A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel


Capítulo 21
Negociando com corações desesperados


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal. Finalmente saiu capítulo novo. Queria cumprimentar quem começou a ler a história agora e agradecer quem acompanha ela desde o começo. Muito o brigada a todos vocês. Pode ser que a partir de agora eu consiga postar com uma regularidade mais porque finalmente chegamos no terceiro ponto de virada, o que significa que estamos chegando ao fim da história. Mas, para ser justa, o final talvez seja a parte mais longa que eu vou escrever da história.
Não se esqueçam de comentar, por favor, e eeeenfim, espero que vocês gostem.
Beijos.



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Três anos. Três anos sem uma morte na ilha. As pessoas pareciam chegar à beira do abismo do Outro Lado, e então.... Nada. Elas acordavam com um último fôlego desesperado e logo se recompunham. Não havia nada do outro lado, todos diziam; nem ninguém. Byakko parecia ter abandonado completamente a ilha.

Então Dorothea, aos sessenta anos, adoeceu. E tanto quanto não havia cura para o mal, não havia paz para ela; todas as noites ela parecia suspirar uma última vez, ficava imóvel e sem vida, mas pela manhã seus pulmões se enchiam novamente e ela engasgava, como alguém que acabara de quase se afogar. E por mais um dia eu a via definhar e pedir para, por favor, morrer.

Mas não havia morte para ninguém em toda a ilha de Jada. E era culpa minha.

Toda noite, enquanto Dorothea parecia morta, eu segurava com força o pingente de Byakko e chamava por ele. Uma manhã, depois de fazer isso ao lado da cama de Dorothea, chorando, até ser nocauteada pela exaustão, fui acordada pela senhora que aprendera a ver como uma mãe. Ela passou a mão magra sobre meus olhos inchados, tentando parecer mais forte do que realmente se sentia.

— Oh, querida, você passou a noite aí? Vai machucar suas costas sentada no chão desse jeito. O quê estava fazendo?

Sentei-me ao seu lado, escondendo o pingente sob minhas roupas.

— Estava pedindo por um milagre...

Ela suspirou como se já houvesse aceitado sua condição. Nos últimos meses ela perdera muito peso, não havia alimento que seu corpo tolerasse e sua pele tornara-se fina e ressequida como papel.

— Obrigada, querida... Talvez os Espíritos lhe ouçam. Eu, por outro lado, acredito que os Espíritos podem ter virado as costas para nós... Nós queimamos sua casae agora vamos definhar e apodrecer aqui, sem poder ir para o Outro Lado. Eles fecharam as portas do Mundo Espiritual para nós. Fomos amaldiçoados...

— Não... – as palavras me escaparam. –Não foi isso. A culpa é minha...

— Claro que não, Lorena. Não havia nada que você pudesse fazer para impedir aquela barbárie. Não se culpe, querida... – ela enxugou minhas lágrimas com ternura.

Retribui seu carinho com um abraço cuidadoso. Dei-lhe um copo de água na boca, pois suas mãos já não tinham mais a mesma destreza, e voltei ao meu quarto.

Lá, joguei-me de bruços na cama, segurando o travesseiro contra meu rosto, molhando-o com minhas lágrimas. O que Dorothea diria se pudesse me ver assim, aos prantos? Provavelmente o que me dissera no meu aniversário, já com os sintomas de sua doença:

— Você é uma adulta agora, querida. Não tenha medo de ficar sozinha.

Mas eu não quero ficar sozinha... Não outra vez.

— Lorena? – Um e Dois me chamaram de cima da mesa. Desde que Dorothea adoecera eu não precisava escondê-los, já que não conseguia mais andar até meu quarto. – Você está bem?

— Não... – respondi. – Definitivamente não – solucei. – Onde Byakko está? Por quê ele não volta?

— Nós não sabemos.... Você já tentou chama-lo tantas vezes. Talvez o pingente não funcione se ele estiver longe demais.

— Tem de haver alguma forma...

Eu fora uma cretina com Byakko, afastando-o daquele jeito, e eu não o julgaria por nunca mais querer voltar.

— Ele te protegeu toda sua vida – Um e Dois me explicaram, depois de eu os salvar e trazer para casa.  — Há um Espírito que a quer morta e ele te protegeu por todos esses anos. Ele jurou.

— Por quê um Espírito iria querer me matar?

— Porque ela acha que sua alma lhe pertence.

— Ela? E ela tem nome?

Um e Dois trocaram aquele mesmo olhar de quando não sabiam se estavam falando demais.

— Isméria – completaram.

Ele jurou, as palavras giravam na minha cabeça. Byakko jurou proteger você. Então uma ideia louca me ocorreu, pois alguém devia conhecer o paradeiro de Byakko, e ela deveria ser capaz de trazê-lo até aqui. Nem que eu tivesse que arriscar minha própria vida para isso.

Eu não sabia por onde começar. Não sabia para onde ir, nem se seria ouvida. Então, eu fui para casa. Parecia poético fazê-lo aonde tudo começara.

As papoulas haviam coberto todo o lugar há anos e o ar tinha o cheiro das flores; as ondas batiam contra o penhasco quinze passos adiante e o vento soprava as gotículas salgadas no meu rosto. Eu estava prestes a chamar por um Espírito que queria minha alma e não sabia como deveria me portar. Devia ficar de pé, sentada, talvez me ajoelhar? E como deveria chama-la, em voz alta ou em prece? Eu nunca tivera que pensar nessas coisas quando estava com Byakko...

De pé mesmo, sussurrei seu nome. Segundos depois, sem ter recebido qualquer resposta, pigarreei e chamei outra vez, mas agora elevando a voz:

— Isméria!

Uma sensação gélida percorreu minha nuca e tive certeza de que ela viera. E que estava atrás de mim.

— Olá – ela disse quando me virei.

Instintivamente recuei um passo em direção ao penhasco, e logo me recriminei; fora eu quem a chamara, por quê estava com medo?

— Oi – respondi.

— Por favor, diga-me que não me chamou aqui apenas para exercitar sua etiqueta – seus olhos de serpente pareciam perscrutar minha mente.

— Eu... – gaguejei, olhando para os lados. – Acho que não...

Isméria chiou, irritada.

— Pare de contorcer seu pescoço como um verme. Se está esperando por Byakko, saiba que ele não virá.

Minhas pernas e minha boca secou, tal qual meus olhos se encharcaram.

— Eu pensei que ele viria se você chegasse perto demais.... Achei que ele me protegeria.

— Ah, querida, não é assim que funciona – ela me encarava com um exagerado olhar de falsa piedade e, a cada passo que avançava em minha direção, eu recuava outro. – Mas, se se ver Byakko é o que você realmente deseja, nós podemos negociar...

Eu estava na beirada da falésia, um passo em falso e eu cairia, e Isméria se avultava sobre mim.

— Negociar...?

— Sim, uma pequena barganha... nada demais.

— E o quê você quer?

Ela sorriu, exibindo dentes finos e afiados.

— Sua alma.

Engolhi em seco, mesmo ciente do que ela pediria. Se Byakko estava no caminho ela teria que ir até a “fonte”, sem intermediários. E era o que Isméria estava tentando fazer.

— Se eu concordar, você me diz como trazer Byakko pra ilha?

— Sim.

De repente, a desesperança caiu sobre mim como um denso cobertor, asfixiando-me e pesando sobre os meus ombros. Meus pais estavam mortos e estava prestes a implorar para que Dorothea, que me criara, pudesse ter o mesmo destino. Pudesse ter paz... Em breve eu estaria sozinha outra vez e eu estava com medo. Eu não sabia como era perder alguém. Eu não me lembrava... Tinha medo de não ser capaz de superar a dor.

— Eu aceito... – disse por fim.

— Excelente! – Isméria comemorou.

— Mas... – interrompi. – Eu quero um tempo. Preciso de um tempo para me despedir de todos...

— Quanto tempo? – seus olhos se cerraram com descontentamento.

— Um ano...?

— Três meses – ela rebateu, e percebi que não havia margem para negociação.

— Três meses – concordei.

Isméria sorriu novamente e conclui:

— Você tem a minha palavra.

— Agora cumpra sua parte do acordo. Como faço para trazer Byakko até aqui?

— Ah, não é nada demais, na verdade – ela se afastou um passo, encarando-me como se estudasse uma pintura. – Perfeito – disse, depois voltou ao seu lugar e segurou meus ombros nus com suas mãos frias. Um arrepio tomou meu corpo.

— A questão é, – ela continuou – que Byakko não é capaz de sentir quando eu me aproximo de você. Não, não. De fato, o que ele sente é quando você está prestes a..., como é mesmo a palavra? Ah, sim, – Isméria me empurrou – morrer!

Eu me lembro de tropeçar muito lentamente, até que a verdade me atingiu: eu estava caindo do penhasco e iria morrer. Vi o resto de Isméria se distanciando e gritei.

— É sempre um prazer negociar com corações desesperados – ela disse enquanto eu despencava, e depois desapareceu.

E se Byakko não viesse? As pedras lá em baixo moeriam meus ossos e eu, incapaz de morrer, sentiria a dor excrusciante para sempre? Se ele chegasse tarde demais, depois do impacto, talvez levasse a mim e aos outros cuja hora já passara para o Outro Lado. E se ele me salvasse? Eu teria três meses para me despedir e, talvez, conseguir seu perdão.

Eu não queria morrer...

Ou vi um estampido alto que, na hora, julguei ser o vento ricocheteando nos meus ouvidos. Depois, uma mão morna segurou meus pulsos.

— Lorena! – A voz de Byakko me chamou e abri meus olhos – se segura!

Fechei minhas mãos em torno de seu antebraço e, com o outro braço, ele se agarrou numa rocha saliente do penhasco, interrompendo nossa queda. Apoiando também os pés, para ter mais equilíbrio, Byakko me puxou para que eu pudesse me segurar em seu pescoço enquanto ele nos içava de volta.

Eu estava paralisada. E muda. E assustada. Mal fora capaz de ver seu rosto quando ele me segurara, e agora ele estava virado para o paredão rochoso que tentava escalar. Como eu já devia imaginar, ele também era um jovem adulto agora, e sua capa com capuz parecia, finalmente, servir-lhe com perfeição. A capa agora abria-se na frente e era possível ver que ele usava roupas mais leves por baixo, mas seu cabelo ainda tinha aquela cor branco-prateada e o mesmo cheiro que eu me lembrava. Byakko subia lentamente e em silêncio, fincando unhas iguais a garras nas rochas.

— Você cresceu... – Forcei-me a dizer.

E então, apoiando minha cabeça em seu ombro, chorei até chegarmos ao topo


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