Troika escrita por Esther K Hawkeye


Capítulo 8
Alguém deve estar observando.


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo e é... espero que gostem. :)

Boa leitura!



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Vassíli

Aquele último dia em Moscou passou tão devagar... eu nem se quer pude sentir nada além da minha agonia de estar naquele lugar. Eu ainda estava morto de sono, e não conseguia me deitar para dormir. Não me lembro da última vez em que tive uma noite de sono tranquila. Só pudemos dormir no chão da estação. Não havia nada mais pra nós.

Era a última noite, duas noites que pareciam dois meses. Eu estava deitado no chão frio, tentando dormir. Não era acostumado com aquilo, e eu nunca pude me sentir tão miserável. Sempre morei nos lugares praticamente luxuosos, apesar de ter que dividir minha casa com mais quatro famílias, mas eu não me importava, eu tinha uma cama boa, comida e um lugar quente para passar o inverno.

O inverno... chegava mais e mais perto. Como eu podia pensar em me esconder do frio que eu ia sentir? Mas acho que isso é o de menos. Qualquer lugar está bom, desde que eu sobreviva. Ainda estava com um pingo de esperança, que me fazia continuar vivo. Claro que eu teria feito o que muitos judeus fizeram: largarem tudo, até a vida, pois não tinham mais nada pra viver. Como eu, não tenho nada, mas esse pingo de esperança me fez criar uma fantasia de que eu teria a minha vida de volta muito em breve. Estava fugindo da morte, pois eu quero mais do que tudo, viver.

Mas... viver pelo que?

Naquela hora em que eu me contorcia para tentar dormir, sabia que os dois irmãos certamente estariam dormindo, então decidi não incomoda-los. Mas eu estava com uma impressão estranha, eu estava me sentindo... observado. Não sei explicar bem, mas era o que eu sentia.

– Vassíli... ei, Vassíli! - Elena me chamava baixinho. Virei-me pra ela. Andrei ainda estava no meio de nós dois, mas mesmo assim, ainda pude falar com ela. - Você está acordado?

– Sim, estou. - Eu falei no mesmo tom.

Elena se levantou silenciosamente, já que tinha muitas outras pessoas dormindo no mesmo local. Foi até o meu lado. Nesse tempo, já tinha encostado as costas na parede. Ela se sentou no meu lado.

– Não consegue dormir? - Perguntei pra ela.

Ela assentiu.

– Não consigo nem fechar os olhos. - Ela abraçou os joelhos, enquanto o rosto dela estava virado pra frente, com os olhos fixados no chão. Virei-me pra ela, olhando o seu perfil.

– O que houve? - Perguntei. - Muito frio?

– A questão não é o frio... a tensão...

– Ah, entendi... você não é a única, então.

– O que você está fazendo acordado? Você não dorme há dias, Vassíli... você mesmo me contou.

– Pois é... - Mordi os lábios. - Acontece que estou tendo graves crises de insônia.

Ela olhava pra mim, mesmo que no escuro, nós podíamos nos enxergar.

– Acho que alguém está me observando desde Stalingrado... - Continuei.

Ela ergueu as sobrancelhas.

– Não se preocupe, Vassíli. Ninguém está te seguindo... mas por que alguém te seguiria?

Eu não consegui explicar, na verdade, nem tentei. Mas agora eu estava nervoso, mais do que deveria. Suspirei fundo.

– Vassíli...

Espera... ela estava preocupada? Por que estaria? Comigo?

– Elena... não se preocupe... se esse for o caso. - Enquanto eu falava, ela se ajoelhou ao meu lado, olhando para o meu rosto.

– Me preocupo... porque você estando conosco, nós sofremos a mesma coisa que você. Por favor, eu sei que é estranho. Nós nos conhecemos há poucos dias e já temos um grau de intimidade elevado, eu não sei como... mas...

Esperava ela terminar, e eu estava ficando impressionado. Ela estava tentando falar algo, mas eu não conseguia decifrar. Acho que ela estava apavorada demais, por isso que ela não conseguia dormir.

– Elena... acalme-se. Vai ficar tudo bem com você e com Andrei. Não precisa se preocupar tanto comigo...

Ela pareceu ficar mais calma, e depois de alguns segundos, abaixou a cabeça, vi lágrimas saindo dos olhos dela, escorrendo pelo seu rosto, caindo no chão.

– Mas Vassíli... - Ela soluçou.

– O que foi...? - Fiquei um pouco preocupado, e a intensidade aumentava com o choro dela.

Ela tentava secar as lágrimas, mas logo apareciam outras. Ela não estava bem de alguma forma.

– Elena, o que foi?

– M-Meu pai... - Ela soluçou de novo. - E-Eu estou... com saudades... do meu pai. E agora... eu nunca mais vou vê-lo.

Elena começou a chorar mais intensamente. E eu simplesmente não sabia o que fazer. Olhei para o lado, Andrei ainda estava dormindo. Acho que agora seria a hora certa para eu demonstrar que estou me preocupando com Elena.

– Lena... - A chamei pelo apelido, só daquela vez, acho que ela não se importaria. - não se preocupe...

Ela ainda continuava chorando, não importava o que eu dissesse. Só tinha uma única coisa à fazer. Estiquei os braços, a envolvi e a abracei. Ela ficou impressionada de início, mas logo me abraçou de volta. Fiz ela se sentar ao meu lado, enquanto eu ainda a abraçava. O aperto do abraço de Elena me fazia ver o quão desesperada ela estava. Coloquei a cabeça dela no meu peito. Acariciei a nuca dela, aquilo fazia com que as pessoas se acalmassem. E ela se acalmou, de fato. Seus olhos ficavam mais e mais pesados.

– Vassíli... seu coração... tem batimentos tão... fracos. - Falava em partes, parecia que estava começando a cair de sono.

– Sim, eu tenho pressão baixa.

Elena estava com tanto sono quanto eu. Eu poderia imaginar, além do susto que ela passou, do medo que ela teve. Ela me abraçava forte, principalmente depois que eu falei sobre a minha pressão, mas enquanto ela caía no sono, menos ela me apertava, e se soltava um pouco, apesar de ainda estar agarrada em mim.

– Vassíli... - O meu nome foi a última coisa que ela me disse antes de cair no sono.

Sorri, involuntariamente, e não sabia porque. Aquilo não me importava, mas eu estava me sentindo mais seguro.

Naquela noite, eu consegui dormir.

~x~

– Trem indo pra Kostroma! Última chamada! - Gritou o funcionário do trem. Chegara a hora de irmos.

Naquela hora, não estava tudo tumultuado. As pessoas não mais "atropelavam" umas às outras, estava tudo mais calmo. Todos aliviados por não terem tido nenhum ataque, e isso era bom. Agora nós poderíamos ficar mais calmos.

– Depois de Kostroma, ainda vamos para Ecateremburgo? - Perguntou Elena.

– Espero que sim. Pelo menos Kostroma é longe daqui, mas não o suficiente.

– Nossa! Já não é longe demais pra você? - Perguntou Andrei, com um pouco de impaciência.

Tentei responder da forma mais educada possível. Eu entendo os ciúmes de Andrei, mas eu estava sem paciência nenhuma para ele.

– Não... mas caso vocês achem um lugar bom para ficarem em Kostroma, minha opinião é que seria bem melhor se vocês ficassem por lá mesmo. Eu ainda vou para mais longe.

Olhei para Elena, ela tinha olhando pra mim, com uma expressão chateada no rosto, como se ela não tivesse gostado da minha ideia.

Não conseguia ignorar Elena, ela era uma garota tão linda e gentil, que não deveria estar ao lado de alguém que provavelmente está sendo procurado. Ela merecia muito mais pela frente, e algo me diz que... ah... esquece.

– Soube que lá em Kostroma tem gente de boa renda. Espero que eles nos ajudem... - Comentou Elena.

– Sério? Wow... - Falou Andrei, na verdade com pouca empolgação.

Nós estávamos subindo no trem, e eu deixei que Elena e Andrei subissem primeiro. Quando eu coloquei o pé no primeiro degrau, algo aconteceu naquele meio de gente, que estavam todos quietos, que os espantou (inclusive a mim e aos irmãos que me acompanhavam):

Um homem começou a correr em minha direção, gritando:

– PAREM ESSE GAROTO! ALGUÉM PARE ELE!

Me desesperei, mas não deu nem tempo de eu chegar ao último degrau. O homem avançou pra cima de mim, agarrando minha perna esquerda, fazendo com que eu caísse. Ainda estava com a mão no corrimão, que só tinha escorregado um pouco.

– ME SOLTE! - Gritei.

– VOCÊ NÃO VAI ESCAPAR DE MIM, IVANOVICH!

Comecei a chutar o rosto do homem.

– EU NÃO SEI QUEM VOCÊ É, SEU MALUCO! ME SOLTE!

As pessoas não sabiam o que fazer, estavam todos desesperados. Olhei para Elena e para Andrei. Elena sentiu que tinha que fazer alguma coisa. Ela pegou uma bengala qualquer que estava num porta bengalas e começou a bater fortemente no rosto do cara. A força de Elena não era nada normal, então ajudou muito. Consegui tirar o homem agarrado nas minhas pernas com um último chute, que o jogou pra trás.

– VENHA VASSÍLI! - Elena gritou pra mim, que me empurrou pra dentro. A porta do trem foi fechada.

Assim que eu fui jogado, caí nos braços de Andrei, na verdade, eu segurei os braços dele, e ele segurava os meus. Eu estava encurvado, suando, e totalmente desesperado. Olhei para fora, o trem já tinha dado partida, mas ouvi o homem gritando:

– TEM UM JUDEU ALI! UM JUDEU! PRENDAM ELE!

As minhas suspeitas estavam certas, eu estava sendo perseguido. Naquele momento, eu estava mais apavorado do que nunca. Olhei para Andrei, enquanto eu ainda estava ofegante. Ele me olhava com os olhos arregalados e pele pálida.

– Desculpa Andrei... Eu te machuquei?

– Er... Vassíli... - Ele estava vermelho, provavelmente de vergonha.

Agora eu acho que tinha entendido o que ele quis dizer. Nós ainda estávamos segurando as mãos um do outro. Aquilo realmente estava estranho. Soltei-me imediatamente, corado.

– A-Ah... Desculpe. - Mas aquilo não me importava.

Nós nos sentamos, e dessa vez, sentei-me entre os dois. Comecei a falar com Andrei:

– Escute, você e Elena devem parar em Kostroma, e ficarem por lá. V-Vocês não podem mais ficar comigo! Isso é um perigo!

Elena não pareceu gostar, novamente. De novo interveio:

– Você está maluco, Vassíli? Não vou te deixar fazer isso!

– Mas vocês vão se prejudicar! Elena, eu não quero isso!

E foi então que ela me disse algo que eu nunca me esqueceria na vida:

– Você não pode ficar sozinho! Eu não posso te deixar agora, nessa situação! Não podemos te deixar assim, do nada, sem nos importarmos com o que você nos fez! Pode ser que Andrei não aceite, e nem pode aceitar! Por isso ele pode ficar em Kostroma! Mas eu vou seguir essa viagem com você!


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Notas finais do capítulo

E aqui está mais um capítulo! Comentem se gostaram!

Até o próximo capítulo! :)



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