Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 13
E os Dois Irão Tornar-se Apenas Um


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo está beeem grande e eu espero sinceramente que esteja legível; como tinha dito, o último capítulo e esse aqui tem um arco complicado e delicado, uma vez que não faria sentido a existência de carinho entre eles, nesse ponto. Torço para que os olhos mais sensíveis não se ofendam.

Adicionalmente, o capítulo demanda certa atenção porque há alternância constante de POV, ora da Gina, ora do Draco, vertiginosamente. Isso acontece principalmente na parte final do capítulo.

Agradeço demais a Rose - sempre. Ver que há pessoas lendo e gostando do que escrevo é a maior recompensa que eu poderia receber.

Acabei de ler essa notinha aqui do lado do site, que diz singelamente "Evite capítulos longos demais, a leitura pode ficar cansativa e talvez o leitor não disponha de tempo para ler o capítulo até o fim. Sugerimos postar capítulos com no máximo quatro mil palavras."

Agora fiquei pensando se não estou fazendo as coisas errado e é por isso que quase ninguém lê a história, haha =/

Anyway, aí vai o capítulo. E sim, fiquei muito vermelha ao escrevê-lo.



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13 - E os Dois Irão Tornar-se Apenas Um

A entrada para o Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos estava relativamente vazia naquele momento.

Aliás, Gina o escolhera o horário de propósito, para evitar maiores polêmicas; já estava sendo difícil o suficiente evitar ser fotografada por repórteres e aturar olhares curiosos, que a perseguiam em todos os lugares a mais nova recém-casada da Grã-Bretanha.

Tinha vontade de apontar a varinha para cada um dos curiosos e azará-los, comunicando antes em alto e bom som que ainda não era a maldita Sra. Malfoy.

Obviamente, não faria a menor diferença, dado que ela o seria em breve.

Então, ela respirava resignada, continha seus instintos mais homicidas e continuava levando aquela pequena farsa adiante.

Entretanto, mesmo vivendo num pequeno inferno particular nos últimos dias, ela finalmente decidiu ir até o St. Mungus depois de muito hesitar, enrolar, procrastinar. Não podia mais adiar a execução de uma idéia que martelava sua cabeça implacavelmente.

Tinha que visitar Narcissa Malfoy.

A razão disso, Gina não conseguia dizer ao certo, mas possuía um forte palpite de que tinha a ver com o fato de que ela tinha usado deliberadamente memórias que envolviam Narcissa para chantagear Malfoy, fazendo algo que a bruxa mais velha certamente desaprovaria.

Gina suspirou. Se pudesse se livrar da sua consciência, seria uma pessoa muito mais prática.

A entrada do hospital, conhecidamente escondida atrás de uma vitrine extremamente mal cuidada da Purga & Sonda LTDA, estava protegida pelos seus tradicionais manequins de perucas tortas e caindo aos pedaços. Gina passou por eles e o fundo da vitrine se abriu magicamente, permitindo que ela visualizasse o saguão do hospital.

A recepção estava mais cheia do que ela havia antecipado - desejar o contrário seria esperar ter um pouco mais de sorte, e há muito tempo Gina não contava com isso. Ela caminhou até a mesa da recepção e tentou manter a voz o mais baixa que podia.

"Vim visitar Narcissa Malfoy. Pode me indicar onde encontrá-la, por favor?" Ela olhou a placa de instruções acima da cabeça da garota, perdida.

A recepcionista, que anotava as informações com olhar de tédio, rapidamente levantou os olhos para ela, mudando de postura. "Temos ordens de não deixar ninguém se aproximar de Narcissa Malfoy e avisar imediatamente o Sr. Malfoy, caso isso ocorra."

Gina bufou sonoramente. Malfoy estava com medo, óbvio. Sua mãe representava um perigo em potencial para si mesma, afinal, o que aconteceria se ela pudesse trocar umas palavras com alguns Comensais, no estado em que se encontrava? Entretanto, na visão de Gina, aquele medo não justificava manter a mulher trancafiada no St. Mungus, de forma alguma.

"Tenho certeza de que meu marido não se importará se eu fizer uma visita à minha sogra." Ela falou, dando ênfase às palavras e contendo com custo uma careta ao pronunciá-las.

"Sra. Malfoy? Ginevra Malfoy?" A recepcionista pareceu um pouco mais animada. "Meus parabéns pelo casamento, senhora. É manchete de todos os jornais! Você é um exemplo para todas as garotas como eu, que querem ser independentes, modernas, à frente do seu tempo. E arrumar um bom partido que possam nos sustentar, claro." Ela acenou com a varinha enquanto falava, provavelmente chamando um curandeiro para atender Gina.

Gina, por sua vez, conteve a réplica maldosa que subiu até sua língua, dizendo que a ideia de ser sustentada por um bom partido ia contra todas as qualidades que a garota havia citado anteriormente. Preferiu confirmar com um aceno de cabeça.

Depois de uns instantes onde a garota tentou a todo custo arrancar as informações sobre os detalhes do casamento - que ainda não tinha ocorrido - um curandeiro chegou para levar Gina até o segundo andar, na ala de tratamento para acidentes mágicos e problemas psicológicos.

Depois de subir imponentes escadas brancas, o curandeiro parou subitamente diante de uma porta, abrindo-a devagar. Entraram num quarto bem decorado em verde, com móveis espaçados que davam um aspecto tradicional e ao mesmo tempo confortável ao ambiente. As cortinas estavam bem abertas, permitindo a entrada dos raios de sol, que iluminavam pequenas partículas de poeira que dançavam pelo quarto. Ao fundo, sentada numa poltrona, havia uma mulher de roupão azul-claro e longos cabelos loiros que olhava fixamente pela janela, com o sol também banhando sua pele muito branca. A cena tinha um misto de beleza, tristeza e intimidade que fez Gina engolir em seco.

O curandeiro quebrou o silêncio incômodo. "Quer que eu fique com vocês?" perguntou para Gina.

"Não, não é necessário." Ela murmurou.

"Certo. Se precisar de mim, entre em contato com a recepção. Ela pode ser... exasperante, quando quer."

Gina acenou com a cabeça para o homem, que saiu do quarto. Ela se aproximou e sentou numa cadeira, perto de Narcissa.

Pela primeira vez, a mulher a mirou com olhos muito azuis e penetrantes e Gina se sentiu desconfortável diante daquela expressão.

"Por que uma Weasley recebeu autorização para me visitar?" Narcissa levantou o queixo, sem nunca deixar de olhar Gina com expressão desaprovadora. "Suponho que seu lado tenha abdicado dos benefícios de ir e vir quando perderam a guerra, não?"

Gina arregalou os olhos. Seis anos tentando se esconder, seis malditos anos tentando fingir que ela era outra pessoa e Narcissa Malfoy a desmascarava com nada mais que uma observação mais atenta.

"Como você sabe quem eu sou?" Gina não escondeu a surpresa na voz.

"Ora, menina." Um sorriso sem humor cruzou seus lábios finos. "Esses seus cabelos, essas sardas, esse jeito de caipira visitando a cidade grande. Não importa o quão bem você se vista, tudo isso está tatuado em você." Ela disse arrogante e Gina entendeu o que o curandeiro quis dizer com 'exasperante'. Decidiu ignorar o fato de que tinha colocado seu melhor vestido para visitar Narcissa, sem razões aparentes. "Além disso, conheci sua mãe nos tempos de Hogwarts, apesar de ter entrado na escola quando ela já estava quase se formando. Você se parece muito com ela, naquela época. Ela era bonita e foi amigável comigo… Uma pena ter se casado com um Weasley. E depois de toda aquela história com Bella, na Batalha de Hogwarts…" A voz de Narcissa morreu lentamente.

Ela olhou pela janela, parecendo estar perdida nos seus próprios pensamentos, ignorando Gina. A bruxa mais nova não sabia se agradecia o elogio - se realmente aquilo tinha sido um elogio - se chamava a atenção da mulher ou se permanecia em silêncio...

Com um suspiro, ela resolveu que, se tinha ido até ali, deveria falar alguma coisa. "Estou aqui para dizer que a senhora é uma mulher admirável e para te agradecer por ter salvado Harry." Ela não completou com o 'e também para te pedir perdão, por ter usado memórias que não me pertenciam para chantagear seu filho' que sua consciência clamava por fazer.

Narcissa a olhou atentamente mais uma vez e deu um sorriso desdenhoso, quase triste. "E de que adiantou? Essa é uma pergunta que eu me faço com frequência quando estou lúcida, o que não anda acontecendo com frequência, segundo os curandeiros. Perdi tudo que eu tinha de mais precioso. Perdi Lúcio, minha sanidade, minha liberdade, perdi Draco…"

Gina não entendia como Lúcio Malfoy podia despertar tanta devoção de uma mulher assim, era estranho ver o homem que tentara matá-la mais de uma vez ser tão... idolatrado. Ignorou o pensamento por enquanto e se focou em algo que ela pudesse argumentar.

"Draco está bem. É um dos poderosos do Ministério, tem influência, tem poder." E ela não soube se estava tentando consolar a mulher ou a si mesma.

Narcissa balançou levemente a cabeça. "Para que Draco ficasse realmente bem, o Lorde das Trevas não poderia ter saído vitorioso. Ele matou meu filho, dia após dia, tortura após tortura, humilhação após humilhação." Ela olhou para as mãos entrelaçadas no colo. "Para ser bem sucedido nesse mundo que os Comensais ajudaram a construir, Draco teve que se anular, se tornar algo que ele não era… Ele era um menino amado e que nos amava também."

Gina não soube o que responder. A visão que Narcissa fazia do próprio filho era um bocado assustadora para ela.

"Eu... Eu vim aqui por outra razão também." Peça perdão! Peça perdão por usar as memórias de Harry para chantagear o filho dela– sua mente gritou. Ela suspirou para tomar a coragem necessária. Não conseguiu mais uma vez e resolveu mudar de assunto. "Vim para dizer que vou me casar com seu filho."

Narcissa ergueu uma sobrancelha que fez a imagem de Draco se formar na cabeça de Gina. "O que você fez para que Draco aceitasse se casar com você?" Gina ruborizou automaticamente. Era tão evidente assim que ela teria forçado Malfoy? Narcissa fez um gesto displicente com a mão, antes que ela pudesse abrir a boca. "Não me conte. Provavelmente vou esquecer em breve e isso só vai me fazer ficar mais aborrecida. Acho uma união desse tipo vergonhosa para minha família, mas, depois de tantos anos, o que não é mais vergonhoso nessa sociedade? Vá, menina. Vá e tente domar meu filho. Para o seu bem, não deixe que ele anule você. E nem o machuque." Ela suspirou cansada. "Se o fizer, serei obrigada a pagar na mesma moeda e Merlin sabe como estou cansada de tudo isso."

Ficaram em silêncio durante alguns momentos, onde os olhos de Narcissa pareceram se desfocar. Ela olhou para a própria roupa, com uma expressão desgostosa.

"Merlin, Lúcio vai chegar em instantes e eu nesses trajes? Por que você está parada aí, olhando para a mim sem me ajudar? Preciso me vestir decentemente! Onde está Draco?" Narcissa exclamou e Gina a olhou, confusa, antes que a mulher continuasse. "Ele já foi para cama? Semana passada ele passou mal depois de comer tantos doces! É um menino tão voluntarioso... Lúcio acha que isso é por causa do sangue Black." Ela disse levantando-se e andando pelo quarto.

E então Gina entendeu: a Sra. Malfoy estava delirando. Vivendo num tempo onde tinha o marido e um filho pequeno ao seu lado, voltado para uma época em que ela fora feliz. Com algum desconforto, Gina sentiu seus olhos arderem contendo lágrimas.

Tantas vidas destruídas pela guerra…

"Draco já está na cama, Sra. Malfoy. E o Sr. Malfoy chegará em breve, tenho certeza. Mas a senhora precisa descansar, para estar impecável para ele." Gina pegou na mão da mulher, como se fosse a coisa mais natural do mundo e a levou suavemente para a cama, cobrindo-a como fazia com James. "Descanse, vou preparar tudo para quando ele chegar."

"Cuide para que a Mansão esteja em ordem, Dobby anda muito desatento. E, principalmente, cuide de Draco. Ele precisa de atenção, mais do que nunca." E fechou os olhos azuis, espalhando os cabelos loiros pelos travesseiros brancos.

Gina respondeu sem nem pensar duas vezes. "Vou cuidar dele. Eu prometo." Ainda segurando a mão da mulher, ela perguntou baixinho. "Posso te visitar mais vezes?"

"Seria muito gentil da sua parte, Molly." Narcissa falou sonolenta, ainda de olhos fechados.

Gina ainda velou o sono de Narcissa durante algum tempo, antes de sair. Quando o fez, lágrimas escorriam discretamente pelo seu rosto.

Faria o que pudesse para ajudar Narcissa, nem que para isso tivesse que bater de frente com Malfoy.

***

No dia seguinte, Gina se encontrou na sala de visitas da Mansão Malfoy, batendo a varinha contra a coxa impacientemente.

Recebera uma mensagem via coruja naquela manhã, dizendo para que se apresentasse na Mansão no fim da tarde, trazendo as lembranças de Harry.

Ela concordou em ir até lá, simplesmente porque estava saturada com os contratempos criados pelo casamento indevidamente anunciado dias antes pela doninha saltitante. Por causa daquilo, tinha passado por uma cena exaustiva com os irmãos, foi forçada a dar explicações na sua loja, tinha sido assediada pelo Profeta Diário. Mas tiraria isso a limpo. E exigiria que ele marcasse uma data para o maldito casamento, de uma vez por todas.

Se ele está pensando que vou entregar as lembranças antes de nos casarmos, está muito enganado, ela pensou acidamente, ainda batendo a varinha na perna sistematicamente.

Depois de alguns minutos de espera onde ela amaldiçoou até o último descendente da família Malfoy - no caso, Draco - ele se dignou a aparecer ao lado de Blaise Zabini.

"Olá, Ruiva." Blaise disse, na sua voz constante. "É sempre um prazer ver você."

Draco nem sequer deu tempo para que ela respondesse. "Trouxe o que eu quero?"

"Estão comigo." Ela respondeu, com um tom parecido. Só omitiu o fato de que havia trazido as lembranças não porque ele queria, mas sim porque nunca saía de casa sem elas.

"Edril." Malfoy falou com sua voz fria e, automaticamente, o elfo pareceu diante dela com uma penseira. "Entregue a ele uma das memórias do Cicatriz." Ao perceber a hesitação dela, um meio sorriso sarcástico brotou nos lábios dele. "Vamos, Ginevra. Eu pensei que você tinha um arsenal de lembranças para me chantagear até o fim dos meus dias. Só quero uma emprestada para ter certeza do que estamos tratando."

É justo, ela pensou a contragosto. Relutante, abriu a bolsinha Mokeskin e entregou um dos frasquinhos para o elfo perto dela. Edril despejou o frasquinho na penseira e a levou até seu mestre servilmente. Draco então repetiu todo o processo que Gina já havia feito com aquela memória, mergulhando o rosto na penseira.

Blaise se manteve impassível; havia se sentado num canto da sala, como se a coisa toda o entediasse ao extremo, e Gina teve que reprimir uma vontade de ir se sentar junto dele.

Depois de alguns minutos angustiantes, Draco voltou a se erguer, um pouco mais pálido do que o normal. Gina não tinha certeza de qual memória ele havia visto, mas tinha uma boa noção pelo que ela mesma já tinha observado. E sabia que ele não tinha gostado nenhum um pouco.

"Está tudo certo, Blaise. Podemos seguir." Malfoy disse, sombrio.

"Seguir com o quê?" Ela se levantou da poltrona, já começando a ficar impaciente.

Malfoy avançou em direção a ela e, involuntariamente, Gina recuou um passo. Ele sorriu diante da reação. "Seguir com o que você começou, Weasley." Ele respondeu, desviando dela e seguindo em direção à lareira no fundo da sala; ele encheu um copo com firewhiskey que estava sobre o móvel, virando-o de uma só vez.

Blaise se aproximou de Gina silenciosamente e sacou sua varinha. Depois de beber, Draco se juntou aos dois e esticou a mão esquerda, silenciosamente.

Gina entendeu subitamente: iam fazer os votos perpétuos naquele momento. Olhou para Draco, sua expressão não revelando nada. Com estranheza, ela pensou que já estava ficando habituada demais com a imagem de Draco Malfoy estendendo uma mão para ela.

Estendeu sua mão esquerda, que passou roçando na dele, num movimento estranhamente natural, e segurou firme no pulso de Draco, como se pudesse aliviar suas preocupações se demonstrasse confiança. Blaise se posicionou entre eles com a varinha em riste, pairando sobre as mãos entrelaçadas. Então, Gina se deu conta de que era sua hora de falar.

"Você, Draco Malfoy, protegerá a vida de James contra a fúria de Você-Sabe-Quem?"

"Sim." Ele respondeu, como se tivesse que empurrar as palavras por entre os dentes cerrados.

Uma espécie de língua de fogo saiu da varinha de Blaise e uniu as mãos num movimento ao mesmo tempo fascinante e assustador.

"E promete nunca revelar a identidade de James para quem possa levá-lo a Você-Sabe-Quem?"

"Sim." Outra língua de fogo foi liberada e cruzou com a anterior, formando uma espécie de corrente.

"E promete que não vai facilitar em nada para que outros comensais atentem contra a vida dele, a mando de Você-Sabe-Quem?"

"Sim." Ele respondeu e ela respirou aliviada; tinha procurado fechar todas as brechas que ele pudesse usar.

Uma terceira língua de fogo se juntou às anteriores, se fechando numa verdadeira rede composta por brasas e, então, se apagou subitamente.

Estava feito.

Blaise olhou interessado para a ponta da sua varinha e deu um assobio baixo. "Nunca tinha feito isso antes."

As mãos se mantiveram entrelaçadas pelos pulsos e os olhares presos um no outro. Ela tinha se esquecido momentaneamente de que devia um voto a ele. Draco levantou uma sobrancelha interrogativa.

"Sua vez." Ele grunhiu para Gina. Blaise voltou a sua posição de avalista do voto perpétuo e Draco continuou. "Você, Ginevra Weasley, promete me entregar as memórias que pertenciam a Harry Potter?"

"Prometo entregar, depois do casamento." Ela frisou bem.

Mesmo fogo, mesma ligação.

"Promete me entregar todas as lembranças que possam me prejudicar?"

"Prometo." Ela respondeu. Draco estava tentando fazer a mesma coisa que ela; fechar todas as lacunas que ela pudesse usar contra ele.

"Promete nunca mais usar nenhuma delas ou qualquer coisa que envolva minha mãe para me chantagear?"

"Prometo." Ela disse e fechou os olhos, esperando que aquela sensação de calor envolvendo sua mão passasse logo.

Ele soltou o pulso dela bruscamente e se virou para o elfo na sala, que Gina tinha esquecido completamente que estava ali.

"Edril, chame o oficial. Está tudo seguindo o cronograma." Ele disse se encaminhando para a lareira, enchendo - e virando - mais um copo de firewhiskey.

Oficial? Gina começava a pensar com clareza. Iria casar agora!?

"Como assim, oficial? Eu nem me preparei ou avisei as pessoas e…" Não terminou a frase. Se deu conta de que, para todo mundo, já estava casada. Draco, percebendo sua linha de raciocínio, deu um sorrisinho cínico muito característico.

"Você estava esperando uma bonita cerimônia, talvez com uma recepção?" Ele perguntou, com escárnio permeando toda sua expressão.

"Não!" Ela não ia ruborizar na frente dele, por nada no mundo. "Só não gosto de ser surpreendida."

"Curioso." Ele disse, olhando-a fixamente, com os olhos cinzas como duas pontas de lanças. "Eu também não gosto de ser surpreendido. De ser acuado. Ou de ser forçado."

"Fico feliz que você já esteja se adaptando, então." Ela falou, cruzando os braços.

Dessa vez, ele não caiu na provocação dela. Estava mais solto devido à bebida, mas ela não soube dizer se isso significava algo positivo.

"Pense pelo lado positivo. Pelo menos no dia do seu casamento você não está vestindo um horrível vestido marrom." Ele falou, olhando-a dos pés à cabeça e reparando no simples vestido verde, de mangas longas e que caía até os joelhos. "Embora esse também não seja muito melhor."

Gina arregalou os olhos, com surpresa permeando sua expressão. Ele se lembrava do vestido que ela tinha usado no baile! Até mesmo ela pensava ter se esquecido daquilo.

"Como você ainda se lemb-"

"Boa noite, Sr. Morris." A voz de Blaise a interrompeu, impedindo Gina de completar seu questionamento curioso. Ela concluiu que seria mais prudente engolir a pergunta e se concentrar em Blaise, que se dirigia a quem ela deduziu que fosse o oficial da cerimônia, um bruxo muito velho e enrugado, que parecia se impacientar com qualquer coisa ao seu redor. "Esses são os noivos." Blaise disse, apontando para Draco e Gina.

"Vamos começar logo com isso." Malfoy disse, apoiando seu copo vazio sobre a lareira e se encaminhando em direção ao homem.

No caminho, ele puxou Gina pelo braço e se posicionou de frente para o oficial. O velho homem pareceu um pouco confuso. "Sem parentes? Ou festa?"

"Sem nada." Draco estava ficando mais corado e falou um pouco mais arrastado do que o normal. "Quanto mais rápido terminar, melhor."

O homem deu de ombros, como se tivesse acostumado com as excentricidades de alguns noivos.

Ele começou o discurso. Um interminável discurso. Gina pensava em tudo para não olhar para o homem meio ébrio ao seu lado, mas seus olhos teimavam em pairar nas mãos dele – que estavam sobre as dela. Mãos com dedos longos, graciosos, muito pálidos.

Mãos com as quais ela havia sonhado tantas noites, há muitos anos.

Ela desviou a atenção das mãos antes que pudesse pensar algo de que fosse se arrepender. Preferiu se concentrar nele que, teoricamente, era uma ameaça menor, com seu rosto pontudo e pele muito pálida, que não agradava muito a primeira vista. Malfoy estava inquieto, ora mudando o peso de uma perna para outra, ora soprando uns fios de cabelo do rosto. Gina não pôde deixar de sentir uma leve pena dele: o que ela tinha forçado-o a fazer era hediondo e não tirava a razão dele em detestar aquilo tudo.

E o peso excessivo da sua consciência também não ajudava em nada.

Estou construindo uma aliança baseada no ódio, ela pensou, com uma angústia invadindo sua mente.

"Dá para cortar esse monte de porcaria?" Draco a tirou dos seus pensamentos quando falou bruscamente com o oficial, que se empertigou como se tivesse levado um tapa na face enrugada. Gina quase relaxou diante da cena: pelo menos nisso tinha a mesma opinião que Malfoy.

O oficial olhou Draco o mais feio que pôde, tirou um papelzinho do bolso e começou a ler "Você, Ginevra de Woodcroft," Ele pigarreou, como se estivesse dando tempo para que Gina mudasse de idéia e não se casasse com a grosseria personificada que estava à frente dele. "aceita Draco Lucius Malfoy como seu marido...?" Franziu o cenho, ao reconhecer o nome de um dos chefes do Ministério da Magia.

"Sim." Discretamente, Blaise se aproximou dela oferecendo uma aliança e Gina deslizou o anel dedo pelo anelar delgado de Draco.

"Você, Draco Lucius Malfoy, aceita Ginevra de Woodcroft como sua esposa...?"

"Sim." Ele falou no seu tom arrastado, totalmente entediado. Colocou a aliança no dedo dela, errando na primeira tentativa.

"…Então eu os declaro ligados pela vida." O Sr. Morris terminou solenemente, ainda tentando dar um ar de pompa àquela cerimônia estranha.

"Que seja!" Draco se afastou subitamente - largando a mão de Gina - e ela se sentiu fria repentinamente. O que tinha acabado de fazer?

"Não vai beijar a noiva?" O oficial perguntou para Draco, ainda mostrando resquícios de estar ofendido.

Malfoy se limitou a olhar para ele com seus olhos de gelo, antes de sorrir cruelmente. "Preferiria beijar você, mas estou comprometido; acabo de me casar." Ele levantou a mão esquerda, mostrando a aliança para o oficial. Por mais tensa que estivesse, Gina teve que conter um sorriso que ameaçou surgir nos seus lábios.

O velho bruxo ficou subitamente rígido, arrumou seu chapéu com toda a dignidade que restava e saiu a passos largos da Sala de Estar da Mansão Malfoy, sem esperar ser dispensado e com apenas um olhar raivoso de despedida.

Então Blaise, que observava tudo de uma distância segura, agitou sua varinha sorrindo e da ponta dela saíram três estrelas prateadas, numa sátira dos casamentos bruxos tradicionais.

Os recém-casados lançaram olhares simultâneos e identicamente fulminantes para o rapaz, que retomou sua atitude mais reservada, ainda que com um meio sorriso no rosto.

"Acho que essa é a minha vez de me retirar. Desejo aos noivos que sobrevivam até o dia seguinte." Ele fez uma leve reverência para Draco e se aproximou de Gina, abraçando-a pela primeira vez e falando ao seu ouvido. "Boa sorte, Ruiva. Lembre-se do que eu te falei."

Ela simplesmente assentiu e aproveitou o calor que o abraço de Blaise proporcionava, encostando a bochecha no peito dele. Quando ele a soltou, Gina quase pediu para que ele ficasse, mas freou as palavras, reconhecendo o absurdo da situação.

Draco, por sua vez, observava a cena com o semblante indecifrável e o copo de uísque na mão.

"Vou mandar servir o jantar." Foi tudo que ele disse antes de sair da sala, um pouco depois de Zabini.

E Gina interpretou aquilo como um convite, que ela achou razoável não recusar.

***

Eles estavam sentados na enorme - e mal iluminada - sala de jantar da Mansão. Cada qual sentado numa extremidade da mesa gigante, capaz de abrigar mais de quarenta pessoas com facilidade. Gina mal conseguia ver a expressão do rosto do Malfoy, mas notou que ele continuava bebendo.

Precisava ir para casa, sabia que aquilo não ia acabar bem; para sua tranquilidade deixou sua varinha a postos, para qualquer eventualidade. Ela tinha jurado que não teria estômago para engolir nada, mas, como era típico em situações que passava por um estresse emocional, Gina comeu muito bem. E tinha que admitir que a comida era realmente boa. Se fosse um casamento normal, teria tido muito prazer em aproveitar das habilidades culinárias do elfo da Mansão.

Mas não era.

Por isso, ela ficava nervosa. E comia.

Por isso, ele bebia.

Quando Gina achou que não aguentaria a tensão do ambiente por mais um minuto, Draco se levantou bruscamente afastando o prato de comida e seguiu para uma sala contígua, sem dizer nada. Gina não viu outra opção a não ser segui-lo; iria até lá, agradeceria pela comida, entregaria as lembranças de Harry e diria que precisava ir embora, porque já passava da hora de pôr James na cama.

Depois de passar por algumas portas, encontrou Malfoy de braços cruzados, de costas para ela e em frente a lareira do mesmo escritório onde eles tinham acertado os detalhes do contrato.

"Entregue-as para mim." Ele disse, sem se virar para olhá-la e encarando fixamente o fogo.

Gina se aproximou dele, abrindo a bolsinha mokeskin. Entregou na mão pálida que ele estendeu todos os frasquinhos com as lembranças de Harry. Draco olhou para eles, como se estivesse hipnotizado. Jogou uma a uma na lareira e observou o fogo consumi-los. Seu corpo ficava menos tenso a cada arremesso, até que só restou um.

"Tanto desconforto que uma simples memória alheia pode causar." Ele falou perdido em seus próprios pensamentos, girando o último frasquinho azul entre os dedos. Ele estava com a mão muito perto do fogo e Gina duvidou da capacidade dele de se manter equilibrado.

"Cuidado, Malfoy. Você não está sóbrio o suficiente para se manter perto do fogo assim." Ela disse, hesitante.

Ao ouvir as palavras de Gina, Malfoy pareceu que tinha percebido que ela estava ali pela primeira vez. Ele jogou o último frasquinho no fogo e concentrou sua atenção nela.

"Jura?" Um brilho perverso apareceu nos olhos cinzas e um rápido sorriso cruzou seu rosto, enquanto ele se virava completamente para ela. Todos os alertas de perigo se acenderam na cabeça de Gina e ela instintivamente sacou sua varinha; uma pena a mão de Malfoy ter sido um milésimo de segundo mais rápida. Ele não está tão bêbado, afinal, ela pesou acidamente.

"Quer apostar o quão perto você pode chegar sem se queimar?" Malfoy segurou seu punho direito, torcendo-o levemente até que ela soltou a varinha num gemido de dor. Ele chutou o objeto para longe dos dois."Eu já pude perceber que você gosta de brincar com fogo…"

Draco a prendeu firme na sua frente, segurando seus dois braços de forma a imobilizá-la. Aproximou a mão dela do fogo, que ainda estava tentando lutar contra a dominação física imposta por ele. Gina sabia que ele estava olhando fixamente para seu rosto enquanto ela se debatia, mas jurou a si mesma que não demonstraria nada, mesmo que por dentro estivesse se contorcendo de aflição.

Ela sentiu o calor do fogo lamber suas mãos. Teve o ímpeto de fechar os olhos e esperar pela dor, mas se forçou a ficar de olhos bem abertos, escolhendo encarar diretamente o rosto frio de Draco. A espera era muito pior do que o ato em si, porque gerava expectativas; entretanto, ela colocou em ação uma das melhores qualidades que achava que possuía, adquirida após anos e anos de perdas e sofrimentos: O poder de esconder seu pânico através de uma fachada estável. E iria usá-la até quando pudesse.

Depois de um instante de absoluta tensão onde os dois se encararam numa disputa silenciosa, Draco a puxou bruscamente, distanciando-a do fogo.

"Merlin! Então o medo não te faz abaixar essa cabecinha orgulhosa?" Ele parecia realmente com raiva agora. "Talvez nós tenhamos que nos esforçar um pouco mais para destruir esse orgulho, do mesmo jeito que você fez com o meu."

"Draco, espere." Ela tentou se soltar inutilmente mais uma vez, pensando que o nome dele soava estranho na sua boca. "Creio que é melhor que eu vá para minha casa. Você não está bem e eu preciso ver James…"

"Não, Weasley. Temos um contrato para validar. Não era isso mesmo que você queria?" Ele perguntou, com um sorriso frio. "Não seria digno da minha parte deixar de cumprir com as minhas obrigações conjugais, não é?" Ele falou, extremamente sarcástico.

Draco a segurou mais firme, fazendo o possível para esconder tudo o que sentia atrás de uma fachada fria e impassível. Naquele momento, ele tinha tanta raiva que estava à beira de um precipício emocional, dividido entre o choro, o ataque de fúria e a inanição.

Obviamente, ele não tinha a menor intenção de cumprir com aquela cláusula ridícula, imposta pela pobretona. Racionalmente, não queria ter mais contato com ela além do que fosse estritamente necessário, mas Merlin era testemunha de que ele iria assustá-la com a idéia da consumação até quando pudesse. Talvez a deixasse trancada num dos quartos, corroída pelo medo que a expectativa do cumprimento da cláusula poderia causar. Sim, porque ela tinha proposto aquele absurdo, mas, através da própria experiência, Draco aprendera a farejar o medo alheio no ar e tinha certeza que ela não estava contente com a idéia. Longe disso, aliás.

Se alimentaria do medo dela e, talvez com isso, ele conseguisse sentir que a situação tinha se equilibrado um pouco . Depois, talvez até pudesse dispor de um sono tranquilo, como não tinha há dias. Seria um leve bálsamo para o seu orgulho ferido.

"E o que você sabe de dignidade, Malfoy?" O gênio dela explodiu, enquanto ele a arrastava pelos corredores da Mansão.

Os olhos dele se estreitaram perigosamente, mas ele continuou puxando-a pelo braço. "Não muito. Mas mais do que você vai saber sobre o assunto depois que se arrepender de ter me obrigado a casar com você."

Gina sentiu um calafrio. Estavam subindo as escadas e ela tentou se agarrar no corrimão, mas Malfoy segurou suas mãos, impedindo-a. Ela se surpreendeu com o fato de ele ser realmente forte, a despeito do aspecto magro e da bebida.

Draco, por sua vez, a observava com uma atenção que deixava seu olhar sombrio, enquanto puxava o frágil braço da mulher. Definitivamente, aquela garota daria trabalho. Não se parecia com as mulheres que cruzaram seu caminho; não chorava, nem gritava. Ela o desafiava, ainda por cima, com aqueles olhos castanhos brilhantes que faziam com que ele quisesse apertar o pescoço dela! E talvez ele fizesse isso mesmo.

Não seria nada além do que ela merecia, ele pensou sombriamente.

Afrontava-o abertamente. Ele, que tinha sido o ofendido, o humilhado!

Que reparação ele podia exigir dessa mulher? Se fosse um bruxo do nível hierárquico dele, poderiam duelar – ainda que a prática fosse sumariamente proibida pelo Lorde das Trevas, para pessoas com o sangue puro.

Se fosse um trouxa, um simples acenar da varinha resolveria todos os problemas. Mas ela! Não podia tocar num fio do cabelo irritantemente vermelho dela – não para torturá-la, pelo menos. Não quando isso poderia levantar suspeitas sobre eles.

Pensou que ia sufocar de raiva, diante da impotência que estava sentindo.

Gina estava em pânico, como raramente ficava. Por mais que estivesse realmente assustada não conseguia abaixar o olhar, permanecendo na sua posição tradicional de combate, simplesmente porque tinha o hábito de enfrentar. Nunca havia abaixado a cabeça em todos os tropeços da sua vida e mantinha seu nariz arrebitado para cima, mesmo sendo arrastada pelos corredores escuros daquela odiosa Mansão.

Entretanto, dessa vez era diferente: ela sabia que tinha esmigalhado irremediavelmente uma parcela significativa do orgulho de Draco Malfoy, assim como sabia que não havia perdão para o que ela fizera. Deduziu que o medo dela brotava justamente do fato de que sabia que tinha causado uma grande mal a ele.

"Você vai me pedir perdão!" Ele afirmou, com os dentes cerrados. Jogou-a dentro de um quarto quando eles atingiram o corredor do andar superior e fechou a porta atrás de si.

"Não!" Ela balançou vigorosamente a cabeça, os olhos castanhos lançando faíscas raivosas. Quando queria, ela sabia ser teimosa também. E ela queria a maior parte do tempo.

"Eu tenho todo o tempo do mundo, Ginevra. Posso pensar em mil e uma maneiras de fazer você se arrepender." A voz dele voltara a soar fria, ameaçadora. Draco cruzou o caminho que os separava e a sacudiu fortemente, fazendo os dentes dela baterem uns contra os outros.

"Você está louco!" Ela falou, tentando afastá-lo com as mãos e pensando num jeito de sair daquela situação sem piorar ainda mais as coisas.

"A loucura está no meu sangue, como vocês gostam de dizer." Ele sorriu, com aquele sorriso que nunca parecia completo. "Além disso, só estou tentando nos deixar quites. Não que um simples pedido de perdão possa diminuir seu erro, mas pelo menos ver você menos orgulhosa vai ser um bom começo."

"Não vou pedir perdão! Eu fiz o que deveria fazer para proteger aquilo que eu mais amo!" Ela respondeu, mesmo sabendo que, pelo menos, devia um pedido de desculpas a ele. Mas não conseguia proferir as palavras, do mesmo jeito que não tinha conseguido pedir perdão à Narcissa por ter usado as memórias de Harry justamente para chantagear Draco.

"Talvez você precise da dose certa de persuasão…" Draco estreitou os olhos e no momento seguinte a varinha dele estava na sua mão. Gina sentiu seu pânico crescer quando os lábios dele se moveram cruelmente. "Cruc–"

Essa maldição, não!, ela pensou desesperadamente. Já tinha sofrido demais nas mãos de Goyle e dos outros comensais que invadiram sua loja. Não suportaria sofrer aquilo de novo, ainda mais sabendo que isso traria uma série de lembranças desagradáveis, daquele dia na loja, do pânico que sentiu, do medo de perder James.

"Chega, Draco! Eu te peço perdão." Ela disse, segurando o braço do rapaz que sustentava a varinha e escondendo o rosto no peito dele para se proteger, não sabendo se pela vergonha de ter sido orgulhosa demais para não ter pedido perdão antes ou pelo receio de sofrer com a Maldição Cruciatus mais uma vez. "Eu admito que agi muito mal com você. Mas não tive escolha…" Ela falou com a voz abafada pelo contato com a roupa dele.

Gina odiou-se por ter deixado o trauma causado por Goyle aflorar, ao mesmo tempo em que sua consciência parecia subitamente mais leve. Repentinamente, soube que a sua manifestação precoce não havia sido fruto da covardia, mas sim da culpa que a consumia por dentro há dias.

Draco ficou imóvel, indeciso; ficou tão atordoado com o gesto dela que nem teve a primeira reação de afastá-la quando ela apoiou o rosto contra o seu peito. Pensava que ela ainda estava fazendo-o de idiota, fingindo ter uma humildade que não possuía de verdade.

Mas algo o incomodava, como se o tom de voz dela tivesse alguma sinceridade. Amaldiçoou-se por ter bebido demais; seu raciocínio estava lento, incapaz de discernir certas nuances dessa mulher que fazia da vida dele um inferno. Ela estava com a cabeça bem abaixo do seu queixo e ele podia sentir alguns fios ruivos brincarem no seu rosto, enroscando-se na barba incipiente que ele não havia feito naquela manhã.

O perfume dela comandava todos os aromas que ele conseguia sentir e, de repente, a raiva estava cedendo lugar para outra coisa, que crescia em intensidade. Sentiu sua boca ficando seca, seu próprio corpo reagindo diante da suposta fragilidade dela, diante daquele horroroso e fascinante cabelo vermelho, diante de um corpo que ele julgara sujo por tantos anos.

Não podia estar atraído por aquela mulher! Pelos restos de Harry Potter! Amaldiçoou-se pela segunda vez, quase entrando em pânico.

Tinha achado que as reações que tivera quando ela se esfregara nele, naquele dia fatídico na loja dela, foram momentâneas, naturais de um homem que não tem por hábito uma vida amorosa agitada. Draco tinha que admitir que romance nunca fora seu forte, mesmo nos tempos em que não tinha quase nenhuma preocupação, além de dificultar ao máximo a vida de Harry Potter e planejar sua próxima viagem ou aquisição.

Havia Astoria, era verdade, mas a relação dos dois tinha uma intensidade diferente e… Subitamente, não conseguia pensar em Astoria. Só via vermelho na sua frente, só via o corpo pequeno, flexível. Só a pobretona.

Devia estar muito bêbado mesmo, ele pensou fazendo uma leve careta.

Infelizmente, o firewhiskey tinha mesmo amenizado alguns de seus pudores e ele levantou uma mão, pousando-a de leve no braço que ele havia segurado, instantes atrás, sentindo sua maciez. Draco percebeu que ela ficara rígida diante do toque.

Maldita mulher! Não era isso que ela tinha procurado, com aquela estúpida condição no contrato? Maldita bebida, que tirava seus freios e fazia seu corpo ter vontade própria!

A visão daquela mulher mostrando fragilidade pela primeira vez na frente dele e a sensação da testa dela escondida nas suas roupas como uma menina que tivesse feito algo errado, despertaram nele um desejo maior – e mais inusitado – do que algum que ele pudesse abafar.

E então, com um lampejo de entendimento que fez brotar nos seus lábios um sorriso quase de predador, ele se convenceu de que deixá-la com medo não era o suficiente, tampouco satisfatório. Unindo o útil ao agradável, ele se deu conta, através do pouco que sabia dela, que haveria poucas humilhações maiores para Gina Weasley do que se entregar para ele, de livre e espontânea vontade.

Não, ele não faria nada para machucá-la, para forçá-la. Se ele o fizesse, tinha certeza de que ela usaria isso como uma desculpa para esquecer aquela única noite, disfarçando-a como um trauma.

E ele não queria que ela esquecesse.

Ela cederia por própria vontade, nem que para isso ele tivesse que desenvolver um charme e uma capacidade de sedução que ele não tinha certeza se possuía. E Draco apostava que, depois, ela não conseguiria viver em paz com aquela idéia. Repentinamente, teve que ignorar uma parte do seu subconsciente que disse com uma voz reprovadora que, muito provavelmente, ele também não conseguiria.

Desvencilhou-se do corpo dela para se livrar da capa - que caiu pesadamente ao chão junto com a varinha - e da camisa, com certa urgência. Suas mãos não obedeciam totalmente seus comandos e acabou arrancando um botão da cara camisa preta no processo.

Subitamente, Gina percebeu a situação: Draco Malfoy, com a respiração curta diante dela, varinha aos seus pés, com seus cabelos platinados caindo nos olhos e a camisa aberta, revelando um torso liso e muito branco, sustentando uma postura indecisa. Mais uma vez, ele se aproximou - hesitando dessa vez - e levou a mão até o braço dela, onde já apareciam leves marcas de contusões incipientes nos lugares onde ele havia sacudido-a. Ele a envolveu com os braços, de forma quase protetora.

Gina ficou inquieta ao senti-lo tão perto de si, com o tórax magro colado ao corpo dela. Quando ele pousou a mão num dos lugares mais doloridos do braço dela, a confusão deu lugar à raiva, que explodiu como só o gênio de Gina Weasley podia permitir.

Se ela conseguiu ser correta o suficiente para admitir e reconhecer seu erro, era também orgulhosa ao extremo para que o tratamento dispensado por ele a pusesse disposta para aquele tipo de atividade. Ela ruborizou fortemente.

Além do mais, Gina não queria aquilo. Havia tido somente um homem - que estava morto, era verdade - mas ainda levava-o no coração.

A vozinha impertinente na sua cabeça disse que a razão pela qual as pernas dela estavam bambas, seu coração estava acelerado e também pela qual seu corpo parecia reagir a cada olhar intenso de Draco Malfoy, não tinha nada a ver com amor. Ela ordenou a si mesma que tomasse conta da situação: não seria traída pelos seus hormônios e por anos de abstinência!

Mas, por via das dúvidas, era melhor sair de perto daquele homem repugnante. Assim, ela tentou se desvencilhar brutalmente, mas os braços dele se fecharam como ferro ao redor de si.

"Quem te vê relutante assim pode pensar que não foi você quem arranjou tudo isso." Ele falou, arrastando as palavras.

Era demais!, ela pensou ultrajada.

Gina plantou as palmas das duas mãos no peito dele o empurrou contra a parede com uma força incrível para alguém daquele tamanho. Draco bateu com a cabeça na sólida superfície da parede atrás de si e, por uns instantes, hesitou. Para se afastar dele, ela tinha feito algo que ele nunca havia visto numa mulher da alta sociedade bruxa; tinha sido um gesto que não negava da onde ela vinha.

Aquilo tinha divertido-o e irritado-o, ao mesmo tempo.

Se ela acha que eu vou ceder, está muito enganada, ele pensou, mirando-a com um olhar glacial.

Ele sentiu sua fúria se igualar em intensidade ao seu desejo. E não se sentia orgulhoso por nenhum dos dois.

Draco aprendera com dificuldade a controlar e não expor a raiva. E a relegar o desejo sexual ao segundo plano. Pensar que queria tão fortemente aquela mulher o deixava prestes a esganá-la. Que direito ela tinha de fazê-lo se sentir assim?

Detestava a si mesmo por estar desejando-a e detestava a ela mais ainda, por fazer com que ele se sentisse assim.

Recuperado do empurrão, ele percorreu a distância entre os dois em três passos e inverteu as posições, jogando Gina na parede e batendo o corpo frágil contra a superfície, pressionando o corpo dela com o seu. Foi a vez de ela ficar sem ar. Por alguns segundos, ela viu somente duas manchas cinzas na sua frente e sentiu um calafrio, sem ação. Com uma mão, Draco segurou os dois braços entrelaçados de Gina acima da sua cabeça ruiva e, com a outra, fez o caminho por toda a lateral do corpo dela, levantando suavemente a saia do vestido no processo. Ela sentiu outro calafrio traidor; dessa vez, pior.

Ela precisava se soltar agora, do contrário não saberia se voltaria a ter qualquer controle. Sentiu nojo de si mesma pela reação que estava tendo. O corpo dele estava colado no dela e ele também não conseguia esconder o que estava sentido. Ou não queria esconder, a julgar como ele estava pressionando o quadril contra o dela.

Ela o amaldiçoou e ele sorriu, quase selvagem.

Gina se debateu e ele a segurou mais forte, ainda sorrindo maliciosamente. O bastardo sabia que estava levando a melhor. Provavelmente estaria roxa pela manhã, mas a única coisa que conseguia pensar era que estaria perdida se não saísse daquela situação.

"Me solta, Malfoy." Ela tinha plena consciência de que sua voz havia tremido um pouco. "Seu toque me dá nojo."

Draco a observou seriamente por um momento, antes de voltar a sorrir afetadamente. "Você é uma péssima mentirosa, Ginevra."

Ele passou a língua pelo lóbulo da sua orelha, depositando um beijo suave na sequência, descendo numa trilha de beijos lentos, provocantes, abusados, pela sua mandíbula e então mais abaixo. Quando Draco pousou a boca na cavidade do pescoço alvo de Gina, ela teve certeza: não havia mais volta.

Ela gemeu e ele grunhiu, triunfante.

Quando as bocas se encontraram, não havia nada doce ou gentil. Parecia que a batalha entre os dois havia continuado, só que dessa vez em outros termos, com outras regras. As línguas se moviam numa dança sensual que fazia Gina quase prender a respiração. Sentia a parede fria atrás de si, separada dela apenas pela fina camada do vestido. Na sua frente, pelo contrário, só existia calor.

Calor emanando daquele homem frio ao extremo.

Suas idéias eram desconexas e mal percebeu quando ele a ergueu do chão, envolvendo as pernas dela ao redor da sua cintura. Vagamente, também percebeu que ele já não a prendia mais, porque as mãos dela estavam passeando pelos cabelos muito loiros e as mãos dele, por sua vez, estavam ocupadas em abrir a calça, negra.

Negra como a marca que ele carregava no braço esquerdo. Ela desviou o olhar da marca negra, recuperando um pouco do bom senso.

Não queria aquilo, ele era um comensal que representava tudo que ela mais odiava, mas parecia que seus hormônios tinham se rebelado… Tanto tempo sem carinho, sem contato… E, ao mesmo tempo, ela se acanhava… Só tinha passado por aquilo só uma vez e fora com Harry, num contexto tão diferente...

Tentou se libertar novamente, nunca admitindo para si mesma que em parte era porque estava com vergonha do quão mal poderia se sair nessa nova experiência, mas ele manteve suas pernas firmes e sua boca voltara a pousar sobre a dela, opressiva. O beijo era faminto e irradiava um desejo que ela sabia, com vergonha, que nunca tinha sentido antes.

Era extremamente primitivo, básico; um beijo de um homem e uma mulher consumidos por uma luxúria inesperada, onde nada mais importava, a não ser o contato com o outro. Ela gemeu, ainda presa à boca dele e sentiu que ele deu uma leve risada, enquanto mordia seu lábio inferior, antes de voltar a aprofundar o beijo com um vigor feroz.

O vestido desceu pelo seu ombro revelando uma boa parte do ombro e seio direito, atraindo a atenção dele. Então, Gina viu o brilho de algo que nunca imaginou ver nos olhos de Draco Malfoy: intensidade. E a sensação que isso causou foi boa porque ela se sentiu, de alguma forma, poderosa diante dele.

Mas não daria o que ele queria, pelo menos não completamente. Seria sua pequena vingança, contra ele e também contra si mesma, por estar se entregando irracionalmente daquela forma.

Decidiu que passaria por aquilo desdenhosa, sem tirar nada de bom da situação. Suportaria tudo como as mulheres da alta sociedade bruxa, que suportavam seus maridos velhos e barrigudos, se resignando e pensando em outra coisa em momentos como aquele.

Evidentemente, não era o caso de Draco, que não era velho, muito menos barrigudo e fora Gina que quisera que ele fosse marido dela. Ele era um bastardo idiota, mas era um bastardo idiota sólido, flexível e ali, com ele, era difícil desviar o pensamento para outra coisa que não fossem seus movimentos. Ele grunhiu mal-humorado e Gina ouviu o barulho de um tecido se rasgando; registrou vagamente a informação de que sua roupa íntima estaria inutilizada a partir daquele dia.

Sem que ela percebesse o quão receptiva estava, sentiu que ele deslizava para dentro do seu corpo; gemeu de prazer e também foi um lamento desesperado, ao pensar que, com aquilo, estava assinando um atestado de que estava realmente casada com Draco Malfoy. Ela o abraçou mais forte instintivamente, apoiando o rosto no ombro dele, enquanto ele começava a ditar o ritmo, ora lento, ora mais rápido, sempre cadenciado.

As mãos que prendiam as pernas dela em torno da cintura dele se crispavam ocasionalmente e a guiavam em direção a ele, ritmicamente. Gina tentou buscar os olhos dele por alguma razão longe do seu entendimento e viu como eles estavam febris, escuros, hipnotizantes; ela deduziu, mesmo com sua experiência de uma noite só, que ele também estava sendo muito afetado por aquela intimidade inesperada.

Perderam totalmente a noção de quanto tempo seguiram naqueles movimentos.

Draco havia agarrado os quadris dela, com os dedos cravados em sua carne; martelava-a, sem saber ao certo quem ele estava punindo, tentando se convencer que aquilo era só uma maldita cláusula que ela tinha imposto num maldito contrato. Fechou os olhos ao constatar que quase ficara satisfeito de que ela tivesse tido aquela idéia infeliz. Quase.

O contato com a parede gelada a cada estocada dele não incomodava mais e Gina se deixou guiar, desistindo de lutar contra seus próprios instintos. Ela começava a se distanciar ainda mais da sua racionalidade, com contato apenas com o plano sensorial: todos os aromas vinham dele. Toda a sua visão se resumia ao alvo pescoço dele. Todos os seus sentidos eram manipulados, provocados, testados por ele.

Os únicos sons que ela ouvia eram a respiração acelerada dele e seus próprios gemidos, que escapavam involuntários. O gosto que ela carregava na boca era o dele. Ele estava em todas as partes, rodeando-a, envolvendo-a, dentro dela, e ela sabia que devia tentar se mover, romper o feitiço com que ele a envolvia, mas seu coração estava acelerado e a sua coerência rendida.

Achava que não ia aguentar por muito mais tempo, porque ele não a deixava pensar aumentando o ritmo freneticamente.

Mais intenso, mais rápido, mais impetuoso

Fincou as unhas nas costas já expostas do rapaz - em que momento ela tinha mesmo tirado ferozmente a camisa dele?– e ele gemeu, não sabia se pela dor ou pelo clímax se aproximando. No fim, quando ela pensou que se renderia totalmente a ele, sentiu que o corpo dele estremecia por inteiro primeiro.

Naquele momento, ela era dele. E ele, dela.

Aquele pensamento a assustou ao extremo.

Agradeceu teimosamente por não ter atingido seu clímax, sabendo que pelo menos isso não tinha dado a ele, embora tivesse plena consciência de que a história seria outra se os dois permanecessem naquele ritmo por mais alguns instantes.

Ele tentava normalizar sua respiração com o queixo encostado no ombro dela; tirou as mãos das suas coxas e ela percebeu, com certa vergonha, que não era só Draco que havia mantido-a naquela posição: ela tinha grudado no quadril dele, por vontade própria. Ela sentiu que ele deslizou para fora dela antes dos seus pés tocarem o chão e suas pernas pareciam terem sido atingidas por um feitiço perna-bamba.

Draco se afastou, tentando se recompor, ajeitar suas roupas – ou o que restava delas - enquanto Gina se apoiava na parede, erguendo o ombro do vestido.

Ficaram em silêncio por alguns minutos, onde o único som que se ouvia era o das respirações, tentando se regularizar.

Ele passou as mãos pelos cabelos, parecendo sem jeito por um milésimo de segundo. Mas a impressão se fora tão rápido quanto aparecera.

"Acho que agora você está satisfeita e nosso contrato está validado." Ele disse, olhando com uma sobrancelha arqueada para ela, ainda encostada à parede. "Boa noite, Sra. Malfoy."

Depois de uma reverência zombeteira, ele se virou, recolheu a capa do chão e saiu do quarto meio vestido, deixando Gina com uma mistura de sabores no seu íntimo: confusão, entorpecimento e raiva dele e de si mesma, por ter cedido, por ter se submetido. Nunca se perdoaria por isso.

E agora, estava com mais raiva ainda do seu próprio corpo, por estar tão… satisfeito.

Ela cambaleou até a enorme cama com dossel do aposento e se jogou sobre a superfície sedosa, sem se importar com mais nada além da extrema sonolência que se abateu sobre ela, causada tanto pela disputa física quanto pela mental travada entre os dois.

Seu último pensamento, antes dos olhos se fecharem cansados, era de que Blaise tinha razão; ela tinha conseguido forçar Draco a se casar com ela, mas a sensação que ficava era amarga: a sensação de que havia perdido a primeira batalha.


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