Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 25
Renascimento


Notas iniciais do capítulo

Olá! Demorei um pouquinho mais, mas, em compensação, o capítulo está imeeenso. (o maior até agora -_-'). Eu não o dividi em dois, achei que seria maldade. Mereço comentários como recompensa? Digam que siiiiiiiim! haha

Antes de qualquer coisa, preciso dizer que tive um bloqueio absurdo nessa parte da história por uma simples razão: o nome da criança. Depois de muito batalhar mentalmente, cheguei a uma conclusão que tenho certeza que não agradará a maioria, mas que, no fim das contas, acabou me deixando satisfeita.

Penso que, independente do gênero da criança, faz sentido que Draco - e Gina, mesmo inconscientemente - queiram homenagear Narcissa. Assim, inevitavelmente, me senti presa à tradição dos Black e fui forçada a abrir mão dos nomes teutônicos, bem como daqueles que pudessem ser escolhidos pela Gina.

Ok, diminuímos nosso universo de possibilidades. Desconsidero ainda nomes de constelações e estrelas que já tenham sido usados pelos Black (acho que Draco iria querer algo exclusivo, não é? haha). Também descartei Scorpius, porque, bem, esse é o nome do filho da Astoria, não da Gina. Não ficaria bom.

Então, como vocês poderão perceber, minhas possibilidades de escolha eram bem limitadas.

Enfim, esse capítulo é dedicado à Rose, (novidaaaaade), por ser minha maior (e quase única) companheira nesse site, haha. Os números de quem lê estão ficando absurdamente maiores, mas, enfim, acho que é difícil parar e escrever um comentário que seja, infelizmente.

E notem, por favor, que o capítulo tem 11 mil palavras. Se não for muito, peço apenas cinco minutos para que me deixem suas impressões e sentimentos. Tem bastante coisa acontecendo no capítulo e ouvir a opinião de vocês me deixaria muito feliz e motivada. =P

Curtam o capítulo pré-feriado!!! =)



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Janeiro 2006

Gina abriu os olhos e, com um bocejo, olhou pela janela do quarto, sem vontade de se levantar da cama e se preparar para o que viria, consciente das reações do próprio corpo.

Era uma pálida manhã de janeiro, onde a neve brilhava com os tímidos raios de sol e as pessoas se encolhiam diante do frio no Beco Diagonal.

E aquele foi o exato momento em que ela sentiu que era a hora de ter seu bebê.

Inevitavelmente, sentiu medo.

"Não dá para aguentar só mais um pouquinho?" Ela perguntou esperançosa para o bebê, pousando a mão sobre a enorme barriga. "Ainda nem tomei café da manhã." Quando sentiu um chute evidente e a dor aguda de uma contração, Gina suspirou. "Ok, então. Será como você quer, pequeno ditador."

Se levantou tão rápido quanto podia e mandou Della chamar uma das curandeiras da lista de Draco que estavam acompanhando sua gravidez; a mulher trouxe consigo duas aprendizes do St. Mungus e, depois de feitas as devidas apresentações, começou a preparar o quarto de Gina para que pudessem trabalhar mais confortavelmente.

A temperatura foi elevada com pequenos feitiços e água posta para ferver em caldeirões posicionados no canto do quarto, onde a Sra. Colbert - a curandeira - colocou algumas ervas e preparava poções que ajudariam no processo.

Gina, por sua vez, estava terrivelmente nervosa e impaciente, sentindo vontade sair do quarto a cada cinco minutos quando percebia o desespero que a invadia.

Fechava os olhos e se lembrava do primeiro parto, quando tinha sua mãe, Hermione, Luna e Fleur para ajudá-la. Desejou tanto que elas pudessem estar ali que afundou as unhas nas palmas das mãos devido à tensão.

Como não conseguia ficar sentada, caminhava de um lado para o outro, hora ou outra parando na janela, desejando estar lá fora, mesmo que a rua estivesse completamente branca e coberta de neve. Mesmo que estivesse fria.

É o dia perfeito para pôr o filho de Draco Malfoy no mundo, ela pensou venenosamente enquanto caminhava em círculos pelo quarto, tentando não sentir as contrações.

Para se distrair da situação em que se encontrava, Gina começou a se informar sobre os detalhes domésticos mais diversos possíveis.

Della estava realmente com James? Dave tinha se encarregado de comprar os olhos de búfalos da Noruega para a encomenda de poções daquela semana? A loja havia sido aberta no horário certo? Havia chá suficiente para receber as pessoas que eventualmente pudessem visitá-la naquele dia?

A pobre Sra. Colbert procurava acalmá-la sem sucesso, até que perdeu um pouco da paciência.

"Nem parece que já passou por um parto antes!" Ela exclamou, ainda soando amistosa. "Está tão assustada que parece que essa é a primeira vez."

Da primeira vez eu tinha minha família comigo, bruxa idiota, Gina respondeu mentalmente com amargura quando uma contração a atingiu.

Ela fechou os olhos e se reviu dando à luz a James, jovem, tensa e silenciosa.

Era bem mais corajosa, ela se lembrou fungando num protótipo de risada. E, de repente, os rostos dos seus familiares inclinavam-se sobre ela, dizendo palavras de carinho, apoio e afeto. Ela teve que fechar os olhos para evitar as lágrimas que já estavam fazendo seus olhos arderem.

"É que esse bebê é muito grande." Ela disse em tom de desculpa, muito para evitar pensar na família. "Não foi assim da outra vez."

A mulher parou de ajeitar os cobertores sobre a cama para olhá-la, com um ar risonho no rosto. "Está falando sério? Vi seu filho lá embaixo. É tão encorpado que não deve ter sido um parto fácil."

Não deixa de ser verdade, Gina pensou ficando com mais vergonha do drama que fazia e decidindo que enfrentaria tudo com um nível de paciência mais decente, mesmo que estivesse com medo.

Aceitou ser conduzida até a cama por uma solícita aprendiz enquanto a Sra. Colbert continuou falando. "E que olhos maravilhosos ele tem! Vai deixar as mocinhas aos seus pés quando estiver mais velho."

Gina sorriu fracamente em resposta, arrependida do seu comportamento anterior. "Bem mais velho, espero."

Quando as contrações tornaram-se mais frequentes e intensas, ela trincou os dentes e fincou os dedos nos lençóis; parecia o instante em que uma árvore caía e arrancava as raízes do solo. Ela gritou, mas não foi o suficiente.

A única coisa que conseguia pensar era em mandar um berrador para Draco Malfoy dizendo que aquilo tudo era culpa dele. E, talvez, entre uma contração e outra, também pudesse mandar um para Blaise, dizendo todas as verdades que o bastardo merecia ouvir sobre o brilhantismo das suas ideias.

Mais especificamente, sobre a ideia que tinha colocado-a naquela situação.

A Sra. Colbert tratou de lhe dar uma poção anestésica, mas os ouvidos de Gina zuniam e ela entrou num estado onde nada mais importava, só se livrar daquela dor o mais rápido possível. Se jogou na cama querendo se afundar nos travesseiros, como se aquilo pudesse amenizar um pouco o que estava sentindo.

Então, ela percebeu uma agitação em algum lugar do quarto e uma porta bater sonoramente. Gritou para deixarem-na em paz e que fossem para o inferno, mas aparentemente a pequena movimentação continuou e ninguém lhe deu a devida atenção, o que a deixou ainda mais exasperada.

Todos deviam estar de olho em mim, não é?,ela pensou se dando ao luxo de ser egoísta.

"Oh, senhor, não é uma cena bonita..." Uma das ajudantes esganiçadas disse com voz temerosa, dando passagem para alguém. "Tem certeza...?"

Se houve algum tipo de réplica, Gina não pôde ouvir, e só entendeu completamente a situação quando viu Draco se sentando à sua cabeceira, olhando-a com um jeito estranho, entre as aprendizes e a curandeira que iam e vinham no quarto.

De repente, Gina teve consciência do seu estado, nua da cintura para baixo e só com um lençol para protegê-la, com as pernas abertas numa posição constrangedora e com os cabelos vermelhos colados no rosto corado e suado. O único alívio daquela situação horrorosa é que Draco parecia evitar a todo custo olhar para o ponto onde todas as outras atenções do quarto estavam focadas, preferindo manter o olhar no rosto dela.

"O que você está fazendo aqui?" Ela conseguiu perguntar, com os dentes cerrados.

Imediatamente ela reconheceu a expressão irônica e altiva do rosto dele e desejou poder dar um soco no nariz aristocrático, mas mudou de ideia ao se lembrar que tinha que guardar todas as energias para trazer aquela criança ao mundo.

"Me corrija se eu estiver enganado, mas me parece que meu herdeiro vai nascer hoje." Ele fingiu estar pensativo, para então voltar a pôr a máscara de ironia no rosto. "Veja só, não é que a situação pode me interessar?"

A indignação a reanimou. Ela se ergueu sobre um cotovelo para olhá-lo melhor.

"Veio aqui para me ver sofrer, isso sim!" Ela gritou apontando um dedo acusador para ele e Draco rolou os olhos. "Você é um idiota egoísta, mimado, mentiroso e-" Uma nova contração a impediu de falar e ela caiu de costas na cama novamente com um grito, respirando com dificuldade e pondo as mãos sobre a barriga.

"Vamos, Ginevra." Draco disse, tentando - não com muito sucesso - ser paciente. "Não deve deixar esse seu mau gênio aflorar agora, por mais que seja difícil para você controlá-lo em qualquer momento."

Antes que ela pudesse reunir forças para retrucar, Draco colocou a mão sobre sua testa úmida - num gesto muito parecido com o qual ela já havia feito uma vez com ele - e, para eterna surpresa de Gina, começou a fazer movimentos ritmados com os dedos, como se fosse um... carinho.

Mais uma vez ela gemeu de dor e Draco se aproximou um pouco mais.

"Vai dar tudo certo..." Ele murmurou depois de um momento, olhando diretamente para ela.

Ela ficou imobilizada pelo choque e pelas dores, principalmente quando Draco começou a murmurar palavras em francês que ela não entendia, mas que, de uma forma absolutamente bizarra, tranquilizavam-na.

"Como soube?" Ela perguntou com a voz rouca, tentando com todas as suas forças desviar a mente da sensação do toque frio da mão dele sobre sua testa.

Tinha a perfeita consciência de que podia lidar com uma ofensa de Draco, mas não com um carinho dele.

"As notícias correm rápido." Draco deu de ombros, indiferente. "De qualquer maneira, não foi difícil deduzir, com sua elfo e os funcionários da loja correndo como explosivins pelo Beco Diagonal. Tive até que expulsar aquele maltrapilho que você chama de gerente daqui da porta." Ele fez uma careta de desgosto.

Ela não respondeu a ofensa a Dave porque uma nova contração veio e ele permaneceu com as carícias tímidas; no silêncio que se seguiu, Gina se deu conta que era a primeira vez que ele a acariciava e aquilo causava uma sensação extremamente agridoce.

Nem tinha passado pela sua cabeça que deveria chamá-lo.

Aliás, Draco era uma das últimas pessoas que ela esperaria ver naquele momento, de fato. Pensou que ele só estaria interessado no resultado final, alheio a todo processo que traria aquele bebê ao mundo. E aquilo a assustou mais do que o parto, mais do que a ausência da sua família.

Tinha chegado a conclusão de que Draco Malfoy nunca deixaria de surpreendê-la.

Sacudiu a cabeça, tentando espantar aquela linha de pensamento.

Não, ele deveria ter algum motivo obscuro para estar ali, ela pensou com a irracionalidade das criaturas que sofrem grandes dores. Se ele imagina que não vou conseguir colocar o filho dele no mundo, está muito enganado. Vou conseguir e sem um grito sequer!

Ela fechou os olhos fortemente, aguentando a dor silenciosamente.

Draco, por sua vez, a olhou com um misto de admiração e exasperação que procurou esconder através de diversas camadas de indiferença. Aquilo ficava potencialmente difícil quando, numa atitude idiota e temerária, ele tinha resolvido que podia por uma mão sobre a testa dela e murmurar algumas palavras de incentivo que sua mãe costumava usar com ele quando era criança, sempre que se machucava ou se aborrecia.

Como se aquilo fosse ajudar de alguma forma, ele pensou desdenhoso consigo mesmo.

Geniosa e teimosa como Ginevra era, ele tinha certeza de que ela não precisaria de ninguém para ajudá-la a trazer uma criança ao mundo. Ela cerrava os dentes para evitar os gritos, que escapavam através de soluços e gemidos mal contidos.

Draco achou divertido que ela não quisesse que ele percebesse como aquilo doía, como se tivesse que provar para ele que ela podia levar o mundo nas costas, se desejasse.

E, em alguns momentos excruciantes, Draco chegava a acreditar que ela realmente podia.

A curandeira se posicionou entre as pernas de Ginevra chamando suas assistentes e ele percebeu que aquele era o momento decisivo. Subitamente, ela ergueu os olhos escuros para ele e Draco teve que frear a automática vontade de engolir em seco diante da intensidade deles.

Não podia demonstrar nada diante daquele olhar acuado, arregalado e preenchido por uma doçura quase patética.

Entretanto, a verdade era que, naquele momento, Draco teve medo.

Não que o medo fosse uma sensação nova para ele, muito pelo contrário. Mas aquilo era diferente de tudo que ele já havia sentido porque não era um medo pela perda de dinheiro, estabilidade, prestígio ou mesmo medo por sua vida, no sentindo estrito da palavra.

Olhando para aqueles olhos cor de chocolate, ele vislumbrou como seria sua derrota. Total e completa. O perigo da perda da individualidade, do egoísmo, da auto-suficiência, do que ele era.

Era o perigo de sucumbir diante dela.

Aquela mulher, que ele tinha julgado como dura, ambiciosa, impulsiva e implacável, seria capaz de se sentir tão vulnerável, como os olhos dela queriam dizer?

Possuía aquele olhar infernal que o levava para o passado… Era o olhar de uma adolescente de dezesseis anos vestida num horrível vestido marrom, que ele trazia pela mão e que apresentava aos seus amigos de expressões zombeteiras como 'a bruxa sangue-puro mais suja do Reino Unido.'

Draco cerrou os dentes, sentindo sua mandíbula ficar tensa automaticamente. Cobriu os olhos dela com a mão suavemente, para que eles não o atormentassem mais.

"Está quase conseguindo..." Ele repetiu para ela uma e outra vez, tentando esvaziar sua própria mente. "Só mais um pouco e já vai terminar..."

Foi então que ele ouviu gritos estridentes, primeiro de Ginevra, depois da criança que nascia, e sentiu um alívio inesperado.

Tinha acabado, afinal.

Descobriu os olhos dela e, quando os encontrou fechados pela exaustão, ficou mais aliviado ainda.

"É um menino!" Disse a curandeira, orgulhosa como se ela própria tivesse concebido a criança. "É um menino lindo e saudável!"

Sentindo que Draco havia retirado a mão suavemente do seu rosto e abrindo os olhos devagar, Gina deu um sorriso debilitado pelo cansaço, mas que ofuscaria a luz mais brilhante. Tenho mais um menino!, ela pensou sentindo seus olhos marejarem.

Então viu Draco se afastar e pegar um pacotinho envolto em uma manta branca; ele sorriu seu sorriso mais verdadeiro, tão raro e ao mesmo tempo tão devastador. Os olhos dele estavam tão azuis e claros que ela sentiu vontade de não desviar mais o olhar, fascinada.

Mas não pôde, porque o sono invencível que vem depois de grandes esforços a envolveu e ela começou a deslizar para uma abençoada inconsciência. Procurou Draco mais uma vez antes de adormecer e viu que ele se debruçava sobre o pequeno berço que Olívia havia mandado de presente para o bebê.

Agora ele perdeu o interesse em mim, ela pensou com um nível de decepção que teria surpreendido-a, se ela estivesse totalmente consciente.

"Quero meu filho..." Ela murmurou, colocando de lado todos os pensamentos sobre Draco e se concentrando na única coisa que importava, no seu bebê.

No entanto, quando a curandeira trouxe o bebê até a cama sob a supervisão minuciosa de Draco, o sono tinha dominado-a e ela tinha uma leve impressão de felicidade tatuada no seu rosto.

***

"Não aguento mais ficar nessa cama." Gina afirmou exasperada e se remexeu inquieta. "Minha loja precisa de mim e fico aqui de braços cruzados."

"Quem te vê disposta assim nem sequer imagina que arrancaram um ser humano de cinquenta centímetros de dentro de você há alguns dias." Jorge comentou olhando para o bebê com um ar explícito de curiosidade e parado de pé ao lado do berço.

"Não dói tanto quanto parece." Ela rebateu inflando orgulhosa como um pavão enquanto Jorge desviava os olhos do menino e voltava a encará-la com expressão duvidosa. "E no final, vale a pena. Bom, tirando o fato de eu ter que ficar de molho por uns tempos." Ela completou, voltando a teimar no mesmo ponto.

Ficaram em silêncio por uns instantes, até que Gina se manifestou diante da hesitação de Jorge.

"Você pode segurá-lo, Jorge." Ela disse suavemente, contendo um sorriso diante da rara timidez do irmão.

Jorge olhou para ela e sorriu abertamente, parecendo subitamente mais relaxado.

"Olha Ginoca, tenho que admitir que isso é estranho até para mim. Quando descobrimos que você ia ter um filho do Malfoy, todo mundo quase surtou, principalmente o Rony. E foi impagável, você tinha que ver. Ele se engasgou por dois dias seguidos." Jorge pensou um pouco antes de tirar o bebê do berço com cuidado, embalando-o gentilmente. "Talvez nós devêssemos passar mais tempo lembrando que esse garotinho aqui também é um Weasley e menos tempo dizendo que ele é um Malfoy."

"Os outros..." Gina engoliu em seco, relutando em fazer a pergunta que desejava há muito tempo. "Eles não aceitaram?"

Jorge respondeu ser tirar os olhos do bebê, acariciando seu rosto suavemente, enquanto o recém-nascido permanecia muito quieto, observando tudo ao seu redor.

"Repetindo as palavras da mamãe 'Não há o que aceitar! O menino é da família e ponto final'." Ele terminou imitando com grande precisão o jeito de falar de Molly Weasley. O fato de ele ter falado baixo para não assustar o bebê só tinha tornado a situação mais engraçada. Gina deu risada e ele continuou no seu próprio tom de voz, "Todos nós concordamos com ela. Com exceção de Rony, talvez."

"Eu não esperaria menos de Rony." Gina afirmou amargurada e cruzou os braços, pensando em jeitos eficientes de bater na cabeça de seu irmão até que ele entendesse a situação dela.

Jorge assentiu. "Ele não consegue entender que aceitar e amar a cria da doninha não é exatamente aceitar a doninha em pessoa."

"Jorge!" Ela o repreendeu com um aperto no coração, para na sequência perceber que isso se devia a constatação de que Draco e a família dela nunca iriam se aceitar mutuamente.

"É a verdade." Jorge deu de ombros.

Ela suspirou cansada, sem querer entender o porquê aquilo fazia diferença agora. Então, resolveu que mudar de assunto era o mais aconselhável.

"Queria que todos estivessem aqui..."

Jorge a olhou de um jeito travesso, mas que não deixava de expressar ternura. "Sabe que não podemos nos expor mais do que já fazemos. Se todos os nossos parentes e amigos aparecessem para conhecer o jovenzinho aqui, provavelmente teríamos que deslocar metade do Reino Unido para sua casa."

Gina balançou a cabeça, concordando com a triste verdade das palavras. "É, acho que tem razão." Ela se remexeu na cama, desconfortável pelo longo período de inanição. "Muito trabalho para chegar até aqui?"

"Demais." Jorge suspirou sem esconder o cansaço. "Desde a ofensiva na Romênia estamos tendo que tomar cuidado redobrado. E, se antes já tínhamos bastante problemas de exposição com Percy percorrendo as ruas de Londres como se pudesse derrotar Você-Sabe-Quem com um feitiço contra bicho-papão, agora está bem pior."

"Ei!" Ela exclamou ofendida.

Quando viu o olhar venenoso de Gina, Jorge acrescentou sorrindo matreiro. "Nada contra esse feitiço, a propósito. Eu sei que você gosta dele."

"Desculpas aceitas." Gina cruzou regiamente as mãos sobre o colo, com um ar superior e brincalhão.

"Não me lembro de ter pedido desculpas." Jorge retrucou dando aquele sorriso torto e endiabrado que era só dele. "Enfim, mesmo com toda essa dificuldade, estamos conseguindo nos locomover. E, se pudessem, todos viriam conhecer o mais novo Weasley no mundo." Ele ergueu o recém-nascido até ficar cara a cara com ele e finalmente o bebê ameaçou chorar pela mudança de posição. "Um pouco mais loiro, um pouco mais chorão, mas, ainda sim, um Weasley."

Gina sorriu diante da afirmação e abriu os braços, solicitando o bebê num pedido mudo; Jorge o levou até ela, colocando o menino cuidadosamente nos braços de Gina.

"É hora de mamar." Ela explicou aconchegando o bebê junto ao peito.

Jorge fez uma careta enojada. "Então essa é exatamente a hora em que eu me retiro." Fez uma mesura teatral e se preparou para aparatar, mas, de repente, pareceu se lembrar de algo importante. "Eu suponho que ele tem um nome, não é?" Ele perguntou, meio sorrindo.

"Aries." Ela respondeu, olhando distraída para o filho e acariciando seus cabelos finos.

Se havia um jeito de ser eloquente com uma careta, Jorge o conhecia como ninguém. O que ele achou do nome ficou estampado no seu rosto.

"Não tinha um nome melhor para colocar? Xenophilius, talvez?" Ele levantou uma sobrancelha ruiva para ela.

"Não tive muita escolha." Gina ruborizou levemente. "Tem algo a ver com uma estúpida tradição dos Black."

Jorge levou o dedo indicador até a boca, simulando um vômito, para então aparatar do quarto de Gina.

Assim que ele desapareceu, Gina olhou para o filho acordado e silencioso em seu colo. O menino experimentava as sensações de um mundo novo e ela não pôde conter um sorriso. Passou a mão no cabelo ralo, num tom loiro bem mais escuro e vivo do que o de Draco, que brilhava como ouro quando os raios de sol batiam nele. E, no momento em que ele levantou os olhos para ela, Gina entendeu que agora seu coração era dividido em dois, cada filho com uma parte, não importando quem era o pai de cada um deles.

Ele manteve seu olhar e ela reparou mais uma vez nas pupilas de um azul indefinido, que possivelmente logo adquiririam o mesmo tom entre o cinza e o safira que o pai dele possuía.

Aries Malfoy. Ela tinha que admitir que, a contragosto, tinha gostado do nome.

Draco não abriu mão do primeiro nome, usando de artifícios como ameaças, biquinhos e birras.

Era claro que Gina queria escolher o nome do bebê, mas, no fim, já tinha escolhido o nome de um filho – algo que Draco nunca havia feito. Além disso, se sentia obrigada a ser altruísta por uma outra razão: Narcissa Malfoy. Parecia justo que Gina permitisse que o neto da Sra. Malfoy fosse nomeado segundo as tradições que agradariam a bruxa mais velha. Era o mínimo que podia fazer.

Assim, ela só se recusou a ceder no princípio para ver até onde Draco podia ir, mas não resistiu por muito tempo, caindo na risada depois do décimo terceiro bico que ele tinha feito em uma só tarde.

Entraram num acordo que durou exatos dois dias.

No fim desse período, quando Draco disse que o nome completo seria Aries Lucius Malfoy, Gina não pôde aceitar e começaram outra guerra que durou mais alguns dias. E, nessa guerra, Gina não aceitaria a derrota sob hipótese alguma.

No fim das contas, num raríssimo gesto de bom senso, ele abriu mão do nome do pai que tanto havia enojado a ruiva.

Por sua vez, quando ela sugeriu Fred para o nome do meio, Draco a encarou com o espanto de quem olha para alguém que faz algo muito idiota. E fez questão de expressar isso em palavras.

Jamais vou por no meu filho – um Malfoy - um nome que se pode colocar numa coruja, foram as exatas palavras dele. Gina rolou os olhos ao se lembrar daquilo.

E, finalmente, quando ele aceitou - um tanto a contragosto - a outra sugestão dela, o mundo de Gina se iluminou um pouco mais. Ela sorriu para o filho e percebeu que ele gorgolejava em retribuição.

Aries Arthur Malfoy.

Sim, ela gostava daquele nome.

***

Feliz, Gina respirou o doce aroma das poções da sua loja.

Depois de duas semanas, finalmente pôde voltar ao trabalho. Literalmente, ergueu as mangas da camisa simples que usava e se dedicou a tarde inteira a fazer soluções, poções, preparar ingredientes e organizar a loja.

Merlin, como eu senti falta disso!, ela pensou quase suspirando de alegria, assim que parou para descansar um minuto, no seu primeiro dia de trabalho.

Quando se jogou na poltrona do escritório, exausta, estava extremamente satisfeita. Havia organizado tudo de forma a poder ficar na loja e ainda assim cuidar de Aries; ela achou que já era seguro o suficiente fazer o convite que tinha em mente há alguns meses e, através de Rony, chamou Anne para viver com ela e cuidar do bebê.

Depois de uma temporada com Hermione e a Resistência, Anne seria uma companhia valiosa e Gina poderia retribuir o grande favor que devia a garota, depois de ter conseguido sair de Glastonbury graças a ela. Os burburinhos sobre a sua fuga definitivamente não existiam mais e Draco estava tão imerso no bebê e no Ministério que Gina desconfiou que ele não se proporia a perder qualquer tempo remexendo num assunto esquecido e cuja investigação só prejudicaria os dois.

Anne pareceu muito feliz com a ideia e Gina ficou aliviada por não ter que fazer Della tomar conta dos dois meninos, já que James estava numa idade tão terrível que não era aconselhável que a elfo dividisse suas atenções entre um recém-nascido e uma criança endiabrada.

Agora, num raro momento de tranquilidade, James estava brincando aos pés dela, enquanto a elfo cantarolava baixinho, se balançando sobre os calcanhares num canto do escritório e Dave terminava de catalogar as últimas poções ao seu lado. Em breve estaria em casa com Aries e tudo ficaria realmente perfeito.

Nada poderia estragar seu dia, ela pensou com um sorriso.

"Sra. Malfoy, é ótimo ter você de volta." Dave disse animadamente. "Só hoje terminamos todo o carregamento da semana!"

"Obrigada, Dave." Gina sorriu para o rapaz. "É maravilhoso estar aqui e-"

Ela não conseguiu terminar e o sorriso morreu nos seus lábios porque Anne adentrou o escritório da Loja de Poções, esbaforida e vermelha.

"Sra. Malfoy!" Ela disse tentando normalizar a respiração com a mão no peito. "Aconteceu uma desgraça! Eu queria ter avisado antes, juro que queria, mas não posso usar lareiras, aparatar e não tenho uma varinha, sequer sei como…"

A cada palavra, Gina se sentia mais gelada.

"Anne! Se acalme!" Ela controlou a voz para não assustar ainda mais a garota. "Respire e me conte o que aconteceu. Principalmente, me conte com quem está meu bebê, já que obviamente não está com você."

Anne respirou fundo, tirando os cabelos do rosto suado. "Esse é justamente o problema. Ele apareceu na sua casa, disse que se eu me negasse a cooperar me levaria para o Ministério para me tratarem exatamente como um aborto merecia. Então levou o bebê e eu não pude fazer nada." Ela terminou a frase assoando audivelmente o nariz num lenço que Dave lhe entregou gentilmente. "Disse que eu consegui escapar da primeira vez, quando te a ajudei a fugir de Glastonbury, mas que não teria a mesma sorte se tentasse impedi-lo..."

Gina não precisou de dois segundos para entender quem era o 'ele'.

"Há quanto tempo isso aconteceu?" Gina falou, sentindo uma vertigem de pavor e raiva.

"Pelo menos duas horas, senhora." Anne respondeu, balançando a cabeça desolada. "Só pude sair depois que dois aurores colocados para me vigiar foram embora."

Gina respirou fundo para controlar o gênio e o ódio, principalmente pelo fato de que tinha um garoto tímido, uma garota em estado de choque, um elfo e uma criança curiosa no mesmo recinto que ela.

Como o filho da puta pôde? Sequestrar um bebê de semanas!, ela só pensou, quando na verdade queria gritar.

"Maldito Draco!" Foi tudo que se permitiu dizer, saindo do seu escritório como um furacão.

"Senhora, espere-" Dave começou a dizer, mas Gina não estava escutando mais nada.

Deixou que sua cólera explodisse e desceu as escadas que davam acesso ao andar inferior da loja a passos largos, com Dave, Anne, Della e James nos seus calcanhares.

Reuniu todos os funcionários e, sem um pingo de restrição, ela deu vazão aos seus sentimentos quando todos os olhos estavam nela.

"Amigos, essa é a hora de mostrar que a patroa de vocês não é qualquer uma!" Ela respirou fundo notando os olhares de admiração e confusão, prosseguindo com o discurso inflamado. "É a hora de mostrar que Draco Malfoy não tem o direito de se comportar sempre como um egoísta, tratando todos as pessoas que sua esposa gosta e respeita como se fossem cocô de testrálio!" Nessa hora ela percebeu que alguns clientes também se juntaram às pessoas em volta dela, bem como outras pessoas na porta da loja. "Vamos dar o que ele merece, fazer com que ele pare de andar com aquele nariz comprido empinado como se estivesse uma bomba de bosta embaixo dele!"

Sob gritos de vivas e aplausos, Gina agradeceu fervorosamente pela devoção que ela conseguia inspirar nas pessoas nessa nova vida – e pela antipatia que Draco causava na mesma intensidade.

Mandou Della levar James para casa – que cruzou os braços emburrado dizendo que 'sempre perdia a diversão' - e se preparou para uma nova batalha.

No seu subconsciente, ela sabia que aquela era uma atitude perigosa, que Draco havia se tornado influente demais num regime político que não admitia demonstrações de rebeldia. Mas ela confiava no conhecimento que adquirira do seu marido nos últimos meses de convivência e sabia que ele seria o primeiro a tratar a atitude dela como um 'problema doméstico'. Afinal, Draco nunca admitiria publicamente que tinha menos controle sobre a mulher do que aquele que seria desejável.

Assim, acompanhada dos funcionários da loja, de Dave, Anne e de mais uns curiosos mais afoitos que viram a movimentação na saída da sua loja no Beco Diagonal, Gina aparatou com destino à Wiltshire. Ela parou em frente aos grandes portões da Mansão Malfoy, seguida por seu séquito, e exigiu a plenos pulmões que o portão fosse aberto ou ela mesma o derrubaria com as próprias mãos.

Quando ela mandou trazer uma parte do estoque de Poção Erumpente que fazia para o Ministério – pelo menos o cuidado de ter pegado as poções mais fracas ela poderia se orgulhar de ter tomado -, Edril aparatou em frente ao portão, mais aterrorizado do que nunca.

"Senhora, por favor. O Mestre está no Ministério e Edril tem ordens de não abrir a porta para ninguém. Ninguém." Ele frisou a última parte com um misto de desespero e agonia.

"Abra para sua senhora!" Rugiu a pequena aglomeração atrás dela, e as poções começaram a ser desembaladas dos recipientes. "Ou vamos colocar essa maldita Mansão abaixo!" Dessa vez Gina reconheceu a voz de Anne e não pôde evitar um sorriso, apesar da preocupação com Aries ali dentro da Mansão.

Depois de um momento de relutância, o elfo, tremendo da cabeça aos pés, disse que somente a sua senhora – que também era Malfoy, afinal - poderia entrar, mas que os outros deveriam esperar do lado de fora. Gina prometeu que não haveria ataque imediato e o portão se abriu rangendo levemente, como se estivesse reclamando de dar passagem para ela.

Ela andou até a casa, passando pelo jardim pavoroso e entrando como um raio. Ameaçou Edril mais uma vez até que ele a levou até o imenso berçário que Draco havia preparado para o menino. Quando o encontrou e o tirou do berço, apertou o mais forte que pôde sem machucá-lo, só para sentir o cheiro do seu filho, saber que ele estava com ela novamente.

Gina estava prestes a se precipitar para sair do quarto quando o elfo perdeu o controle novamente, batendo com a cabeça na parede e gemendo de dor.

"Edril merece ser castigado!" Ele guinchou. "Falhou com Mestre Draco pela primeira vez-"

"Espere-" Ela acenou com a mão livre

"EDRIL SERVE OS MALFOY HÁ GERAÇÕES E FALHOU!" Ele bateu na própria cabeça com o atiçador da lareira dessa vez.

"Pare!" Ela falou o mais alto que podia, mas Edril a ignorou. Então simplesmente deu de ombros e desceu com medo de que o elfo assustasse o bebê. Estava irritada, amedrontada e inquieta demais para dar a devida atenção aos ataques de Edril. Ou para ser simpática à causa dos elfos, que Hermione a perdoasse.

Assim que chegou a uma das salas que dava para a saída principal, ela se deparou com uma figura altiva e elegante, girando uma taça de firewhiskey entre os longos dedos, como se estivesse esperando casualmente por ela.

"Olá, Ruiva."

"Blaise!" Gina exclamou ficando aliviada por ver um rosto amigo dentro da Mansão, para depois se dar conta da estranheza da situação. "Achei que estivesse dando um tempo fora do país." Ela constatou, franzindo a testa.

Não via Blaise há quase seis meses, desde o infeliz acontecimento de Hogwarts. Aparentemente ele continuava o mesmo, com o sorriso enviesado, meio cáustico, que de alguma forma ela sabia que não era seu verdadeiro sorriso, como se ele escondesse sempre algo dentro de si.

"Voltei há dois dias. Estava com saudades do clima horroroso da Inglaterra." Ele a encarou preguiçosamente com o típico olhar semicerrado, e ergueu a taça em direção a ela como se estivesse brindando. Então ele baixou os olhos escuros para o bebê nos braços de Gina e uma emoção desconhecida cintilou nos olhos dele por um segundo – conformismo, carinho, derrota?

Gina não teve tempo para analisar, porque Blaise tinha voltado a se dirigir a ela.

"Esse é o meu afilhado, então."

Ela, que ainda não tinha totalmente concordado com aquela afirmação, acabou sorrindo quando olhou para o bebê e aquela foi toda a confirmação que Blaise precisava.

"Sim." Ela disse simplesmente, aceitando o inevitável.

Ele deixou o copo em cima da lareira e se aproximou em poucos passos, levantando uma mão para acariciar a cabecinha loura de Aries, que o olhou muito quieto, como se aquela situação caótica não tivesse o poder de incomodá-lo.

"É a cara do Draco," Ele comentou franzindo o nariz e sem alterar o tom de voz, como sempre. "Mas, com a influência certa – a minha no caso -, talvez ele cresça para se tornar alguém decente e que saiba falar três frases seguidas sem sofrer com isso."

"Certamente crescerá." Gina retrucou em tom bem humorado. "Afinal, eu sou a mãe dele."

Blaise a presenteou com um sorriso malicioso e Gina ficou vermelha, finalmente se lembrando da situação em que estava.

"O que você está fazendo aqui?" Ela perguntou franzindo a testa.

"Sinceramente, esperava mais das suas habilidades de dedução." Zabini fez um som de 'tsk' com a língua, expressando seu desapontamento. "Vim impedir que você e Draco se azarem infantilmente, é claro."

"Não vai acontecer nada disso, mesmo porque já estou de saída." Ela afirmou cheia de uma resolução raivosa. "Nem vou ter o desprazer de me encontrar com ele."

"O que você almeja com tudo isso?" Blaise perguntou para ela no tom de quem perguntava sobre quem seria o vencedor do jogo de quadribol mais entediante da temporada. "Não se deu conta de que depois da sua visita ao Ministério, Você-Sabe-Quem está de olho em vocês dois?"

"Só quero meu bebê!" Ela ignorou a última pergunta e apertou Aries contra o corpo, sem conseguir deixar de colocar uma nota de desafio na voz.

Não queria se lembrar de que havia uma grande probabilidade de que, ao não conseguir entrar na sua mente, Voldemort tivesse ficado... interessado nela.

"E chamar atenção de toda a Londres, do Ministério e de Você-Sabe-Quem?" Agora Blaise parecia realmente exasperado. "Merlin, vocês dois não sabem resolver os problemas conversando?"

Gina teve a decência de ruborizar. "Eu- eu posso ter exagerado um pouco. Mas ele também não facilita minha vida em nada!" Ela exclamou, quando uma pergunta lhe ocorreu. "Como você soube, aliás?"

Blaise a olhou como se a pergunta fosse muito idiota.

E realmente era, Gina se deu conta quando parou para pensar a respeito de Zabini e suas fontes. Entretanto, por respeito aos velhos tempos, Blaise se deu ao trabalho de responder.

"Todos no Beco Diagonal viram você e seus funcionários saírem da loja transtornados, por razões desconhecidas, e maldizendo Draco. Eu estava entediado e, unindo o útil ao agradável, vim para cá assim que pude e me inteirei do assunto. Tenho passe livre na Mansão Malfoy, como você sabe."

Gina ruborizou um pouco mais, pensando que até Blaise tinha passe livre na Mansão e ela sequer podia por os pés lá se não ameaçasse explodir o lugar. "O que supostamente eu deveria fazer, Blaise? Ele levou meu filho!"

"O que você deveria fazer não vem mais ao caso." Ele apontou venenosamente. "Agora o que importa é o que você deve fazer. Eu te aconselho a mandar seus funcionários de volta à loja, agindo como se nada tivesse acontecido. E quanto a nós, ficaremos aqui até Draco chegar e resolveremos tudo como adultos. Tenho a impressão de que, com o barulho que você fez, ele não vai demorar a chegar do Ministério."

Levemente contrariada, Gina fez como tinha sido aconselhada e as palavras do amigo não tardaram a se revelar verdadeiras: ao cair da noite, Draco entrou na sala de estar da Mansão, encontrando Gina e Blaise conversando animadamente, ao lado da lareira. Aries estava aconchegado no colo da mãe, mamando avidamente com uma mãozinha muito branca sobre um seio, que respeitosamente Blaise evitava olhar.

O movimento do fogo da lareira colocava reflexos perturbadores nos seio exposto e no pescoço dela e Draco desviou os olhos, subitamente menos confiante no discurso que tinha preparado contra a megera ruiva depois que descobriu que ela tinha causado aquele pequeno alvoroço no Beco Diagonal.

Mas, quando se deu conta do cenário completo, Draco estacou no lugar, estreitando os olhos perigosamente para os dois.

"O que vocês dois estão fazendo na minha casa?" Ele perguntou friamente, passeando o olhar sobre a mulher e o amigo. "E sozinhos?"

Gina bufou discretamente sem olhar para ele, mas não passou despercebido por Draco o fato de que as bochechas dela tinham ficado um pouquinho mais coradas.

Blaise rolou os olhos para o inconfundível ciúme na voz de Draco e aproveitou o momento de hesitação para tomar a palavra. "Não estamos sozinhos. O pequeno Aries está conosco, certamente cuidando dos interesses do pai."

Impassivelmente, Draco cruzou os braços sobre o peito e ergueu uma sobrancelha para Blaise, dando claramente a entender que Zabini não tinha respondido tudo que ele desejava saber.

Entendendo o recado, Blaise continuou suavemente. "Estávamos a sua espera para resolver um pequeno... problema doméstico."

Draco o olhou o mais perto da simpatia que podia naquele momento, e os três sabiam que aquilo não era muita coisa.

"Não vejo por que isso deveria preocupar você, Zabini." Draco arrastou irritantemente cada palavra.

Blaise não se deixou abalar pelo tom arrogante e petulante.

"Estou aqui como um defensor da saúde do meu afilhado." Blaise apontou displicentemente para o bebê que mamava, sem perder o espírito. "O menino deve ser alimentado pela mãe. Privá-lo do leite materno quando ele está disponível seria uma atitude realmente imprudente." Ele balançou a cabeça, num atitude decepcionada. "Mas com certeza você sabia disso, não é, Draco?"

Draco fez uma careta admitindo inconscientemente que tinha sido burro o bastante para não pensar naquilo antes; aquele tipo de consideração estava muito longe das suas preocupações habituais, que envolviam, bem, ele próprio e suas necessidades. Então ele claramente mudou de assunto, para virar a situação ao seu favor.

"Ele é meu filho, Blaise." Draco deu dois passos para frente, inconscientemente se aproximando do bebê – e de Gina, que finalmente levantou os olhos escuros e raivosos para ele. "E deve ficar na casa dos seus antepassados, onde foi concebido." Fez a última observação olhando diretamente para Gina, tentando desestabilizá-la de alguma forma.

"Não seja por isso, Draco." Blaise o encarou condescendente. "Acho muito natural que ele venha morar aqui-"

Draco sorriu e Gina prendeu a respiração.

"Não!" Gina se exaltou, falando pela primeira vez.

"Sim!" Draco respondeu no mesmo tom, fulminando-a com o olhar.

" com a mãe dele." Zabini completou, como se eles não tivessem dito nada. "São casados há quase um ano, tem um filho juntos e vivem em casas separadas. Seria patético se não fosse engraçado."

Gina e Draco estremeceram e ficaram em silêncio. Depois se olharam, como duas crianças birrentas prestes a serem forçadas a fazer as pazes por um adulto impertinente.

"Não posso abandonar James e Della." Gina disse, embalando o bebê e com um brilho de afronta nos olhos castanhos.

"Eles poderão ficar aqui também, não é, Draco?" Zabini disse, amigável. "A Mansão é imensa. Tenho certeza que há espaço para todos."

Draco manteve um silêncio impassível e seu rosto parecia aquele de alguém que mastigava algo muito ruim. Depois de um instante constrangedor, Zabini continuou falando, aceitando o silêncio de Draco como a resposta desejada por ele.

"Bom, acho que chegamos num acordo razoável e minha presença aqui não é mais necessária." Ele disse para ninguém em particular, se levantando graciosamente na sequência.

"Sua presença nunca foi necessária, para começo de conversa." Draco espetou.

Ignorando o comentário do Malfoy, Blaise se dirigiu à Gina. "Deveríamos fazer isso mais vezes, Ruiva. Foi uma tarde extremamente prazerosa." Ele piscou um olho para ela, que por sua vez só rolou os olhos diante da clara provocação ao amigo.

O rosto de Draco parecia ter ser esculpido em gelo quando ele abriu a boca.

"Vá embora, Blaise." Ele disse lentamente, no seu tom mais suave e perigoso. "Ou eu juro que dessa vez não serei eu a acabar com um feitiço cortante no meio do peito."

Blaise se curvou polidamente, acatando as palavras de Draco com um sorriso de quem estava se divertindo e nada intimidado.

"Só posso esperar que vocês tenham mais juízo daqui para frente." Ele falou à guisa de despedida. "E que, de preferência, não coloquem fogo de Wiltshire até Londres com essas brigas."

Dizendo isso ele se foi, não sem antes dar um tapinha encorajador no braço de Gina e acenar graciosamente a cabeça para Draco.

Malfoy lançou olhares sanguinários para as costas do amigo até que ele partiu. Então, começou a caminhar de um lado para outro, observando Gina sombriamente, sabendo que isso a irritaria.

Ela, por sua vez, tentava ignorar o mau humor dele e se limitava a dar toda sua atenção ao apetite do bebê.

Por fim, Draco se entediou e se sentou no lugar onde estava Blaise, minutos antes. Gina ficou levemente inquieta e Draco percebeu seu desconforto, sorrindo ironicamente.

"Não contávamos que as coisas acabariam assim, não é? Olhe para você, bem aqui, na toca do ogro..." Ele zombou dela. "É impressão minha ou você está com medo, sob toda essa postura insolente?"

Gina finalmente levantou os olhos escuros para ele, com uma expressão de desinteresse no rosto.

"Por que eu teria medo de uma criança mimada e birrenta? A estadia nesse mausoléu vai me fazer criar três crianças: James, Aries e você." Ela falou tão suavemente que parecia que estava elogiando-o.

"Dá para ver que as dores do parto não te fizeram ficar mais amável." Draco disse num tom menos confiante, se encostando na poltrona.

Gina estremeceu ao se lembrar do parto e da conexão deles no momento do nascimento de Aries.

Era como se eles tivessem… renascendo.

Renascendo com uma relação diferente.

Ela levantou os olhos para ele e viu que o olhar de Draco tinha deslizado do pescoço para o seio muito branco, onde o bebê tinha finalmente adormecido.

"Não imaginei que você pudesse fazer uma coisa terrível assim."Ela disse, muito para quebrar a tensão do momento e chamar a atenção dele novamente para seu rosto.

Draco levantou uma sobrancelha para ela. "Bom, você sempre pensa que eu vivo 'fazendo coisas terríveis'." Ele zombou da expressão. "Se importaria de ser um pouco mais específica?"

"Sequestrar seu próprio filho, seu idiota!" Gina exclamou sentindo um pouco da raiva das horas anteriores voltando até ela. "Você foi tão... gentil comigo, no nascimento dele."

"Eu não fui gentil." Draco se sobressaltou como se ela tivesse dito que ele tinha sido um grosso e sem coração. "Só achei que seria adequado te ajudar, para você colocar logo meu filho no mundo." Ele deu de ombros, displicente. "Quanto menos contato ele tiver com você, melhor."

Gina sentiu uma vontade incipiente de bater na cabeça dele com o atiçador da lareira, como tinha feito Edril. Para se distrair, cobriu o seio como pôde quando percebeu que Aries havia dormido.

"É claro! Não é bom para um bebê ficar perto de uma mulher que tem o orgulho exagerado de um hipogrifo, a sutileza de um troll e o temperamento de um grindlow!" Ela disse imitando o tom de voz arrastado de Draco com uma precisão que fez com que ele tivesse que reter com esforço um sorriso traidor que ameaçou brotar nos seus lábios.

"Esqueceu de dizer que também tem o veneno de um Basilisco." Ele acrescentou maldosamente.

Depois de um momento tenso, os dois olharam-se nos olhos e, estranhamente, começaram a sorrir; primeiro timidamente, como se estivessem tentando conter o riso e, quando isso se provou impossível, riram abertamente. Juntos.

Toda a tensão havia se desvanecido no ar, como se ficar sentados ali, um ao lado do outro velando pelo seu bebê, fosse mais do que natural, fosse bem vindo. Ao se dar conta, Draco cerrou os lábios, engolindo aquela alegria espontânea e desviando o olhar.

"É verdade o que Edril me contou, que você ameaçou explodir os portões da Mansão com as suas poções se não te deixassem entrar?" Ele perguntou levemente curioso e satisfeito por desviar a atenção do momento anterior.

"Sim." Ela respondeu simplesmente.

"E se ele não tivesse permitido, teria realmente explodido?" Draco levantou uma sobrancelha, questionando-a.

"Sim," Gina levantou o queixo e esperou um ataque dele. "Eu teria mandado essa maldita Mansão pelos ares."

Draco se ergueu da poltrona e não conseguiu evitar uma gargalhada. Ela arregalou os olhos, sabendo que, naquele homem cujos sorrisos já eram algo muito raro, vê-lo gargalhando era surpreendente.

E hipnotizante.

"Pelas barbas de Salazar, Weasley, você vai acabar me divertindo." Draco teve que respirar fundo para controlar a risada. "Pode ter todos os defeitos do mundo, mas, definitivamente, não é entediante." Ele se inclinou para se aproximar mais dela, levantando uma mecha do cabelo ruivo revolto que caía sobre suas costas e ela fechou os olhos sem saber o porquê. "As vezes eu me pergunto se não há outras soluções além de te azarar com uma Maldição Imperdoável ou..." Ele disse, mais para si mesmo do que para ela.

"Ou...?" Ela perguntou ainda de olhos fechados,

Draco soltou o cabelo dela, se afastando bruscamente. "Preciso pensar."

"No que?" Ela perguntou suavemente sabendo que estava indo longe demais; controle nunca tinha sido sua característica mais marcante.

"Em tudo, eu acho." Draco encolheu os ombros, antes de propositadamente mudar de assunto. "Você pode ficar à vontade e trazer o Cicatriz Júnior para cá. Mas não conte vitória muito cedo: está na minha casa agora, sob minhas regras."

Depois de passar a mão suavemente pela cabecinha loura do filho, ele saiu a passos largos da sala e deixou Gina imersa em seus próprios pensamentos, inebriada com o cheiro e o toque dele.

E, pela primeira vez, ela teve coragem de admitir para si mesma.

Mesmo com todos os defeitos e do inferno que ele fazia da vida dela quando queria, ela desejava mais da presença e do toque de Draco Malfoy.

***

A adaptação à Mansão Malfoy foi menos traumática do que ela havia pensado a princípio. Gina tinha levado Della consigo e achou melhor dispensar Anne e mandá-la para viver junto da Resistência mais uma vez, para evitar que ela tivesse contato com Draco.

Nada poderia sair de bom da convivência entre os dois.

Agora, tinha dois elfos para ajudá-la com os meninos e já estava se sentindo um pouco mais confortável naquele mausoléu que Draco chamava de casa.

James, por sua vez, estava se saindo muito melhor: apesar do ambiente escuro e pouco convidativo para uma criança, ele adorou a mudança de casa pelo simples fato de que a Mansão era um lugar totalmente espaçoso - e isso fazia toda a diferença para um menino agitado.

Ele já tinha sido pego três vezes por Edril tentando voar com uma vassoura na sala de estar e adquirido uma mania levemente arriscada de deslizar de meias pelos corredores imensos e bem encerados da Mansão; mania essa que não se abalou nem quando, em uma das brincadeiras, ele colidiu com Draco com tamanha força que o impacto esparramou ambos pelo chão.

Obviamente, aquilo não tinha deixado Draco muito feliz com a presença deles ali, mas cada vez mais eles criavam uma convivência diplomática. O que não tinha sido muito difícil se fosse considerado o pouco tempo que Malfoy passava em casa, no geral. Saía cedo e só voltava tarde da noite; eles raramente se encontravam, somente no quarto destinado a Aries, onde Draco passava a maior parte do seu tempo na Mansão.

Para Gina esse arranjo tinha suas vantagens, tal como a esperança de conseguir algumas informações adicionais para a Resistência. Entretanto, também tinha uma clara desvantagem com relação ao princípio mais básico que atormentava sua vida: a saudade da sua família. Seria praticamente impossível vê-los agora, sem que Draco soubesse.

Havia um outro ponto que, por mais que ela demorasse a admitir, estava tirando seu sono: a consciência de Gina pesava como se carregasse um dragão nas costas. Por vezes ela perdia horas ruminando sobre o problema, como encará-lo, se devia ignorá-lo, o que devia fazer. Como era uma mulher mais inclinada à ação – por mais que isso significasse precipitação, na maioria das vezes – ela decidiu o que queria. E não demorou a colocar suas ideias em prática.

Assim, poucos dias depois de mudar, ela trouxe Narcissa Malfoy de volta para a casa.

E Gina se convenceu que aquilo era o certo a fazer, sabendo que a mulher só estava no St. Mungus para impedir seu contato com os outros comensais e delatar, mesmo que inconscientemente, sua posição.

Gina nunca concordaria com a atitude de Draco, mas podia compreendê-la: perder o marido fora possivelmente o golpe mais duro da vida da mulher, provavelmente desestabilizando-a psicologica e emocionalmente. Mas depois de tantos anos...

Não, não era possível que ainda fosse assim, Gina disse para si mesma. Estar de volta a sua casa com seu filho e agora um neto só poderiam trazer benefícios à Narcissa. E Gina devia isso a ela.

Tinha que acreditar que ela ficaria bem. Primeiro, porque isso aliviaria sua consciência; ainda não havia esquecido o fato de que tinha usado as memórias dela para chantagear Draco e sabia que devia uma recompensa à Narcissa. Segundo, porque certamente teria que possuir bons argumentos no momento de enfrentar Draco quando a hora chegasse. E ela pressentia que ele não ficaria feliz com a intromissão dela.

O bem-estar de Narcissa seria sua carta na manga contra o furor de Draco.

Tirá-la do St. Mungus sendo sua nora tinha sido mais fácil do que ela teria pensado. Bastou apenas algumas palavras de que ela voltaria ao hospital se fosse necessário, uma postura altiva, o sobrenome Malfoy e uma oferta de uma doação generosa em nome de Draco. E Narcissa suportou tudo com um rosto estoico e com uma dignidade de dar inveja. Ela não fez perguntas ou foi arisca; era como se estivessem levando-a para um passeio habitual.

Foi somente quando foi devidamente posta ao lado da lareira da grande da sala de estar da Mansão que ela pareceu relaxar e rejuvenescer alguns anos, olhando ao redor com um misto de alívio, saudades e tristeza. Como se tivesse esperado por aquele momento durante anos. À luz da lareira, Gina podia perceber como aquela mulher era imponente. Subitamente, se sentiu um pouco intimidada e balançou a cabeça, para espantar o sentimento.

Vendo o movimento, Narcissa a encarou fixamente, com dois olhos azuis penetrantes e as mãos cruzadas sobre o colo.

"Suponho que eu deva te agradecer, então."

Gina tentou parecer casual.

"Acho que não devemos mais nada uma para a outra. É a nossa chance de seguir em frente, sem se deixar abalar pelo que ficou para trás." Ela disse pensando na chantagem que tinha feito com o filho dela e desconfiando que Narcissa tinha o mesmo pensamento, com relação aos anos perdidos pela morte de Lúcio.

Narcissa ergueu uma sobrancelha muito loira. "Belas palavras, Ginevra." A voz dela era suave, mesmo assim tinha um tom de autoridade que Gina inevitavelmente comparou com o seu próprio tom esganiçado. "E, dado que você parece estar afoita em me recompensar por algo, só me resta saber o que eu fiz para merecer sua gratidão..."

"Como a senhora sabe meu nome?" Gina perguntou estupidamente, mas satisfeita por desviar os pensamentos de Narcissa daquele rumo. Não revelaria sua chantagem por nada nesse mundo, não naquele momento.

"Minhas idéias podem não estar em sua melhor forma atualmente, mas não sou burra, Ginevra." Ela repetiu o nome, como se quisesse provar o ponto. "Eu me lembro da sua visita ao hospital. Do começo dela, pelo menos. E me lembro que você disse que se casaria com meu filho."

"Nos casamos há quase um ano..." Gina contou timidamente, embaraçada por explicar algo que deveria ser sido contado pelo filho dela.

"Vejo que você é uma mulher de palavra, assim como eu." Narcissa fechou suas mãos em punhos. "Espero que Draco esteja bem, a propósito."

Gina engoliu em seco antes de responder. "Ele está bem. Mas não é sobre Draco que gostaria de falar agora." Ela mudou de assunto estrategicamente. "Eu queria que você conhecesse alguém."

Com um gesto rápido, chamou Della e pediu que ela trouxesse Aries para a sala de estar. Assim que ele chegou, Gina colocou diante de Narcissa o pequeno bercinho enfeitiçado para se locomover por diversos cômodos.

"O nome dele é Aries." Gina explicou e inconscientemente torcendo as mãos.

Quando a mente de Narcissa fez as associações corretas, ela pareceu em choque, ainda mais pálida. Parou a mão no meio do caminho para ajeitar os cabelos nervosamente, se contendo a tempo.

Ela se levantou elegantemente e se aproximou do berço, já aparentando ter recuperado seu controle tão comum. Contudo, no instante em que esticou o braço para tocar o bebê, Gina viu sua mão tremer levemente e isso a emocionou mais do que todo o resto.

Com as pontas dos dedos, Narcissa tocou a bochecha do bebê, que a encarava com seus grandes olhos que Gina podia jurar que estavam ficando mais cinzas no decorrer das semanas, para seu desgosto.

"Eu não fazia ideia." Narcissa sussurrou, não tirando os olhos da criança e Gina sabia que era verdade. Duvidava que Draco tivesse reunido coragem suficiente para falar com a mãe sobre seu casamento e filho.

Grande covarde, Gina cerrou os lábios para se impedir de dizer qualquer coisa desfavorável com relação a Draco.

"Aries Black..." Narcissa disse, franzindo a testa de forma confusa.

"Aries Malfoy." Gina a corrigiu gentilmente, se surpreendendo com a própria ênfase no nome do filho. "Mas a tradição do nome é realmente dos Black." Ela falou, sem conseguir deixar de torcer o nariz para o fato.

"Óbvio que sim." Narcissa desviou os olhos do bebê pela primeira vez, recuperando seu ar arrogante. "Creio que eu posso me lembrar das tradições da minha própria família, Ginevra." Ela ficou em silêncio um instante, antes de completar, "Ele se parece tanto com Draco que me perdi em meus pensamentos."

Gina aquiesceu, não podendo rebater. Aries realmente se parecia com Draco, isso era um fato.

Apesar do cabelo num tom loiro um pouco mais escuro, quase puxado para o dourado, os olhos dele, a cor da pele e algumas vezes, Gina podia jurar, até o jeito de olhar eram do pai. Nas últimas semanas ela vinha se questionando com um tom de ironia amarga a razão da sua genética ser tão fraca, apesar da fertilidade da sua família: já não bastava James ser uma versão em miniatura de Harry, agora ela tinha que lidar com uma de Draco Malfoy também.

Se convenceu pensando que aquilo fazia sentido; se os genes dos Weasley fossem dominantes de alguma forma, os ruivos do mundo não estariam correndo risco de extinção, dada a vitalidade com a qual eles procriavam.

Fez uma careta ao se dar conta de como aquele pensamento tinha a assinatura de Draco Malfoy.

Se consolou maldosamente ao lembrar que Aries tinha minúsculas marcas em volta do nariz – que era todo dela-, quase imperceptíveis, mas que dariam as caras com o tempo.

Sim, eu dei sardas para o seu filho, Draco Malfoy!, ela pensou e teve que controlar com muito esforço uma risada diante do pensamento que antecipava a cara que Draco faria quando se desse conta do fato.

Se concentrando no que importava, ela foi até o berço e pegou o bebê, depositando-o no colo da avó pela primeira vez e viu como Narcissa demonstrou uma centelha de emoção nos olhos azuis. A bruxa mais velha se sentou e começou a embalar suavemente o menino, com os olhos fixos nele.

Gina se sentou mais uma vez para poder observar a cena mais de perto. A química entre a avó e o bebê era evidente; Aries era uma criança arredia, que não permanecia muito tempo no colo de ninguém, com exceção de Gina e, algumas vezes, de Draco; mas ali, no colo de Narcissa, ele parecia tão sereno e tranquilo que nada poderia perturbar seu espírito. E, quando ele envolveu a mãozinha no dedo indicador de Narcissa que sorriu abertamente para o neto, Gina teve que frear a urgência de engolir em seco diante da imagem.

E foi assim que Draco as encontrou, entrando na sala de estar como um furacão. Gina se sobressaltou, mas Narcissa mal levantou os olhos do bebê.

Draco olhava fixamente para sua mãe segurando seu filho, sendo bombardeado por mil sensações.

Ela estava exatamente com a mesma aparência de que ele se lembrava, com seu rosto suave e impassível, olhos frios e sem emoção. Contudo, olhando mais atentamente, ele podia enxergar algumas linhas de idade começando a marcar sua face e como o cabelo dourado estava se intercalando com finas mechas cinzentas, aqui e ali.

Ele prendeu a respiração e tirou alguns fios de cabelo que caíram sobre sua testa.

"Mãe." Ele a cumprimentou com um aceno rígido de cabeça, como se tivesse visto-a na semana anterior. "Edril me disse que Ginevra tinha trazido você para casa." Draco desviou os olhos semicerrados para Gina, com um traço inconfundível de desagrado em todos os gestos. "Não fazia ideia que vocês duas já tinham se encontrado."

Gina engoliu em seco vendo como a frase tinha uma indicação subjacente de traição, mas não precisou verbalizar nada, porque Narcissa tomou a dianteira da conversa.

"Boa noite, Draco." Narcissa respondeu altiva e no mesmo tom impessoal do filho. "Infelizmente, creio que eu não posso opinar sobre as coisas que você sabe, tampouco sobre aquelas que deixa de saber. Ultimamente nós não tivemos muito tempo para conversar." Ela completou friamente e voltou a olhar para o bebê.

Frustrado, Draco bufou sonoramente- num gesto que sua mãe certamente desaprovou considerando a forma como os lábios dela se pressionaram numa linha fina-, e preferiu voltar sua atenção raivosa para Gina.

"Ginevra," Ele disse cansado e passando uma mão sobre os olhos. "Eu espero sinceramente que você não tenha falado mais do que devia ou-"

"Ou o quê?" Narcissa perguntou sem tirar a atenção de Aries, que agora tinha fechado a mãozinha no tecido do robe da avó. "Há algo que eu deveria saber?"

Gina se desesperou.

Tirando o fato de que eu forcei seu filho a casar, suporto à Resistência, fui parcialmente culpada por mandar Draco para a prisão e ter ficado sob a mira de Voldemort, não há nada a saber!, ela pensou mordendo o lábio.

"Mãe, eu..." Draco hesitou.

Narcissa fez um gesto dissuasivo e altivo com a mão, interrompendo-o. "Talvez seja melhor a ignorância por enquanto. Haverá tempo suficiente para que nós dois – nós três, na verdade- conversemos melhor."

Draco não se deu por satisfeito. "Estamos numa situação delicada e não acho que seja o momento de-"

Ela levantou os olhos mais uma vez, dessa vez com um brilho de exasperação neles, e Draco recuou um passo instintivamente diante daquela profundidade azul.

"Poupe-me, Draco. Você se casou com uma traidora de sangue, me ignorou durante meses, literalmente meteu os pés pelas mãos. Se acha que não vamos conversar a respeito, está muito enganado." Ela disse e Gina se sentiu ofendida, mas concluiu que a represália não era exatamente com ela e preferiu ficar em silêncio, assistindo ao espetáculo: ver Draco ser repreendido sempre era agradável. "Mas eu estou disposta a relevar algumas coisas, porque você gerou esse bebê e, ao seu lado, ele é a coisa mais preciosa que eu tenho." Narcissa apontou para o bebê em seu colo. "E porque eu finalmente estou em casa. Graças a Ginevra" Dessa vez, ela olhou para Gina, que não soube interpretar o que via naqueles inescrutáveis olhos azuis.

Draco abaixou a cabeça no único gesto de submissão que Gina já tinha visto ele fazer. "Mãe, por favor, precisamos manter as aparências com relação ao nosso passado eao nosso presente."

Gina percebeu que ele já a considerava como um problema da família dele e ficou estranhamente agradecida.

"Você usava fraldas quando eu já dominava a arte de ser discreta." Narcissa respondeu suavemente, se levantou e entregou o bebê a Gina. "Somente entrei em estado de choque quando Lúcio... Bem, não importa mais, já é hora de superar." Fez um aceno elegante e displicente com a mão, como se quisesse espantar a memória. "Eu entendo perfeitamente o que está em jogo aqui."

Draco assentiu discretamente e Narcissa se encaminhou para a porta, se virando para colocar a mão sobre o braço dele gentilmente e completar num tom mais carinhoso que surpreendeu Gina.

"Eu agradeço tudo que você fez pelas nossas famílias, Draco. Você reergueu nosso nome e o no lugar de onde nunca deveria ter saído. Estou muito orgulhosa de você e sei que seu pai também estaria." Ela quase sorriu e Gina pôde sentir como o alívio exalava do corpo de Draco, como se ele tivesse esperado por aquilo durante anos e finalmente conseguido; ela não pôde evitar se emocionar e olhou discretamente para o bebê para desviar o olhar daquela cena tão íntima entre mãe e filho. "Por favor, diga a Edril para preparar meus aposentos e que eu voltei para ficar."

Finalmente ela se virou para sair e Draco se sentiu estranhamente impotente, como se tivesse falhado com ela mais uma vez. Ela estava ali agora e parecendo bem, era verdade, mas quanto tempo havia sido perdido, por causa das suas falhas?

"Mamãe," ele não pôde evitar a palavra que era quase uma súplica, assim que sua mãe pousou a mão na maçaneta da grande porta dupla.

Narcissa olhou para trás, seu rosto meio escondido na sombra daquele canto da sala, mal iluminado pela lareira. "Sim, querido?"

O tratamento fez o estômago dele se contrair num misto de dor e saudades. Ele a encarou por alguns momentos, todas as palavras que ele tinha pensado em dizer para ela há quase um ano na ponta da língua. Como era o costume, nenhuma delas lhe obedeceu.

Então ele disse com a voz rouca, ainda que arrastada. "Me perdoe."

Narcissa inclinou a cabeça parecendo por um momento que ela estava cansada demais para mantê-la de pé. "Por quê?"

Por ter sido um idiota mimado, por não ter te ouvido, por ter fracassado, por ter deixado papai morrer, por ter me escondido, por ter te colocado no St. Mungus, ele pensou fechando os olhos. Me perdoe por ter tanto medo.

"Por tudo." Foi a única coisa que conseguiu dizer.

"Ah, Draco." Ela fez um som que era metade um soluço, metade um suspiro. "Por que você me pede perdão se foram minhas ações que nos trouxeram até aqui? Já é hora de recomeçarmos, meu querido."

Foi a última coisa que Narcissa disse antes de se virar novamente, saindo da sala.

Os ombros de Draco despencaram como se ele tivesse levado uma enxurrada de água fria na cabeça. O aperto estranho dentro de si parecia queimar e querer subir pela sua garganta. Ele apertou seus olhos ainda fechados, bloqueando os sentimentos como tinha se acostumado a fazer.

Não iria chorar.

Era mais forte do que aquilo.

Não era mais um menininho naquela mesma sala de estar, feliz e protegido dos problemas pelos pais.

Assim que ele abriu os olhos novamente, bem mais controlado, sua mãe já tinha partido.

Ele sequer olhou para a Gina, temendo transparecer o misto de alívio, desespero, saudades e raiva que estava sentindo naquele momento.

Sua mãe estava de volta, aparentemente sã, tinha orgulho dele e isso era perfeito. Mas o fato de que Ginevra tinha trazido-a sem seu consentimento – ou conhecimento, para começar- o deixava a beira de querer esganá-la naquele momento. Será que ela não sabia que aquele tipo de atitude intempestiva era perigoso para eles?

E, mesmo assim, seus olhos traiçoeiros se desviaram até a figura esguia, de cabelos flamejantes. Ela o olhava com olhos um tanto arregalados, tão escuros na sala mal iluminada que Draco achou que poderia se perder dentro deles.

Ela estava curiosa, com receio, cheia de expectativa e Draco se surpreendeu por poder ler quase todos os sentimentos dela. Não que ela não fosse uma pessoa transparente e aberta – porque ela era e Draco achava aquilo deprimente-, mas ele a conhecia de uma forma diferente, quase íntima, como se pudesse saber o que ela estava pensando.

Podia sentir que ela estava com medo da reação dele.

Mas, em vez de se aproveitar da sua clara vantagem nessa nova disputa que eles inevitavelmente travariam, tudo que ele pôde fazer foi ficar olhando para ela, segurando Aries com firmeza no colo.

Nesse momento, Draco teve certeza não teria paz para o resto da vida, por causa daquela mulher.

E o que mais o assustava era que ele não se importava com isso tanto quanto deveria, porque todos os problemas pareciam pequenos diante do fato de que ter uma vida inteira de tormentos causados por ela também significava uma vida inteira ao lado dela.

Draco se jogou na poltrona mais próxima com o rosto entre as mãos e sequer reparou quando Gina saiu da sala, angustiada e aflita pela primeira vez com o silêncio dele.

Ele suspirou, cansado.

Precisava – e iria – se manter o mais longe que conseguisse de Gina Weasley, antes que fosse tarde demais.


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