Cinzas escrita por Ludi


Capítulo 14
Guerra Fria


Notas iniciais do capítulo

Como não podia ser diferente, obrigada a Rose, que é a minha inspiração desse site, haha

Eu peço, mais uma vez, que se você leu, faça seu comentário; não importa se você curtiu ou não; elogios e críticas construtivas são sempre bem-vindos, porque eles dão um norte para quem está escrevendo. São o verdadeiro termômetro para a continuidade da história.

Não custa nada, não toma tempo e é uma gentileza que alimenta a relação entre quem escreve e quem lê fanfics.

Um beijão a todos!



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Gina se remexeu lentamente, quase ronronando satisfeita, sem saber a razão. Seu subconsciente estava convencido de que seria muito melhor se ela se enrolasse nos lençóis macios daquela cama tão fofa e ficasse dormindo por mais tempo.

Entretanto, para seu desgosto, sua consciência já começava a tomar conta da situação novamente; abriu os olhos lentamente e viu com o desinteresse de quem acaba de acordar que os raios de sol entravam pelas frestas das grandes janelas, cobertas com grossas cortinas de um tecido muito escuro. O fogo da lareira havia se extinto há muito tempo, mas ela não sentia frio, aconchegada bem no meio da imensa cama de casal, com lençóis e cobertores tão escuros quanto às cortinas. Aninhou-se um pouco mais, num movimento extremamente felino. Se sentia satisfeita, a cama cheirava a Draco Malfoy e…

Sentou-se repentinamente espalhando os travesseiros à sua volta, com as lembranças da noite anterior invadindo sua mente como a água liberada de uma represa.

Merda!

Ruborizou, de raiva e de vergonha.

Afastando os cobertores com vigor exagerado, ela jurou que chegaria em casa e tiraria a lembrança daquela noite da cabeça, guardando-a num frasco que esconderia onde nunca mais procuraria.Jamais.

Mudou de idéia na sequência, sentindo o desânimo invadir seu corpo.

Não poderia se desfazer da lembrança enquanto ela ainda estivesse viva na memória de Draco. Gina tinha certeza de que na primeira oportunidade ele usaria os acontecimentos da noite anterior para ofendê-la e humilhá-la.

Bastardo!

Teve vontade de gritar de raiva, amaldiçoando seu corpo traidor.

Precisava de um banho e de poções para o corpo dolorido pelas disputas dos dois. Precisava da sua varinha e ir para casa. Precisava ver James! Como podia ter se deixado levar daquela forma, quando o filho estava em casa, precisando dela? Sabia que ele estaria bem com Della, mas ainda assim…

Mal havia saltado da cama e começado a procurar os sapatos – que ela não se lembrava de ter tirado – e o elfo da noite anterior aparatou no meio do quarto, assustando-a ainda mais.

"Quer me matar, criatura?!" Ela disse bruscamente, levando a mão ao peito depois de tomar o susto com o súbito aparecimento do elfo.

O elfo correu para a lareira com passinhos rápidos, pegou o atiçador e começou a bater na sua cabeça.

"Mil perdões, senhora. Edril não deseja fazer mal à senhora, não mais. Agora a senhora pertence ao jovem mestre, não importa mais se era indigna de ter se casado com ele." A cada nova frase o elfo batia na cabeça mais forte.

"Pare!" Gina conseguiu dizer esganiçada, ainda que tenha torcido o nariz para o fato de 'pertencer ao jovem mestre'. "O que você quer aqui?" Ela perguntou, se esquecendo de que a única intrusa ali era ela.

"Vim devolver a varinha da senhora." O elfo largou o atiçador e tirou a varinha de Gina dos panos velhos que lhe serviam de vestimenta, se aproximando de forma hesitante.

"Ah, obrigada." Gina pegou a varinha e o elfo estremeceu de desgosto ao ouvir o agradecimento. Ela fechou os dedos ao redor do objeto, sentindo a sensação familiar e reconfortante. Um problema a menos, ela pensou amarga. "Erm, Edril, não é?" Gina perguntou constrangida e o elfo assentiu vigorosamente. "Pode me dizer se Draco já tomou café da manhã?"

Ela precisava saber se era seguro sair do quarto sem ter que cruzar com Malfoy pelos corredores do mausoléu que ele chamava de casa. O elfo a olhou com uma cara insolente de quem explicava algo muito óbvio a um idiota.

"O jovem mestre sempre sai bem no início da manhã, senhora. Se dirigiu ao Ministério e não deixou instruções com relação à senhora, nem se deveria tirá-la do quarto dele."

Quarto dele! Sentiu verdadeiramente suas bochechas ficarem quentes. Tinha dormido esplendidamente bem na cama da doninha. Na sequência, com uma certa satisfação interior, ficara um pouco melhor com a ideia de que ele tinha sido privado de dormir no próprio quarto por causa dela.

O que era muito bem-feito!, ela pensou, pondo os sapatos mal humorada.

Gina sentiu um misto de alívio e despeito: Malfoy nem se dera ao trabalho de deixar qualquer recado com relação a ela! Bastardo egocêntrico!

Ela segurou firme na sua varinha e fez uma careta para o vestido irremediavelmente estragado pela disputa da noite anterior; consertou a posição dele nos ombros com um leve feitiço, se preparando para sair. Então, reunindo o que restava da sua dignidade, Gina ergueu a cabeça na posição mais altiva que conseguiu e deixou o quarto de Draco Malfoy.

Iria para casa.

***

Os dias seguintes passaram em relativa calma, apesar das novas atenções que Gina despertava ao seu redor.

Inocentemente, ela não tinha pensado que ser casada com um dos poderosos do Ministério exigiria certa disponibilidade para eventos sociais. Em pouco mais de uma semana havia recebido vários convites para eventos de caridade, chás, festas, confraternizações e todo o tipo de coisa que Gina Weasley não fora feita para comparecer.

Todos os convites bem desenhados e entregues por corujas garbosas tinham endereço certo: a lata de lixo do seu escritório no Beco Diagonal. A última coisa que precisava era bancar a 'primeira-dama', ainda que soubesse, no seu íntimo, que uma hora outra teria que desempenhar esse papel.

Por enquanto – e pela quantidade de tempo que ela conseguisse manter – continuaria sendo apenas uma comerciante de poções. Protegida pelo nome Malfoy, era verdade, mas, ainda assim, só uma comerciante.

Em uma tarde típica, Gina estava expulsando mais um repórter d'O Profeta Diário disfarçado de cliente da sua loja quando um leve rebuliço tomou conta da entrada do estabelecimento. Ela revirou os olhos; aquilo já estava ficando comum demais para o seu gosto.

Dessa vez havia mais aurores, pelo menos oito – a metade deles teve a decência de esperar do lado de fora. O restante cercava uma mulher cerca de vinte anos mais velha que Gina, muito bonita, que exalava requinte. Tinha cabelos castanhos, presos num penteado elaborado – que favorecia o verde dos seus olhos – e estava muito elegante num traje violeta que nela assentava muito bem.

A mulher estava procurando por algo – alguém – e parou quando seus olhos pousaram avaliadores sobre Gina. Por um instante, ela se sentiu desconfortável por estar vestida com sua roupa habitual de trabalho, mas se forçou a responder ao olhar com a mesma intensidade.

"Você deve ser a nova mulher de Draco Malfoy, certo?" A mulher perguntou sem revelar nada na voz, se aproximando graciosamente, e Gina teve a nítida impressão de que ela já sabia a resposta.

"Não." Gina respondeu, calmamente. A mulher pareceu verdadeiramente confusa. Um lampejo de dúvida cruzou o rosto dela e Gina pôde ler claramente como a intrigante desconhecida estava pondo em dúvida a credibilidade da fonte das suas informações. Gina ignorou a expressão interrogativa e prosseguiu "Não sou a nova mulher do Draco. Sou a única mulher dele. Há uma sutil diferença." Ela sabia que para aquela farsa dar certo, ela precisava demarcar território, estabelecer sua posição.

Havia se formado todo um clima de tensão diante da resposta, que se derreteu no ar quando a mulher abriu um sorriso radiante, que iluminou seu rosto.

"Vejo que não vou me arrepender de ter vindo te conhecer pessoalmente. Não sabe como tem sido difícil encontrar pessoas com espírito nos últimos anos. Você tem potencial para ser um sopro de vida na sociedade, Ginevra. Só precisa dos conselhos certos." Ela falou piscando um olho para Gina ainda rindo, muito graciosa.

Gina ficou desconcertada com a reação. Ela estava esperando uma guerra depois da sua resposta audaciosa e a mulher havia desarmado-a com um simples sorriso.

"Eu agradeço os elogios, mas acho que não poderei retribuir a gentileza." Foi a vez de Gina ficar em dúvida, "Não me lembro da onde conheço a senhora."

"Oh, por favor, sem formalidades. Já vi que você não é desse tipo, minha cara! Você não se lembra porque não me conhece, muito simples." Ela estendeu uma mão bem cuidada e amigável para Gina, que a apertou sem demora. "Sou Olívia Thicknesse, esposa do Ministro da Magia."

"Muito prazer, Olívia." Gina respondeu, um pouco sem jeito diante da revelação. "É uma honra recebê-la em minha loja." A despeito do peso do nome dela, ela começou a se sentir estranhamente um pouco mais a vontade com a presença da mulher.

"É muito bom ouvir isso, ainda que eu não tenha vindo especialmente pela loja. Vim por você." Olívia falou e sorriu novamente. "Vim para conhecer a misteriosa mulher que arrebatou o coração de um homem que é notadamente conhecido por não ter coração." Ela estava claramente brincando, mas, ainda assim, Gina sentiu um calafrio percorrer sua espinha.

"Aquilo é só fachada!" Gina rebateu, com um gesto displicente.

Péssima resposta, ela sabia, mas era melhor do que admitir que não tinha certeza de conhecer a pessoa com quem havia casado.

Olívia deu risada. "Quem diria que eu iria ver alguém falando assim de Draco! Ele é um bom rapaz, se quer saber." Ela falou alegremente. "Só acho que andou com as companhias erradas…" Ela completou de forma que somente Gina pudesse ouvir. A ruiva permaneceu intrigada com as palavras, mas não teve tempo de perguntar nada, uma vez que Olívia continuou com o monólogo. "Eu vim aqui somente para dar uma olhadela em você, entender porque estava fazendo esse joguinho de gato e rato com os bruxos influentes da sociedade, mas me surpreendi e vejo que você não é como as outras." Ela fez uma breve pausa, onde encarou Gina com seus olhos verdes penetrantes. "Não é um jogo, você simplesmente está nos evitando porque não quer nos ver, não porque quer chamar atenção!" Ela completou e riu com gosto.

"Não é que não queira vê-los, Senhora Thicknesse… Olívia." Gina se corrigiu, notando o olhar reprovador da mulher. "Eu sou apenas mais... reservada."

Olívia a encarou atentamente alguns segundos, antes de responder. "Ginevra, vivi minha vida inteira nesse meio, não precisa ter receio de que suas palavras possam me magoar; poucas coisas podem, na verdade. Mas eu te aconselho: nesse mundo onde eu vivo – e onde você escolheu entrar ao se casar com Draco– o melhor jeito de não aparecer é se mantendo no centro das atenções. O melhor jeito de ser comum é se mantendo em evidência. Essa sua postura atual só vai fazer com que você chame atenção para si. Já correm burburinhos sobre quem é a misteriosa Sra. Malfoy, além de uma comerciante de sucesso, e por que ela se esconde tanto. E suponho que não seja bem isso que você quer, não é?"

Gina estava de boca aberta. Que mulher fantástica era aquela? Explicitava os problemas que Gina não queria encarar com um carisma e um magnetismo de dar inveja a Gilderoy Lockhart.

"Não é isso o que eu quero." Ela respondeu a verdade mecanicamente, muito porque não sabia exatamente o que dizer. "Obrigada pelos conselhos, prometo que pensarei com carinho no assunto."

"Sei que irá." Ela se aproximou de Gina, dando três leves beijos de despedida em suas bochechas. "É sempre ótimo ver pessoas como você entre nós, querida. Estarei aqui para ajudá-la no que precisar."

E saiu graciosamente, cumprimentando alguns clientes que ainda estavam na loja e levando todo o seu séquito de aurores com ela, deixando Gina com as dúvidas mais variadas com relação às afirmações da bela senhora.

Onde foi que eu me meti?, Ela disse a si mesma, pensando no que Olívia dissera, em Draco, no seu casamento e como tudo começava a sair do seu controle.

***

Passara o dia pensando em Olívia e decidida a não mexer no assunto, por enquanto. Apesar das aparentes boas intenções da mulher do Ministro e do reconhecimento de que Olívia realmente tinha um ponto, Gina ainda tinha muitos receios de se aproximar das pessoas que ela considerava suas inimigas, há tantos anos.

E foi com esses pensamentos que ela aparatou na porta de casa, planejando a programação da noite que faria ao lado de James; também aproveitaria o tempo livre para organizar a contabilidade da loja ou cuidar de alguns trabalhos domésticos que Della não fazia - como se livrar do Bicho Papão que havia se instalado no baú velho do seu escritório, na semana anterior.

Entrou no hall tirando a capa leve, própria para aquela época do ano, e estava distraída com seus pensamentos quando ouviu um gritinho vindo de algum lugar da casa. James estava com alguém? Não podia ser Dave, que ainda estava na loja quando ela saiu. Gina sentiu uma sensação ruim apertar seu estômago.

Os ruídos se tornaram mais fortes enquanto ela procurava pela casa e Gina teve certeza de que eles eram gemidos de choro do seu filho. Seu coração se angustiou. Seguiu na direção mais óbvia - o quarto de James-, mas os sons ficaram mais fracos. Estavam no andar de baixo e ela se amaldiçoou por ter subido para o segundo andar sem vasculhar o térreo. Voou escada abaixo, nem se importando em tocar os degraus, com varinha em punho.

Tudo que ela via era vermelho: percorreu sala, a pequena cozinha, sala de jantar… Escritório. James gritou e Gina correu para a porta do aposento. Della estava absolutamente inquieta na porta do cômodo, como se estivesse numa dúvida terrível e seus grandes olhos amarelos brilharam de alívio quando viram Gina. A ruiva nem sequer esperou uma explicação para o grito de James, passando direto em direção a entrada.

Quando ela abriu a porta com força, ficou estarrecida com a cena.

Draco estava sentado no seu baú de documentos velhos, de pernas cruzadas e o queixo apoiado na mão, numa postura que denotava tédio absoluto. Ele olhava para James com olhos inexpressivos, que se encolhia no canto do quarto, tremendo e choramingando de medo, diante da imagem de Gina pálida, sangrando, gemendo, como se estivesse à beira da morte. Ela mesma tomou um susto até processar todas as informações da cena.

O bicho-papão.

Draco Malfoy havia achado o maldito bicho-papão que ela adiara uma semana para expulsar do baú velho do seu escritório e agora o usava para assustar James.

Ela correu até o menino, entrando na sua frente, protetora.

Ergueu a varinha e apontou para a terrível figura, que automaticamente se transformou num diário flutuante de onde saía uma cabeça disforme silvando e mostrando dentes pontiagudos. Ela fechou os olhos e disse num tom muito mais calmo do que realmente estava sentindo.

"Riddikulus!"

No mesmo instante o diário caiu no chão com um baque surdo, mudando suas características, passando a ser um diário típico das garotas, num tom berrante de rosa e coberto por desenhos de flores e pequenos animais sorridentes. Ela se virou e abaixou para abraçar James e sentiu que o menino tremia.

Draco observava tudo impassível e com uma sobrancelha arqueada, o leve balançar do pé suspenso sendo o único sinal de que ele prestava atenção na cena.

"Vai ficar tudo bem, meu amor." Gina disse, passando a mão nos cabelos do menino. "Draco não está acostumado com crianças, ele só queria brincar com você."

"Eu não gosto desse tipo de brincadeira!" James falou, escondendo o rosto no colo de Gina. "Foi ruim."

"É, eu sei. A intenção dele é só te proteger, meu querido. Tenho certeza disso." Ela lançou um olhar venenoso em direção ao rapaz, que se limitou a olhá-la com uma dica de sorriso nos lábios finos. "Della, leve James para a cozinha e prepare os bolinhos de caldeirão que ele gosta, por favor. Hoje ele poderá comê-los antes do jantar." Ela se dirigiu à elfo que havia entrado logo atrás dela.

O menino levantou os olhos brilhantes, já se recuperando do susto. Há muito tempo Gina tinha aprendido que as palavras chaves para lidar com James eram 'bolinhos de caldeirão', 'vassoura' e 'quadribol.'. Ela sorriu para o garoto.

"Sim, senhora." A elfo fez uma reverência e saiu, levando James pela mão. O menino se limitou a olhar para trás e lançar um olhar magoado e mal-humorado em direção a Draco que teria feito Gina rir, em outra situação.

Eles mal tinham saído do pequeno escritório e Gina virou 180 graus com uma rapidez felina, apontando a varinha diretamente para o peito de Draco.

Ele percebeu tarde demais o que ela estava prestes a fazer e decidiu a que a atitude mais sensata que poderia tomar era ficar absolutamente imóvel.

Gina não se abalou pela impassividade do rapaz e não deixou de notar um brilho de surpresa que cruzou os olhos cinzas, por um milésimo de segundo.

"Que merda foi essa?" Ela perguntou, com os dentes cerrados.

"Seu filho é um covarde." Draco respondeu, sem alterar o tom de voz.

Gina estava borbulhando por dentro. Quem era Draco Malfoy para chamar alguém de covarde? E uma criança que nunca vira um bicho-papão antes! Ela não conseguia organizar as palavras para expressar essas ideias com cinismo o suficiente, então optou por uma estratégia diferente, mas que daria um prazer igual.

"Comece a rezar, Draco Malfoy." Ela disse e apertou a varinha um pouco mais contra o peito dele, afundando-a na camisa negra. Os olhos deles se encontraram e travaram uma outra disputa, que já estava se tornando habitual. Dessa vez ela não cederia, iria azarar o bastardo da melhor maneira que podia, como já havia feito uma vez em Hogwarts, tantos anos atrás.

Gina pensou que ficaria tímida na presença dele, depois da noite de núpcias na Mansão Malfoy, mas o ódio por ver Malfoy colocando James naquela situação superou toda timidez e até mesmo a lembrança daquele evento.

Eles não notaram quando Dave surgiu tímido na porta do escritório; era relativamente comum que o rapaz aparecesse ali rapidamente nos dias em que tinha que ficar na loja até mais tarde, para receber alguma instrução direta de Gina ou para pegar algum documento que não estivesse no estabelecimento.

"Erm, senhora." Dave interrompeu, sem jeito. Nenhum dos dois olhou para o rapaz. Ainda assim ele continuou bravamente. "Não acho uma boa ideia lançar alguma Maldição Imperdoável no seu marido. As pessoas podem estranhar." Ele completou, ainda mais sem jeito.

"Adivinhou meus pensamentos, Dave. Estava justamente pensando em qual Maldição usar." Ela falou calmamente, nunca tirando os olhos do rosto de Malfoy. Viu de novo um certo receio nos olhos cinzas e gostou disso. "Qual você sugere?"

O rapaz na porta abriu a boca algumas vezes, sem saber o que fazer, até que ela abaixou a varinha com um suspiro irritado e Draco se levantou num pulo, como se uma corrente de adrenalina tivesse percorrido seu corpo. Dave aproveitou a deixa e gaguejou alguma coisa sobre ir buscar os ingredientes das poções que ficavam no estoque pessoal de Gina, saindo do escritório. Marido e mulher estavam muito ocupados em se digladiar com os olhos para perceberem a saída do rapaz.

"Nunca mais ouse ameaçar o meu filho, Malfoy." Ela empurrou as palavras através dos dentes. "Ou da próxima vez eu não serei tão indulgente em abaixar minha varinha."

"Se você considera essa brincadeira como uma ameaça," Ele frisou friamente a palavra que ela tinha usado com James, deixando o sarcasmo nas entrelinhas. "não sabe mesmo o que fez quando trouxe ao mundo um filhote do Cicatriz."

"Vá embora da minha casa, antes que eu mude de ideia sobre a Maldição!" Gina perdeu o controle, apontando a varinha de novo para ele.

Dessa vez ele estava mais alerta; segurou o pulso dela, fazendo com que a varinha apontasse para a parede atrás de si e não para o seu corpo, puxando-a para perto de si no processo "Cuidado, Ginevra." Ele falou baixo, arrastado, quase no ouvido dela, e um maldito arrepio percorreu sua espinha, como sempre acontecia quando ele pronunciava seu nome naquele tom. "Não estamos mais em Hogwarts, nem eu sou mais aquele garoto que faz as coisas somente para ganhar notoriedade." Ele completou, soltando bruscamente o braço dela.

Gina ignorou sumariamente a sensação estranha que sentiu quando ele a tocou, preferindo atacá-lo. "Mas eu continuo sendo a garota que não hesita em machucar para proteger aqueles que ama, como você pode se lembrar." Ela disse massageando o pulso recém-liberto e se referindo claramente à cena no escritório da Umbridge, quando ela e os amigos haviam conseguido escapar da Brigada Inquisitorial e de Malfoy, por consequência.

A expressão dele ficou sombria. "Isso eu pude perceber. Assim como não hesita em chantagear."

Gina rolou os olhos, se perguntando se ele nunca perderia a oportunidade de jogar isso na cara dela.

"Vá embora!" Ela repetiu apontando o dedo para a porta, subitamente cansada.

"Com todo prazer." Ele disse olhando a decoração do escritório dela com um leve desdém. "Mas não sem antes te dar um recado."

"Recado?" Ela piscou, confusa.

Foi a vez dele rolar os olhos, perdendo a paciência. "Não achou que eu vim aqui tomar chá ou te ver, não é? Tinha achado que nosso último encontro já havia sido suficientemente... satisfatório para você."

Gina ruborizou automaticamente e ele sorriu malicioso. "Eu não pensei nada disso!" Ela protestou debilmente.

"Ótimo." Draco disse, retornando ao seu tom frio habitual. "Vim aqui para dizer para se preparar. Pegue todos os livros que você achar sobre Oclumência e estude com cuidado. Começaremos os treinamentos o mais rápido possível."

"Por que eu deveria treinar Oclumência? E justamente com você?" Ela perguntou na defensiva, ainda arisca devido a história do bicho-papão.

"Porque, por mais que me desagrade profundamente, você é minha mulher." Draco respondeu entediado. "E é provável que, em breve, você tenha que ficar frente a frente com pessoas que poderiam arrancar seus segredinhos sem maiores esforços. O Lorde das Trevas, entre eles." Diante do nome, ela sentiu outro arrepio, dessa vez bem menos agradável. "Preciso te ensinar a se proteger, porque, fazendo isso, eu me protejo também. Eu adoraria poder passar essa tarefa para outra pessoa, mas não posso confiar em ninguém para isso. Se por acaso conseguirem acessar sua mente abertamente, eu estou condenado. E você e seu filho também." Ele disse a última frase como se fosse a menos importante e Gina quis enfiar a varinha num lugar muito impróprio da anatomia dele.

Entretanto, era necessário admitir que Draco tinha um ponto e ela acabou cedendo. "Quando começaremos?" Ela falou a contragosto, fazendo uma leve careta.

"Mais cedo do que eu gostaria." Ele falou, ajeitando a capa num claro indício de que partiria. "Entrarei em contato." E saiu do escritório sem sequer se despedir ou olhar novamente para ela.

Ela bufou, sabendo que teria pela frente a difícil tarefa de ter Draco Malfoy como seu professor, com acesso liberado à sua mente.

Se existia inferno, Gina apostaria tudo na possibilidade de estar vivendo nele agora mesmo.

***

Gina entrou no grande prédio branco, com portas de ouro e bonitos pisos de mármore.

O saguão do Gringotes estava apinhado de gente e ela pensou venosamente que muitas daquelas pessoas estavam ali com a desculpa de verificar a conta para fugir do clima úmido e quente que permeava o Beco Diagonal naquele dia.

Evidentemente, aquele não era o caso dela e, com o cabelo grudando na testa devido ao calor, ela se espremeu entre as pessoas para falar com o duende do balcão de atendimento. Teria um dia cheio, definitivamente. Estava cansada por ter passado boa parte da noite lendo sobre Oclumência e descobriu que aquele não era um assunto que a interessava, de fato.

Agora, precisava retirar uma grande quantidade de ouro para entregar à Resistência. Era comum que Gina fizesse esses aportes de galões para o movimento rebelde e provavelmente Percy viria buscar o dinheiro em breve. Também precisava de galões para comprar ingredientes para fazer as poções que enviaria para Carlinhos na Romênia e providenciar seu transporte até ele. Toda vez que pensava sobre o assunto suspirava aliviada por ter condições de ajudar sua família, ainda que não os visse com frequência. Alguns deles, aliás, ela não via desde que saíra da casa de Gui, com James recém-nascido no colo. Seus pais, por exemplo.

E a lembrança saudosa de Molly e Arthur Weasley não ajudou em nada a melhorar o estado de espírito de Gina.

O duende que foi designado para atendê-la pareceu meio sem jeito e isso desviou seus pensamentos da sua família e de todo o resto, acendendo um sinal de alerta na sua cabeça.

"Bom dia, Sra. Malfoy. É sempre um prazer recebê-la." E é sempre um prazer maior receber meus galeões, sicles e nuques, ela pensou mal humorada, não sabendo se aquilo se devia ao fato de ser chamada de Sra. Malfoy, pelo jeito hesitante do duende ou pelo calor atípico. Então ela foi direto ao ponto.

"Preciso retirar uma quantidade razoável de galeões do meu cofre e transportá-lo até minha casa. Gostaria de fazer isso ainda hoje."

"Adoraríamos poder ajudá-la, Sra. Malfoy, mas temo que não será possível." Ele ficou mais encabulado ainda, se era possível. "Não há mais quase nada no seu cofre."

A cara dela literalmente caiu. Contou até dez antes para não segurar o duende pelas orelhas pontudas e sacudi-lo até ele admitir que estava brincando. Como assim, não havia nada no seu cofre? Passara os últimos quatro anos poupando, investindo na loja, para então poupar mais. Tinha se privado de luxos e agora recebia aquela notícia? Seu mundo girou.

Ela gaguejou, perplexa. "Eu - eu achei que não houvesse ocorrido mais nenhum assalto ao Gringotes depois do incidente de alguns anos atrás…"

O duende ficou visivelmente aborrecido diante da menção ao assalto que Rony, Hermione e Harry fizeram há mais de seis anos. "Não houve nenhum assalto ao banco, minha senhora." Ele disse, com dignidade. "E tampouco alguém roubou o seu dinheiro. Simplesmente houve uma transferência de cofres." Ele agora perdera o ar aborrecido para adotar o tom didático dos duendes quando falam da sua organização. "Seu marido veio há alguns dias e transferiu os galeões do seu cofre, alegando que agora vocês só precisariam de um." Ele pareceu se lembrar de algo. "Tem minhas felicitações pela união, Sra. Malfoy."

Gina estava a um estágio de explodir de raiva. Tinha certeza que tinha ficado vermelha e seu rosto tinha se transfigurado de forma horrível, porque o duende deu um passo para trás a notar sua expressão.

Ela sabia que não deveria dar escândalos, tampouco chamar atenção sobre si, mas não conseguiu evitar elevar a voz significativamente.

"Como transferiram meus galeões sem o meu consentimento, ou melhor: sem o meu conhecimento!" As palavras se atropelaram ao sair da boca dela e o duende recuou mais um passo. Foi só então que ela percebeu que estava com a varinha nas mãos.

"Peço que se acalme, senhora." O duende disse, tentando parecer altivo e falhando miseravelmente. A essa altura, vários rostos já havia se virado para presenciar a cena. Gina sabia que deveria se controlar e respirou fundo, fechando os olhos brevemente. "Não houve necessidade da sua presença porque o Sr. Malfoy trouxe a parte do contrato de casamento de vocês que se referia às disposições financeiras. Ficou claro que vocês partilham todos os bens. Para o Gringotes, isso é mais do que suficiente."

Como tinha conseguido esquecer de tratar claramente desses detalhes, ao lidar com a víbora loira?, ela pensou, com o desespero de quem acaba de perceber que cometeu um erro infantil. Foi um deslize tão primário que ela achou que ia engasgar de raiva se se culpasse mais. Teve que suspirar para conter o ataque de fúria.

"Entendo." Não, ela não entedia, mas precisava falar qualquer coisa para desviar a cabeça da raiva avassaladora. "Pode me levar até o cofre dos Malfoy, então? Tenho certa urgência em transportar os galeões." Ela tentou falar calmamente.

Se ele tinha direito ao que era dela a recíproca tinha que ser verdadeira. A expressão do duende desmentiu sua suposição; ele recuou um terceiro passo antes de falar. "Sinto não ser de grande utilidade nisso também, senhora. Os cofres da família Malfoy também estão praticamente vazios."

Dessa vez, sua curiosidade foi maior do que a raiva. Draco Malfoy pobre? Ela quase riu diante da idéia.

"Deve haver algum engano… Os Malfoy sempre tiveram muito dinheiro." A frase era simplória, ela sabia, e ainda por cima o duende idiota havia interpretado-a como se Gina tivesse falado com orgulho.

"Certamente que sim, Sra. Malfoy, certamente." Ele falou e Gina calculou qual seria a punição por dar uma rasteira em um duende dentro do Gringotes. "Mas também há alguns dias seu marido limpou o cofre dos Malfoy e depositou tudo nos cofres dos Black, de quem, como a senhora deve saber melhor do que eu, ele é o único herdeiro reconhecido. Está tudo no nome da sua mãe, que é a verdadeira dona do ouro e Black por nascimento. O jovem Sr. Malfoy apenas administra a fortuna dela, embora seja seu herdeiro."

O único herdeiro reconhecido… Gina sabia que o filho de Tonks e Lupin também deveria ter direito à herança dos Black e a imagem de um bebê rosado e robusto encheu sua memória, ao mesmo tempo em que a raiva aumentava dentro de si, diante da injustiça também cometida contra aquela criança inocente.

Como se tivesse sido atingida por um raio, Gina se deu conta de que James – natural herdeiro de Harry – também teria direito ao que estava naquele cofre, mas ela nunca poderia fazer aquela reivindicação sem expor seu filho. Ela teve que se controlar para não rir histericamente da situação. Tinha sido duplamente roubada por Draco Malfoy; primeiro, quando ele limpara o cofre dela, segundo, pelo fato de que ele nunca permitiria que James tivesse acesso ao cofre que pertencera a Sirius e depois a Harry.

As palavras rodavam na mente de Gina até que finalmente ela conseguiu reunir algumas na boca. "Resumindo: Mesmo casada com Malfoy, eu não tenho acesso aos galeões de Narcissa Malfoy, enquanto ela estiver viva." Ela sentiu o sarcasmo no próprio tom.

"Sim, senhora." O duende disse, receoso. "Poderíamos colocar nesses termos."

Ela fechou os olhos.

Não explodiria publicamente. Não daria esse gostinho a doninha branquela.

"Poderia me trazer o valor exato de tudo que há no meu cofre, por favor?" Ela disse, tentando manter a calma. "E a propósito, comecem a providenciar os papéis, abrirei uma conta em nome do meu filho, James de Woodcroft." Ela completou, com os dentes cerrados.

Quando o duende voltou, solícito, com a informação sobre a conta dela, Gina já tinha ultrapassado o estágio do mau gênio. Pegou o papel sem muita gentileza e, quando o leu, teve a certeza que cairia se não tivesse com a mão apoiada no balcão.

Só tinha o suficiente para pagar os funcionários da sua loja esse mês e manter sua casa no mesmo período, nem um sicle a mais, nenhum sicle a menos.

Ótima maneira de começar o dia.

Draco Malfoy, o bastardo egocêntrico, tinha roubado toda sua pequena fortuna.

***

"Fico encantada que você tenha mudado de idéia, minha querida" Olívia falava empolgada enquanto segurava na mão de Gina. "Foi uma ótima iniciativa, diga-se de passagem! Organizar as damas da sociedade bruxa para que elas se sintam úteis, lutando por algo." Ela sorria e Gina se obrigava a sorrir de volta. Por mais que custasse a ela admitir, sua atitude não tinha a ver com nobreza de espírito.

Tinha a ver com vingança.

Depois de ter voltado do Gringotes com tendências assassinas, Gina decidiu que era hora de se acalmar e raciocinar coerentemente. Primeiro, mandou uma mensagem para Percy dizendo que não poderia mandar o dinheiro porque fora roubada, o que era verdade. Entretanto, não incluiu a informação de que o ladrão era seu marido, o que era uma omissão considerável.

Na sequência, proibiu Dave de deixar qualquer pessoa entrar na loja, se sentou na sua poltrona favorita e deu vazão aos pensamentos. E como todo pensamento que sucede à raiva, ela planejou sua vingança.

Depois de uns minutos de meditação e pesquisa futriqueira nas colunas sociais do jornal, ela descobriu quem eram e mandou convites para todas as esposas dos homens influentes nessa sociedade que se construíra ao redor de comensais, convidando-as para um chá no dia seguinte, onde discutiriam maneiras de ajudar a causa dos Testrálios, tão oprimidos e menosprezados naquela sociedade, 'vistos' como símbolo de mau agouro, quando na verdade vinham se tornando um dos meios de transporte de cargas mais úteis no mundo bruxo.

A bem da verdade, aquela foi a primeira causa idiota – e aceitável - que passara pela sua cabeça.

O endereço do encontro estava escrito em letras garrafais no convite: Mansão Malfoy.

Sabia que Draco queria que ela mantivesse distância da Mansão. Sabia que ele odiaria vê-la lá como anfitriã. Sabia que ele teria que se controlar ao máximo para não se expor. E sabia, por fim, que ela ia gostar muito de ver a cara dele quando a encontrasse ali.

Pediu as mulheres que tratassem a situação com sigilo absoluto - que ela confiava que envolveria os maridos - até que tivessem uma proposta efetiva para ajudar os Testrálios. Então, no dia do evento, mandou uma notinha a ser publicada na edição vespertina d'O Profeta Diário, no momento em que o chá começasse.

"Draco Malfoy, chefe do departamento de Controle das Leis Mágicas, divulgou hoje pela manhã, através da sua esposa, que doará cem mil galeões da fortuna da sua família para ajudar a causa dos Testrálios. Em um gesto que mostra total desprendimento dos bens materiais, um dos cabeças da nossa política provou que o Ministério está realmente preocupado com questões que incomodam nossa sociedade."

Já na Mansão Malfoy, ela havia sorrido ao ler a notícia no jornal, minutos antes de receber suas convidadas. Agora era só esperar que ele também lesse o jornal.

Olhou para a sala de estar da Mansão orgulhosa. Havia feito um bom trabalho, apesar do tempo curto. Ela sabia que Draco levantava muito cedo (torceu o nariz por pensar que tinha conhecimento disso devido a uma noite específica, que ela não queria lembrar), então foi só esperar um pouco e aparecer na Mansão, com bruxos decoradores a tira-colo para tornar o ambiente menos mórbido.

Isso significava enchê-lo de cor, flores, decorações de bichinhos e tudo mais que pudesse irritar Malfoy.

Havia uma grande sala para recepções, com móveis velhos, feios, pesados. Era fria como todos naquela família e dificilmente seria um lugar agradável para recepção. Então ela havia optado por ficar na confortável sala de estar, temporariamente redecorada com mágica, para se tornar mais acolhedora, com flores e tons leves espalhados pela sala.

Persuadir Edril a cooperar foi a parte mais difícil. O elfo estava convencido que seu senhor não gostaria nada daquilo e tentou impedir Gina a todo custo. Depois de desperdiçar vários 'por favor, Edril' proferidos por Gina e de resistir a ameaças verbais e físicas, o elfo finalmente sucumbiu diante do apelo do nome. Gina lembrou a ele, e talvez a si própria, de que ela era uma Malfoy e que ele devia obedecê-la.

Tinha certeza de que Draco, muito seguro de que ela não se aproximaria da Mansão, não teria se lembrado de colocar qualquer condição sob o elfo e obtivera sucesso no seu palpite. Ele se curvou, numa atitude respeitosa e murmurou palavras que Gina adivinhou que não seriam muito gentis.

Depois disso Edril se comportou muito bem na maior parte da tarde, ajudando-a a preparar tudo e só saiu de controle novamente quando ela se lembrou de que não tinha nenhuma joia que pudesse apresentar diante dessas mulheres. Não era o caso de se importar muito com aquilo, mas, se ela ia jogar esse jogo, seria melhor que fosse direito.

Ordenou ao elfo que a levasse até onde Narcissa guardava suas joias e ele se arrastou resmungando pelos corredores, até o escritório da Mansão. Com o toque da sua mão na parede, ele revelou magicamente um grande cofre e tirou de lá um caixa de tamanho razoável, onde estavam guardadas organizadamente as joias da Sra. Malfoy.

Gina ficou impressionada pela quantidade de objetos valiosos e requintados. Podia-se dizer tudo de Narcissa Malfoy, menos que ela tinha mau gosto. Tirando o fato de ter se casado e amado Lúcio Malfoy, é claro. Ela fez uma careta diante da lembrança antes que sua atenção fosse chamada por um colar hipnotizante. Era tão rústico e simples que era difícil acreditar que ele estava no meio das coisas de Narcissa e, ao mesmo tempo, tão belo que os olhos dela ficaram presos no adorno por vários e vários segundos.

Sua corrente de prata tinha um brilho estranho e era tão fluída que parecia que aderiria a pele quando entrasse em contato com ela; era flexível e coesa como prata derretida. A sua extremidade terminava em um pingente em forma de gota, único, belíssimo, que alternava entre o verde, o azul e uma mistura hipnotizante das duas cores. Ela nunca tinha sido uma grande admiradora do prata e do verde, mas, quando olhou para o colar, foi amor à primeira vista.

Quando ela esticou a mão em direção a ele, Edril guinchou, como se estivesse sentindo dores. Gina tentou acalmá-lo, mas isso só fez que o elfo corresse e se jogasse contra a parede. Ela rolou os olhos. Definitivamente, não gostava do elfo de Draco.

"Não, senhora, não esse colar. Ele pertenceu a todas as mulheres Malfoy, durante séculos."

"Eu sou uma mulher Malfoy agora, Edril." Ela disse, decidida. O fato de ter se arrependido da naturalidade da frase veio na sequência, mas a beleza do colar freava alguns dos seus pudores. "O que ele tem demais, afinal?" Ela perguntou distraída.

"Ele representa a força das mulheres da família, senhora." Edril respondeu, com a voz tremendo. "Foi passado de geração em geração, na esperança de que desse coragem para aquela que o usasse."

Edril voltou a guinchar quando ela fechou os dedos em torno da fina corrente de prata, sentindo sua frieza; voltou a pequena esmeralda no pingente para a luz do lustre acima, girando-o lentamente; a pedra pareceu emitir frios raios de luz esverdeada. Decidida a usar a jóia naquele dia, Gina mandou que Edril saísse e continuasse a preparar as coisas para a chegada das suas convidadas.

Quando o elfo finalmente obedeceu, ainda se flagelando com os punhos, ela colocou o colar e achou que ele ficara muito bem, em combinação perfeita com seu vestido azul. Soltar os cabelos foi o toque final, dando a ela o aspecto de uma verdadeira escocesa, corada e com boa aparência.

Ela deu uma risadinha de satisfação. Que o espetáculo começasse!

***

Olívia chamou sua atenção, trazendo-a novamente para o presente. Gina saiu do transe e se deu conta de que lá estava ela, na sala de estar da Mansão Malfoy, recebendo suas convidadas, apertando a mão da mulher do Ministro da Magia! Sentiu um frio na barriga ao pensar na situação; não nascera para aquilo, não havia sido criada para aquilo tampouco.

Entretanto, se sair bem já havia virado uma questão de honra.

Entre as presentes, havia algumas bruxas que Gina se lembrava de ter visto de relance em Hogwarts, mas a maioria era mais velha, casadas há mais tempo. Vendo a idade das mulheres ali, percebeu que Draco realmente tinha subido rápido dentro do Ministério.

"Sim, Olívia. Vi que você tinha razão. Já era mais do que hora de eu me apresentar." Ela sorriu e deu uma piscadela gentil para a mulher.

Ela trocou mais algumas palavras amáveis com Olívia e começou a circular entre as bruxas. Cumprimentava uma, sorrindo; passava por outra com algum comentário gentil sobre sua aparência; perguntava sobre a família de outra, que ela nem conhecia. Estava jogando bem aquele jogo e sorriu de satisfação diante disso. Os olhares que percebia sobre si eram um misto de curiosidade, surpresa, aceitação. Ela não pôde evitar que um grande sorriso aparecesse no seu rosto e certamente sabia que aquele não era um dos falsos sorrisos que ela estava se habituando a exibir.

Estava radiante quando todas se sentaram para discutir os projetos para a ajuda aos Testrálios e foi aí que seu plano teve uma baixa. Depois de alguns minutos sentada na sua poltrona, Gina se consumia pelo tédio absoluto ao ouvir as ladainhas das bruxas, sobre o habitat dos animais, como poderiam ser salvos da extinção, sobre como conseguiriam ajuda financeira dos maridos.

Gina se sentia impelida a rolar os olhou ou a interromper a cada cinco segundos com algum comentário espirituoso, mas freava o sentimento toda vez. Ela nunca se adaptara muito bem à companhia feminina, ainda mais aquelas tão... machistas, fúteis e vazias. Ela assoprou uma mecha de cabelo ruivo que caiu na sua testa, com mais vigor do que o necessário.

Com exceção de Luna e Hermione, nunca tivera amigas para dividir suas descobertas do universo feminino. Sempre cercada por meninos – seja seus irmãos, amigos da Grifinória, Harry e até Blaise – Gina seguia se dando muito melhor com o gênero oposto.

Ouvindo discursos que soavam totalmente imorais aos seus ouvidos enquanto havia uma Resistência realmente lutando por um mundo melhor lá fora, ela começou a se impacientar. Era absurdo discutir aquele tipo de coisa em tempos de guerra, mas aquelas bruxas discutiam. E sorriam enquanto discutiam.

Suspirando, ela começou a brincar com o restinho de chá que sobrara no fundo da bonita xícara da Mansão, e seus pensamentos voaram até Draco. Por que ele estava demorando tanto? A essa altura, ele já devia ter conhecimento da sua 'doação' para a causa dos Testrálios. Espantou o pensamento quando se deu conta de que ela queria que ele chegasse logo. Soltando a xícara na mesa ao lado, ela colocou tal reação na conta da raiva, pelo roubo descarado da sua conta no banco.

Algo na sua expressão deve ter denunciado seu tédio, porque uma das bruxas, uma senhora roliça, chamou sua atenção. "Não concorda, Ginevra?"

"Certamente que sim!" Ela respondeu prontamente. Não tinha certeza com o que estava concordando, mas efetivamente sabia que, nessa sociedade, o melhor a fazer era concordar e sorrir.

A bruxa mais velha pareceu ter ficado satisfeita. "Senhoras, temos um projeto! Um que salvará a vida de muitos Testrálios e..."

Quando a bruxa ia recomeçar um discurso entusiasmado, Draco irrompeu sala adentro, como se fosse um furacão. Ele passou o olhar por todas as presentes, provavelmente reconhecendo as mulheres de seus mais poderosos colegas de trabalho e amigos comensais. Gina sorriu ao perceber a surpresa nos seus olhos, que se tornaram mais cinzas, quase da cor de chumbo. Por um segundo, ela viu uma expressão furiosa do seu rosto, para então se esconder sob uma máscara fria de indiferença.

"Senhoras, perdoem-me pela minha entrada tempestuosa." Ele disse, no seu típico tom arrastado. "Não sabia que vocês estariam nessa sala. Minha esposa deveria tê-las levado para um ambiente mais apropriado da Mansão." Com uma alta probabilidade de acerto, Gina apostou mentalmente que ele estava pensando nas sombrias masmorras do lugar.

"Sr. Malfoy! Sua mulher foi verdadeiramente encantadora conosco. E o coração dela é muito nobre, por se preocupar com tais causas." Disse uma bonita bruxa ao lado de Gina.

Gina e Draco bufaram discretamente, ao mesmo tempo. Ela, porque achava que a causa dos testrálios estava longe de ser 'nobre'. Ele, porque sabia exatamente as razões pelas quais ela tinha organizado aquilo.

"Oh, Draco, que preciosidade você foi encontrar! Ela tomou conta do seu coração e do seu bolso!" Olívia falou animadamente. "Belíssima doação, tem meus parabéns."

Malfoy ficou levemente ruborizado e Gina segurou a risada.

"O prazer foi todo meu, Olívia. Sabe que os Malfoy sempre estão dispostos a ajudar causas altruístas." Ele disse, recuperando o controle. Gina engasgou com o chá que estava bebericando, para disfarçar o riso.

Os Malfoy, altruístas?

"Oh, sim, nós sabemos!" Olívia falou e o brilho de algo misterioso cruzou os olhos da mulher. Seria tristeza, resignação? Gina fez uma nota mental de investigar mais a bruxa mais velha, quando tivesse oportunidade.

Draco não parecia particularmente disposto a trocar palavras amenas e tomou as rédeas da situação mais uma vez, com um olhar passando de bruxa a bruxa. "Com a sua licença, eu gostaria de conversar uns instantes com Ginevra. Precisamos acertar algumas contas…" Quando recebeu alguns olhares curiosos e intrigados das distintas bruxas, ele teve que completar. "Da doação, é claro."

Gina se manifestou, pela primeira vez desde que ele havia chegado, já controlando a risada. "Preparamos o jardim da Mansão para recebê-las nesse fim de tarde. Ele foi mais bem cuidado, com novos arranjos e disposições. Espalhamos bancos, mesas com aperitivos e bebidas; também usamos um feitiço que garantirá um agradável som ambiente. Ah, e retiramos aqueles horrorosos pavões que circulavam por ali." O comentário gerou leves risadinhas que deixaram as bochechas de Draco um pouquinho mais rosadas. Gina esperou cruelmente que o barulho morresse para voltar a falar. "Espero que aproveitem o início da noite. É uma comemoração pelo sucesso nosso projeto. O primeiro de muitos!" Enquanto falava, olhava Draco com o canto do olho e viu que o rapaz transformava imperceptivelmente suas feições, devido à raiva. Ela estava reconhecendo muito mais facilmente as emoções que ele tentava esconder e não sabia se isso era uma coisa boa.

As mulheres começaram a circular em direção ao jardim e Gina sentiu um forte aperto nos dedos da sua mão, quando Draco cruzou a distância entre eles com passos largos.

"Vamos para um lugar mais íntimo, Ginevra?" Ele lançou seu olhar de gelo e a puxou levemente, sem esperar resposta. Gina se limitou a se deixar ser guiada dócil e sorrindo, porque sabia que isso o irritaria mais ainda.

Quando viu que estavam sozinhos, Draco a soltou com um gesto impaciente e Gina o seguiu, segurando uma risadinha marota. Andaram por corredores que Gina nunca tinha estado e então entraram numa sala íntima e confortável, cheia de poltronas e onde uma lareira crepitava convidativa. Por um lapso de segundo insano, ela esperou que Malfoy simplesmente quisesse passar alguns momentos ali. Afastou o pensamento sacudindo a cabeça.

"O que diabos foi aquilo?" Ele falou baixo e perigoso, fechando a porta atrás de si.

"Ora, só estava seguindo um conselho de Olívia e me apresentando formalmente à sociedade." Ela falou, símbolo da inocência.

Draco a olhou, resistindo à vontade de torcer o pescoço dela. Como aquela mulher conseguia que ele chegasse a um extremo tão absurdo de raiva? O escandaloso cabelo vermelho caía pelos ombros, descendo até o meio das costas, e o rosto corado formavam a imagem de alguém que tinha feito alguma coisa proibida. Ela era a personificação do escândalo, do barulho, do tumulto. De tudo que Draco repudiava.

Sentiu vontade de passar a mão pelos cabelos dela subitamente, mas se reprimiu mentalmente, deixando que sua fúria gelada tomasse novamente o controle da situação.

"Na minha casa?" Ele perguntou com os dentes cerrados, sua mandíbula tensa pela raiva.

Gina encarava os olhos sombrios, que não demonstravam nada, tentando entender o que se passava na mente dele. Decidiu que era melhor continuar bancando a inocente.

"Sim, na sua casa." Ela disse meio sorrindo, alisando a saia do vestido azul, como se a conversa não fosse nada importante. "Não vejo porque escolheria outro lugar."

"Talvez porque temos um contrato estabelecendo que você não poderia viver aqui." Ele falou sarcasticamente, cruzando os braços.

Ela pareceu triunfante. "Mas não estou vivendo aqui, estou? Só estou dando uma recepção. Prometo ir embora assim que terminar." O sorriso dela se abria na mesma proporção que a raiva dele aumentava.

Draco precisou respirar profundamente até voltar a ter o controle. Era humilhante que a pobretona estivesse tão radiante às custas dele. E era mais humilhante ainda que ela ficasse com aquele aspecto tão… saudável ao fazê-lo.

Ele disse para si mesmo que 'saudável' seria o mais próximo de um elogio que a aparência de uma mulher como ela mereceria.

Mas ele tiraria aquele sorriso do rosto sardento. Ah, isso ele poderia jurar.

Gina esperou por uma réplica que não veio. Ela tinha um ponto e estava feliz. Nem se deu conta quando Draco diminuiu a distância entre eles e colocou uma mão no pescoço dela e outra no seu ombro. Alarmada pela proximidade e sem saber ao certo a razão, ela fechou os olhos e esperou. Só voltou a abri-los quando ouviu um leve clic e sentiu que ele havia se afastado alguns centímetros, com o colar da mãe dele na mão.

Draco estava com uma sobrancelha arqueada, numa expressão de zombaria. "Com expectativas, Weasley?" Ele disse, se esquecendo de que agora ela era Malfoy.

Gina corou. "Jamais!"

Draco deu um meio sorriso. "Não esperava que sua atual condição financeira fosse te levar a roubar." Ele disse, balançando levemente o colar que havia retirado do pescoço dela.

Gina bufou sonoramente, se afastando dele. "Ah, sim. Você é a pessoa mais indicada para falar de roubo! Quero meus galeões de volta, seu bastardo!"

Draco estalou a língua no céu da boca, num gesto displicente. "Acontece que eles são meus galeões também. E eu estou muito satisfeito com o lugar onde eles estão agora."

Ela resistiu a vontade de dar uns bons tapas naquela cara branquela. "Aquilo foi um roubo descarado! Para que você quer meu ouro? Já não tem o suficiente?" Ela estava quase gritando e tinha plena consciência disso. Havia perdido o controle e a fingida áurea de calma.

"Eu diria que ouro nunca é demais." Draco deu de ombros displicentemente. "Mas eu não transferi seus galeões porque eu preciso deles, mas sim porque você precisa."

Ela ficou sem reação. Como ele podia?

"Você é mais desprezível do que eu pensava!" Ela ia sufocar de raiva em minutos, tinha certeza.

"Por que desprezível? Eu me certifiquei para que os duendes deixassem um pouco dos galeões, para suas despesas desse mês. Se não for o suficiente, posso te conceder uma mesada que seja conveniente aos seus custos, e de mais ninguém." Ele disse, tentando ao máximo esconder o sorriso zombeteiro que teimava em aparecer nos lábios finos.

"Eu não preciso do seu dinheiro! Além disso, não entendo aonde você quer chegar." Gina disse, recuperando um pouco do controle. Ela sabia perfeitamente que ele se referia à ajuda financeira que ela dava para a Resistência, mas não entregaria o jogo tão facilmente.

Era claro que ele sabia da ajuda dela a Resistência também. Maldito imbecil!

"Não entende mesmo? Bom ver que você já está se saindo melhor na arte de contar mentiras." Um sorriso breve cruzou os lábios dele, como se ele estivesse realmente se divertindo. "Mas o importante é que eu matei dois hipogrifos com um feitiço só. Tive uma pequena vingança contra a megera que se apresenta como minha mulher e a tirei de combate por um bom tempo. Duvido que agora você consiga enviar galeões para os rebeldes ou comprar ingredientes para fazer as poções deles tão cedo."

"Eram meus galeões, eu tinha direito de fazer com eles o que eu bem entendesse." Ela falou, entredentes. "O que você fez foi absolutamente sujo!"

"Se você fosse alguém de palavra, eu não precisaria recorrer a esses artifícios 'sujos', ainda que eles me divirtam bastante." Ele fez uma pausa para recuperar o controle que ameaçou brevemente fugir do seu alcance, ao se lembrar da conivência dela com a Resistência. "Eu achei que você cumpriria o contrato com relação a isso também."

"Pare de insinuar que eu não cumpri o maldito contrato!" Gina explodiu. "Não fiz nada diferente do que está escrito nele."

A sobrancelha voltou a se arquear, descrente. "Não?" Ele perguntou, cético.

"Não! Eu concordei com as exatas palavras de Blaise: 'cortar relações indiretas com pessoas que possam prejudicar o nome da família de Draco'." Ela imitou o tom monocórdico de Zabini com surpreende precisão. "O fato é que a relação com a minha família é tudo, menos indireta. Somos muito próximos, apesar de estarmos distantes fisicamente." Ela terminou, sabendo que tinha ido longe demais.

Draco estreitou os olhos perigosamente. Não sabia se a admirava ou se a amaldiçoava pela coragem, artimanha e audácia. Não fez nenhuma coisa, nem outra.

Chegou um pouco mais perto dela, mas ela não recuou.

"Você está jogando um jogo muito perigoso, Ginevra. Se continuar tentando burlar as regras que eu estabeleci e ajudando a Resistência, eu não vou hesitar em te impedir, mesmo estando ligado ao seu filho por um voto perpétuo." Ele disse com a voz arrastada, se aproximando mais. "Porque não vai ser mais só entre você e eu, vai envolver algo muito maior e você sabe disso. Roubar seu dinheiro foi só o primeiro passo para te afastar do meu caminho."

"Eu vou cumprir com o que está no nosso contrato, estritamente. Nem mais, nem menos." Ela olhou para ele corajosamente e Draco viu os pequenos pulsos se cerrarem ao lado do corpo. "Não vou deixar de ajudar minha família."

"Devo entender isso como uma declaração de guerra?" Draco perguntou, olhando-a fixamente.

"Pensei que já estivéssemos em uma." Ela falou, olhando-o nos olhos.

Não esperou pela resposta dele e saiu altiva em direção ao jardim, para ser a anfitriã perfeita na Mansão Malfoy.


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