A Pele do Espírito (versão antiga) escrita por uzubebel


Capítulo 15
Sonhos


Notas iniciais do capítulo

Como sempre, demorei bastaaante à escrever. Mil perdões, mas à cada ano a faculdade fica mais louca. Bem, espero que gostem. Beijos.



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Naquela noite, depois de Dorothea finalmente se acalmar e me deixar dormir – sob sua constante vigia, diga-se de passagem -, eu tive um sonho como nenhum outro antes. Tão nítido quanto a própria realidade e mais vívido que meu passado, que recentemente decidira voltar em pequenos e raros flashes fugidios.

Eu sentia a pedra áspera e fria sob meus pés descalços. A brisa com cheiro de mar esvoaçava meus cabelos e vestido branco que aparentemente fora costurado para outra pessoa, anos mais velha e mais encorpada que eu, mas belo da mesma forma. Atrás de mim estava o templo de Byakko, mas adiante o mar estava mais distante do que a maré mais baixa que eu já vira, e entre ele e o templo, onde eu antes só vira rochas e ruínas, havia uma cidade. Não algumas casinhas, como o lugar onde eu cresci, mas um grande aglomerado de construções de pedra clara e polida, com milhares de janelas que começavam a se acender com o crepúsculo.

Do alto, onde eu estava, observei pessoas vertendo sobre as ruas, segurando fogo nas mãos e iluminando a noite. Não, não velas, mas uma pequena chama que flutuava em suas palmas abertas. Eu quase conseguia ouvir o ar zumbindo com o que Byakko chamara de... magia. Todas aquelas pessoas caminhavam em direção ao templo, como que entoando um mantra.

Então, um vento muito frio soprou; do tipo que parece arrancar o calor até dos ossos. E vi no horizonte um grande pedaço de escuridão se levantar; um pedaço que eu não sabia dizer se era céu, ou se era mar. As pessoas gritaram e finalmente percebi quão colossal era a onda que se aproximava.

Oh, céus, vai engolir a cidade inteira.

Todos correram para o mais alto que conseguiram, mas o mar rugia como uma centena de feras vorazes, e corria ainda mais rápido. Quando vi a onda mastigar as casas mais próximas à praia e arrotar os destroços, percebi que era inútil correr. No entanto, imediatamente uma voz gentil em minha cabeça disse o contrário:

Fuja!

Vi uma centena de chamas se apagarem num suspiro; centenas de últimos suspiros. E corri. O templo, já tão familiar, estava à apenas alguns metros de mim, mas as pedras no caminho são irregulares, escorregadias e cortam meus pés descalços. Não consigo correr rápido o suficiente.

Subindo a escadaria, eu caio, tropeçando nos meus pés ensanguentados. A onda se avultava muito acima da minha cabeça. Olhei para trás, ouvindo-a quebrar, e fechei os olhos. Mas não se fez silêncio... Ao invés, eu ouvia um som alto de água escorrendo e batendo contra as pedras.

Quando abri meus olhos, simplesmente vi a onda partida ao meio, abrindo se diante do templo como o fluxo de um rio faz diante de uma rocha posta em seu percurso. Era como se a água não pudesse tocar seu solo consagrado e desviasse. Como se a onda fosse senciente...

Corri para dentro, assustada, as portas se fecharam e tudo escureceu. Um rugido me acordou.

– Ei, psiu.

Esfreguei os olhos, ainda sonolenta.

– Ei, Lorena.

– Ahn?

– Você já pode sair? - uma cabeça branca apareceu na minha janela, e seus olhos prateados brilhavam como luas.

– Byakko? – O céu ainda estava escuro e tudo estava silencioso. – O quê está fazendo aqui no meio da madrugada?

– Vim ver se você ainda está presa.

– Presa? – Bocejei. – Ahh, você quer dizer de castigo... Já virou o dia?

– Ainda não – ele disse.

– É, então ainda estou “presa”. Pelo menos até amanhã. Agora volte a dormir... – deitei-me.

– Mas eu não durmo.

Levantei-me.

– Não dorme? – Perguntei.

– Não.

– Mas como você descansa? Com o quê você sonha?

– As pessoas morrem o tempo todo, não durmo. E os sonhos só visitam os mortais...

– Oh... Eu não imaginava... – desculpei-me.

– Tudo bem, - deu de ombros, subindo e sentando-se na minha janela, de frente pra mim. – Talvez um dia você os veja.

– Ver o quê?

– Ora, os sonhos. São como luzes no céu – explicou. – É Mab, um Espírito como eu, que os espalha pelo mundo. As pessoas esperam por ela, quando dormem. Às vezes ela lhes diz coisas... Os mortais não gostam tanto de mim... Eu sou o fim de seus sonhos.

– E como é?

– Eu conheço todas as almas. A maioria já ceifei diversas vezes e vou encontra-los de novo. Sou apenas uma parte do ciclo.

– Mas então por quê se preocupar com a morte?

Byakko riu.

– Porque a memória dos mortais é tão curta quanto sua história.

Bocejei novamente.

– E você vai ficar aqui?

– Vou esperar até você estar livre, sim. – Respondeu.

– Mas você não dorme. O quê vai fazer pra esperar o tempo passar?

– Ora, mas por quê eu esperaria o tempo passar quando posso viver o tempo passando?

Esfreguei os olhos, confusa com as coisas que ele dizia.

– Tá, então eu também vou ficar acordada.

– Não, você precisa dormir. Eu não devia ter vindo aqui.

– Mas eu acordei com um pesadelo... Nem foi culpa sua. E estou com medo.

– Durma. Vou pedir à Mab para que te dê um lindo sonho... nada de pesadelos. E então amanhã, quando estiver livre, você poderá me contar como é sonhar. E vou te mostrar como são os sonhos correndo pela noite.


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