A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel


Capítulo 14
As histórias nunca se perdem


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoal. Sei que andei sumida, e sinto muito. Passei por alguns momentos difíceis ano passado: três semanas doente, cheguei a ser internada num hospital, bombei em algumas matérias na faculdade graças à isso, vivi um dos piores bloqueios da minha vida... Alguns de vocês devem ter percebido que a história foi excluída por um tempo graças à essa bagunça dentro de mim, e obrigado aos que não desistiram dela, e ainda estão aqui. Esse capítulo novo é pra vocês. Dedico o capítulo também à quem chegou agora, desde que restaurei a história, e principalmente à Tamires Souv, que já comentou em todos os capítulos possíveis, me fazendo ter vergonha de mim mesma e escrever mais rápido.
Obrigada à todos vocês.



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–– Parabéns, querida –– minha mãe me entregou o grande gato de pelúcia. –– Feliz aniversário.

–– É pra mim? –– perguntei com os olhos brilhando.

–– Claro que sim –– meu pai respondeu.

Eu o abracei e agradeci.

–– Mas antes de sair para brincar com ele, você precisa ouvir uma história... –– disse minha mãe.

–– Uma história boa?

–– Uma história boa –– ela concordou. –– Esse não é um presente qualquer. Quando estiver com medo ou achar que corre perigo, você pode pedir à ele pra lhe proteger.

–– Como um anjo? –– perguntei.

–– Essas coisas não existem... –– meu pai falou baixinho e minha mãe o encarou com severidade, fazendo-o se virar e arranjar algo mais para fazer.

–– Talvez, querida. Talvez ele seja um anjo...

Minha cabeça estava transbordando com aquele zumbido inquietante; mais alto do que eu jamais ouvira. Quase tão alto que me prendia ao chão. O quê, chão? Apesar de minha cabeça, meu corpo estava confortavelmente deitado no que parecia ser uma cama macia. Comecei a sentir também o calor derretendo o frio dentro de mim, e ouvi baixinho o crepitar da madeira queimando.

Havia também algo sobre meu peito. Era Damon, que miou assim que me viu abrir os olhos. No segundo seguinte, eu estava cuspindo água salgada no chão de mármore. Mármore branco...

Levantei a cabeça, encarando o painel com os grandes felinos, o branco e o negro, e a lareira acesa logo abaixo, ela somente iluminando o salão. A cama do quarto dos fundos fora levada até diante do fogo, no centro do cômodo. Voltei a me sentar, Fazia tanto tempo... Quatro anos, talvez. Onde ele estava?

–– Byakko...?

Algo pareceu se mover rápido nas sombras. Então, na penunbra atrás de mim, colocaram com um barulho suave uma tigela cheia de sopa no chão.

–– Não foi o que eu quiz dizer... –– resmunguei. –– Tá, agora você já pode sair.

Silêncio.

–– E não adianta fingir que não está. Eu não vou embora! –– gritei, mas acabei tossindo sal em seguida.

–– Me pergunto se você estava tentando morrer... –– ouvi-o antes de vê-lo.

Ele saiu do canto mais escuro do salão, de onde só se viam seus olhos prateados, dando um passo em direção à luz da lareira.

–– Oh...

–– O quê?

–– Você... cresceu...? –– respondi, confusa.

Estranhamente, Byakko não era mais pequeno. Na verdade, ele crescera, assim como eu, e se parecia exatamente com um garoto de doze anos magrelo, apesar de espíritos simplesmente não envelhecerem. A capa velha que ele vestia não estava mais tão ridiculamente grande para seu corpo quanto antes, seu cabelo estava ligeiramente mais longo, obrigando a tirá-los dos olhos com frequência, e agora ele tinhas marcas estranhas abaixo do olho esquerdo. Se assemelhavam a duas listras paralelas, como que tatuadas em sua pele, mas num tom cinzento, quase desbotado.

–– Você também –– disse, como se fosse um bom contra-argumento.

–– Não pode tá falando sério...

Byakko me devolveu um olhar perdido.

–– Você me ignorou por quatro anos e isso é tudo o que tem a dizer? –– avancei um passo em sua direção, o zumbido ficando cada vez mais alto. –– Que eu cresci?

––Você parou de vir depois de um ano...

–– Claro que sim! Depois de vir todos os dias e não receber nenhuma resposta, nem daquelas aldrabas malucas, eu me senti uma idiota.

––Hei!!! –– Um e Dois gritaram, indignados, do lado de fora. –– Malucas não!

–– Desculpa...

–– Eu não podia vê-la... –– tentou se aproximar de mim. O zumbido estava me enlouquecendo. –– Não outra vez...

–– Por quê?

Ele abriu a boca, mas demorou a falar.

–– Porque não...

–– Cala a boca... –– eu disse.

Byakko parou à um passo de mim.

–– ... o quê?

–– Eu não consigo ouvir minha própria voz... –– apertei a cabeça entre as mãos. –– Faça parar, por favor.

–– Passar o quê?

–– O barulho na minha cabeça...

Ele tateou com urgência as dobras da sua capa, tirou algo e pôs nas minhas mãos. Tinha um cheiro familiar. Quando abri os dedos, vi uma papoula branca com pétalas amassadas e dobradas. Seu perfume fez minha mente se aquietar, quase adormecer, e o barulho cessar.

–– Você a guardou todo esse tempo? –– perguntei, agora subitamente calma.

–– Era um presente... Achei que fosse querer de volta.

–– Mas como ela pode continuar tão fresca? –– apesar de um pouco amassada.

–– Você não ouviu?

Encarei Byakko, insegura, mas ele sinalizou para que eu a aproximasse do ouvido. Parecia... um zumbido?

–– Isso é magia –– ele explicou. –– Todo esse lugar está cheio de magia... Talvez por isso o barulho tenha enchido sua cabeça.

–– Do quê você está falando...?

–– Shhh... eles estão procurando por você –– Byakko tampou minha boca e apurei meus ouvidos.

De longe, misturado ao barulho das ondas, ouvi duas vozes desesperadas chamarem meu nome.

–– São seus amigos –– ele confirmou.

Segurando em minha mão, levou-me até a porta, entreabriu-a e ouvi Alice chorando.

–– Foi minha culpa. Tudo minha culpa... Ela pulou para pegar o espelho de volta...

–– Nós vamos encontrá-la –– Ed a consolou. –– É só questão de tempo...

–– Já está escuro... Como vamos encontrar ela assim?

––Alice, Ed! –– puxei minha mão do aperto de Byakko e corri até os dois. –– Eu estou bem!

Abracei Alice e, por cima, Ed nos abraçou.

–– Você é uma idiota –– Ed disse e Alice anuiu. –– Nunca mais faça isso –– ela concordou novamente. –– Idiota!

Não tinha como discordar.

–– O quê aconteceu? Por quê estava lá dentro? –– Alice indicou o templo.

–– O mar me jogou aqui na praia –– menti. –– Acordei toda molhada e com frio. Entrei para me aquecer.

–– Mas então por quê não foi pra casa quando acordou?

–– Não pensei direito...

–– Não precisa pensar pra ter medo –– ela disse, encarando assustada o lugar.

–– Eu não tenho medo.

Alice pareceu chocada, já Ed tinha um certo sorriso de admiração nos lábios.

Olhando mais uma vez para o templo, percebi que Byakko ainda estava na porta, encarando-me através da pequena fresta com certo distanciamente e solitude. Quando nossos olhares se cruzaram, o dele se desviou do meu e a porta começou a se fechar.

–– Já volto –– disse aos meus amigos.

Corri, empurrei a porta antes que se trancasse outra vez e entrei.

–– O quê está fazendo? –– Byakko perguntou.

Pulei sobre ele e o abraçei; acho que não estava esperando algo do tipo, porque não segurou meu peso e caímos juntos no chão. Comecei a rir.

–– Estava agradecendo.

Byakko engasgou.

–– O quê foi?

Engasgou mais uma vez.

E de novo.

E de novo.

E de novo, num ritmo constante, como uma risada.

–– Você não é muito bom nisso, né? –– comentei. –– Você ri como um velho morrendo.

–– Morrendo não –– ele me ajudou a levantar. –– Ressuscitando. Toma, você estava esquecendo isso –– me entregou o espelho de Alice.

–– Pensei que havia se perdido...

–– Ah, não... Não há histórias perdidas.

–– Lorena? –– Alice me chamou.

Encarei Byakko e a saída, indecisa, então ele disse:

–– Volte amanhã. Eu não vou sumir outra vez...

–– Por quê demorou tanto? –– Alice perguntou.

–– Tinha esquecido isso –– disse, devolvendo-lhe o espelho. –– Não jogue fora de novo. Posso não sobreviver da próxima vez.

Ela começou a chorar por, eu sei, um monte de coisas ao mesmo tempo: a mãe, os irmãos, eu...

––Certo... –– concordou. –– Obrigada.

–– Agora vamos pra casa.


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