Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 20
Duelando Contra Sentimentos


Notas iniciais do capítulo

Geez, quase OITO MIL PALAVRAS! Não aguento mais olhar para essa história haha =P

Não sei se a maioria tem dimensão do que isso significa, mas, usando um termo chulo, é coisa pra cacete haha.

Mais uma vez obrigada a Mari, por sempre estar por aqui, e a Tori, que me faz escrever verdadeiros evangelhos tentando escapar das suas deduções mais do que acertadas. Espero que goste desse capítulo, tem muito mais de Astoria nele, haha

E é para minha querida Rose, que através de uma mensagem singela - TAMBÉM TE AMO, ROSE - me lembrou que eu deveria sentar a bunda na cadeira e escrever. Agora você me deve dois comentários!!! (brincadeira, dear, só de saber que você estava vida já me deixou radiante, hheuheu)
Então, em suma, esse capítulo só está aqui por causa dela. ;)

Enjoy!



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Vagamente, Gina registrou um barulho distante.

Seriam mais dementadores se aproximando para o banquete?

Ela fechou os olhos com força, como se aquilo pudesse fazer os dementadores desaparecerem, do mesmo modo que fazia quando ainda era uma criança depois de ouvir as histórias de terror que Jorge contava para ela, Rony e Fred. Costumavam se aconchegar embaixo de um cobertor velho que servia de cabana para os quatro e passar horas ali, entre fábulas e sustos; no fim, ela e Rony invariavelmente acabavam correndo para o quarto dos pais depois de umas dessas sessões de histórias.

Agora ela estava na sua própria história de terror e, por mais que desejasse fazê-lo fervorosamente, não poderia correr para o quarto de Arthur e Molly Weasley, com Rony protegendo sua retaguarda.

Dentro do seu pânico crescente ela tentou captar mais algum ruído ao longe, mas não conseguiu discernir nada; só havia o barulho alto da sua respiração ofegante e acelerada, seguindo o ritmo do seu coração.

Se deu conta que estava mais preocupada em saber quando exatamente poderia notar as diferenças entre 'estar com alma' e 'estar sem alma' do que com os barulhos ao seu redor.

Franziu o nariz arrebitado, sentindo o aroma fétido dos dementadores à sua frente que fez com que seu estômago embrulhasse. Contudo, o cheiro estava ficando gradualmente mais fraco, como se eles tivessem… se afastando? Ainda sentia o frio absurdo ao seu redor, mas ele também diminuía progressivamente.

Ok, ainda tinha seus sentidos, logo, tinha uma alma, ela pensou aliviada, irracionalmente levando a mão até a barriga para se certificar que a pequena saliência ainda estava lá.

Respirou um pouco mais tranquila quando sentiu que estava tudo nos seus devidos lugares.

Na sequência, tremeu violentamente como se estivesse sentindo a extensão do perigo que correra somente naquele momento. Resolveu abrir um único olho - para checar se não estava mesmo no reino das pessoas desalmadas ou tendo alucinações -, e o que viu fez seu queixo cair.

Os dementadores ainda estavam perto dela, mas recuavam para trás de Gina, porque um grupo de umas dez pessoas se aproximava, ainda que estivessem relativamente longe de onde ela estava.

Abriu o outro olho, para ampliar seu campo de visão.

Dez pessoas estavam ao longe, mas havia uma única perto dela, bastante ofegante, como se tivesse corrido uma maratona.

Um homem de cabelos platinados e desalinhados, que pareciam quase brancos sob a luz da lua e que caíam sobre seus olhos de gelo. Um homem que apertava sua varinha até os nódulos da mão ficarem brancos e cujo rosto pálido não demonstrava nada, apesar do visível cansaço.

Um homem que, aparentemente, havia conjurado um patrono.

Quando ela deu por si, viu o patrono dele parar de circulá-lo protetoramente para girar em torno dela, afastando o que restavam dos dementadores.

No instante seguinte, Gina já conseguia raciocinar sem medo de perder a alma e viu propriamente o patrono de Draco Malfoy. Um patrono que ela tinha jurado que ele não poderia conjurar.

Um dragão.

E Gina deu o maior sorriso de que se lembrava em anos, porque nunca tinha visto nada mais belo antes.

O patrono a rodeava como uma flexível serpente de asas, levantando levemente a barra do seu vestido e também seus cabelos, que tinham se desprendido do elaborado coque e caído pelas suas costas numa cascata vermelha, enquanto ele a circundava dos pés à cabeça, num movimento fluído, hipnotizante.

Ela teve que conter as lágrimas novamente, por uma razão totalmente diferente dessa vez.

Sua primeira reação foi se jogar nos braços de Draco e dizer que devia sua vida a ele, mas quando desviou sua atenção do dragão prateado e levantou os olhos para ele, viu o olhar intenso, da cor de chumbo, como duas pontas de lança prestes a atravessar seu corpo sem misericórdia.

Oh oh, ela pensou e recuou instintivamente.

Draco não se dignou a lançar mais que esse olhar carregado de fúria na direção dela e, então, quando as outras pessoas chegaram, o patrono se extinguiu com um gesto firme da sua varinha. Ele virou as costas caminhando de volta para o castelo, sem nem olhar mais uma vez para ela e passando como um furacão pelo grupo de pessoas que se aproximava.

Gina sentiu que suas pernas cederiam diante dos acontecimentos, mas, graças a Merlin, Olívia estava no grupo que aparentemente viera buscá-la - que mais tarde Gina descobriu serem aurores.

Os dementadores tinham ido embora, mas, por via das dúvidas, dois dos aurores conjuraram seus patronos para escoltá-las de volta ao castelo.

Olívia passou gentilmente o braço ao redor dos ombros de Gina, que tremia.

"Minha querida, que grande susto você nos deu! Quando dei por sua falta, comecei a perguntar para as pessoas se te viram e disseram que você havia saído do castelo! Que tolice!"

"Me-me desculpe. N-não queria ter incomodado." Foi a única coisa que ela conseguiu articular, tremendo como estava.

"Shhh, está tudo bem agora, meu bem. Não foi incômodo." Ela disse, abraçando o corpo de Gina, enquanto a conduzia para o castelo. "A busca foi rápida… Enquanto eu recrutava os aurores, Draco saiu como um louco do castelo, então tudo que tivemos que fazer foi seguir o rastro dele, de longe. Por Merlin, Ginevra, nunca vi Draco daquele jeito. Ficou pálido como a morte."

E Gina tremeu ainda mais diante da idéia - que não queria entrar completamente na sua cabeça - de que Draco estava preocupado com ela. "Eu agradeço muito a vocês dois…" Ela disse, já se recuperando.

"Só agradeça depois que entrarmos, arranjarmos um grande pedaço de chocolate e sentarmos para dar risada dessa sua escapada!" Ela riu e o sorriso dela foi um bálsamo para alma de Gina. "Talvez devêssemos passar na enfermaria também e-"

"Não!" Gina quase gritou e Olívia a olhou alarmada, diante da reação explosiva.

Não poderia correr o risco de encontrar curandeiros que pudessem examiná-la e descobrir seu estado; certamente a notícia seria estampada na coluna de fofocas d'O Profeta Diário no dia seguinte e ela preferia tomar chá com Gregório Goyle do que deixar aquilo acontecer.

"Quer dizer, não quero ir para a enfermaria e chamar mais atenção, é isso." Ela tentou a todo custo soar mais calma e não demonstrar sua ansiedade. "Acho que já abusei demais do direito de ser inconveniente e ainda temos uma longa noite pela frente." Ela disse e deu seu sorriso mais meigo.

"Tudo bem, querida." Olívia disse suavemente, depois de observá-la atentamente por alguns segundos. "Nada de fazer qualquer coisa que não queira, pelo menos por hoje. Só Merlin sabe o quanto você ainda terá que agir contra sua vontade nos próximos anos."

Mesmo com o prognóstico não muito promissor, Gina sorriu transbordando alívio e encostou a cabeça no ombro de Olívia, se deixando guiar de volta ao castelo.

Seu bebê estava seguro, por pelo menos mais um dia.

***

Gina levou quase uma hora para se recuperar num canto escondido do Salão Principal, ao lado de Olívia, que só a deixou depois que ela jurou que estava bem e que a amiga podia ir tranquila cumprir com suas obrigações sociais

Depois de algumas satisfações para os mais curiosos e muitos olhares de 'como ela é idiota' ou 'pobre garota', Gina finalmente conseguiu recuperar seu espírito dos efeitos do encontro com os dementadores; já tinha voltado ao normal, com exceção do fato de que, em seu coração, ela sabia que devia sua vida ao Draco. E que o era pior nesse momento, devia agradecer a ele.

Agradecer eternamente, diga-se passagem.

Ela suspirou, sentada com as costas eretas na cadeira. Havia prometido à Olívia que não sairia dali sem que chamasse alguém para acompanhá-la, mas já estava bem de verdade e seus olhos não paravam de procurar pelos atípicos cabelos loiros no meio da pequena multidão.

Tinha procurado inutilmente falar com Draco desde que ele lhe lançara um olhar furioso antes de voltar para o castelo, mas tudo que conseguiu foram evasivas; no momento em que ele havia salvado-a, Gina poderia ter jurado que a vontade dele era ter lhe dado um par de bofetadas, como se ela tivesse culpa pela sede de alma daquelas criaturas nojentas!

Ok, em parte ela tinha culpa, disse a vozinha inconveniente na sua cabeça, afinal, tinha saído para um passeio sem pensar que seria mais do que óbvio que haviam dementadores cercando a escola.

Contudo, Gina ignorou essa parte e preferiu se concentrar na lembrança do olhar irado que Draco havia lhe lançado.

Ao relembrar aquele instante, teve que suprimir uma onda de revolta que ameaçou subir pelo seu sangue diante do comportamento dele. E ntretanto, ela se obrigou a respirar fundo e se controlar, sabendo que deveria agradecê-lo, não lançar qualquer feitiço humilhante no idiota.

Por fim, deu uma última mordida no chocolate à sua frente – afinal, chocolate sempre era bem-vindo – e resolveu se levantar, agindo como se nada tivesse acontecido; passou pelas pessoas conversando amenidades, perguntando por parentes afastados e sorrindo para afirmações preconceituosas, quando finalmente o viu.

Draco tinha a mesma postura fria tradicional, com as costas muito retas, as pernas levemente afastadas e um ar de tédio interminável, com a diferença que seus cabelos agora estavam um pouco mais desalinhados, caindo pelo rosto e batendo no seu queixo.

Ele estava conversando polidamente numa rodinha de bruxos importantes do Ministério e ouvia polidamente o que um senhor baixinho lhe falava. Quando ele a viu caminhando resolutamente em sua direção, tratou de se desculpar rapidamente e partir na direção oposto à dela.

Gina bufou com raiva, jogando os cabelos para trás. Só naquele momento se deu conta de que eles estavam totalmente soltos e chamativos como os de uma camponesa, o que não era adequado para uma dama daquele mundo.

Mais essa!

Mas cuidaria daquilo depois, não desistiria tão cedo do seu objetivo! Faria que ele ouvisse seus agradecimentos, nem que para isso tivesse que azará-lo.

Cerrou os punhos, levantou o queixo e iniciou oficialmente a caça à doninha branquela.

Ficaram nesse jogo de gato e rato durante mais algum tempo, trocando olhares furtivos; Draco usando pessoas como escudo contra a investida dela e ela, por sua vez, se valendo da posição de sua esposa para se aproximar.

Um observador mais atento poderia dizer que o ritmo que eles imprimiam era quase de uma dança. Entretanto, para eles, aquilo acabou se tornando mais uma das disputas que já se tornavam habituais entre os dois.

Depois de algum tempo e de várias tentativas frustradas, Gina finalmente conseguiu retê-lo sozinho entre duas mesas vazias do banquete.

Draco a encarou passivamente e cheio do tédio característico, aceitando finalmente que ele teria que ouvi-la e que não conseguiria escapar daquela vez. Gina engoliu em seco, sem saber o que fazer.

"Draco…" Ela molhou os lábios, incerta da abordagem que deveria utilizar depois de finalmente encurralá-lo. Tinha pensado em fazê-lo ouvir, mas não exatamente no que ela falaria. "Muito, muito obrigada. Eu não sei o que teria acontecido se você não tivesse aparecido."

Ok, ela sabia o que aconteceria - e provavelmente ele também -, mas Draco aparentemente não se importou com aquele deslize semântico.

Ele apenas depositou o copo que carregava na bandeja de um garçom que passava e pegou no pulso de Gina, puxando-a para si e apertando-o até um ponto em que ela teve que abafar um gemido de dor.

"Quem não sabe se comportar no meio de sangue-puros deveria ficar em casa, limpando caldeirões." Ele disse baixo, bem próximo ao seu ouvido. "Você não pára de me colocar em situações ridículas. Não passa de uma pobretona grosseira, sem o mínimo de classe." Ele sibilou e inspirou profundamente, como se estivesse contemplando algo com esperança, antes de continuar. "Mas um dia vou conseguir me livrar de você, nem que seja a última coisa que eu faça!"

Gina se sentiu subitamente mais fraca diante das palavras dele e, definitivamente, detestava aquela sensação.

"Então por que não deixou que seu amigo dementador fizesse o serviço sujo por você? Seria tão mais típico do seu estilo, seu perdedor covarde." Ela rebateu, colocando nas palavras toda a dose de veneno que podia. Sentiu os dedos em volta do seu pulso ficarem mais firmes.

Ela olhou em volta por um instante; a cena deveria parecer um diálogo íntimo corriqueiro entre um jovem casal, uma vez que eles não atraíam os olhares de ninguém, nem dos mais curiosos. O olhar de Draco, no entanto, se manteve fixo nela.

"Era meu dever como chefe do Departamento de Execuções das Leis Mágicas. Os dementadores precisam saber que devem obedecer e não atacar qualquer pessoa que seja idiota o suficiente para se aproximar deles." Ela rolou os olhos numa expressão de sarcasmo descrente e ele a olhou fixamente antes de completar. "Não faça essa cara; eu não me arriscaria, tampouco morreria por você, pobretona." Draco afirmou, fazendo uma leve careta.

"Não foi o que Olívia deu a entender. Nem o que o eu vi." Ela respondeu exalando falsa inocência e então a fúria gelada estava de volta.

"Não acredita que eu não me importo? Posso provar meu ódio para você quantas vezes você desejar, Ginevra." O tom era baixo, quase educado. E foi isso que a deixou ressabiada: preferia mil vezes lidar com a ira explosiva do que com aquela raiva glacial que emanava dele. "Afinal, o que você colocou entre nós quando me obrigou a casar - o ódio, o rancor e a vingança-, jamais vão desaparecer." E ao terminar essas palavras, ele levantou o pulso delicado deixando-o no campo de visão dos dois e o apertou com toda a força que podia, fazendo uma pressão terrivelmente dolorida sobre a região.

Gina teve que se controlar ao máximo para não gritar com a dor. Ela recuou instintivamente levando o pulso até o peito quando ele a soltou e pisou com o salto no pé de uma mulher que se levantava de uma das mesas atrás dela, que, com um atraso, ela reconheceu como sendo Emilia Bulstrode, seguida de perto por Astoria Greengrass, que mal escondia um sorriso sarcástico.

Merda!

Tudo que ela não precisava era de mais gente do seu passado reaparecendo como fantasmas. E de Astoria olhando-a daquele jeito, como se Gina tivesse a graciosidade de um trasgo.

Gina, muito vermelha e depois muito pálida, só conseguiu balbuciar. "Me perdoe… Eu-"

"Você é uma desajeitada, minha cara!" Emilia a cortou, feroz.

"Cuidado, querida." Draco, escondendo um sorriso zombeteiro, completou suavemente. "Você não devia ter tomado tanto firewhiskey, não te cai bem…"

Os olhos dele brilharam com uma ironia malévola e ele se inclinou educadamente para as três mulheres, dando as costas e começando a caminhar na direção oposta.

Gina se sentiu tão mal que nem reparou direito quando Emilia ajeitou seu vestido e se afastou murmurando palavras que criticavam a suposta falta de equilíbrio e inclinação à bebida de Gina. Astoria, por sua vez, passou por ela com mais um olhar de escárnio e seguiu Draco, caminhando altivamente.

De repente, todas as emoções da noite caíram sobre ela de uma só vez e ela sentiu lágrimas chegarem até seus olhos; provavelmente agora Draco e Astoria ririam da situação - e dela –, procurando mais formas de humilhá-la.

Depois de olhá-los partir por um tempo, ela abaixou os olhos e se convenceu a procurar algum lugar em que pudesse ficar sozinha.

Esgueirando-se por entre grupos, ela conseguiu achar um vestíbulo de uma das entradas para o Salão, onde ela pôde se sentar e procurar o isolamento e a tranquilidade que sua alma ansiava.

***

Draco acelerou o passo, se afastando das mulheres. Se afastando dela.

Tinha certeza que estava prestes a explodir de raiva quando notou com a visão periférica a figura alta, esguia e elegante de Astoria seguindo-o. Ele diminuiu o passo, conjecturando que talvez a presença dela pudesse acalmá-lo um pouco.

Quando achou que já estava a uma distância segura da pobretona – que garantiria que ele não torceria o pescoço dela -, ele se jogou à mesa vazia mais próxima no canto mais afastado do Salão Principal, em um movimento de pouca classe que certamente teria feito sua mãe questionar suas boas maneiras. Astoria fez o mesmo, - de forma muito mais elegante, contudo -, pegando uma taça de firewhiskey para ela e outra para ele no caminho.

Ela entregou uma taça a ele e passou as mãos pelos belíssimos cabelos castanhos, chamando a atenção de Draco para si. "Problemas?"

"Quando eles não existem?" Ele perguntou pegando a taça, meio sarcástico, meio amargurado.

Eles permaneceram mais um pouco num silêncio reconfortante. Astoria tinha esse efeito nele, era verdade. Por muito tempo ele havia considerado natural juntar seu nome ao dela, construir sua vida ao lado dela, justamente porque Astoria era isso, paz, tranquilidade, harmonia, classe e elegância.

Tudo que Ginevra não era.

Fez um a careta, dando um grande gole no seu firewhiskey quando percebeu o rumo que seus pensamentos tomavam.

Astoria permaneceu impassível, com o copo firmemente seguro nas mãos bonitas e delicadas, olhando-o com uma curiosidade fria, típica da mulher que agora era sua ex-futura-esposa.

Com um leve espanto que ele tratou de manter atrás da fachada sempre fria, Draco se deu conta de que, com a turbulência dos últimos quatro meses convivendo com a megera ruiva, nunca tinha chegado a conversar com Astoria sobre seu casamento. Reteve outra careta, realizando o quão insensível isso devia ter parecido aos olhos dela.

"Você deve estar me odiando agora." Draco fez uma pausa para analisá-la atentamente. "No seu lugar, eu estaria." Ele procurou por qualquer sinal de contrariedade vindo dela, mas Astoria também era muito boa em esconder o que sentia.

Ela tinha agido muito naturalmente quando o casamento dele fora anunciado e não demonstrou surpresa além de uma sobrancelha levantada. Na verdade, tinha encarado todos os comentários venenosos das pessoas com uma frieza elegante e nunca o procurara depois do anúncio, mesmo que, nos meses que antecederam o casamento dele, os encontros entre os dois tivessem se tornado cada vez mais freqüentes, o que os encaminhava, naturalmente, para um compromisso mais formal. Quando o acordo tácito entre eles foi quebrado, todo o mundo bruxo se questionou sobre a razão publicamente.

Menos, é claro, a inatingível e intocável Astoria Greengrass.

"Nós nunca nos comprometemos com nada oficialmente, Draco." Ela disse, tomando um gole do firewhiskey e dando de ombros. "Estou mais…" Ela parou por um instante, procurando a palavra certa. "curiosa."

"Eu-" ele tentou começar a explicar o inexplicável e ela fez um gesto com a mão elegantemente, interrompendo-o.

"Isso não significa, é claro, que eu não tenha ficado levemente contrariada."

"As coisas nem sempre são como nós gostaríamos que fossem…" Draco disse depois de uns instantes em silêncio, se recusando a pedir desculpas por mais que elas fossem desejáveis.

Ele era tão vítima quanto ela, afinal. Vítimas de uma situação criada pela praga sardenta.

No fim das contas, as desculpas não tiveram necessidade de serem verbalizadas; aquela era mais uma vantagem no relacionamento entre ele e Astoria: eles se entendiam com meias-palavras, na maioria das vezes.

Diferentemente da megera ruiva, que insistia em colocá-lo em situações como aquela, Draco pensou com desgosto. Ele se remexeu incomodado na cadeira, alheio a observação atenta de Astoria, enquanto seus pensamentos vagavam para a única direção que ele não queria que fossem.

Que ousadia a pobretona tinha de aparecer ali sem que ele quisesse, se comportar como se pertencesse aquele meio e, ainda assim, parecer tão, tão… saudável daquele jeito? Que ousadia ela tinha de ser atacada por um dementador - pondo em xeque a credibilidade da segurança oferecida pelo seu departamento?

Merlin, se ele tivesse chegado um segundo mais tarde... Os dementadores... Ela teria...

Ele sentiu um arrepio percorrer sua espinha.

Draco espantou os pensamentos sobre o ataque dos dementadores e preferiu se focar em algo mais palpável: a raiva que sentia por Gina Weasley.

Tinha todo o direito de estar com raiva.

Não era raiva pela cena que ela tinha feito com Blaise mais cedo. Certamente que não. Nem raiva pelo que ele tinha visto nas memórias dela, da lembrança ridiculamente romântica com Potter. Estava com raiva simplesmente pelo fato de que ela respirava.

Ele apoiou o queixo na mão, frustrado.

Silêncio.

Vindo de Astoria.

Vindo da sua mente.

A quem você quer enganar, Draco Malfoy?, ele pensou zombando de si mesmo.

Estava absurdamente ciumento de uma mulher que ele desprezava e que nunca tinha significado outra coisa que não problemas para ele.

Passou mais uns instantes em silêncio, se torturando, se castigando e se xingando mentalmente por se sentir dessa forma; então a solução para esse problema o atravessou, súbita, tranquilizadora e muito simples:

Ele sempre tinha sido extremamente possessivo, com tudo que era seu. E, apesar dos pesares, ela era sua mulher, não era? Era natural que ele não se sentisse confortável quando outras pessoas tocavam nas suas coisas. Deixou escapar um sorrisinho diante da descoberta que deixava sua alma atormentada mais tranquila. Definitivamente não estava com o mínimo interesse por aquela mulher. Sexual, talvez, mas-

"Alô, Draco." Astoria disse, estalando os dedos na frente dos olhos dele. "Odeio ter que te tirar do reino dos sonhos, mas ainda estou aqui, conversando com você."

Draco trocou de posição na cadeira, levemente constrangido. "Desculpe, estou com algumas dificuldades e -"

"Eu sei exatamente o nome da sua dificuldade e ela estava bem ali, olhando para nós sentados aqui, conversando como se eu não fosse a mulher com quem você andava se encontrando nas horas vagas, antes de se casar com ela."

Astoria disse, nunca perdendo o controle. Draco levantou a cabeça inconscientemente, procurando – e não encontrando - a figura da mulher de vestido preto e de longos cabelos vermelhos, inapropriadamente soltos. O movimento não passou despercebido pela morena, que deu um meio sorriso.

"E sabe o que mais me surpreende? É que em situações normais, você não teria dado a mínima para o que uma mulher poderia achar de nós. Mas aí está você, mal conseguindo parar de procurar por ela, de pensar nela."

"Não é nela!" Draco protestou fazendo uma careta e Astoria sorriu sarcasticamente. "Pelo menos não especificamente. Estou só pensando nos problemas que ela me traz."

Astoria pareceu pensativa por uns segundos, olhando fixamente para o copo de firewhiskey na sua mão. "Por meses eu me perguntei qual exigência suprema teria feito Draco Malfoy se casar com uma mulher como aquela… A deixar de lado o que nós dois tínhamos, nosso futuro. Mas parece que a razão foi muito mais… sentimental do que eu havia julgado a princípio." A palavra saiu notoriamente amarga dos belos lábios da mulher.

"Sentimento não teve nada a ver com meu casamento, Astoria." Ele rebateu friamente, já começando a ficar aborrecido com o tom da conversa. "Pode ter certeza que eu achei essa união tão incômoda quanto você achou."

"Não teve nada a ver com sentimento. Mas tem agora?" Por mais fria que fosse, dessa vez ela deixou escapar uma ponta de ciúme nas palavras. E sequer deixou que ele continuasse a protestar indignado, cortando-o com um gesto altivo. "Acho que é melhor para nós dois não pensarmos no assunto sob esse aspecto, afinal de contas."

"Astoria -" Draco realmente tentou dizer que a amava, buscando consertar a situação de alguma forma. Entretanto, o nome dela ficou pairando no ar, porque ele simplesmente não conseguia proferir as palavras que melhorariam sua situação. Não devido ao fato da afirmação ser uma mentira – ele não tinha problemas em mentir – mas sim porque a ideia lhe pareceu estranha pela primeira vez. Era claro para ele que nunca havia amado ninguém além dos seus pais, mas, se alguém havia chegado próximo disso, esse alguém havia sido Astoria Greengrass. Havia sido Astoria, porque tudo com ela era paz, tranquilidade, alinhamento. Como se todas as engrenagens deles funcionassem juntas, sem necessidade de reparos, ajustes ou manutenção. Chegando a ser monótono…? Ele balançou a cabeça levemente, querendo tirar os fios loiros do rosto e aquele pensamento da cabeça. Queria dizer que ele ia dar um jeito na megera que ele chamava de esposa e então eles poderiam enfim ficar juntos, num mundo que as famílias deles tinham ansiado e construído. Mas não pôde. E ele detestava não saber o porquê. "Astoria…"

"Esse é o meu nome, Draco." A bruxa completou com um sorriso triste, quando viu que aquilo não levaria a lugar nenhum. "Você não precisava se esforçar para se lembrar dele antes."

Draco teve a péssima sensação de desespero cutucando sua mente; nada tinha mudado, Astoria não precisava agir daquele jeito. Ele era avesso à mudança, não gostava de perder o controle, de se sentir a mercê da incerteza. Era por isso que tinha que amar Astoria: ela era constância e serenidade – enquanto Ginevra era turbulência… Ele interrompeu bruscamente seu raciocínio, enojado com o caminho que ele estava tomando mais uma vez.

"Nada mudou entre nós, eu só preciso de um tempo para remover alguns obstáculos." Ele tinha certeza de que, quando conseguisse acabar com a Resistência e despachar a pobretona para algum lugar pouco habitado do planeta, ele teria tempo para Astoria, para ter uma vida 'normal', usufruindo da sua posição, da sua influência.

Astoria sorriu mais uma vez e Draco se amaldiçoou; ela era belíssima, exalava aristocracia, elegância e não escândalo e simplicidade. Por que ele tinha sido tão idiota para não ter se casado antes com ela? Teria evitado tantas coisas…

"Obstáculos?" Ela zombou. "Eu planejei essa conversa de milhares de jeitos. As vezes eu me imaginava te azarando, te amaldiçoando ou esfregando um noivo na sua cara, mas a verdade é que, na minha cabeça, eu sempre terminava dizendo que esperaria você resolver a situação nesse seu casamento absurdamente estranho." Ela suspirou, como se estivesse entediada. "Eu disse para mim mesma que não me importaria em me encontrar às escondidas com você temporariamente e tudo valeria a pena, mesmo criando essa situação ridícula, onde uma Greengrass é a 'outra' e uma mulher qualquer vinda do nada é a 'oficial'." Ela rolou os olhos, zombando de si mesma dessa vez.

"Você não vai precisar se submeter a isso." Draco disse enfaticamente, querendo dar a entender que ele logo se livraria da pobretona, para que eles ficassem finalmente juntos.

Astoria não interpretou daquela forma, evidentemente. "É claro que não! Graças a Merlin, eu acordei antes de fazer qualquer coisa que pudesse envergonhar o nome da minha família." Depois de uma pausa, ela voltou a falar no seu tom natural, indiferente. "Não vou me submeter a isso, simplesmente porque ela te envolveu, sabe-se lá como, mas ela o fez. E mesmo que eu continuasse disposta a ser sua amante, você não a deixaria. Pelo menos não agora."

Ele quis abrir a boca para desmentir tudo aquilo e quase se engasgou com sua bebida diante de tantas mentiras e interpretações erradas, mas Astoria foi mais rápida; ela se inclinou para a frente e roçou seus lábios delicados nos dele, se afastando rapidamente na sequencia. Foi tudo tão absurdamente rápido, que ele não teve sequer tempo de reagir.

"Boa sorte, Draco." Ela disse, dando um último grande gole na sua taça de firewhiskey e deixando-a firmemente na mesa, como se, com o gesto, estivesse abrindo mão de Draco e se preparando para seguir em frente.

E se levantou, deixando-o sentado ali, pálido e extremamente contrariado.

"Astoria, espere!" Draco fez uma última tentativa desesperada, se agarrando ao último resquício de normalidade da sua vida. "Nós somos perfeitos juntos, não pode simplesmente me deixar assim!"

Ela se virou a poucos passos de distância, olhando-o com um misto de tristeza, pena e mágoa. "Alguma coisa me diz que não é a minha perfeição que você deseja, Draco." Deu de ombros elegantemente e se virou, sem sequer olhar para trás.

Subitamente Draco se sentiu cansado demais para pensar; apoiou a testa nas mãos e fechou os olhos, desejando que pudesse simplesmente fugir da Inglaterra e do mundo, mas a lembrança da sua mãe invadiu sua mente com toda a força e ele soube que não poderia fazer aquilo.

Então, tudo o que restava era voltar para a Mansão Malfoy e buscar um pouco de paz no isolamento da sua casa, mesmo sabendo que não conseguiria, com a cabeça e corpo agitados daquele jeito.

Mas antes de ter sua solidão tão desejada, precisava achar a megera ruiva e forçá-la a ir embora, antes que aprontasse mais alguma coisa que os pusesse numa situação (mais) ridícula.

Ou antes que fosse atacada por outro dementador. Ele tremeu involuntariamente diante da ideia.

Suspirou e se levantou, resignado. Tinha que achar a pobretona.

***

Gina tinha se sentando no primeiro sofá a sua frente, embaixo de uma grande janela.

Apesar dessa configuração, o ambiente do pequeno vestíbulo estava deserto e na penumbra, exatamente como ela havia desejado. Com cuidado, tirou a longa luva da mão direita e ergueu o pulso machucado, contemplando as marcas dos dedos da doninha que haviam deixado visíveis escoriações roxas pelo seu pulso. Ela respirou fundo, sabendo que teria que fazer um bom feitiço para esconder aquilo.

Malfoy era um selvagem e um hipócrita! Gina não resistiu à vontade de bolar mil e um planos de vingança, que envolviam maldades num grau cada vez mais elevado, mas então olhou para seu pulso e todos os instintos assassinos evaporaram…

Até quando ela viveria daquele jeito? Sempre planejando vinganças, esperando o próximo golpe, uma retaliação, num ciclo sem fim.

Fungou para evitar que as lágrimas de frustração que teimavam em queimar seus olhos rolassem pelo seu rosto. Agora ele deveria estar lá fora, bebendo e rindo com Astoria, como se Gina não fosse nada.

Uma risada amarga escapou da sua garganta quando constatou que, para ele, ela realmente não era nada.

O pensamento trouxe uma pontinha de dor que ela atribuiu à carga de emoções que sofrera naquela noite. Abraçou os joelhos se encolhendo instintivamente, tentando tomar a coragem necessária para procurar Olívia e ir embora.

Depois de uns minutos, sentiu que passos se aproximavam e não quis levantar a cabeça para ver quem era; a bem da verdade, a única coisa que ela queria naquele momento é que todas as pessoas no castelo fossem para o inferno.

Sem muito esforço, reconheceu o perfume levemente adocicado misturado com firewhiskey, os passos leves, o silêncio na aproximação.

Blaise.

Tudo que eu precisava, ela pensou sarcástica.

Zabini se sentou pesadamente ao lado dela, indubitavelmente com o copo de firewhiskey na mão.

"Sempre sozinha, escondida pelos cantos. Desista disso: ser discreta não é muito seu forte." Blaise levantou uma mecha solta do cabelo vermelho enquanto falava e ela percebeu que ele estava mais desenvolto do que o normal - supôs que isso se devia a ajudinha dada pela bebida.

Ela não respondeu e Blaise ficou subitamente mais tenso diante do silêncio.

"O que aconteceu, Gina?" Ele perguntou e ela se surpreendeu diante da novidade; Blaise nunca havia se referido a ela usando seu apelido antes. Entretanto, ela permaneceu em silêncio e ele continuou falando. "Não é nada comum te ver com esses olhos marejados e sem aquela postura petulante de quem vai para guerra." Ele ergueu o queixo dela com o dedo indicador e Gina deu um tapa leve - mas firme - para afastar a mão dele do seu rosto.

"Eu estou bem, Blaise." Ela abaixou os olhos de novo, para que ele não visse uma lágrima que foi teimosa o suficiente para cair pela sua bochecha. "Só queria ficar sozinha."

"Por que está chorando?" Ele perguntou, se encostando relaxadamente no sofá. "Não há nada aqui pela qual valha a pena chorar, Ruiva. Com exceção de mim, é claro. Mas não é por mim que você está chorando, certo?"

Ela sacudiu a cabeça, em negativa. Depois de uns instantes nos quais Blaise esperou pacientemente, ela levantou o pulso sem a luva e, usando a luz da lua, ele pôde ver claramente as marcas roxas que destoavam do conjunto alvo que era o braço dela. Depois de olhá-las por alguns instantes, Blaise passou um dedo delicadamente sobre as marcas, como se estivesse delineando os contornos de cada uma das escoriações.

"Eu ia perguntar quem te fez isso, mas acho que só há um idiota o suficiente por aqui para fazer algo assim com uma mulher, em um lugar público." Ele disse, pensativo.

"Blaise!" Gina o repreendeu.

"Certo, certo. É condenável quando não se está em público também. Mas ninguém sabe o que dá prazer para os casais entre quatro paredes, não é? É uma possibilidade." Ele deu de ombros ligeiramente; mesmo meio bêbado, Zabini ainda conseguia se manter extremamente elegante.

Ela tentou sorrir diante do tom jocoso, mas algumas lágrimas aproveitaram a distração para escaparem dos seus olhos. "Não tem problema, Blaise, de verdade." Foi a vez de ela dar de ombros, indiferente. "No fim das contas, fui eu quem procurou isso…"

E, ao constatar aquilo em voz alta, Gina não conseguiu conter as lágrimas por mais tempo, sentindo todas as frustrações dos últimos meses desabando sobre sua cabeça. O choro veio forte, copioso, como há muito tempo não vinha.

"O que mais se pode esperar de marido?" Blaise bufou, passando o braço livre ao redor dos ombros de Gina e colocando a taça no criado-mudo ao seu lado, enquanto ela se desmanchava em lágrimas. "Não é preciso chegar nesse estado por um homem, Ruiva." Ele completou, embalando-a gentilmente. "Você tem um péssimo gosto para escolhê-los, já deveria estar acostumada." Gina deu um tapinha na perna dele, num sinal de advertência.

Ficaram assim durante um bom tempo, até que ela levantou os olhos, parando de chorar. Olhou para o rapaz reconhecendo sua amizade verdadeira, que sempre estava com ela, mesmo depois de todos aqueles anos. Blaise sorriu seu sorriso mais deslumbrante, antes de perguntar. "Está melhor?"

"Acho que sim." Ela começou a recolocar a luva, se recompondo aos poucos.

Ele deixou passarem alguns minutos, examinando-a em silêncio, com atenção. A claridade era pouca e advinha somente da janela, mas ela podia ver que ele estava tramando algo.

Então ele sorriu abertamente, desenvolto. "Sabe o que eu acho? Esse casamento foi uma lástima, mas já não podemos chorar sobre o firewhiskey derramado." Ele colocou o dedo indicador no queixo dela, fazendo seus olhares se cruzarem. "O que eu posso fazer é dar umempurrãozinho em vocês dois. Vai ser bem agradável, pelo menos."

E se aproximou dela, como um leão se aproxima da presa.

"Blaise, eu-" Ela disse, engolindo em seco e recuando.

"Shhh." Ele deslizou o delgado dedo indicador do queixo até o espaço entre os seios dela, destacados pelo generoso decote. "Grande parte do que te aflige é achar que está sozinha, em todos os sentidos. E isso te faz amargurada, infeliz… Mas pelo menos em um lado eu posso te ajudar." Os olhos dele brilharam hipnotizadores e ele se aproximou mais, fazendo Gina recuar instintivamente, mesmo seu corpo dizendo que não queria recuar de forma alguma. Malditos hormônios! Definitivamente, a gravidez tomava o melhor dela, de vez em quando. "Você é uma mulher atraente, Ruiva, e sente falta de se sentir querida, desejada. Estou certo?"

Ela só pôde balançar a cabeça afirmativamente, como se tivesse medo de abrir a boca para responder. Medo de se trair. Ou de trair Draco.

A imagem do Malfoy povoou sua mente e, de repente, o calor que ela sentia diminuiu consideravelmente. Olhou para Blaise fixamente.

Olhos castanhos, não cinzas; com aqueles olhos escuros ela podia lidar. Com os cinzas, não tinha tanta certeza.

O pensamento assustador cruzou sua mente e ela decidiu que não queria pensar em Draco. Nem em Blaise para ser sincera, mas era particularmente difícil quando ele a olhava daquele jeito.

"Blaise," Ela começou em tom jocoso, tentando desfazer a tensão do momento. "uma vez você me disse que eu não fazia o seu tipo, lembra?" Ela falou, brincando. "O que é isso agora, senhor? Muda tão fácil assim de opinião?"

"Não mudei." Ele respondeu, com um meio sorriso. "Você não faz meu tipo mesmo."

"Então o que está fazendo agora, Sr. Zabini?" Ela ainda tentava brincar, a despeito dos batimentos acelerados do seu coração.

"Fazendo você e Draco enxergarem alguns pontos. E, principalmente, te oferecendo consolo." Ele respondeu, simplesmente. Gina se debateu instintivamente ofendida diante da resposta, mas ele agarrou-a com habilidade. Cercando-a com o braço direito e deslizando a mão esquerda sob seus joelhos, ele fez Gina perder o equilíbrio e a obrigou a ficar estendida no sofá, com ele se projetando perigosamente sobre ela. "Calma, eu não quis te ofender, Ruiva." Ele tinha um brilho de malícia nos olhos muito escuros que a desafiava. "Disse que você não faz meu tipo simplesmente porque, desde os meus dezessete anos, toda vez que eu te vejo – ousada, desejável, única – eu tenho vontade de voltar para Itália e arranjar uma boa casa, longe do barulho. E de chegar ao meu lar, encontrar minha esposa e eventuais filhos, passar a noite em frente a lareiras conversando amenidades, perguntando sobre como foi o dia dela e se havia algo que eu podia fazer para deixá-la mais feliz." Ela estava com os olhos vidrados nele, incapaz de emitir um som ou se mover, totalmente espantada e entregue. Ele roçou o pescoço dela com um dedo ousado. "Não, Ginevra, você não faz meu tipo de mulher, porque me faz querer prestar atenção no meu coração. E isso é inadmissível na minha posição, para um homem como eu."

"Blaise-" Ela estremeceu. Queria dizer que não podia, que havia Draco e que ainda que não tivessem feito nenhum pacto de fidelidade, uma traição assim não seria absolutamente de bom tom; entretanto, uma faísca de um desejo poderoso se estalou sobre ela, ávida para descobrir mais sobre aquela interação entre duas pessoas, que Harry havia começado e Draco despertado em sua plenitude, como se tivesse atiçado um vulcão dentro de Gina. Ela fechou os olhos.

Não, não pensaria em Draco.

Era Blaise quem tinha razão. Malfoy não contava, ele não merecia nenhum pensamento dela, não naquele momento.

Queria se sentir desejada, como o próprio Draco havia feito na noite de núpcias, ainda que contra a própria vontade. Pela primeira vez conscientemente, Gina queria trilhar o caminho da sua sexualidade, que anteriormente fora retirado dela, primeiro quando Harry morrera, depois quando Malfoy se recusara a tocá-la novamente – e nesse parte tinha que admitir: tinha evitado que Draco a tocasse também, a todo custo.

Mas agora ela estava acesa. E, em algum ponto da sua mente, queria que Draco se sentisse do mesmo jeito que ela se sentia agora com relação a ele e Astoria. Era um sentimento irracional, infantil, perigoso. Um sentimento que ela não queria entender e nem calcular a extensão, principalmente naquele momento.

Agora, ela só queria responder aos anseios do próprio corpo.

Os lábios dela roçaram nos dele, antecipando o que viria na sequência, desejando o que viria na sequência. Blaise riu abertamente.

"Eu sabia que tinha algo aí dentro, implorando para sair e-" Ele parou subitamente no meio da frase, os olhos cravados num ponto acima do ombro direito de Gina. Ela ficou imóvel, sabendo que algo de errado tinha acontecido.

Ela virou a cabeça para trás, roçando o cabelo ruivo no rosto de Blaise no processo: A alguns metros de distância, quase se fundindo ao negro da penumbra e se destacando apenas pela palidez do rosto lívido, havia uma pessoa imóvel. Gina não precisou de muitos detalhes para saber quem era: ela podia sentir os olhos penetrantes, a expressão que não revelava nada, o corpo tenso, como se estivesse esperando um ataque.

Draco.

E ele estava furioso. Gina poderia dizer de olhos fechados, mesmo que ele não demonstrasse absolutamente nada.

Blaise se sentou rapidamente, como se estivesse apenas tentando tirar um cisco do olho de Gina.

"Draco, não é -" Ele começou a dizer, mais calmo do que Gina jamais poderia estar.

O rapaz loiro o calou com um gesto displicente das mãos.

"Minha mulher não é minha realmente, Zabini. Você sabe disso melhor do que qualquer outra pessoa." Ele disse, com a voz lenta, arrastada, como se medisse cada palavra.

No meio do seu torpor, Gina poderia tê-lo chamado de mentiroso; ela lembrava-se muito bem do discurso que ele fizera sobre ela ser propriedade dele, mas não pôde emitir nenhum som.

"E pelo que vejo aqui, na verdade, ela é de todo mundo." As palavras feriram Gina mais do que ela queria admitir e ela ficou mais tensa, ouvindo Draco completar. "Fique tranquilo, meu amigo, e não se incomode. Eu não vi nada."

Draco se inclinou levemente, como se estivesse se despedindo e se retirou, andando com sua arrogância natural.

Blaise parecia um pouco mais descomposto do que o normal, como se não tivesse esperado por aquilo naquele momento, enquanto Gina nem conseguia se mover. O quanto da conversa Draco teria ouvido?

Zabini a olhou profundamente certamente notando sua palidez e embaraço, porque ele pegou na sua mão, apertando-a levemente, de forma tranquilizadora.

"Isso é um empurrãozinho, lembra?" Ele disse e Gina não entendeu nada, mas não se deu ao trabalho de perguntar. "Só foi um pouco antes e diferente do que eu esperava." E dizendo isso ele se levantou, sacando sua varinha como se não tivesse bebido uma gota de álcool.

Blaise seguiu Draco por onde o amigo tinha saído, murmurando baixinho uma frase que Gina julgou associar as palavras 'estúpido', 'Malfoy', 'idiota' e 'teimoso'.

Depois de um segundo, Gina conseguiu ordenar suas pernas para que parassem de tremer e seguissem os dois homens. Ela não sabia absolutamente o que fazer, mas sabia que não poderia ficar ali, enquanto Draco saía furioso por aí.

Se chutou mentalmente quando constatou que sua primeira preocupação tinha sido o estado emocional de Draco Malfoy, o idiota insensível, mas continuou a segui-los com seus passos hesitantes.

Ela acelerou o passo o máximo que podia e entrou no hall à procura deles, conseguindo chegar a tempo de ver Blaise parar de correr deslizando ao frear pelo hall do castelo, onde havia umas dez pessoas conversando socialmente e se despedindo, inclusive Olívia e o Ministro da Magia, Pio Thicknesse.

"Malfoy!" Blaise disse muito alto, chamando atenção dos presentes e fazendo Draco se virar para encará-lo, a pouca distância. "Sua atitude é ridícula. Aja como um homem de sangue quente, uma vez na vida!" Ele completou, apontando a varinha para o amigo.

Draco lançou sobre Blaise um olhar frio, capaz até de congelar a alma de um dragão. Ele estava impassível, com as mãos nos bolsos do smoking preto, aparentemente calmo como se tivesse saído para comprar sapos de chocolate.

Ele levantou uma sobrancelha arrogante. "Eu só aponto minha varinha para inimigos, Blaise. Ridículo é você querer que eu lute pela honra de alguém que não tem qualquer tipo de honra."

Dessa vez os olhos dele seguiram até Gina, que estava esbaforida na entrada do hall. Ela sentiu como se ele tivesse esbofeteado-a e teve que frear a vontade de sacar a própria varinha para fazê-lo engolir as palavras.

Blaise estava realmente bêbado, porque ele falou com um sotaque levemente italiano – que Gina supôs que fosse a origem da sua família – quando respondeu, frio como o amigo:

"Eu fiz de você um corno, Draco Malfoy." Zabini mentiu parcialmente e sorriu como um lobo prestes a abater uma presa. "O mínimo que você pode fazer é acertar as contas comigo."

Com rapidez incrível, Draco puxou sua varinha da capa, apontando diretamente para Blaise, que por sua vez apenas sorriu seu sorriso mais deslumbrante e ergueu a varinha, em direção a Draco.

E tudo que Gina queria era se enfiar no buraco mais próximo e desaparecer da face da Terra.


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