A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel


Capítulo 20
Feng e Huang


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente. Fiquei um tempo sem postar, não foram férias fáceis; graças à greve das federais nem tive férias, na verdade, mas finalmente postei o capítulo. É curtinho, mas importante. Infelizmente pode ser que eu atrase as postagens com mais frequência, já que este é o ano do meu TCC e comecei um estágio hoje, então meu tempo estará bem corrido. No entanto vou me esforçar para manter o ritmo. Espero que gostem.



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Aconteceu quando os homens ainda engatinhavam sobre a terra, e os Espíritos apenas assistiam a seus passos cambaleantes.

Nessa época, antes mesmo que o tempo fosse contado, havia dois Espíritos que se amavam desde a criação; o nome dele era Feng e o dela era Huang. Os dois voavam juntos pelo céu, com suas asas carmesim e sentimentos e paixões que queimavam como fogo, observando o mundo abaixo e os mortais que lá viviam.

Os dois se identificavam tanto com os humanos, com seus romances e suas relações.... Eles podiam amar uns aos outros como Feng e Huang se amavam. Mas o que os humanos tinham, e o casal de Espíritos não, era uma prole.

No Mundo Físico vivia um Espírito, a Serpente, que todos os dias via Feng e Huang voarem pelo céu, além de seu alcance. Por quê, ela se perguntava, os dois Espíritos como ela, voavam poderosos, enquanto ela devia rastejar como os humanos? Ela queria estar no lugar deles.

Então, quando Feng e Huang passaram voando, a Serpente os chamou. Os dois se aproximaram e, diante de seu poder e beleza, a Serpente os invejou ainda mais.

— Eu sei o que vocês querem –, disse-lhes ela. – E sei como podem conseguir.

E eles foram tentados pela Serpente...

 

Ninguém poderia supor o tremendo poder daquela mulher prostrada, por sua aparência apática e ferida. Sua beleza, outrora cultuada, agora estava obscurecida por um véu de dor e tristeza; sentimentos que haviam empalidecido sua pele, se emaranhado por seus cabelos vermelhos, amarrotado suas roupas, e agora lhe escapavam ininterruptamente como soluços. Ela estava caída no centro de um enorme ninho de mirra, e o perfume da planta flutuava pelo ar, mesclando-se com o cheiro cúprico das feridas que os espinhos ressequidos abriam em sua carne, e a tristeza não os permitia se curarem...

Em seu colo repousava um ovo dourado, para o qual ela cantava doces palavras sobre uma felicidade muito distante no passado. O sofrimento dela era tamanho que envenenava seu corpo de dentro para fora, e fazia com que seus olhos, secos de lágrimas, agora chorassem sangue. Nesse momento, lembrei-me do que Yasuko me dissera, tanto tempo atrás, sobre as Fênix, e conseguia quase nitidamente ouvir o desprezo em sua voz ao descrever, numa única frase, uma entidade que talvez fosse seu absoluto oposto: alguém capaz de morrer por amor.

Adiantei-me um passo para dentro do cômodo em ruínas e, sem intenção, chutei um sino de prata empoeirado, do tipo que se tocava para anunciar sua presença ao Espírito do templo. O objeto rolou para longe, e seu lamento sonoro ecoou pelas paredes trincadas. A Fênix tristonha, alertada pelo ruído, encarou-me com os olhos coléricos de um animal que mataria por amor.

Imediatamente senti a pequena centelha de vida dentro do ovo dourado; o coração relutante de um recém-nascido, batendo devagar, profundamente mergulhado num sono que se estendia por décadas já, graças ao feitiço que corria por suas veias. Sua mãe se levantou, disposta a proteger sua criança com a própria vida.

— Foh... – tentei acalmá-la.

— Vocês, Espíritos.... Não conseguem nos deixar em paz – a Fênix me interrompeu. – Vá embora!

A energia dela avolumou-se com hostilidade sobre mim, como fogo, queimando-me com o calor de mil sóis.

— Eu não posso ir embora. Preciso da sua ajuda... – Praticamente supliquei.

E então a perplexidade em sua face arrefeceu o calor de sua ira, quase como se houvessem apagado o sol do céu. Em seguida, o ceticismo sobressaiu a todo o resto.

— Os Espíritos não pedem ajuda. Não alguém tão no topo da hierarquia quanto você, Morte.

— Byakko – corrigi.

— O quê?

— Meu nome. É Byakko.

Ela parou por um instante, encarando-me com certo estranhamento.

— Certo – Foh pigarreou. – Eu retribuiria a gentileza, mas você já conhece meu nome...  Onde eu estava? Ah, claro, seus problemas. Estale os dedos – ela sugeriu. – Alguém tão poderoso quanto você deve ser capaz de fazer eles desaparecerem dessa forma. Agora vá embora – e me virou as costas.

— O quê eu preciso fazer pra você me ajudar?

Ela parou, tensa, ainda de costas para mim, mas eu podia supor, pelo alinhamento de seus ombros, como ela ficara séria, de repente.

— Você pode trazer o homem que amo de volta...? – Foh perguntou com a voz rouca, angustiada, mas no fundo, lá no fundo, esperançosa. Pois o homem que ela amava, um humano, estava morto.

— Não posso fazer isso... – Respondi, inconformado com a tristeza esmagadora que recaiu sobre o corpo abatido dela. – Qualquer outra coisa...

— Não há mais nada... – a Fênix respondeu, caminhando de volta para seu ninho.

Cerrei os punhos, sentindo-me impotente. Diferente do que Foh acreditava, eu não era tão poderoso. Não no que realmente importava. Não podia fazer desaparecer meus problemas, não podia devolver a ela o pai de sua filha, não pude proteger a família de Lorena; e, no final, tentando compensar minha falta de poder, eu a perdera para sempre.... Eu não passava de alguém com uma maldita missão que todos odiavam, todos odiavam a morte, todos me temiam. Eu era alguém que ninguém queria conhecer.

— Mas esse é seu nome? Morte?

— Eu sinto muito...

— Não... – Foh retrucou. – Você não sabe o que é isso. Espíritos não sentem.... Você nunca saberá o que é perder alguém.

Ela se virou novamente, meu ventre queimava, uma sensação completamente nova para mim. Acho que era raiva, revolta. O fogo dentro de mim fez com que eu desaparecesse de onde estava e reaparecesse diante dela, interceptando-a a um passo de seu ninho.

— Você não sabe nada sobre mim. Não sabe nada sobre o meu mundo. Uma única pessoa sabe, apenas ela me conhece, e eu estraguei tudo... Ela nunca vai me perdoar.

Foh estendeu sua mão para mim, encarando-me com seu par de olhos tristes. Seu polegar tocou minha face delicadamente, e quando refez seu trajeto, voltando, ela encarava uma única lágrima sobre seu dedo.

— Quem diria que eu veria um Espírito cair.

 

Então, ludibriados pela Serpente, Feng e Huang caíram e tornaram-se mortais. Eles tiveram a prole que desejavam, e depois desapareceram. Nem seus filhos, as Fênix, conhecem seu paradeiro.

Apenas dizem que o casal liberou sobre o mundo uma maldição, quando caíram dos céus.

 

Desde Feng e Huang, amar torna os Espíritos Mortais.


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