Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 19
Draco Dormiens Nunquan Titillandos


Notas iniciais do capítulo

FINALMENTE, aí vai o capítulo de umas sete mil palavras, que eu levei dias para escrever. E para quem leu e não comentou, pensem, por favor, que um comentário usual não leva mais do que cem palavras e dois minutos para ser escrito. Parece uma troca justa, não é? =P

Nessas andanças pelo fandom, me deparei com uma menina muito gentil que dispensou horas do dia dela (e vejam bem, tempo é a coisa mais preciosa que temos) para fazer uma fanart para essa história. Ela me honrou e me emocionou com essa atitude, por isso meus agradecimentos são para ela.

Aqui segue o link da imagem para quem tiver curiosidade e eu me sinto na obrigação de agradecer mais uma vez, pelo cuidado (com o desenho e com a história) que ela teve ao desenhar.

http://mariastarkid.deviantart.com/art/Cinzas-465586799

Esse capítulo também é dedicado às unhas da Rose, que foram minha preocupação essa semana, para Mari Weasley que sempre é um docinho e para Tori, cujos poderes de adivinhação realmente são assustadores.



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As duas semanas seguintes à última aula de oclumência se passaram normalmente e sem maiores incidentes – isso, é claro, se o súbito e total desaparecimento de Draco na loja e na casa dela pudesse ser considerado normal. A bem da verdade, ele não havia mandado sequer uma coruja para ela.

Gina, por sua vez, ignorando essa completa falta de informação, tentava seguir com sua rotina, mesmo que ela ainda estivesse intrigada com a reação de Draco – e com sua própria reação, para ser honesta consigo mesma.

Então, só pôde chegar à conclusão de que ele havia ficado realmente contrariado por ter visto Harry em uma situação íntima como aquela e que ela, por outro lado, tinha ficado chateada com a brutal exposição diante de alguém cruel e cínico como Draco Malfoy.

Era isso.

Tinha que ser.

Com firmeza, ela decidiu que se ocupasse a cabeça com coisas úteis, não haveria espaço para maluquices. Assim, voltara a sua programação habitual de loja-casa-loja e de respirar nas horas vagas, desejando fervorosamente que tudo entrasse nos eixos para que ela pudesse finalmente ter um pouco de tranquilidade.

Mas, definitivamente, aquele não era um tempo de realização de desejos. E tampouco de tranquilidade.

Gina comprovaria tal fato muito em breve.

***

A primeira quebra na sua rotina aconteceu quando ela estava tomando seu café da manhã, com James invariavelmente brincando com a comida ao seu lado.

Com a coordenação de quem acaba de acordar, Gina displicentemente abriu o jornal e se preparou para ler as bobeiras mentirosas daquela manhã, enquanto bebericava sua xícara de chá. Logo a manchete da primeira página chamou sua atenção.

CONFRATERNIZAÇÃO EM HOGWARTS CONSOLIDA NOVO REGIME.

A confraternização que ocorrerá em Hogwarts no atual período de férias envolvendo os funcionários de alto escalão do Ministério da Magia, os professores da escola e os pais de alguns alunos mais notáveis, é um sinal de que o novo governo atingiu estabilidade e perpetuou seus ideais dentro da sociedade bruxa. O evento, que marcará a união oficial das Quatro Casas de Hogwarts sob um só estandarte, o da Sonserina, é o símbolo da unificação dos bruxos sangue-puro sob um mesmo propósito, bem como da aliança entre o Ministro e a atual Diretora de Hogwarts, Amico Carrow.

Gina parou de ler, soltando o jornal com um leve enjoo e rapidamente afastando o chá. Já havia visto algo parecido com essa 'unificação' em Hogwarts, quando ainda era estudante do sexto ano e um pouco antes de ter que abandonar a escola. Entretanto, tornar isso oficial era um recado claro da extensão do poder de Voldemort.

Sempre quando se permitia ter esperança, algo ruim ocorria. Ela suspirou tristemente, apoiando o queixo na mão.

"Está tudo bem, mamãe?" James perguntou, perscrutando-a com olhos verdes, intensos. "Parece que comeu um feijãozinho com sabor de vômito."

Como era esperado, a sugestão de James intensificou seu enjoo matinal, mas ela se forçou a sorrir, colocando a mão gentilmente sobre a mão do garoto.

"Estou bem, querido. Só fiquei um pouco tonta porque li enquanto comia."

"Coisa que você sempre briga comigo quando faço." Ele disse, mal disfarçando uma risadinha e expondo a ausência do dente da frente, que havia caído na semana anterior.

"Mocinho, como já diria minha mãe: faça o que eu digo, não faça o que eu faço." Ela falou numa falsa repreensão, antes de se dar conta de ter entrado em terreno perigoso.

E essa é a hora que ele pergunta sobre a sua mãe. Brilhante, Ginevra!, ela pensou sombriamente.

Já tinha sido bastante constrangedor no dia anterior, quando ele havia perguntado por que eles não tinham ido morar na Mansão Malfoy ou por que Draco não tinha ido morar com eles, e se era natural que pessoas casadas não morassem na mesma casa.

Ruborizada e com vergonha, Gina simplesmente havia respondido que Draco e ela valorizavam suas privacidades, o que obviamente não tinha sido muito convincente para um garoto esperto como James. Por sorte – e graças a algum jogo de cintura de Gina- o assunto havia sido esquecido temporariamente.

Entretanto, naquele momento, ela não saberia o que dizer quando ele verbalizasse a pergunta que estava estampada no seu rosto.

Para sua felicidade, ela foi salva pelo gongo por Della, que aparatou na sala de jantar repentinamente, fazendo Gina derramar chá no seu roupão e James espalhar bolinhos de caldeirão pelo carpete no momento em que ele riu da cara da mãe.

"Mil perdões, Sra. Malfoy." Ainda era estranho ouvir alguém chamá-la daquela forma, mas Gina tentou se concentrar no que a elfo dizia. "Della não quis assustar," Para sua satisfação, os anos ao lado de Gina fizeram com que Della perdesse o mau hábito de se castigar toda vez que se julgava errada, ainda que aquele fosse seu primeiro impulso. A ruiva desconfiava que isso tinha algo a ver com o fato de que Della não era efetivamente uma serva de Gina, mas sim liberada temporariamente da família para a qual servia. Isso não deixava de incomodar alguma coisa no seu subconsciente, mas ela ignorou a sensação e se concentrou na elfo. "Uma coruja chegou trazendo um bilhete para a senhora." A elfo disse, se aproximando da mesa e entregando o bilhete à Gina.

"Della!" James pulou da cadeira, excitado. "Tem mais bolinhos na cozinha?"

Della fez uma meia reverência antes de responder. "Para o jovem senhor, sempre há."

O menino abriu um sorriso de orelha a orelha, direcionando um olhar de pedinte para Gina, pedindo permissão silenciosamente para ir até lá.

Gina fingiu revirar os olhos e se virou para Della. "Você mima demais esse garoto!" Depois completou, se dirigindo ao James, dessa vez. "Quero você com fome para almoçar comigo no Beco Diagonal!"

E o menino assentiu sorrindo e saiu em disparada, em direção à cozinha, com Della nos seus calcanhares.

Enfim sozinha, Gina teve o silêncio desejado para ler o bilhete.

Seria de Draco?, ela pensou se odiando na sequência pela expectativa criada.

Teve uma leve decepção não declarada quando viu que não se tratava da caligrafia cuidadosa dele.

Querida Ginevra,

Sei que Draco já deve ter falado com você a respeito, mas como não vi nenhuma movimentação da sua parte para os preparativos, achei que seria conveniente te lembrar.

A confraternização que acontecerá em Hogwarts daqui uma semana é de extrema importância e é vital que você compareça, apareça, se mostre.

O não comparecimento pode ser um sinal de não sintonia com o Regime e ambas sabemos o quão devotada às causas do Ministério você é.

Espero você lá.

Da sua,

Olívia T.

Mais essa agora!, Gina bufou irritada.

Sequer havia ficado sabendo desse evento antes daquela manhã e tampouco Draco havia se dado ao trabalho de avisar qualquer coisa que fosse, depois da última aula de oclumência. Ela praguejou baixinho, queimando o bilhete de Olívia com um toque brusco da varinha.

Aliás, Olívia era um outro problema; por que a esposa do Ministro da Magia tinha tanto interesse nela? Certamente, ser a mulher do chefe do departamento mais importante do Ministério tinha algum papel nisso, mas Gina podia jurar que havia algo mais… Por que a mulher não queria que Gina destoasse do concerto de idiotas que era a sociedade bruxa? Por que tentava protegê-la? Por que tinha enviado aquele bilhete, com um aviso velado do que poderia acontecer se ela não fosse à confraternização? Sentiu um nó no estômago quando pensou que Olívia poderia saber de algo sobre sua verdadeira identidade…

Espantou o pensamento sacudindo a cabeça, o que certamente não foi uma boa ideia por causa de uma nova náusea.

Então, como se quisesse puni-la, sua mente caprichosamente se focou na imagem de Draco e no fato de que ele não queria que ela fosse nessa confraternização. Se isso não fosse verdade, ele já teria comunicado pessoalmente a ela, como já fizera anteriormente em outras ocasiões e eventos onde a presença dela seria recomendável.

Ele parecia não se importar com o fato de que o não comparecimento dela poderia ser prejudicial para a pequena encenação em que eles viviam… E por mais que não admitisse jamais em voz alta, aquilo a deixou levemente incomodada.

Eles tinham um trato, não tinham?

Mas estava tão cansada de brigar, discutir, entrar em conflito com ele… Decidiu que, pelo menos daquela vez, não bateria de frente contra a vontade de Malfoy. Ela não iria àquela farsa idiota em Hogwarts e ele que desse a desculpa que achasse mais conveniente para a ausência da esposa. Gripe, sarapintose, varíola de dragão, as duas pernas quebradas por um caldeirão imenso que caiu em cima dela, ela não se importava.

Não iria, mesmo com o sutil aviso de Olívia permeando todas as linhas do seu bilhete. Ou pelo menos tinha convicção de que não iria.

Convicção que foi por água abaixo na noite do dia seguinte.

***

No dia seguinte, Gui apareceu para uma visita. E as visitas dos irmãos, mesmo que fossem de Gui, sempre envolviam alguma coisa mais perigosa.

Eles estavam sentados no escritório dela, tomando chá e imersos no silêncio que só poderia ser propiciado pela intimidade de irmãos.

"É sempre muito bom ver que você está bem, Gina." Gui rompeu o silêncio, girando sua xícara inconscientemente nas mãos. Ela sorriu diante da sinceridade.

"Eu posso dizer o mesmo." Ela sorriu. "Como estão todos?"

"Bem, na medida do possível." Ele abriu um sorriso ao dizer isso e Gina sabia que havia algo mais.

"E…?" Ela perguntou incisiva.

"Fleur está grávida de novo." Dessa vez ele não reprimiu a alegria e ela pensou que, quando ele sorria assim, mesmo com o rosto cheio de cicatrizes, tornava-se realmente bonito. "Mamãe está radiante! Victorie tem sido uma válvula de escape e tanto para ela, nos últimos anos… Agora ela vai ter mais um neto ao lado dela para desviar a atenção de todos os problemas."

Ela foi até o irmão e o abraçou demoradamente. Era tão bom senti-lo ali, feliz, e ainda ter notícias da família. Admirava a coragem de Gui e todo seu empenho em tentar levar uma vida mais próxima do normal, mesmo a realidade sendo uma grande porcaria cheia de guerras, disputas, mortes, perdas.

De livre e espontânea vontade, ele escolhia ter filhos, trazer crianças para esse mundo. E Gina mais uma vez se sentiu covarde, pelo medo que sentia do que o bebê que ela carregava poderia significar. Subitamente, sentiu vontade de pedir para que Gui a levasse com ele… Queria ter esse filho perto da sua mãe, da sua família.

Na primeira vez, ainda que tivesse fugido, tinha passado toda a gravidez de James junto com a família, e agora estava tão... Sozinha.

Espantou o pensamento e se concentrou na alegria do irmão. "Eu queria muito conhecer sua filha, Gui. E acompanhar o crescimento desse outro bebê também. Mas estarei com elas em pensamento."

"Elas?" Ele deu um meio sorriso brincalhão.

"O lado feminino da família precisa ter uma torcida maior, não é?" Ela piscou com um olho para ele. "Estamos em desvantagem demais."

Ele riu e beijou a testa dela abraçando-a mais forte. "Sinto muito sua falta." E eles ficaram daquele jeito, até quando a posição se tornou incômoda demais para Gina, quando se afastou levemente para não deixar evidente a barriga incipiente. "Mas tenho esperança de que um dia estaremos todos juntos, novamente."

Gina sentiu lágrimas chegarem até seus olhos. Gui sempre fora o único que a entendera completamente quando ela decidiu partir, sem reservas, sem condenações.

"Sim, eu rezo todos os dias para que isso aconteça."

Ele havia liberado-a do abraço, mas permaneceu segurando suas mãos. "Por mais que eu goste de vir dar uma olhada em você com meus próprios olhos, também vim aqui para te pedir mais um favor." Ela assentiu e ele continuou. "Mesmo que as coisas não tenham sido planejadas, você acabou se tornando uma figura valiosa para Resistência… E eu sei que isso pode ser prejudicial para você."

Ela negou com a cabeça. "É o jeito que encontrei de ajudar no que eu puder, não é?" Ele assentiu e ela prosseguiu. "O que você precisa de mim?"

"Haverá uma confraternização em Hogwarts, sob o pretexto da união das Quatro Casas…" Gui falou e ela sentiu seu estômago dar um leve nó. Aquele pedido seria sinônimo de encrencas. "Precisamos que você vá nessa confraternização e descubra o máximo que puder. Se puder arrancar alguma coisa de Malfoy também, seria ótimo."

"Por quê?" Ela franziu a testa. "Aconteceu alguma coisa?"

"Temos informações de que o Ministério fará uma ofensiva contra a Europa Oriental, para expandir a dominação de Você-Sabe-Quem e isolar os focos de Resistência fora da Inglaterra."

"Isso significa que planejam atacar Carlinhos…" Gina não precisou de muito esforço para deduzir e quando Gui confirmou com um aceno, ela sentiu uma leve tontura.

"Exatamente. Particularmente, eu não acho que a ofensiva será feita imediatamente, mas quanto mais informações nós tivermos sobre a organização e planos do Ministério, melhor será para impedir qualquer avanço deles, ou para pelo menos atrasá-los. Carlinhos está sozinho na Romência concentrando a Resistência fora do Reino Unido e o máximo que podemos fazer para ajudá-lo é conseguir informações."

Carlinhos... Seu querido irmão que tinha sofrido as consequências de ser o adulto que sempre soubera do ataque planejado por Harry e que não tinha feito nada para impedir. Ela se arrepiou, ao pensar no quanto o irmão havia sofrido por causa das consequências daquele fatídico dia, mais até que os outros.

Então ela soube que não tinha como resistir mais: teria que encarar a sociedade, as pessoas que odiava e talvez até Voldemort.

E por mais absurdo que fosse, tinha mais apreensão pela expectativa de encarar Draco Malfoy. Não pelo que ele pudesse fazer, mas pelas suas eventuais reações, depois do último encontro deles…

Entretanto, nenhum desses medos era maior do que o amor que sentia pelos irmãos e pelos pais. Por eles, ela faria qualquer coisa.

Assim que Gui se despediu dela, entre abraços e beijos carinhosos, ela se sentou na mesa do seu escritório e retirou uma pena do tinteiro.

Responderia o bilhete de Olívia.

***

Teve somente alguns dias para tentar arrumar um vestido que lhe convinha, mas sorriu satisfeita ao ver seu reflexo na vidraça de uma das portas que davam acesso ao Salão Principal de Hogwarts, local onde seria comemorada a homogeneidade da sociedade bruxa.

Por mais que o preto ressaltasse sua pele levemente sardenta, caia-lhe muito bem e era conveniente para disfarçar sua barriga incipiente que, com quatro meses, já começava a aparecer aos olhos mais atentos.

Ela agradeceu mentalmente por não ter engordado muito ainda; a gravidez seria um problema que ela teria que esconder com mais cuidado, mas não naquela noite.

Aproveitando as mudanças no corpo, especificamente nos seios que começavam a se avolumar pelo seu atual estado, ela preferiu abusar do decote do vestido sem mangas, na velha teoria de que mais olhos no peito significavam menos olhos na barriga. Somado a isso, uma saia mais larga na cintura (que também ajudavam sua condição) e luvas que iam até o cotovelo, tão negras quanto o vestido e o estado de espírito dela, formavam a sua armadura para aquela noite.

Entraria no ninho de serpentes.

Literalmente.

Assoprou uns fios muitos vermelhos que se desprendiam do elegante coque e caíam sobre sua testa, entrando no Salão em busca de algum rosto que não fosse tão inimigo ou de alguma fonte potencial de informações.

Para seu alívio, pôde confirmar que Voldemort não estava lá; ele não parecia ser do tipo que confraternizava, mesmo se a comemoração fosse fruto do seu próprio sucesso. Em compensação, toda sua hoste de comensais estava presente, desfilando com sorrisos escancarados e fingida educação, fazendo questão de exibir nas conversas seus altos cargos no Ministério ou em Hogwarts. Obviamente, todos os antigos professores – que agora eram caçados com a Ordem - foram substituídos por comensais e Amico Carrow tinha assumido definitivamente a direção da escola.

O Salão Principal estava suntuosamente decorado, com o verde e prata da Sonserina espalhados por todos os lugares, desde as pequenas mesas e cadeiras, que possibilitavam certa privacidade para comer ou para se ter uma conversa, até o estrado onde Amico Carrow se sentava com os outros 'professores'.

Havia comida e bebida em abundância; garçons, em vez de elfos, circulavam com graciosidade servindo e enchendo os copos que mal chegavam a ficar vazios. Não havia músicos, mas ela podia ouvir uma música ambiente, magicamente criada para dispor algum som no Salão e ainda assim não atrapalhar as conversas.

Poderia ser uma confraternização muito agradável. Se ela não detestasse noventa e cinco por cento das pessoas que estavam ali e o que elas representavam.

Gina se afastou o máximo que pôde do grupo mais perigoso, reunidos perto do estrato elevado do Salão, e circulou livremente por alguns segundos. Se recusou a admitir que estava procurando por Draco, mesmo que fosse apenas para ter alguém com quem conversar. Olívia também não estava à vista e ela foi ficando desanimada sob os olhares curiosos, avaliadores. Era a primeira vez que ela se apresentava num evento daquela magnitude e amaldiçoou a doninha branquela por não estar com ela naquele momento crítico.

Certo, Malfoy não sabia que ela iria. Mas isso não justificava o fato de ele não aparecer de forma alguma, para que ela pudesse usar a imagem e influência dele como trampolim para as informações que tinha ido coletar. Bastardo egoísta!

Não teve tempo de dar atenção a vozinha interior - que já estava ficando muito tagarela para o gosto de Gina – que dizia que ela própria era a mais egoísta da história inteira, porque no momento seguinte sentiu uma mão forte enlaçando seu braço e puxando-a levemente.

Gina girou cento e oitenta graus e se encontrou cara a cara com um estonteante Blaise Zabini. Os olhos muito escuros e misteriosos brilhavam como ébano por entre seus longos cílios, enquanto seus lábios se distendiam num sorriso caloroso. Ele se inclinou na sua direção, para que só ela pudesse ouvi-lo.

"Eu não achei que você fosse vir, de verdade. Mas acho que você é mais ousada do que parece." A voz constante de Blaise se manifestou perto do seu ouvido e ele deu uma leve risada antes de completar. "Ou simplesmente é muito burra."

"Olá, Blaise." Ela disse rolando os olhos e erguendo o rosto para olhar o rapaz negro e absolutamente vistoso que se apresentava diante dela, segurando uma taça de firewhiskey em uma mão e o braço de Gina com a outra. Não se cansava de se surpreender com a elegância de Zabini; ele era realmente muito charmoso quando queria.

Se perguntou se ele sempre tivera aquela graciosidade e elegância natural nos movimentos ou se adquirira com o tempo. Talvez já estivesse tudo ali e ela só estava muito apaixonada por Harry para reparar.

Prendeu a respiração diante do pensamento. Estava apaixonada? No passado?

Um arrepio percorreu sua espinha. Ela não conseguia pensar numa Gina Weasley que não amasse Harry Potter, mesmo um Harry Potter morto. Tomou outro choque ao se lembrar que agora era Ginevra Malfoye isso abria margem para novas abordagens, por mais que fossem contrárias às suas vontades.

"Tão pensativa assim…" Blaise falou, notando a expressão dela. "Não está feliz em me ver?"

"Estou feliz por ver um rosto amigável, mesmo sendo o seu." Ela respondeu num tom de brincadeira, espantando os pensamentos e abrindo um grande sorriso para ele.

"Nunca vai admitir que gosta da minha presença, não é?" Blaise a soltou e colocou a mão livre sobre o coração, como se estivesse magoado. "Mas eu gosto da sua, Ruiva. E devo confessar que gosto mais essa noite. Nunca pensei que você, a garota do infeliz vestido marrom, pudesse ficar tão bem assim." Ele disse, segurando dessa vez a mão dela e rodopiando-a levemente em torno de si mesma. Ela riu.

"E nem precisei pedir conselhos para o Snape." Ela só se deu conta do comentário quando ele já havia saído da sua boca. Se arrependeu no instante seguinte e seu semblante ficou mais sério: aquele não era um passado para ser relembrado em lugares públicos, ainda mais ali, no meio dos comensais.

A reação dela não passou despercebida por Blaise, que mudou de assunto prontamente.

"Então eu te dou meus cumprimentos Sra. Malfoy, pelo seu acerto." Ele brincou, descontraindo a conversa e ela agradeceu mentalmente ao amigo, por ser tão perspicaz com relação às reações dela. "Você está absolutamente deslumbrante." Gina ruborizou levemente quando ele se inclinou levemente para beijar as costas da sua mão. Quando ela ia abrir a boca para dizer para que ele parasse com todo aquele teatro, Blaise foi mais rápido. "Agora eu te deixo, Ruiva. Há um par de olhos cinzas nos encarando friamente de uma das mesas e ele não parece muito feliz. Nos reencontraremos em breve." Ele piscou um olho para ela e acenou insolentemente para Draco quando terminou de falar.

Gina olhou ao redor aturdida, pousando o olhar na direção em que Blaise havia acenado; Draco estava sentado de braços cruzados numa das dezenas de mesas dispostas para os convidados do Ministério e realmente não parecia estar de bom humor. Os olhares deles se cruzaram e Gina sabia que teria que encará-lo mais cedo ou mais tarde; decidiu que preferia que fosse mais cedo.

Quando estava partindo em direção ao marido, Blaise apertou levemente sua mão, que ela, tão concentrada em Draco, nem percebeu que ele ainda segurava.

"Tenha cuidado aqui, Ruiva. Ponha um sorriso no rosto, sente onde puder e fale bem de todo mundo em público. São as três regras básicas de sobrevivência nesse mundo." Ela assentiu e deu um sorriso ao amigo, que sempre parecia gravitar em torno dela, numa companhia constante. Constante, assim como o próprio Blaise era.

Esquecendo Blaise, Gina se aproximou da mesa de Draco a passos lentos, mas decididos, distribuindo sorrisos e negando os petiscos que eram oferecidos por garçons ágeis: não podia correr o risco de enjoar naquele momento, prestes a encarar o dragão. Ela parou ao lado da mesa, tentando aparentar tranquilidade.

"Boa noite, Draco." Ela disse suavemente e ele se limitou a olhá-la com os típicos olhos de gelo, que não expressavam nada. Ela continuou, tentando ser civilizada. "Você não me disse que eu não poderia vir, então eu aceitei o convite de Olívia; ela foi muito gentil." Ela fez uma pausa.

Nada.

Ele só a olhava fixamente e Gina tentou captar algum sentimento vindo dele.

Com alguma dedução, viu que o maxilar estava tenso, os olhos escurecendo levemente, a postura rígida.

Raiva.

Ele estava com raiva.

Mas ainda? Ela suspirou, cansada. O que diabos ela tinha feito dessa vez, além de falar com Blaise?

Há algumas semanas, tinha se convencido da necessidade de um mínimo de cordialidade entre eles, para que conseguissem sustentar a farsa que protegia James e, por consequência, o próprio Draco, além de também proteger a criança que ela estava carregando agora. Entretanto, era muito difícil fazer qualquer coisa nesse sentido, quando a doninha branquela era mais teimosa que um hipogrifo com o orgulho ferido. Ela suspirou e continuou a falar.

"Eu pensei que talvez nós pudessé-"

"Não existe um 'nós'." Ele zombou, finalmente interrompendo-a. "Eu já falei que você está por sua conta, Ginevra. Isso você consegue entender ou vou precisar ser ainda mais explícito?"

Gina respirou para manter a civilidade. "Pare de agir como se não suportasse sequer ouvir minha voz-"

"Aí está!" Ele a cortou e ergueu o copo como se fosse para brindar, triunfante. "Eu realmente não suporto ouvir sua voz de gralha."

Gina ruborizou, finalmente perdendo a paciência. "Minha voz pode ser bem doce, para quem eu quero." Ela disse com malícia, inconscientemente testando os limites do autocontrole de Draco.

Os olhos de Draco se estreitaram perigosamente. "Para quem?"

"Certamente não é da sua conta." Gina respondeu, evitando a todo custo empinar o nariz.

Draco deu de ombros indiferente, finalmente recuperando seu controle frio. "Hoje, particularmente, não estou disposto a ouvir sua ladainha. Mas se está se sentindo sozinha, talvez Blaise fique feliz em te fazer… companhia." Ele frisou a palavra e fez um gesto com a cabeça em direção ao lugar onde ela estivera conversando com Blaise; com o movimento alguns fios de cabelo caíram sobre os olhos dele e Gina sentiu vontade de arrancá-los, um a um. "Vocês sempre se deram tão bem."

Gina se empertigou como se tivesse levado um choque, espalmando as mãos enluvadas sobre a mesa enquanto ele virava um copo de firewhiskey de uma vez. A resposta mordaz - que mandava Draco fazer consigo mesmo um ato que geralmente era feito a dois - estava na ponta da língua dela e alguns pares curiosos de olhos já se preparavam para ver uma cena interessante entre jovem casal Malfoy, quando o braço de Gina foi tocado levemente.

Olívia Thicknesse estava ao seu lado, exalando bondade pelos olhos muito verdes e requinte através dos gestos graciosos.

Gina - a desajeitada, a geniosa, a escandalosa - era definitivamente um patinho feio naquele mundo. Suspirou fundo para recuperar o controle, com esse pensamento na cabeça.

"Ginevra! Draco! Que bom encontrá-los. Pio e eu tivemos um contratempo burocrático, só conseguimos chegar aqui agora." Não esperou pela resposta e Gina aproveitou a chance para controlar ainda mais seu gênio. "Draco, querido, se importa se eu roubar sua mulher por alguns instantes?" Ele deu de ombros indiferente e Olívia prosseguiu. "Nós duas precisamos de um ar e Pio quer trocar uma ou duas palavrinhas com você." Ela se virou para Gina dando uma leve piscada com um olho. "Homens pensam em trabalho até mesmo em momentos como esse, não é minha querida?" E saiu arrastando-a delicadamente até um dos grandes terraços do castelo, onde bancos foram colocados para que as pessoas apreciassem a noite e tivessem alguns momentos de privacidade.

Gina não olhou para trás, mas, se tivesse feito, certamente teria visto Draco Malfoy trincar o copo a sua frente, extravasando sua raiva involuntariamente através de magia e afastando alguns olhares curiosos mais persistentes.

***

As duas caminharam em silêncio até o terraço e assim permaneceram por alguns minutos, sentindo os ventos do fim do verão começarem a ficar mais frios. Gina se abraçou instintivamente e Olívia notou a reação.

"Fica mais gelado quando se sabe que estamos sozinhas." Ela disse, suavemente.

"Perdão?" Gina se virou em direção a ela, sem a certeza de ter entendido corretamente.

"Nada, querida. São só reflexões de uma bruxa que está ficando velha." Gina achou a afirmação absurda, dado que Olívia nem devia ter chegado aos cinquenta anos ainda.

Entretanto, naquela noite, especificamente depois da 'conversa' com Malfoy, ela não estava com paciência para joguinhos.

"Olívia, eu agradeço muito todos os conselhos que você vem me dando e certamente fico feliz com eles… Mas sinceramente, eu gostaria de saber porque você me protege dessa forma, desde o dia em que colocou os olhos em cima de mim, na minha loja." Gina disse, deixando aflorar toda a sinceridade que lhe era característica.

Olívia olhou diretamente para ela com seus olhos verdes penetrantes. "Sempre gostei do fato de você ser tão direta, Ginevra. Foi um dos pontos que fez com que eu me identificasse com você." Ela deu um tapinha gentil na mão de Gina, que estava apoiada no muro da sacada. "Sim, creio que identificação é a palavra certa. Eu não sei quais razões a levaram a se casar com Draco e entrar nesse mundo, mas desde que te vi pela primeira vez senti que você não era como as outras." Ela apontou com a cabeça a grande porta que dava entrada ao Salão.

Gina tremeu, de frio e de medo. Tudo que ela não queria era se destacar na multidão, chamar atenção. "Claro que não, Olívia. Sou exatamente como as outras mulheres de homens importantes nessa confraternização." A voz dela fraquejou e pediu a Merlin para que Olívia não tivesse percebido.

A bruxa mais velha estreitou os olhos, com algum grau de malícia divertida. "Não precisa ter medo, Ginevra. Não acabei de falar que me identifiquei com você? Justamente porque nós duas não nos rendemos a essa sociedade corrompida, ainda que estejamos nela. Não engolimos esse discurso de supremacia de raça, de homogeneidade, de paz forçada. Com a diferença é que nós nos adaptamos, nos movemos conforme a varinha se mexe."

"Olívia, eu não entendo… Você parece ser tão dedicada ao Ministro e…" Ela não soube como completar a frase e a deixou no ar, inacabada.

"Sou dedicada ao Ministro, não ao Ministério, propriamente." Olívia se rendeu a um silêncio triste que durou alguns minutos, onde só era possível ouvir o barulho do vento e da confraternização ao longe, abafada pelas grossas portas. "Desde o começo da Segunda Guerra Bruxa meu marido está sob a Maldição Imperius. Vive como um zumbi que fala, anda, come, é gentil e 'toma decisões', há oito anos. E não posso abandoná-lo porque, mesmo que esse não seja o homem por quem me apaixonei, eu sei que ele está lá dentro, em algum lugar. Então fico ao lado dele, garantindo que ele aja perfeitamente para que Você-Sabe-Quem não fique tentado a matá-lo e colocar outro fantoche no seu lugar." Ela deu um sorriso triste. "Ele até tem algum nível de vontade própria, mas em assuntos que Você-Sabe-Quem não esteja particularmente interessado. Economia, por exemplo… Mas não é o meu Pio, não mais." Os olhos dela ficaram marejados.

Gina resistiu bravamente a vontade de abraçá-la, mas o gesto não seria conveniente num lugar como aquele, onde não havia espaço para a solidariedade; se limitou a passar a mão carinhosamente pelo braço da morena. "Você é uma mulher admirável, Olívia. Eu não sei se teria sua coragem e perseverança." Ela sorriu tentando confortá-la.

"Não?" Olívia sorriu para Gina. "Algo me diz que você também já passou por poucas e boas, minha querida. Mas não falemos de mais mim, isso me deixa triste. Falemos de esperança… Esperança de um dia termos nossas vidas de volta, não é?" Os olhos de Olívia brilharam ainda mais quando a luz refletiu neles, mas Gina não se permitiu ter esperança também. Aquele sentimento nunca havia trazido nada de bom para ela.

"Acho que esperança é uma coisa que o Governo não nos permite ter." Ela respondeu, um tanto amargurada.

"Os braços do Ministério são muito grandes, Ginevra, mas não são capazes de atingir nossos corações. Mesmo com todo esse ideal preconceituoso, mesquinho, pequeno, nós continuamos vivendo, não é? Nós e muito mais gente."

"Quão grande são esses braços?" Gina perguntou, antes de se conter. Era sua chance de conseguir informações e estava ali para isso, afinal.

Olívia pareceu pensar um pouco antes de responder. "Hmm, podemos dizer que são bem grandes. Controlam os meios de transporte, incluindo a Rede de Flu, as chaves de portal, o registro de vassouras, os principais meios de comunicação, como você pode perceber a cada vez que lê O Profeta Diário; eles tem o controle do uso da magia, através do seu marido…" Ela fez uma pausa, para Gina assimilasse a informação. "Fisicamente, conta com o próprio prédio do Ministério, que acabou se tornando uma fachada para as decisões tomadas na Casa dos Riddle, que é o quartel-general de Você-Sabe-Quem, extremamente bem guardado. Já tive que ir com Pio lá algumas vezes e o lugar me dá arrepios." Gina não sabia da existência desse 'quartel-general', construído justamente para abrigar Voldemort e as reuniões com sua corja. Guardou a informação com carinho.

"Ele é quem toma todas as decisões?"

"Ele se concentra em tomar as decisões estratégicas com relação à guerra e principalmente no combate a Resistência, que ultimamente tem definido o cenário político do país. Acabar com a Resistência parece ser seu objetivo pessoal, quase uma fixação. E conforme os anos passam, mais impaciente ele se torna com relação aos rebeldes." Olívia disse, parecendo pensativa. "Nesse sentido, Draco é quem executa essas ordens, da maneira que acha mais conveniente, penso eu. Pio acaba tomando conta de aspectos econômicos, principalmente. Os outros departamentos do Ministério estão divididos entre os outros comensais. Não se pode dizer que eles não são organizados..."

Gina assobiou baixinho, pensando em voz alta. "E além disso eles tem o controle das prisões e a liberdade de prender quem eles quiserem… Os que vierem dos registros dos nascidos trouxas, por exemplo." Ela cerrou os punhos, com raiva. Era tão... Desumano.

"Sim, há o status de sangue que delimita quem é puro o suficiente para ter uma vida normal. Você mesma teve que passar pela consulta da sua genealogia para comprovar seu sangue puro veio da Escócia, não é?" Ao ouvir as palavras da mulher, Gina teve que se esforçar ao máximo para não ruborizar pela mentira da sua origem e se limitou a concordar. "E também há as prisões." Olívia continuou, compenetrada "Askaban, como você deve saber, é para onde são mandados todos os indesejáveis, para que os dementadores tomem conta deles. Mais do que isso, algumas vezes." Gina se arrepiou e Olívia seguiu dizendo. "E a prisão em Glastonbury, que serve para os sangue-puros que não seguem o regime à risca. Geralmente por causa do não pagamento de impostos, não prestação de homenagens – por isso pedi que você viesse, aliás - ou por causa de duelos e outros delitos menores."

Gina preferiu não dizer que agradecia a atenção da amiga, mas que já estivera em Glastonbury e não pretendia voltar. "Nunca entendi por que os duelos são tão estritamente proibidos entre os de sangue puro." Ela se questionou e Olívia deu uma risadinha sarcástica.

"O sangue puro não deve ser derramado desnecessariamente, segundo a lógica deturpada de Você-Sabe-Quem. Entretanto, quando se trata de duelos envolvendo mestiços ou nascidos trouxas, até as Maldições Imperdoáveis estão liberadas."

Gina sentiu a raiva crescer dentro de si. "O que eu mais desejo é ver o fim de tudo isso, Olívia. Juro que se eu pudesse…"

A bruxa mais velha colocou a mão no braço de Gina, que deixou sua frase morrer. "Um passo de cada vez, querida. O primeiro deles consiste em entrarmos naquele Salão e erguermos a cabeça. Eu farei o papel de mulher perfeita de um Ministro fantoche e você sorrirá lindamente para todos, engolindo todas as ofensas que tiver vontade de dizer ao Draco." Olívia disse, sorrindo.

Voltando a se lembrar do marido, Gina teve medo - sem entender ao certo o porquê-, de saber a opinião de Olívia sobre ele.

"Olívia, sobre ele, eu-"

"Draco é um homem que está andando numa corda bamba perigosa, Ginevra. Nem mesmo ele sabe para qual lado vai pender e, a bem da verdade, ele só gostaria de pender para o lado dele mesmo." Ela disse pensativamente, interrompendo Gina. "É uma pobre alma atormentada, de fato, mas isso não significa que não seja um bom garoto, como já te disse."

"Duvido muito. É uma pedra de gelo insensível, isso sim." Gina pensou em voz alta, fazendo um leve biquinho e cruzando os braços.

Olívia a olhou profundamente, antes de responder. "Todo homem tem seus próprios segredos que o mundo não conhece, querida. E muitas vezes dizemos que um homem é frio quando na verdade ele é apenas triste." Olívia deu de ombros levemente.

E deixando Gina incomodada com o pensamento, a conduziu de volta ao Salão Principal, onde elas encarariam com maestria o papel de mulheres perfeitas, apoiadoras de um regime que lhes era detestável.

Olívia a deixou para cumprir seu papel como primeira-dama e saiu circulando pelo Salão Principal como fosse uma peça da decoração: adorável e totalmente inserida; Gina a invejou verdadeiramente por possuir tanto sangue frio e autocontrole.

Se resignou a andar por mais um tempo, começando a ficar mortalmente entediada e sem conseguir outras fontes potenciais de informações. Se forçou a não procurar Draco com os olhos, cheia de rancor pela grosseria que não julgava ter merecido, e vagou a esmo pelo Salão, com o queixo levantado e os olhos desviando de qualquer traço de uma cabeça loira platinada.

O lado bom é que ela já havia conseguido boas informações; mesmo que não tivesse ouvido nada sobre o ataque na Europa Oriental, pelo menos agora tinha uma boa noção da estrutura política do atual regime.

Ela passava, cumprimentando, sorrindo e ouvindo comentários soltos no ar. "Ah, finalmente expurgamos todo o mal da nossa sociedade…", "´É ótimo saber que nossos filhos não serão mais obrigados a frequentar a escola com sangue ruins…", "Só falta um passo para o Lorde esmagar qualquer obstáculo…".

Suspirou, subitamente cansada daquele ambiente. Deixou seus pés a guiarem para fora do Salão Principal suntuosamente decorado, alheia aos olhares que recebia, aproveitando o silêncio do castelo. Um silêncio que ela tinha visto na sua época… O fim do ano letivo certamente deixava o castelo mais morto, mas o atual clima de instabilidade política e intolerância tinha seu papel naquilo também. Chegou ao Saguão de Entrada do castelo, passando pelas grandes portas de carvalho em direção à parte externa, respirando profundamente o ar da noite…

A lua estava grande e bonita, como costumava estar sempre naquela parte da Escócia; parecia oferecer um convite para um passeio, apesar do frio.

Pensou em caminhar em direção às estufas e ao jardim, mas mudou de idéia, seguindo em direção ao campo de quadribol; havia passado muitos momentos bons ali e por vezes e vezes tinha se imaginado como uma jogadora profissional de quadribol, comovendo multidões.

Tudo perdido por causa da maldita guerra…

Ela se deteve, invadida por uma melancolia longínqua… Há quanto tempo não via Hogwarts? O ar úmido cheirando a árvores velhas e grama recém-cortada varreu seus sentidos, levando-a de volta aos seus momentos passados nos seus seis anos na escola.

Teve que lutar com força contra a tristeza que a invadiu quando lembrou que tinha sido naquele lugar que ela havia passado tardes românticas com Harry, conversado sobre tudo e sobre nada com Luna, ajudada por Hermione embaixo de uma macieira em tardes ensolaradas… E agora tudo estava meio morto, meio vazio.

Sentiu tanta falta dos seus amigos que já tinham partido, Colin, Neville, Tonks… E Fred, sobretudo de Fred; seu irmão querido que tantas vezes tinha passado com ela e Jorge por ali, confabulando, rindo de Rony, voando com ela… Seu coração se apertou e ela balançou a cabeça, para espantar o pensamento.

Andou um pouco mais rápido para combater o frio súbito que assolou seu corpo e alma; quando deu por si, já estava próxima ao enorme lago, que fora uma visão tão bonita no seu tempo. Agora, uma intensa neblina cobria toda a superfície da água, criando um ambiente melancólico.

E aquela sensação ruim voltou com toda força. O pensamento de Neville morto, Fred morto, Harry morto, a separação da sua família, tudo isso a assolou com uma força descomunal. Queria pensar em coisas boas, mas simplesmente não conseguia. Um frio que dominava todo seu corpo, retorcia seus órgãos internos, causava desespero. Todas as esperanças do mundo tinham se extinguido naquele momento.

E de repente, ela entendeu.

Dementadores.

Se amaldiçoou pela sua burrice. Era tão natural que Hogwarts, sob o controle de Voldemort, estivesse infestada de Dementadores!

Idiota, idiota!, ela pensou começando a ficar desesperada. Deveria haver guardas que protegiam as pessoas na confraternização com seus patronos, mas ela saíra do castelo. Estupidamente, ela tinha saído do perímetro de segurança.

Tentou pensar em James, sua mãe, em voar! Tentou pensar em todas as memórias boas que poderia ter, mas foi em vão.

E então ela os viu, assustadores, nojentos, horripilantes.

Ela se encontrou cercada por sombras encapuzadas que desciam do céu em sincronia, num ritmo assustador, constante. Havia pelo menos quatro deles e Gina sentiu o desespero tomar conta de si.

Sua respiração estava entrecortada, acelerada; foi com dificuldade que viu uma brecha entre as sombras de quase três metros que se movimentavam e correu o máximo que podia com o salto que estava utilizando.

Correu beirando o impossível, porque corria não só pela sua vida, mas pela vida do seu bebê, que ainda se formava dentro dela. Não ousava olhar para trás, mas sabia que eles estavam no seu encalço, deslizando pelo ar, brincando com ela, aumentando seu medo.

"NÃO!" Ela gritou com todas as suas forças, tentando espantá-los com a voz, mas sabia que era inútil.

Precisava conjurar seu patrono, ela sempre tinha sido boa nisso, não é? Ofegou, parando bruscamente. Estava cercada e só conseguia pensar em Neville, Fred e em Harry.

A quem ela queria enganar? Desde o começo sabia que não poderia conjurar seu patrono, porque tinha medo.

Medo da forma que seu patrono poderia ter tomado. O patrono de Tonks não tinha mudado por amor a Lupin? O de Snape não havia mudado por amor a mãe de Harry? E se o seu vistoso cavalo tivesse se transformado no veado que era marca registrada de Harry Potter? Ela apertou os olhos para não ver, para não chorar. Tinha tanto medo de que ligassem ela e James a Harry, que sua primeira atitude fora correr, porque não queria que ninguém tivesse a chance de ver seu patrono.

Como explicar que Ginevra de Woodcroft, agora Ginevra Malfoy, próspera comerciante sangue puro e mulher do segundo em comando no Ministério, tinha o patrono igual ao de Harry Potter?

Se pelo menos eu pudesse ter certeza de que ele não havia mudado…, ela pensava enquanto tentava achar um modo de voltar para o castelo.

Quando deu por si, estava encurralada. Já conseguia ver as deterioradas mãos cinzentas e cobertas de feridas se aproximando; sentiu uma náusea que a deixou sem equilíbrio por alguns instantes. Se afastou das mãos cinzas o máximo que pôde e desejou do fundo do coração que não morresse de maneira infantil, daquela forma.

Lágrimas vieram aos seus olhos quando pensou em James… Certamente Malfoy garantiria sua segurança - porque a segurança dele próprio dependia disso – mas quem daria carinho e amor ao seu filho? Draco não poderia, ou melhor, não quereria…

Draco… Ele tampouco poderia ajudá-la agora, porque era de conhecimento geral que Draco Malfoy nunca soubera como conjurar um patrono. Como a maioria dos comensais, não tinha lembranças e sentimentos bons o suficiente para realizar o feitiço…

Gina se sentiu amarga, se deparando com o cinismo da situação: ela mesma não estava sendo capaz de conjurar o seu. Agora, mesmo se quisesse, não poderia, com a quantidade de sentimentos depressivos que a invadia.

Os dementadores se aproximaram mais e ela já podia ver os rostos sem olhos, apenas com um orifício escancarado, cheio de dentes podres, esperando para sugar sua alma… E eles se aproximavam com uma lentidão que era quase uma tortura.

Fechou os olhos. De alguma forma, pensar em Draco tinha ajudado com a aceitação do momento; não tinha funcionado com os outros que tentara, com James, com Harry, seus pais, irmãos e amigos, porque a lembrança de Draco, diferente de todos os outros, não trazia lembranças felizes que poderiam ser roubadas pelos dementadores, mas, pelo menos traziam o conforto de um rosto conhecido, próximo, que estava do lado dela para confortá-la e que as criaturas não poderiam acessar.

E dessa forma, com a imagem dele na cabeça, cercada pelas criaturas das trevas, se abraçando firmemente para conter o frio e tentando conter as lágrimas que teimavam em querer cair dos seus olhos, Gina se preparou para receber o Beijo do Dementador, que já se projetava na sua frente abrindo uma bocarra fétida e levando sua mão até a mulher que tremia a sua frente.

Era o fim.


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Notas finais do capítulo

Notinhas rapidinhas: Férias acabando, então infelizmente é provável que o próximo demore razoavelmente mais do que uma semana para sair. Sorry =/

E a frase que a Olívia usa para se referir ao Draco vem de um poeta americano chamado Henry Wadsworth Longfellow, que eu achei que se encaixou SUPER bem para o contexto e para o Draco, em si.

No original: "Every man has his secret sorrows which the world knows not; and often times we call a man cold when he is only sad."



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