A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel


Capítulo 17
Solstício de Verão


Notas iniciais do capítulo

Meu deus, quem poderia acreditar que eu finalmente escreveria um capítulo com uma quantidade de palavras decente. Aleluia! Espero que gostem da quantidade tanto quanto já gostam da qualidade. Beijos pra todo mundo que acompanha a história e, pra quem tiver um tempinho pra comentar, obrigada desde já.
Espero que gostem!



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A cada ano que se passava, Byakko crescia comigo. Aos quatorze anos, tínhamos a mesma altura. Eu sempre ia visita-lo no templo e, às vezes, ele vinha me ver em casa, durante a quieta madrugada. Ele parecia ter o poder de prever quando os pesadelos viriam, quase sempre os mesmos: a fúria do mar ou a do fogo, mas no segundo caso os sonhos não eram nítidos, a única coisa clara era meu medo. E, depois de um tempo, comecei a sentir vontade de saber o que acontecia em seguida; eu sentia que aquele era apenas um pedaço.

Em noites assim, quando acordava assustada, eu encontrava Byakko sentado no batente da janela, de braços cruzados e absorto em pensamentos. Quando ele me via, já desperta, relaxava e dizia que tudo ficaria bem. Era sempre essa a expressão perdida que ele tinha quando achava que eu não estava olhando. Então, nós conversávamos até eu me acalmar e, finalmente, cair no sono outra vez. Quando eu me levantava, na manhã seguinte, ela já se fora, mas sempre deixava uma papoula branca na janela, como um lembrete de que estivera lá.

Nesses dois anos, Byakko me ensinou a dominar os ruídos na minha cabeça e minha sensibilidade à magia. Agora, ele passava muito tempo tentando entender a minha habilidade e do que eu seria capaz. Ele também me contava histórias e eu adorava, histórias sobre lugares distantes, tempos passados, pessoas que ele vira, sobretudo, morrer e, claro, sobre os Espíritos. Só havia uma história que ele se recusava a falar:

­– Não! – Ele repetiu pela enésima vez.

— Por quê não? – Insisti.

— Não. Apenas não.

— Mas você sabe o quê aconteceu com a cidade na Praia Velha né? E com seus habitantes.

— Isso não importa...

— Então por quê não pode me contar?

À essa altura ele já estava de pé, andando de um lado para o outro como um animal encurralado.

— Qualquer outra história, mas essa, não.

Normalmente era assim que ele encerrava a discussão.

Eu também passara a visitar mais as cinzas da minha casa, principalmente depois da surpresa de ir até lá uma tarde e perceber que aquele pequeno brotinho sedento se tornara um tapete de papoulas brancas, cobrindo tudo ao redor da casa destruída. Byakko nunca confessou ter sido o responsável, nem eu precisava lhe perguntar. Apenas ficara imensamente grata e feliz. Agora parecia realmente um bom lugar para meus pais descansarem em paz... E onde eu me sentia bem em estar com eles, mesmo no solstício de inverno.

No verão, no entanto, o solstício era uma grande festa à vida e à felicidade. Era o dia em que casais juravam amor eterno; que pais pediam à seus filhos recém-nascidos a proteção dos Espíritos; as pessoas dançavam e se divertiam.

— Eu te amo! – Declarou Donnie diante da multidão.

— Eu também te amo! – Respondeu sua, enfim, esposa.

Todos aplaudiram quando o casal se abraçou e beijou. Ao meu lado, Ed fez uma encenação exagerada de que iria vomitar, e dei-lhe uma cotovelada nas costelas, fazendo Alice rir.

— Doeu... – Ed resmungou, pressionando o lugar com as mãos.

Música tocava e vários casais se levantaram para dançar, como Donnie e sua esposa. Toquei o amuleto que Donnie me dera em meu pescoço, por baixo da roupa, pensativa. Eu adquirira recentemente o hábito de usá-lo, mesmo que escondido, sobretudo depois de ter sentido a magia dentro dele. Perguntara à Byakko, antes, se poderia ser algo perigoso, mesmo detectasse no objeto qualquer ameaça; ele sorriu ao ver o pequeno amuleto, como se já o conhecesse.

— Você pode usá-lo – ele respondeu. – Não há perigo algum. Na verdade, é um pequeno feitiço de proteção. Uma benção.

— A quem pertenceu o amuleto? – Perguntei, curiosa. – A alguém da cidade destruída?

— De certa forma... – ele deu uma resposta evasiva, mas que mesmo assim me deixou contente, já que sua resposta padrão para quando tocava no assunto da cidade em ruínas era resposta nenhuma.

Byakko devolveu o cordão ao meu pescoço, tocando os dedos frios na minha pele. Por um longo minuto ele encarou o pendente sobre o meu peito.

— Você está sorrindo, Byakko? – Minha pergunta o tirou desajeitadamente de seu transe.

— Ah, é, desculpa. Eu acabei me lembrando de algo. Você disse alguma coisa...?

— Como funciona a magia do amuleto?

— Ela chama um guardião.

— Que guardião?

— O único que você tem – ele sorriu como se zombasse de mim. – Se você estiver em perigo, ou com medo, você deve segurá-lo assim – Byakko pegou minhas mãos entre as dele e as colocou em volta da pedra, apertando-a – e então chamar por mim.

Um longo momento depois, de volta à realidade, olhei adiante, para além do aglomerado de pessoas festejando, por entre as árvores que rodeavam a clareira coberta por toldos coloridos, iluminada por fogueira exalando cheiro de comida, tochas e lanternas. Eu podia jurar que captara, com o canto do olho, algo muito branco se mover ali. Então, uma cabeça prateada espiou por trás do tronco grosso de uma árvore e acenou pra mim.

Suspirei e sussurrei pra mim mesma:

— Ele ainda vai acabar matando alguém de susto...

Ia me levantar quando alguém pegou minha mão e me chamou.

— Lóris? Você tá me ouvindo? – Oh, droga... sequer percebera que Ed estava tentando falar comigo.

— Ahn? Não... Desculpa, Ed. O quê você disse?

Ele instantaneamente corou e ficou bastante desconcertado. Soltou minha mão, cruzou os próprios braços na altura do peito e se contorceu para não me olhar diretamente.

— Eeh, bem.... Então, eu queria saber se...

Lorena?, a voz de Byakko soou dentro da minha cabeça. Está acontecendo alguma coisa?

— Para com isso. Você sabe que eu odeio quando você entra na minha cabeça!

— O quê? – Ed ficou confuso. Claro, afinal com quem eu estaria falando além dele...

— Ed, desculpa.... Esquece o que eu disse, eu só...

Você sabe que não precisava ter respondido em voz alta, né?

Tive vontade de manda-lo calar a boca.... Mentalmente.

— Desculpa, Ed. Tenho que fazer uma coisa. Daqui a pouco a gente conversa.

E saí correndo.

Byakko estava esperando por mim no meio do bosque, afastado o bastante da comemoração para não ser visto.

— O quê você acha que tá fazendo?! – Perguntei-lhe, furiosa.

— Eu não tô fazendo nada, foi você quem me chamou – dando um passinho pra trás, defendeu-se.

— Eu não te chamei coisa nenhuma!

— Chamou sim... – ele apontou o amuleto. – Eu vi você segurando. Estava pensando em mim, não estava?

Senti o sangue quente subir até o meu rosto e corar minhas bochechas.

— N-não! – Neguei, cruzando os braços e me virando para não ter que encarar o olhar jocoso de Byakko. – Não estava, não.

— Tava sim, que eu sei.

Engasguei quando Mab se materializou diante de mim, de repente, se unindo ao coro. Com Byakko atrás, eu estava cercada...

— Não sabe de nada. Eu nem estava dormindo – rebati Mab.

Ela cruzou os braços, zombando da minha linguagem corporal, mas estufando o peito em desafio, levantando uma sobrancelha, e disse:

— Até parece que não sabe o que é sonhar acordada...

Um momento de silêncio constrangedor.

Então, os dois caíram na risada. Quando finalmente pararam, eu perguntei:

— O quê vocês dois estão fazendo aqui?

— Eu vim porque você me chamou... – Byakko de ombros.

— O que não nos impede de festejar também – concluiu Mab.

— Você tinha me dito que não viria...

— Bem... eu realmente não vinha – Byakko passou a mão nos cabelos da nuca, constrangido. – É uma festa em homenagem à vida, seria como jogar num time e beber com os adversários.

— Eu não sabia que vocês eram competitivos assim...

— Nós não somos – explicou Mab. – Bem... não sempre. É mais uma questão de cortesia. Você não entra na festa de alguém sem ser convidado, afinal. São regras complicadas.... Mas Shilria é bastante amistosa, mesmo com Byakko.

— Shilria?

— Sim. Ela é a vida que vocês estão celebrando hoje.

— E o quê vocês vão fazer agora?

— Tâmi está nos esperando, já que ela não pode realmente vir até aqui.

— Por quê não?

Os dois se entreolharam.

— Bem... Espíritos com a Tâmi funcionam de forma... diferente – Byakko começou a explicar. – Ela não pode se afastar do próprio rio. Eles dependem um do outro, se dão forças. Se Tâmi acabasse longe demais... – ele fez uma cara séria. – Ela morreria. E o rio também.

— Mas e vocês dois? – Eu estava chocada.

—Nós... seguimos outras regras – disse Mab, mas tive quase certeza de que não eram essas as palavras que ela procurava.

— Eu queria poder ver Tâmi também, mas... – mas se eu sumisse Dorothea ficaria maluca.

— Não se preocupe, querida. É sempre um prazer vê-la – disse o Espírito dos Sonhos, passando um dedo leve no meu queixo. E sumiu, deixando-me a sós com Byakko.

— Eu preciso ir – disse, apontando a direção de onde vinha a música.

— Eh... você precisa tomar cuidado com isso – ele pôs a mão sobre a minha, já que, sem perceber, eu estava segurando o amuleto outra vez.

— Desculpa.

Soltei a superfície fria de pedra, mas ele não soltou minha mão. E pela primeira vez eu acho que senti a pele dele quente contra a minha, como deviam ser. Como deviam ser as mãos de alguém com uma vida.

— Alice, você viu Ed em algum lugar?

Ela estava dançando com um garoto e ria muito alto, provavelmente de algo que ele dissera. Quando a chamei, ela se assustou e pisou no pé do coitado. Em seguida, pediu desculpas e licença para conversar comigo.

— Não, ele já voltou pra casa – respondeu. – Você sumiu por um tempão. Ele parecia bastante chateado quando me avisou que já estava indo...

— Ah... tudo bem – eu disse, desconcertada. – Obrigada, Alice.

E me afastei. Sentei-me observando os casais que dançavam, por um instante me sentindo... sozinha. Dorothea se aproximou e sentou ao meu lado. Tirando meu cabelo do rosto, ela perguntou:

— O quê está fazendo aqui, menina, tão sozinha?

— Ah, Alice está dançando – apontei-a. – Ed já foi pra casa. Eu estou apenas vendo as pessoas se divertirem.

— E por quê não dança também?

— Não sei se eu quero dançar...

— Alice parece estar se divertindo.

— Não é isso...

— Então o quê é? – Ela me abraçou pelo ombro, trazendo-me pra perto de seu peito.

— É que... não tem ninguém com quem eu queria dançar. Não... na verdade, não há alguém com quem eu queira dançar.

— Ah, você está falando de amor, querida...


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