É claro que não!', mas então suspirou resignadamente e resolveu falar a verdade, simplesmente porque estava se cansando de sempre estar alerta e arredia ao lado dele.

"Sim." Ela respondeu simplesmente com um sorriso brincalhão aparecendo nos lábios, mais vermelhos naquela noite devido à maquiagem. "Senti sua falta, Draco."

Para o crédito dele, o momento em que os olhos cinzas se arregalaram pela surpresa foi mínimo e, se Gina não tivesse aprendido a conhecê-lo tão bem, teria achado que ele tinha ficado totalmente indiferente à resposta.

No momento seguinte ele pareceu se fechar como se estivesse travando um duelo perigoso com ela, pisando em terrenos desconhecidos. Por isso, ela supôs, ele optou pela tática que era mais previsível e confortável para os dois: a de que a melhor defesa é o ataque.

"Uma pena eu ter coisas melhores para fazer do que ficar preocupado com o que você sente." Ele espetou.

"Você é sempre tão amável." Ela respondeu mais ofendida do que gostaria de admitir diante da réplica mordaz.

"E você é sempre tão agressiva que fico satisfeito por te encontrar mais amigável hoje." Ele respondeu rápido e Gina mordeu a língua para não dizer que era ele que fazia com que ela ficasse agressiva geralmente.

Gina permaneceu em um silêncio emburrado olhando algum ponto sobre a cabeça dele e Draco suspirou parecendo se render à batalha que estava travando internamente. Então ela sorriu discretamente diante da reação.

"Já que é hora das confissões, devo dizer eu senti um pouco a falta do seu humor e da sua impetuosidade." Ele desviou o olhar dela e, mesmo com a baixa iluminação, Gina podia quase jurar que as bochechas dele tinham ficado um pouquinho mais rosadas. "A Ásia pode ser bastante morna quando não se conhece bem seus costumes e as opções de diversão. Certamente essa sua imaginação de megera saberia animar aquilo."

Gina ficou chocada com a admissão velada de que ele tinha sentido falta dela. Mal pôde abrir a boca e, quando o fez alguns segundos depois, falou a primeira coisa que veio à sua cabeça.

"Você vai ter que voltar para lá?"

Ela sabia que não era um bom tema para dar continuidade à primeira conversa amigável – na falta de palavra melhor - que eles tinham em semanas, mas não pôde evitar a curiosidade gerada pela incômoda certeza de que ela não queria que ele se ausentasse mais por tanto tempo.

"Por enquanto não. O Lorde diz que sou mais útil aqui, onde a Resistência está mais forte." Um sorriso desagradável passou brevemente nos lábios dele. "Teremos tempo para nossa guerra particular"

"Tempo para outras coisas também." Ela disse suavemente, olhando-o nos olhos. Ele a encarou de volta.

O que diabos estou falando!?, Gina pensou, chegando a conclusão de que se azararia se tivesse o autocontrole para tal. Ela abaixou os olhos, não conseguindo deixar de pensar nas implicações da sua frase.

A noite estava tão suave e o clima de isolamento tão perfeito entre os dois, protegidos por aquele pequeno espaço, que ela estava chegando ao cúmulo de flertar com Draco?

Merlin, precisava de um firewhiskey, ela pensou, passando a mão nervosamente pela longa trança caída sobre o ombro, no penteado que Della tinha feito com tanto cuidado.

E então a invadiu o pensamento de que ele havia voltado e procurado por ela no meio da multidão de pessoas da comemoração, de que - por trás do cinismo e sarcasmo - ele também tinha confessado que tinha sentido falta dela...

Pensou melhor, precisava de um firewhiskey duplo.

Quando ela deu por si, Draco estava a poucos centímetros de distância, depois de se aproximar enquanto ela estava tendo pensamentos potencialmente alcoólicos. Ela se ergueu bruscamente do banco, mas não se afastou.

Draco parecia que não tinha compreendido nada demais na frase dela, com os olhos e postura tão impassíveis como sempre. Entretanto, as mãos dele tomaram com certa indelicadeza o braço direito de Gina, afastando os braceletes prateados que ela usava para combinar com o vestido e, para assombro total da ruiva, acariciou suavemente a pele da parte interna do antebraço dela com um dedo delgado muito pálido.

Depois, com um movimento quase preguiçoso, subiu todo o caminho do braço até chegar ao pescoço e erguer com o dedo o colar que adornava o pescoço dela, deixando-o cair levemente contra sua pele um instante depois, roçando o dedo quase imperceptivelmente na região abaixo da garganta.

Gina estremeceu do começo ao fim.

"No fim das contas, conseguiu algumas joias da minha mãe." Ele deu um meio sorriso que fez o sangue de Gina ferver. "Mas não a que você queria, não é?"

"Temos uma aposta com relação aquele colar, lembra?" Ela respondeu, depois de ter engolido em seco. Era potencialmente torturante sentir o toque dele assim, tão não-hostil.

"Não acho que poderia me esquecer dela." Draco murmurou e seus olhos ficaram mais sombrios.

Como se ele estivesse considerando a perspectiva de perder a aposta? Gina se sobressaltou e procurou não pensar naquilo.

Sentindo a urgência de fazer com que eles retornassem ao clima de intimidade anterior, Gina chamou atenção dele de volta ao momento, continuando a falar suavemente.

"Narcissa foi muito gentil em me emprestar esse colar." Ela apontou a joia que carregava no pescoço. "Disse que ele combinava com os meus cabelos e que ficava bonito em mim, junto com o vestido."

"Minha mãe tem razão." Draco concordou com um murmúrio enigmático, mais para si mesmo do que para ela. "Fica perigosamente bonito."

Decidida a provocá-lo, ela se aproximou ainda mais, nunca descolando os olhos dos dele. "Perigosamente para você?"

Sua voz saiu num sussurro rouco e ela nunca soube da onde tinha tirado tanta coragem, mas lá estava ela, adentrando um território que sequer conhecia.

"Para mim e para todo mundo." Os olhos dele percorreram toda a extensão do corpo dela com uma expressão quase faminta, até que ele conseguiu recuperar seu controle frio, perdido por um milésimo de segundo. "Mas não interessa, você parece não se importar com isso, com o efeito que tem nas pessoas, como consegue conquistá-las com um olhar atrevido ou com uma palavra espirituosa. Você sente prazer em brincar com fogo." Draco falou, soltando o braço dela como se estivesse voltando a uma realidade dolorosa e Gina de repente sentiu muito frio. "É mais fácil fazer um diabrete da cornualha servir propriamente o chá da minha mãe do que fazer uma megera como você se comportar como uma dama tradicional, tanto na aparência quanto no temperamento."

Gina o encarou com olhos escuros arregalados.

"Que pena, Draco! Por um momento, suas palavras pareciam ser de um verdadeiro cavalheiro… Mas então voltou a ser você mesmo." Ela respondeu docemente, mas sem esconder o tom de sarcasmo na voz, antes de completar ficando falsamente séria. "Ou seja, um ogro." Ela disse e abriu um sorriso mordaz.

Draco riu e Gina pensou que poderia se acostumar com aquele som.

"Por isso eu reconheço o valor das palavras, apesar de não gostar muito delas; elas fazem as pessoas parecerem algo que não são." Ele comentou casualmente, já se recompondo. "Isso é muito útil."

"Acho que gosto de ouvir você falar." Ela murmurou, mais para si mesma do que para ele.

Draco bufou, revirando os olhos. "Para você, bastaria um papagaio então."

Ele pegou na sua mão entrelaçando seus dedos longos nos dela e Gina sentiu um novo arrepio involuntário.

"Está na hora de nos juntarmos ao espetáculo e sorrirmos como idiotas." Draco a puxou levemente e eles desceram assim os degraus de mármore. "Do contrário minha mãe vai arrancar nossos corações e dar de comer a um cerberus."

"Ah, você tem um coração?" Ela brincou, mas se arrependeu na sequência quando o olhar dele se prendeu no dela, gelo contra mogno, por um segundo que pareceu uma eternidade.

"Seria mais fácil se eu não tivesse, não concorda?" Ele perguntou friamente sem revelar nada na voz e não esperou pela resposta dela. "Vamos?"

Gina assentiu porque desconfiou que não teria capacidade para coordenar seus pensamentos naquele momento. E só se sentiu pior quando percebeu que estava com um sorriso um pouco bobo no rosto, sem saber ao certo a razão.

Eles seguiram lentamente de volta para a pequena multidão de bruxos, que trocavam gentilezas vazias e sorrisos cordiais, mas Gina não conseguia pensar em mais nada além da mão dele entrelaçada com a dela.

Estava embriagada com a presença de Draco Malfoy.

***

Março 2006

Draco respirou fundo, sentado à sua mesa na sua luxuosa sala no Ministério. Girava sua varinha cuidadosamente entre os dedos, num gesto que ele sabia que fazia sempre que estava incomodado.

Ele deveria estar feliz.

Radiante.

Orgulhoso, para começar.

Tinha dado um passo importante para conseguir o que queria, não tinha?

Mas tudo o que ele estava naquele momento era preocupado.

Preocupado em como conseguir a informação que queria e, principalmente, preocupado com a forma que Ginevra reagiria. Ele já havia descartado o bom e velho 'ela não precisa saber', porque, dependendo das decisões que ele tomasse naquela noite e das ações que executasse, aquilo chegaria aos ouvidos dela, de um jeito ou de outro.

Estava preocupado com os sentimentos de Gina Weasley. Era o fim dos tempos.

Ginevra Malfoy, ele se corrigiu mentalmente, não sem um toque de amargura.

Ele colocou o rosto entre as mãos, desejando poder resolver o problema com o toque da varinha. Ou que pudesse pagar para que resolvessem para ele. Mas a sorte não sorria para Draco desde que tinha dezesseis anos e sabia que teria que resolver aquilo sozinho. De novo.

Ouviu uma batida na porta e levantou a cabeça, tirando o cabelo do rosto. Oliver, seu auror de confiança abriu a porta, adentrando respeitosamente a sala.

"Senhor, o prisioneiro está pronto." Oliver falou servilmente. "Coloquei-o na Sala de Interrogatório."

"Onde está a varinha dele?" Draco perguntou e o auror retirou uma varinha de mais ou menos uns trinta centímetros de dentro da capa, entregando-a para Draco.

"Ninguém a examinou. Trouxe direto para o senhor, como pediu." Ele disse e Draco assentiu levemente.

"Você deu o veritasserium que preparei para ele?" Malfoy perguntou formalmente, sem deixar transparecer na voz nada da sua agitação interna.

"Sim, na dosagem que o senhor recomendou. No começo ele relutou, mas agora creio que está preparado."

Draco suspirou resignado, se levantando da mesa. "Alguém mais sabe que ele está aqui?"

"Alguns aurores sabem que há um novo prisioneiro, mas nenhum sabe a identidade dele." Oliver respondeu prontamente.

Tanto melhor, Draco pensou amargurado. Seja lá o que ele fosse fazer com esse novo 'problema', ninguém saberia. Ou melhor, quase ninguém. Ele olhou sombriamente o auror na sua frente e se aproximou devagar.

"Oliver, antes de mais nada, preciso que você saiba que é um funcionário muito valioso. Nem imagino a quantidade de problemas que eu teria se outra pessoa tivesse feito essa captura. Eu agi certo ao mandar especificamente você atrás dele."

"Obrigado, senhor." O auror respondeu, estufando o peito sutilmente.

"Mas isso não me impede de fazer o que devo para não me prejudicar." Draco disse, se aproximando um pouco mais e com uma nota de consternação na voz.

"Senhor, não entendo, eu…"

"Obliviate!" Draco disse baixinho, quando já estava perto o suficiente para ter um efeito melhor ao sacar a varinha.

O Feitiço de memória atingiu Oliver em cheio, cujo rosto passou da expressão de dúvida para uma de atordoamento que teria feito Draco tecer algum comentário maldoso se a situação fosse outra.

"Não há problema, Oliver. Tenho certeza de que da próxima vez o bastardo não escapará de você." Draco disse depois de um momento, dando tapinhas cordiais no ombro do rapaz.

"Malfoy...? Eu não me lembro de ter chegado aqui…" Ele disse, confuso o suficiente para não se recordar do tratamento apropriado que deveria usar ao falar com um superior. "Estava atrás do nosso alvo e-"

"Ele fugiu mais uma vez." Draco balançou a cabeça tristemente, como se lamentasse demais o ocorrido. "E te azarou de jeito." Levantou uma sobrancelha, como se estivesse examinando as condições físicas do auror.

"Me azarou?" Oliver ruborizou fortemente, ainda um pouco atordoado. "Talvez eu devesse ir para o St. Mungus e-"

"Não!" Draco o interrompeu mais alto do que deveria, mas não podia deixar que os curandeiros enxeridos do St. Mungus detectassem seu feitiço. "Não há necessidade, mesmo. Você chegou aqui, me procurando confuso e eu já tomei todas as precauções para garantir que você ficará bem."

Oliver o olhou, dividido entre a gratidão e a vergonha por ter falhado na sua missão. "Prometo não deixá-lo escapar da próxima, senhor!"

"E eu confio em você." Draco deu um sorriso indulgente e achou que seu rosto fosse congelar naquela posição, dada a falta de habilidade para sorrir daquele jeito. "Agora, eu quero que vá para a casa. Descanse, tome um firewhiskey, faça o que achar melhor. Amanhã de manhã retomamos nossa caçada." Completou amigavelmente e terminou sua frase empurrando gentilmente o rapaz para fora da sala.

"Obrigado, senhor. É muito gentil." O homem falou, enquanto saía pela porta. Malfoy assentiu, como se a afirmação fosse das mais naturais e que ele ouvisse aquilo todo dia.

Quando o Oliver saiu, Draco encostou as costas na porta e passou as mãos pelo cabelo para tirá-lo do rosto mais uma vez.

Precisava ficar sozinho para definir seu plano de ação.

***

Malfoy percorria os corredores escuros do Ministério com passos largos e decididos, sabendo o que deveria fazer. Passou por portas que exigiam autorização e que eram liberadas para ele no menor sinal de reconhecimento do auror que estava de guarda.

Que grande mudança..., ele pensou se lembrando de como era o Ministério alguns anos antes de tudo aquilo acontecer, antes de ele ter a autoridade do lugar. Costumava visitá-lo com seu pai e faziam planos juntos, de como ele seria um funcionário gabaritado, do alto escalão, ou até mesmo Ministro da Magia.

Ele não conteve um sorriso sarcástico diante da ironia. Ele realmente era alguém poderoso dentro do Ministério da Magia, mas era uma marionete tanto quanto os outros. E isso não o deixava nada feliz.

Óbvio que garantir própria segurança era sua prioridade número um, mas isso não mudava o fato de que Draco estimava sua liberdade e autonomia. O que era bem contraditório, dada sua atual posição.

Dada a sua vida atualmente.

Ele suspirou cansado, parando repentinamente em frente a uma porta.

Sala de Interrogatório XIII.

Era bastante típico aquele número aparecer para completar sua má sorte. Sacudiu a cabeça para espantar os pensamentos de auto-piedade e se recompôs o melhor que pôde.

Quando entrou na sala, levou um momento para que seus olhos se acostumassem à escuridão; usar a falta de luz e não deixar que o prisioneiro dormisse eram técnicas de tortura comuns do Ministério, para tornar as pessoas mais… cooperativas, mas não era nada confortável para quem tinha a desagradável tarefa de extrair as respostas

"Lumus." Ele disse e a ponta da sua varinha se acendeu.

Só então pôde encarar finalmente a figura jogada num dos cantos da sala, com as costas na parede e as pernas espalhadas como se estivesse cansado demais para se mover. Draco conjurou uma cadeira para si e se sentou de frente para o prisioneiro, cruzando as pernas elegantemente.

"Está confortável?" Ele perguntou usando seu melhor tom arrogante.

Uma voz abafada e rouca veio do canto sala. "Estaria melhor se eu pudesse enfiar essa sua varinha no seu-"

"Oh oh." Draco interrompeu suavemente, como se estivesse falando com uma criança malcriada. "Preciso fazer perguntas melhores se quiser saber se o veritasserium é de boa qualidade e já fez mesmo efeito desejado." Ele disse, colocando um dedo indicador sob o queixo. "Pensando bem, já tenho certeza de que é de qualidade. Fui eu que o preparou, afinal."

Depois da figura grunhir algo desaforado, um silêncio repentino invadiu a sala e Draco aproveitou o momento para analisar melhor seu inimigo.

O outro tinha apanhado e estava com o rosto levemente transfigurado, sem os óculos em forma de tartaruga que ele costumava levar no rosto pomposo, sempre com um distintivo de monitor preso ao peito. O velho desprezo surgiu novamente dentro de Draco diante da imagem que suas lembranças trouxeram.

Draco tentou desanuviar a mente, sabendo a quantidade de coisas que dependiam daquilo. Voltou a analisar. Cabelo indiscutivelmente vermelho. Nariz mais comprido do que o bom senso diria que é o ideal. Sardas, sardas e mais sardas.

Ele se surpreendeu como aquilo tudo ficava tão bem em Ginevra e tão ridículo nos seus irmãos.

Balançou a cabeça para afastar o pensamento altamente indevido.

Definitivamente, era um Weasley. Um dos trezentos irmãos mais velhos de Ginevra.

Percy Weasley. Draco torceu o nariz diante da horrível sonoridade do nome, mas agradeceu a Merlin por não ter capturado o Weasley lambe-botas do Potter. Não teria dúvida de que acabariam se matando, se assim fosse.

"Você foi realmente idiota por ter se afastado da sua família e permanecido em Londres." Draco foi direto ao ponto. "Por que fez isso?"

"Alguém tinha que fazer. Precisávamos de alguém para cuidar de Gina e garantir a comunicação com as pessoas que estavam aqui." Ele respondeu a contragosto.

"Por que você?"

"Fred..." Foi a única palavra que escapou dos lábios cerrados de Percy e Draco não pôde evitar a admiração pela força de vontade dele em resistir aos efeitos da poção. "Tinha que fazer por ele."

Fred... O nome não era estranho e, em segundos, Malfoy se lembrou de um dos gêmeos endiabrados, dois anos mais velhos do que o próprio Draco.

Aquele que havia morrido, ele se lembrou repentinamente. Tinha passado tanto tempo preocupado com os próprios problemas que nem havia se dado conta que o outro lado também tinha sofrido baixas.

"Como está minha irmã?" O abusado sardento teve a coragem de perguntar quando Draco se distraiu, arrancando-o dos seus pensamento

"Não que eu tenha que te responder qualquer coisa, Weasley, mas ela está melhor do que eu gostaria que estivesse." Draco respondeu para irritá-lo e ficou surpreso com a rapidez com a qual o homem havia se levantado, pronto para atacá-lo. Malfoy se levantou com agilidade e apontou sua varinha diretamente para o peito de Percy, impedindo qualquer avanço. "Se der mais um passo, você morre. E sua irmã nunca nem vai ficar sabendo."

Percy bufou. "Se fizer alguma coisa contra ela, eu..."

"Você o quê?" Draco perguntou irritado, enterrando a varinha no peito de Percy. "Olhe para você, Weasley, não tem a menor condição de barganhar qualquer coisa." Ele fez um gesto para que Percy se afastasse e, quando o Weasley obedeceu a contragosto, Draco se sentou novamente na sua cadeira. "Agora eu quero que me escute e faça isso com muita atenção, porque é a sua chance de tirar esse seu traseiro sardento de dentro do Ministério."

O pobretão arregalou os olhos e Draco sentiu que o jogo virava ao seu favor novamente.

Por essa você não esperava, não é? Draco pensou sarcasticamente. Nem eu, para falar a verdade.

"Faço isso simplesmente para que Ginevra não me cause problemas." Draco fez uma pausa para que Percy absorvesse a informação implícita de que ele estava tratando bem sua irmã. "Mas antes, preciso de uma única informação."

"O quê?" Percy entrecerrou os olhos claros e Draco não soube se era porque se sentiu ameaçado ou por causa da miopia.

"Quero saber se você conhece a localização do esconderijo da Resistência."

"Sim, eu sei." Percy respondeu com os dentes cerrados, como se quisesse engolir as palavras e se envenenar com elas antes de proferi-las. "Sou um dos fiéis do segredo."

"E onde é?" Pela primeira vez, Draco não pôde esconder a expectativa na voz. Anos e anos atrás daquela informação e agora ela estava ali, prestes a sair da boca de um maldito Weasley e cair aos seus pés. Ele se inclinou um pouco para frente inconscientemente.

"Eles construíram uma fortaleza onde meu irmão mais velho tem uma casa. Fica no litoral e é cercada por praias. Dessa forma, suas defesas ficam mais fáceis." Ele disse mecanicamente e Draco se surpreendeu com duas coisas. A primeira, a capacidade de catalogar e dar detalhes desnecessários mesmo em situações extremas que aquele estranho irmão de Ginevra possuía. Segundo, que o Weasley tinha os olhos marejados.

"E onde é, Weasley?" Draco repetiu, dessa vez ainda mais sem paciência.

"Arredores de Tinworth, Cornualha." Ele falou, depois de tentar resistir um tempo contra a informação. "Chalé das Conchas."

Nesse instante, Draco não saberia descrever o que sentia nem se fosse bom com as palavras: uma onda de alívio e outra de desespero o invadiram simultaneamente, como se ele estivesse ganhando algo tão desejado durante anos e ao mesmo tempo perdendo outra, tão rara quanto.

Ele podia destruir a Resistência de uma vez por todas. Subir ainda mais alto no círculo pessoal do Lorde das Trevas, talvez até mesmo chegar a ser Ministro. Conseguiria proteger a mãe e o filho e viveria a vida que fora criado para viver.

Feliz.

Entretanto, a única coisa que conseguia pensar era na decepção e dor que veria nos olhos cor de chocolate de Ginevra quando ele tivesse que ferir – e provavelmente matar- sua família.

Mas ele não tinha escolha, tinha?

Se os comensais soubessem que ele tinha aquela informação e que não tinha feito nada para realizar o sonho mais desejado do Lorde nos últimos anos, ultrapassando o último obstáculo para atingir o que ele julgava ser o poder total, Draco estaria se condenando à morte. E condenando ao mesmo destino sua mãe, Aries, o Cicatriz Júnior e Ginevra… Todas as pessoas à sua volta.

Ginevra… Estava pensando que precisaria urgentemente se livrar da influência daquela mulher quando o Weasley o interrompeu.

"O que você vai fazer agora?" Percy falou, tentando obter o máximo de informações que podia, como Draco deduzira com precisão.

"Algo que vai me dar muito prazer." Malfoy respondeu com um sorriso torto, se levantando na sequência.

Ergueu a varinha e a apontou novamente para Percy, se lembrando que era ele o irmão que estava com Ginevra na Batalha da Floresta Proibida, aquele que ele tinha azarado no dia da morte de seu pai... Por um milésimo de segundo, chegou a ver o mesmo olhar de medo e inquietação nos olhos verdes e opacos. Entretanto, dessa vez, anos depois do último encontro entre os dois, havia uma sombra de desafio neles que não estivera ali, da primeira vez.

Weasleys, Draco pensou com desprezo, quase revirando os olhos.

De repente, a lembrança da morte do pai já não doía tanto, mas ele não parou para pensar nas implicações daquilo.

"Obliviate." O feitiço atingiu o irmão de Gina em cheio e ele cambaleou para trás, batendo a cabeça na parede. Quando seus olhos claros fixaram Draco demonstrando uma extrema confusão, Malfoy agitou a varinha mais uma vez. "Estupefaça." E Percy caiu, imóvel como um saco de aveia.

Draco se aproximou e se agachou ao lado do corpo inerte, caído numa posição estranha. Olhando-o com desprezo, começou a murmurar encantamentos com a varinha posicionada acima da cabeça ruiva de Percy e, repentinamente, os cabelos muito vermelhos começaram a tomar uma tonalidade mais escura, até ficarem totalmente pretos. Então Draco se levantou e lançou uma azaração ferreteante bem no rosto sardento, que começou a se desfigurar no mesmo instante, adquirindo um aspecto horroroso - se é que aquilo era possível num rosto já tão feio.

Draco inclinou a cabeça, apreciando sua obra com um comichão de divertimento dentro de si apesar da gravidade da situação: havia lançado três feitiços consecutivos contra o irmão de Ginevra e doaria metade da sua fortuna para o fundo de ajuda aos Testrálios se pudesse ver a cara que ela faria se descobrisse aquilo.

Suspirou e ficou levemente decepcionado ao se dar conta que não poderia contar vantagens sobre seu feito.

Guardou os óculos em forma de tartaruga dentro da capa, ao lado da varinha do Weasley, cobriu Percy com a capa do infeliz e fez um feitiço que convocava o auror que estivesse disponível e mais próximo dele. Malfoy se endireitou para esperar; geralmente não demorava muito, dado que a varinha do auror começaria a tremer violentamente e apontar para onde Draco estava.

Quando um jovem de cabelos escuros e muito alto entrou na sala de interrogatório, Draco já estava recomposto.

Um dos mais jovens, graças a Merlin, ele pensou. Parece que finalmente a maldita sorte se virou ao meu favor.

"Mandou chamar, senhor?" Ele perguntou solicitamente e Draco revirou os olhos.

"Claro, queria te convidar para tomar chá." Ele respondeu com a acidez característica. Para o crédito do auror, ele sequer piscou, abaixando a cabeça servilmente. "Quero que você descarregue esse traste em algum lugar onde possam dar um jeito nele. Ele não merece ser enterrado por mãos que servem o Ministério."

"Ele..." o auror engoliu em seco. "Ele está morto, senhor?"

"E você acha que eu tentaria tirar livremente algum inimigo vivo do Ministério? Alguém que estava espalhando palavras de ordem contra o Regime?" Draco olhou diretamente para o auror, que balançou veementemente a cabeça, em negativa.

"Eu sequer sei onde colocá-lo, senhor…" Ele disse, com receio. "Geralmente não são os aurores que cuidam disso."

Claro que não são os aurores que cuidam disso, Draco pensou, sem paciência. O Lorde das Trevas tinha os seus comensais para dar conta dos servicinhos sujos.

Malfoy sempre tinha ficado grato por não ter tido que cuidar daquela tarefa. Nunca fora muito bom em lidar com a morte, afinal.

"Não me importa o que você vai fazer! Só quero isso longe daqui." Ele disse com sua voz mais arrastada do que seria necessário e cutucou Percy com a ponta do sapato.

O auror olhou cheio de reservas para o corpo coberto no chão e Draco cruzou os braços observando friamente o homem à sua frente, procurando vulnerabilidades, maneiras de fazer com que o comensal aceitasse a sugestão dele, sem que ele tivesse que dizer nada diretamente.

"Sabe, você não é o primeiro a ter que passar por esse tipo de coisa..." Draco falou fingindo sentir empatia com a hesitação do auror e como se a idéia tivesse ocorrido a ele naquele exato momento. "Quando comecei no Ministério – de baixo, como você, a despeito do nome da minha família -, tive que fazer esse... tipo de serviço." Ele mentiu, tratando de colocar na palavra uma carregada dose de desprezo e colocou a mão no ombro do jovem auror, como se eles partilhassem da mesma dor. "Sei que não é fácil."

"E o que o senhor fez?" O auror perguntou de olhos baixos, engolindo em seco novamente.

"Tinha ouvido dizer que eles recolhem corpos encontrados nas ruas de Londres num pequeno gueto a um quilômetro do Beco Diagonal." Ele afirmou fingindo pesar. "Achei uma boa ideia deixá-lo lá, para ser encontrado pela Resistência. Cada lado cuida dos seus mortos, é assim que deve ser, não acha?"

"Sim, senhor." O auror assentiu com força.

"Eu confio que você tomará as decisões corretas para se livrar desse... problema." Draco disse, dando um aperto de conforto no ombro do auror. "Faça o que achar melhor rapidamente e volte para cá. Precisamos de boas cabeças como a sua."

"Sim, senhor." O jovem repetiu com mais firmeza, aparentemente com o ego inflado pelo elogio.

Então Draco só pôde torcer para que a áurea de respeito que ele tinha imputado no jovem auror conseguisse que ele fizesse exatamente como Draco tinha mandado e não percebesse que o imprestável Weasley não estava morto.

Ele sabia que o citado gueto era um dos refúgios e pontos de aparatação da Resistência. Supôs que cuidariam dele lá.

Era o máximo que poderia fazer.

Era o máximo que ele queria fazer.

Não mataria o Weasley pomposo, como já tinha feito uma vez. E murmurando irritado para si mesmo, admitiu que não o matou por causa dela.

Mais uma vez.

***

Abril 2006

Gina sentiu o vento do começo da primavera bater nos seus cabelos e levantá-los, fazendo com que ela respirasse fundo. Estava sentada num dos bancos do jardim da Mansão cercada por tantas plantas, árvores e flores que ela inevitavelmente sentiu saudades d'A Toca.

Essa era a melhor parte de morar na Mansão Malfoy; era tão espaçosa e tinham um jardim tão grande que, desde que o tempo tinha melhorado, ela passava mais tempo fora da mansão do que dentro dela. Em todos os momentos em que ela tinha uma folga da loja, pegava James e Aries e partia rumo ao jardim, para mais exploração e algumas alterações aqui e ali.

É claro que ter o poder de alterar o jardim tinha seus méritos. Quando Narcissa disse que ela poderia fazer o que lhe aprouvesse, desde que não fosse transformar o jardim em algo parecido com o lugar onde ela tinha morado na juventude – embora ela duvidasse que a Sra. Malfoy sequer soubesse onde era A Toca –, Gina se encheu de alegria.

Com passar dos dias, Narcissa começou a acompanhá-la voluntariamente e logo o pequeno grupo fazia estimulantes excursões pelo jardim com uma guia mais gabaritada. A princípio, ela torceu o nariz para as alterações que Gina fazia no lugar, de forma a deixá-lo menos aterrorizante e mais convidativo, mas, com o tempo, passou a apreciar algumas modificações. No fim, o jardim tinha se tornado muito melhor, sem os horrorosos pavões, para começar.

Naquele dia, em particular, James tinha se cansado de brincar com o irmão – que babava feito um basilisco, nas palavras dele – e corria entre os arbustos, enquanto Gina e Narcissa se sentaram num banco, com o berço de Aries entre elas, onde o menino dormia feito um anjo. Gina reparou que a mulher estava taciturna, como se tivesse algo incomodando.

Era uma visão estranha porque aquelas semanas na Mansão definitivamente tinham feito muito bem a Narcissa; ela tinha recuperado a cor e era raro que tivesse lapsos de memória ou alguma confusão mental. E Gina tinha aprendido a gostar da mulher, contra todos os prognósticos do Universo. Foi então que ela viu que Narcissa observava James fixamente.

"A presença de James não te deixa feliz, não é?" Ela murmurou antes que pudesse se conter.

Narcissa suspirou. "Essa é uma pergunta absolutamente indiscreta, Ginevra." Ela a advertiu pacientemente. "Ainda terei muito o que te ensinar sobre os comportamentos que são esperados de você, como esposa de Draco."

Gina não apreciou o tom de condescendência, mas freou uma réplica malcriada. Aquele era o jeito de um Malfoy mostrar cordialidade? Ela se perguntou distraidamente.

"Então já devo te avisar que não sou uma estudante muito dócil."

"Oh, disso eu tenho certeza. Felizmente, eu criei Draco, então tenho bastante experiência com crianças difíceis e geniosas." Os cantos dos lábios de Narcissa se ergueram imperceptivelmente, provavelmente se lembrando de alguma coisa da infância de Draco. Elas ficaram em silêncio observando James correr e perseguir alguns pássaros até que Narcissa voltou a falar. "Estranhamente, a presença do seu filho não me desagrada."

Gina não pôde deixar de soltar um suspiro de alívio: odiaria ter que travar uma guerra particular com Narcissa por causa de James. O menino, por sua vez, resolveu que aquele era o momento para gargalhar de um passarinho particularmente corajoso que pousou na sua cabeça e acenar para as duas, para chamar a atenção delas para o inusitado fato.

"Fico feliz em saber." Gina abriu um grande sorriso para o filho e acenou de volta. "Confesso que achei que fosse natural que você não aceitasse meu filho."

"Eu também." Narcissa deu de ombros elegantemente. "Mas, no fim, ter ao meu redor a vivacidade de uma criança feliz me fez muito bem."

"Narcissa…" Ela disse, pondo a mão sobre a mão da bruxa mais velha, num gesto que seria impensado meses atrás. "Se não é James que está incomodando, o que é então?"

"As memórias que ele me traz." A mãe de Draco sorriu tristemente. "Tão parecido com o pai, me leva de volta a um tempo que me trouxe muita dor e que eu gostaria de esquecer." Ela disse e Gina ruborizou levemente, sando que ela estava se referindo a ajuda que havia dado a Harry, que culminou na morte de Lúcio. "Mas o menino não tem culpa disso, de fato."

"Obrigada." Gina disse simplesmente. "Por aceitar meu filho."

"Ele é irmão do meu neto, afinal." Ela encerrou o assunto e se levantou com elegância, tirando algumas folhas que tinham caído no seu colo. "Preciso caminhar."

Gina entendeu que o convite se estendia a ela e, sem demora, chamou Della para que olhasse os meninos – e não deixasse James derrubar metade da Mansão – enquanto elas caminhavam.

Andaram em silêncio pela alameda que dava acesso ao lado leste do terreno da Mansão. O lugar era tão grande que levaram quase dez minutos para atravessar de um ponto a outro e, quanto mais avançavam, mais um certo mal-estar se instalava em Gina. Os terrenos da Mansão nunca foram amigáveis para quem não houvesse crescido ali, mas as pequenas alterações que Gina tinha feito nos lugares que costumava frequentar faziam as coisas parecerem mais felizes. Entretanto, caminhar por aquela área desconhecida e inalterada fazia com que ela se sentisse presa sob uma nuvem negra que começava a deixar as coisas mais taciturnas, mais arredias, mais amargas. E então, ela entendeu.

"Há um cemitério aqui." Não era uma pergunta e tampouco exigia uma resposta, mas Narcissa a deu mesmo assim.

"Sim, há. Nós estamos quase lá; fica num ponto mais afastado dos terrenos da Mansão. É natural que uma família com uma tradição de centenas de anos fosse enterrada sob seu teto." Narcissa comentou no mesmo tom que utilizava quando queria que Gina aprendesse alguma coisa.

Permaneceram em silêncio quando chegaram na sombria entrada do cemitério e enquanto passavam por algumas tumbas tão velhas que estavam desgastadas. Gina passou por gerações e gerações de Malfoys e um arrepio percorreu sua espinha quando percebeu que ela, de certa forma, fazia parte daquilo também. Espantou o pensamento com a curiosidade que sentia pelo lugar e sobre exatamente o que elas estavam fazendo ali.

Quando o entendimento a atingiu como um raio, já era tarde para retroceder.

Lúcio, ela pensou subitamente, como não percebi antes? Seu estômago se embrulhou. Teria que mentir para Narcissa, fingir que aquilo não a afetava.

"Agora é sua história também." Narcissa fez um gesto com a mão, como se tivesse adivinhado seus pensamentos anteriores. "Faz parte do seu papel honrá-la e respeitá-la, além, é claro, de não fazer essa cara de quem viu um dementador quando se deparar com ela."

"Não é isso…" Gina engoliu em seco. "Bem, não importa, foi só um mal-estar."

"Eu sei que é por causa de Lúcio." A voz de Narcissa cortou o ar como uma faca afiada. "Por isso a trouxe aqui. Também por isso eu vim aqui, confesso." Ela continuou caminhando, mas com os olhos distantes. "Já está mais do que na hora de fazer com que o passado não consiga nos aterrorizar mais."

Gina tinha uma mentira conveniente na ponta da língua: negaria que o homem havia feito mal para ela e assim evitaria uma situação desgastante. "Lúcio nunca..."

"Não minta para mim, Ginevra. Poucas coisas me irritam mais do que as pessoas que me tratam com indulgência," Narcissa falou, cortando friamente as palavras que estavam prestes a sair da boca de Gina. "Sei muito bem que foi Lúcio quem colocou o diário do Lorde das Trevas na sua cesta de livros, há mais de treze anos, na Floreios e Borrões. Que foi ele que perseguiu sua trupe no Ministério. E Draco me contou o que ele fez com você no dia em que… No dia em que morreu." Ela falou diretamente sobre a morte de Lúcio pela primeira vez e Gina sentiu como se tivesse tirado um peso das suas próprias costas. Mesmo que isso não resolvesse todos os seus receios em relação ao assunto, Narcissa não a considerava culpada. E nem Draco… "Como vê, não tínhamos segredos um para o outro.".

Andaram até uma lápide nova - a mais nova de todas aquelas - e pararam em frente a ela. Gina se forçou a olhar diretamente para ela, se obrigando a encarar diretamente o responsável por grande parte das coisas terríveis que tinha acontecido com ela.

Lucio Abraxas Malfoy

1954 - 1998

Um pai e marido valoroso.

Gina desviou o olhar.

Tem certeza que é só isso o que ele foi?, ela pensou venenosa.

Ainda assim, a pergunta que ela segurara na garganta desde que tinha descoberto as memórias de Harry aflorou na sua mente sem ser convidada: porque Narcissa Malfoy, uma mulher tão admirável, permitiu-se amar e apoiar incondicionalmente um homem tão odioso?

"Então você sabia de tudo que ele tinha feito." Gina comentou com a voz neutra depois de um momento.

"Sim."

"E ainda assim..." Não soube como terminar a frase e a deixou suspensa no ar. Ela pensou em completar com 'compactuou com as loucuras dele', 'fechou os olhos para a crueldade dele' e 'foi cúmplice em toda sujeira que ele já cometeu', mas nenhuma das frases parecia educada o suficiente. E, estranhamente, ela não queria quebrar o clima de cordialidade amigável que tinha conquistado com Narcissa.

"Eu condeno algumas atitudes de Lucio, se é isso que você quer saber."

"Mas continuou ao lado dele..." Dessa vez, ela não fez questão de esconder o tom de julgamento na voz.

Narcissa desviou bruscamente o olhar da lápide para pousá-lo sobre Gina.

"O que você acha que eu sou, Ginevra? Uma mocinha idealista ou uma idiota?" Narcissa perguntou olhando-a de forma penetrante e Gina poderia jurar que uma centelha de orgulho havia brilhado nos olhos muito azuis. "Se bem que, as duas descrições parecem ser bem similares." Ela completou e Gina sentiu como se tivesse levado um tapa. "É óbvio que continuei ao lado dele. Que espécie de mulher eu seria se deixasse de estar ao lado do homem que eu amava? Do pai do meu filho?"

"Eu não quis dizer isso." Gina retrucou um pouco mais ofegante e constrangida do que seria recomendável.

"Ah, claro que quis. Pessoas como você e seus amigos se colocam sobre um pedestal de moral e acham que podem julgar o mundo através dele."

"Irônico ouvir isso de um Malfoy..." Gina levantou as sobrancelhas de forma impertinente. "Tenho a impressão que eram vocês que faziam isso o tempo todo."

Narcissa fez um gesto impaciente com a mão.

"Não estava me referindo aos julgamentos sociais, raciais e financeiros, que vocês se empenham em dizer que não são importantes. Estou me referindo a simples julgamentos morais. Vocês dividem o mundo em preto e branco, se esquecendo que há o cinza."

"Desculpe-me se eu não consigo enxergar nada bom num homem que tentou me matar. Mais de uma vez." Gina disse secamente. Tinha que admitir que naquele momento mandou às favas a necessidade de ser cautelosa com os sentimentos de Narcissa.

Contrariando todas as expectativas, Narcissa sorriu, erguendo a cabeça altivamente.

"O homem que tentou te matar - e eu não estou negando, tampouco concordando com isso - é o mesmo que partilhou da minha cama durante vinte anos. Que sempre me tratou da maneira mais carinhosa e respeitosa possível, que ficou do meu lado em cada momento difícil da minha vida. Foi o homem que me amou e me compreendeu como ninguém mais o fez. E foi aquele que me deu Draco."

Um breve e intenso silêncio se abateu sobre elas, onde Narcissa voltou a olhar para o lugar onde estava enterrado seu marido e Gina cerrou os punhos ao lado do corpo.

"E com isso você quer que eu o considere um homem amável e gentil?" Gina perguntou sarcástica. Ela nunca havia usado aquele tom com Narcissa antes e tinha consciência disso. Entretanto, não podia – queria – controlar seu gênio.

"Não, não quero que o considere amável; para mim basta saber que ele foi assim." Narcissa respondeu no seu tom frio e particular. "De você, só quero que perceba que todos nós fazemos escolhas ruins, que causaram mal a outras pessoas. Inclusive você." Ela disse e Gina ruborizou levemente, se lembrando da chantagem que tinha feito com Draco e das pessoas que tinha ferido quando abriu a Câmara Secreta.

Com isso, Narcissa se aproximou ainda mais do túmulo e, com leves acenos da varinha, começou a afastar as folhas e poeira que haviam se acumulado ali; Gina recuou para dar privacidade à bruxa mais velha, mas não conseguia tirar os olhos da mulher, nem suas palavras da cabeça. Já tinha ouvido aquela idéia tantas vezes, de Blaise, de Draco, até mesmo por seu pai... E agora, elas eram repetidas por aquela mulher que Gina considerava formidável.

Narcissa se inclinou levemente, colocando a mão pálida sobre a lápide, permanecendo assim por vários minutos. Quando Gina achou que Narcissa afastaria a mão e iria embora, ela fechou os olhos e começou a murmurar algumas palavras.

Gina se aproximou instintivamente para ouvir, se condenando por sua curiosidade.

"... me perdoe por não conseguir vir aqui antes, Lucio." Narcissa estava dizendo baixinho. "E me perdoe, porque eu não voltarei depois de hoje. Tenho medo de não suportar e sucumbir mais uma vez." Ela ficou em silêncio alguns instantes. "Agora, mais do que nunca, preciso estar completa para cuidar do nosso filho e do nosso neto." Ela parou por mais um tempo, respirando fundo. "Mas antes, preciso dizer algo mesmo que você não possa me ouvir mais: você sempre foi e será o amor da minha vida. Sinto não ter dito isso mais vezes enquanto você ainda estava do meu lado." Ela enxugou discretamente uma lágrima que escorreu pela bochecha pálida.

Gina sabia que era durona. Sabia mesmo. Mas, ainda assim, com toda a fama de dura, corajosa e destemida, ela ficou com os olhos marejados. No começo disse a si mesma que tinha sido algum cisco que caíra no seu olho, afinal o lugar não era os dos mais limpos. Mas, no fim, teve que admitir que também tinha um lado chorão, como Carlinhos gostava de dizer as vezes.

Ela desviou o olhar de Narcissa e se afastou, querendo dar um mínimo de privacidade à mulher e arrependida por não ter feito isso antes.

Quando Narcissa esticou uma mão trêmula para colocá-la sobre onde o marido estava enterrado, com tanta dor e saudade num único gesto, Gina pôde acreditar nas palavras dela, sobre a complexidade das pessoas. E, imediatamente, pensou em Draco.

Draco a socorrendo nos escombros de Hogwarts e procurando ajudá-la.

Draco estuporando Percy e não tirando a vida dele, no dia em que Lucio morrera.

Draco, no silêncio da sala de poções da loja, auxiliando-a.

Draco, salvando-a dos dementadores com uma expressão de terror no rosto.

Draco, tomando café da manhã com ela e voando com James.

Draco na cabeceira da sua cama, enquanto ela dava à luz ao filho dele.

Draco pegando na sua mão e levando-a para lidar diplomaticamente com comensais, com um sorriso no rosto.

E, então, duas compreensões vieram simultaneamente, atingindo-a bruscamente e imobilizando-a.

Primeiro, ela finalmente tinha entendido - e não apenas convivido com a ideia – de que as pessoas eram realmente cinzas, não estritamente boas, não estritamente más. Que, se quisesse, ela poderia enxergar luz onde os outros só viam sombras.

Segundo, em frente ao túmulo de um homem que ela tinha odiado por toda a vida, Gina se deu conta de que estava verdadeiramente apaixonada por Draco Malfoy.

Ela teve que se apoiar na lápide mais próxima para não cair, sentindo seus joelhos fraquejaram.

"Merlin," ela sussurrou para si mesma, colocando uma mão sobre o peito e fechando os olhos, se dando conta da dimensão de todos os sentimentos que ela tinha simplesmente ignorado ou julgado inofensivos nos últimos meses. "Gina Weasley, sua grande estúpida, você acaba de cavar sua própria sepultura."


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