A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel


Capítulo 18
Uma noite sem sonhos


Notas iniciais do capítulo

Finalmente terminei esse capítulo! Muitas emoções, muita coisa acontecendo, reviravoltas e rompimentos... e tudo isso bem à tempo do meu aniversário. Sim, hoje é meu aniversário! Parabéns pra mim, e obrigada à todos que estiverem acompanhando a história. Vou pedir comentários embrulhados com laço de fita de presente kkkk e joga purpurina que eu gosto!
Obrigada e beijos à todos.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/497984/chapter/18

Depois disso, acabei voltando para casa também. Mas sozinha. Dorothea ficaria na festa até o sol nascer, era a tradição. Novo dia, nova vida.

A casa estava escura, e eu estranhei, afinal Dorothea sempre deixava uma lanterna acesa sobre a mesa, para ninguém tropeçar e se machucar. A lamparina estava lá, mas apagada. Acendi-a novamente, mas um vento inexplicável soprou, apagando a chama. No escuro outra vez, percebi um fiapo de luz escapando por entre uma fresta da porta do meu quarto. Aproximei-me, e de repente Damon ficou estranhamente agitado. O gato começou a miar alto, rosnar, trançar entre minhas pernas e até me arranhar.

Empurrei a porta, vertendo a luz bruxuleante pelo corredor, e me deparei com uma mulher de aparência animalesca sentada em minha cama, segurando uma vela, sem esboçar qualquer desconforto apesar da cera quente escorrendo por seus dedos. Ela tinha os ossos da face tão salientes que a luz fraca fazia com que seu rosto se assemelhasse a uma máscara; seus olhos eram amarelos e brilhantes como os de uma serpente, com pupilas muito finas; algumas áreas de seu corpo eram cobertas por escamas escuras como seu cabelo longo, e nesses pontos sua pele descamava, como se a estivesse trocando.

– Olá... – ela me saudou com o esboço de um sorriso simpático, porém assustador.

No mesmo instante, Damon chiou para ela, feroz, com o corpo todo eriçado.

– Eu não tenho tempo para servos, Damon – ela estava falando com... meu gato? – Vá procurar quem realmente pode me deter e nos deixe conversar à sós.

E, depois dela acenar com a mão, meu gato desapareceu.

– Pronto, agora não seremos interrompidas.... Por enquanto.

– O-o quê você fez?! – Perguntei, ainda encarando o lugar em que Damon estivera.

– Consegui para nós um pouco de privacidade. E também mandei uma mensagem...

– Para quem?

– Você logo vai saber. Mas enquanto isso – a mulher passou os dedos finos pelo próprio maxilar, movendo o rosto de um lado para o outro. – Você está me vendo direito?

– S-sim – respondi, confusa.

– E você sabe quem eu sou?

– Não.... Me desculpe, mas eu perdi muito das minhas memórias...

– Tssss – ela fez um ruído de divertimento que mais pareceu um sibilo. – Perdeu, é?

Dei um passo atrás e a porta do quarto se fechou com um estrondo, sozinha.

– O quê você quer?

– Ah, algo que anda me escapando há muito tempo. Algo que me pertence, claro.

– Nenhuma... vida... lhe pertence...

A voz de Byakko ecoou pelo pequeno quarto, muito alta, mais grave, e furiosa. Sacudiu os móveis, a porta e as janelas. No entanto, ele não estava em lugar algum. Ou talvez estivesse por todo o lugar...

O ar se tornou gelado e rarefeito, sem cheiro, sem vida.

– Nem a você, nem ao meu irmão, que acha que pode barganhá-las com alguém como você!

Uma mão leve pousou em meu ombro, puxando-me para dentro de um abraço sem calor.

– Querida, você não vai querer ver isso – disse Mab, tentando me tirar dali.

– Mab, o quê está acontecendo? E Byakko?

– Ele quer que eu a tire daqui, é perigoso.

– Perigoso? Por quê?

– Porque eu poderia tentar te matar... Outra vez – a mulher em minha cama riu alto. – Afogada? Queimada, talvez? Não, eu já tentei tudo isso.

– Como assim...? – sussurrei, confusa.

– Lorena, vamos! – Mab me apressou.

– Eu não vou embora sem Byakko!

Repentinamente, tudo ficou muito quieto. Mab me encarava com preocupação, e a mulher, cujo nome eu não sabia, com um sorriso no rosto, como se algo naquilo tudo a deixasse muito, muito contente. Foi quando percebi que a porta, as janelas e os móveis não mais sacudiam. Em meio ao silêncio, o ruído da maçaneta girando e o rangido da porta se abrindo lentamente eram quase ensurdecedores.

Byakko entrou, de cabeça baixa e encapuzado, e se pôs entre mim e a mulher. Apesar de parecer pequeno e frágil do alto de sua estatura de pré-púbere, o ar ao seu redor ondulava e estalava, como o ar quente que sobe de uma fogueira.

– Byakko...?

Ele se virou para mim, e sob a penumbra de seu capuz eu vi seu olho esquerdo brilhar como uma lanterna, e sua pupila fina e feroz como um corte de lâmina.

­– Por favor, Lóris, vá com Mab. Eu não quero que você se machuque.

– Ah, dessa vez eu não vim brigar com você, Byakko. Você sabe que não vai me matar, eu não consigo matar você, e você continua com sua velha política de não ferir os mortais, então seria apenas destruição desnecessária, mesmo que divertida. Não, não.... Eu vim apenas falar com a garota. Algo do interesse dela, é claro.

Byakko cerrou os punhos e rosnou como um animal. Mesmo de costas para mim e vestindo a capa e o capuz largos, eu podia perceber a tensão em seus músculos, que pareciam capazes de disparar a qualquer momento.

– Isméria...

Ah, então esse é o nome dela.

– O quê? – Isméria não pareceu nada assustada com a ameaça velada de Byakko, e dramatizou:

– Até parece que você não quer que a pobrezinha tenha suas memórias de volta...

– O quê você disse? – Dei um passo cambaleante para frente e mais dois em seguida, até não estar mais protegida pelo corpo de Byakko, mas ao seu lado. Quando involuntariamente segurei em seu braço, buscando apoio, ele pareceu petrificado.

– Eu quis dizer que sei como você pode ter suas memórias de volta...

– Sabe? Mas como?

– Isso importa? – Isméria fez um carão frio e impaciente.

– Lorena... – Mab me chamou, mas eu não tinha ouvidos para outra coisa além das palavras doces daquele Espírito de sorriso cruel que invadira meu quarto.

– Mas o que eu devo fazer? Eu faço qualquer coisa pra ter minhas memórias de volta. Qualquer coisa!

– Ela está mentindo, Lóris... – dessa vez foi Byakko quem chamou, apertando meu pulso com o desespero que trazia em seus olhos. O que quer que tivesse acontecido, eles pareciam normais agora, com pupilas arredondadas, e tinham medo... era a primeira vez que o via ter medo...

– Ela não pode te ajudar... – ele continuou, diante da minha expressão de perplexidade.

– Como você sabe...? – Perguntei. – Por quê ela viria até aqui para mentir para mim?

Ele desviou o olhar, escondendo-se debaixo do capuz como se fosse uma concha, seu aperto machucava meu pulso, mas eu nem sequer sentia.

– Como você sabe?! – Repeti.

– Porque fui eu... – confessou, enfim, com um sussurro débil. – Foi eu quem lhe tirou as memórias...

– V-você...? – Foi tudo o que consegui gaguejar.

– Sim...

Byakko ainda encarava algum ponto entre ambos os seus pés. Sua mão em minha pele parecia tão agradável quanto um pedaço de brasa; meu instinto gritava para que puxasse meu braço de volta. Não o queria me tocando, queria correr. Mas a única coisa que meu cérebro foi capaz de fazer com tantas informações conflitantes, foi chorar.

– Por quê você fez isso? – Perguntei.

– Porque nenhuma criança deveria ver seus pais morrerem na sua frente... E porque você pediu para que a dor parasse...

– Eu tinha cinco anos... Cinco! Eu não tinha ideia do que estava fazendo. E por quê você nunca me contou? Você teve seis anos para me contar!

– Eu não sabia como dizer...

Tentei respirar fundo.

– É, mas diferente de você, eu não tenho uma eternidade para esperar... – Puxei meu braço da mão dele, afastando-me o máximo que o pequeno quarto permitia. – Por favor, vá embora...

– Mas, Lóris...

– Não me chame assim! – Gritei, fazendo-o se encolher ainda mais. – Só meus amigos podem me chamar assim...

Diante dos meus olhos, vi o corpo de Byakko regredir vários anos. De repente, ele parecia um garoto de doze anos outra vez, como no dia em que me salvara de me afogar no mar; em seguida, voltou a ter oito, como quando nos conhecemos e ele me disse ser a própria Morte, como se isso fosse mais importante que seu nome; e, finalmente, ele tinha algo em torno de cinco anos, um corpo pequenino e débil, provavelmente a aparência que tinha quando me tirara as memórias...

Aos meus pés, sua imagem começou a tremular e minguar, como se fosse feita de fumaça e espelhos. E então, em silêncio, ele se fora deixando onde estivera apenas uma névoa branca e fria.

Em algum momento durante a briga, Isméria, a mulher com sorriso de serpente, desaparecera, e algo gritou dentro de mim que ela, decerto, conseguira o que queria. Desabei aos pés da minha cama, chorando ainda mais intensamente.

Mab se aproximou, agarrei a barra de seu vestido e supliquei:

– Por favor, Mab, eu sei o que você vai tentar fazer.... Vai tentar me consolar da maneira que puder, mas eu não quero.... Não quero sonhar hoje. Se eu conseguir dormir, quero dormir como se estivesse morta...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Pele do Espírito (versão antiga)" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.