A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel


Capítulo 22
Morrer dói?


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal. Temos mais um capítulo quentinho e muitas emoções pra poucas palavras. As coisas estão acontecendo muito rápido agora. Obrigada a todos vocês que acompanham a história, vocês são demais.
Beijos.



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Quando chegamos ao topo, Byakko permaneceu deitado de costas no chão, a mão direita sobre o rosto e a respiração acelerada.

— Você está bem...? – perguntei, confusa. –Está... cansado?

— Não – ele respondeu, – só estou nervoso.

— Nervoso?

— Exaltado – ele acrescentou. – Não me olhe como se não fosse nada demais, você se jogou de um penhasco. Parece um ótimo motivo para eu me exaltar.

Byakko me encarava através dos próprios dedos abertos e pude, finalmente, olhá-lo nos olhos. Suas pupilas finas eram como as de um gato, e seu formato me lembrava das pontas de lanças quebradas que o mar jogava na Praia Velha.

— Seus olhos... – comentei.

Ele se virou para o outro lado, encolhendo-se e escondendo seu rosto.

— Eles vão voltar ao normal assim que eu me acalmar... – explicou.

Decidi não tocar novamente no assunto por enquanto.

— E você fala se eu estivesse tentando me matar...

— Não é essa a intenção das pessoas ao se jogarem de um lugar muito, muito alto? – A pergunta parecia irônica, mas ele me encarava com uma expressão de dúvida inocente, como se realmente quisesse compreender as nossas motivações.

— Sim, quase sempre é essa a intensão... – respondi. – Mas Isméria me garantiu que era a única forma trazer você de volta...

— Você esteve com Isméria? – Byakko se levantou rapidamente, já com a respiração estável, e as pupilas arredondadas.

— Eu não tive escolha... Ela prometeu que traria você para a ilha se eu lhe desse minha alma.

— E você fechou um acordo com ela? – ele me segurou pelos ombros, encarando-me profundamente, como se assim pudesse me fazer dizer que não, eu não tinha feito tamanha bobagem.

— Sim... – confessei. – Eu te chamei tantas vezes que perdi a conta, mas você não veio... – explodi em soluços. – Por que você não veio...?

— Me desculpe... – disse. – Sei que não ajuda em nada, mas tem sido impossível estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. As coisas não são mais como costumavam ser...

— O que você quer dizer?

— Eu sou... – começou a falar, mas calou-se. – Vai ser uma longa conversa, e Dorothea  e os outros não devem esperar nem mais um segundo.

Byakko começou a se levantar, mas segurei em sua mão, e não me lembrava de já tê-las sentido tão quentes antes, tão vivas.

— Espera, eu quero ir com você!

— Você não deve – ele disse, abaixando-se e beijando o topo da minha cabeça. – Levante-se e fique com Dorothea, despeça-se. Eu estarei lá em pouco tempo...

Então, sua mão que eu segurava virou fumaça, seu braço, seus olhos e seu sorriso. E ele se fora.

Começara a entardecer quando Byakko chegou. Ele se materializou, sentado em minha janela, no curto momento que eu saíra do quarto de Dorothea. Seu olhar me perguntou, em silêncio, se eu estava pronta, e acenei com a cabeça. Chegamos diante da porta de Dorothea assim, sem dizermos uma palavra um ao outro.

Entrei, e a senhora me recebeu com um sorriso.

— Dorothea..., você se lembra de que eu disse mais cedo que alguém especial viria te ver?

Ela anuiu.

Dei passagem para Byakko, que entrou no quarto com seu capuz abaixado. Dorothea fixou seus olhos no rosto dele e, no segundo seguinte, reconheceu-o, seus olhos enchendo-se de lágrimas.

— Você está aqui... – Dorothea disse, levando as mãos à boca. – Eu temi que estivesse nos punindo. Seu templo... Eu sinto muito pelo seu templo, Byakko.

— Vocês... se conhecem? – perguntei.

— Sim – Dorothea respondeu. – Ele te entregou a mim depois do incêndio... depois de salvá-la. Eu não a encontrei, querida, não como lhe foi dito. Byakko te trouxe até mim e pediu que eu cuidasse de você. Ah... – ela sacudiu a cabeça com o rosto entre as mãos. – Tem tanta coisa que eu escondi de você...

— Tudo bem , Dorothea – Byakko disse, aproximando-se da cama e ajoelhando-se. – Já passou da hora dela saber a verdade – ele virou-se para mim, – e eu mesmo lhe contarei tudo.

— Obrigada – a senhora agradeceu. – Talvez eu estivesse errada em tentar afastá-lo por todos esses anos...

— E talvez não estivesse... – ele disse, baixinho.

Dorothea estendeu os braços para mim, pedindo por um abraço, que eu prontamente retribui, e senti que ela me apertava com suas últimas forças.

— Eu te amo como minha própria filha, querida... – ela disse. – Nunca, nunca tenha medo de ficar sozinha; tenha medo de estar cercada de pessoas que lhe querem mal. Se você precisar... vá embora. Saia desta ilha no primeiro navio e viva uma vida diferente da vida pequena que este lugar pode lhe dar. Esta ilha sempre foi pequena demais para você...

— Eu sempre quis conhecer Lóris – eu disse, somente.

— Então vá, querida. Vá – Dorothea engasgou e tossiu. – Acho que estou pronta para ir – disse, soltando-me.

— Você quer ficar? – Byakko me perguntou.

— Eu não sei... Vai doer?

— Em você? Nem um pouco.

— Não em mim, nela! – Apontei Dorothea, e ela e Byakko riram da expressão indignada em meu rosto.

— Eu não sei, Lóris... Isso é algo que você deve perguntar aos mortos. Eu nunca experimentei a sensação de... morrer.

Byakko me encarava com receio de que eu o repreendesse por usar meu apelido outra vez, depois de termos nos desentendido. Ele claramente tinha medo de que eu o enxotasse novamente por isso, mas, na verdade, ouvi-lo voltar a se referir à mim de forma tão carinhosa me fez corar.

— Tudo bem... – disse, virando meu rosto. – É melhor eu esperar lá fora.

Saí do quarto e fechei a porta atrás de mim, apoiando minhas costas na madeira. Eu sabia que não devia bisbilhotar, mas escorreguei até estar sentada no chão e abri uma pequena fresta para olhar. Byakko estava ajeitando Dorothea em sua cama confortavelmente, segurando-a pela nuca para deita-la em seu estreito travesseiro. Dorothea chorava discretamente, mas não parecia triste ou assustada; apenas devia ser essa a catarse pela qual todos passam quando diante do abismal fim. Devia ser reflexão e aceitação.

Byakko segurava a mão de Dorothea e, com a outra, livre, ele perfurou seu peito. Precisei conter com as mãos meu ofego assustado; parecia que ele iria lhe arrancar o coração, e ela arfou. Mas não foi isso o que Byakko puxou de seu âmago, foi um vulto; primeiro, o braço fino que ele segurava, depois a cabeça e o tronco, todos indistintos, esbranquiçados e nebulosos. Era como assistir uma borboleta libertar-se de sua crisálida.

Então, quando os pés se separaram, o corpo de Dorothea exalou seu último suspiro e seus olhos perderam o viço. O vulto enevoado flutuava acima da cabeça de Byakko, e o que devia ser sua boca formou sílabas indistintas cujo significado apenas ele devia ser capaz de decifrar. Por fim, ele se virou para mim, ciente de que eu observava, e sorriu, para logo em seguida desaparecer com o vulto de Dorothea.

Fechei a porta.

E Finalmente me permiti estar de luto.


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