Troika escrita por Esther K Hawkeye


Capítulo 3
O dia em que a vida decidiu ser cruel. Parte II


Notas iniciais do capítulo

Hum... Nada ainda. Mas eu não desisto. Voltei com mais um capítulo.

Boa leitura. :)



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Elena

Stalingrado, um dia antes.

Era uma manhã de pouco sol em Stalingrado, e não me admirava. Eu e meu irmão mais novo, Andrei, estávamos voltando de uma longa caminhada do mercado até a nossa casa. Não era o melhor dia para ir ao mercado, na verdade, nenhum dia pode ser considerada um dia bom para ir ao mercado. Pelo menos, não quando se está no meio de uma guerra. Sempre cheio! Muita gente para pouca comida!

Conseguimos pegar pelo menos o que nos restava (para crianças e adolescentes, os vendedores pareciam ignorar), meia dúzia de pães e dois litros de água. Eram suficientes para sustentar a nossa família, que era pobre.

Me chamo Elena Molotova, e eu moro na periferia de Stalingrado (ou pelo menos, morava) com o meu pai e com meu irmão mais novo. Minha mãe morreu há algum tempo, de tuberculose. Eu era muito pequena, por isso não me abalei muito, mas meu pai se sentiu derrotado e completamente perdido na vida. Por sorte, ele conseguiu se recuperar, e dedicou a sua vida a nós, seus filhos.

Meu pai era um homem jovem, ele e minha mãe tiveram filhos muito cedo. Minha mãe devia ter dezesseis anos e meu pai, dezessete. Hoje, ele tem trinta e três anos e trabalha numa indústria alimentícia. Ele não ganha muito, e o dinheiro que o Estado nos dá não é o suficiente. Seu nome é Pavel, eu e Andrei o chamamos carinhosamente de "papa".

Já meu irmão é um garotinho tímido. Ele não sabe muito bem se virar sem mim. Esse é o caso de ultra dependência que ele tem de mim e de papa. Ele é do tipo de garoto que cria uma paz interna momentânea nas pessoas de mal humor. Ele é bem bonitinho, por isso as pessoas (a esmagadora maioria, mulheres) tendem a parar para acariciar os cabelos dele. Algumas vezes ele é alvo de pessoas não muito agradáveis, como pedófilos. Eu tenho que estar sempre ao lado dele para que o meu irmãozinho não caia em mãos erradas. Tenho que zelar pela inocência do meu irmão.

Eu sempre gostei de defender a mim mesma e aqueles que eu amo. Por isso, aproveitei a oportunidade de papa me treinar. Meu pai já fez parte do exército, mas teve de sair por complicações físicas, mas o exército teima em não lhe dar uma mísera indenização. Mas enfim, ele me deu algumas "aulas" de luta, e antes da guerra, eu ficava treinando o tempo todo, o que me fez ficar com um corpo magro e saudável, mas isso pouco me importava, já que eu não ligo muito para aparências.

Naquele dia, eu e Andrei carregávamos as coisas até nossa casa. Nós não íamos à escola há meses. Já estava com um pouco de saudades de resolver equações matemáticas ou estudar sobre a glória soviética.

No meio do caminho, Andrei falou comigo:

– Eu estou com muita fome! Eu queria... - O interrompi.

– Andrei, vamos chegar em casa primeiro, depois você come. Não podemos deixar papa esperando.

Andrei fez que sim com a cabeça, um pouco triste. Ergui as sobrancelhas.

– O que foi, Andrei? Você está estranho...- Ele começou a choramingar. Fiquei mais espantada ainda. - O que foi, Andrei?

– Eu tive um pesadelo ontem que mexeu comigo... Sonhei que papa estava morrendo.

Suspirei. Apesar de eu ter medo daquilo acontecer, já que todos nós estávamos correndo risco lá em Stalingrado... Ou melhor... A União Soviética inteira.

– Por que você não me disse isso antes, Andrei? Não seja bobo! Isso não vai acontecer com papa, e nem com nós dois. E você está um pouco velho para chorar.

Ele pareceu enfurecido.

– E-Eu não estou chorando! - E enxugou as lágrimas.

Suspirei novamente.

– É claro que não está... Agora vamos! Papa está nos esperando.

Continuamos a andar, e depois de alguns minutos, Andrei me chamou a atenção de novo.

– Só queria dizer isso... Tenho uma má impressão.

Fiquei um pouco nervosa, não podia negar que estava com medo também. O risco era enorme e poderíamos ser mortos a qualquer minuto.

– Mas não pense assim. Vamos pensar positivo. Isso é o que vale para sobrevivermos.

Ele fez que sim. Depois de alguns minutos a mais de silêncio mortal, chegamos à nossa casa. Ela não era tão grande, mas era suficiente para nós três. Não tinha paredes lá muito firmes, mas aguentava. Por dentro, era até quentinho, já que a casa era feito de madeira grossa, ótimo para o inverno russo.

– Chegamos, papa! - Gritei com o intuito de fazê-lo ouvir. Eu e Andrei entramos e fechei a porta.

Meu pai estava na cozinha, sentado na cadeira perto da mesa. Ele parecia estar exausto, e quase dormia em cima da mesa.

– ... Papa? Você está bem?

Ele olhou para mim, e logo abriu um sorriso.

– Ah, Lena! Vocês voltaram!

Colocamos as mercadorias na mesa. Eu sorri para ele.

– Desculpa a demora.

– Não se preocupem... - Ele suspirou. - E então... como foi lá no mercado?

Suspirei de cansaço.

– Como sempre foi, papa... como sempre.

Ele deu uma risadinha.

– Tudo bem, tudo bem.

Meu pai de certa forma me fazia a pessoa mais feliz do mundo. Quando pequena, eu dizia ao meu pai que eu nunca vou me casar, para que eu fique com ele para sempre. Claro que, como criança, eu não fazia ideia do quão profundo eu falava. Papa sempre me disse que eu encontraria um rapaz bem legal, que eu me apaixonaria, me casaria e teria meus próprios filhos. Mas nada disso confere, eu nunca me apaixonei na vida, e não porque eu não queira, mas sim porque eu nunca encontrei um homem que me faça tão bem quanto meu pai.

– E você, Andrei? Está bem? - Perguntou papa a Andrei.

Andrei fez que sim, nada respondeu.

– Bem mesmo...

– Sim, papa...

– Você me parece triste. - Ele ergueu uma sobrancelha.

– Eu disse que eu estou bem, papa... - Andrei falou um pouco mais alto.

Papa impressionou-se, levantou as duas sobrancelhas e mordeu o lábio inferior. Ele virou o seu rosto para mim.

– O que ele tem?

– Andrei teve um sonho ruim.

De certa forma, Andrei não gostou do que eu disse, mas manteve-se quieto.

– Oh, eu entendo. - Papa disse. - Pois bem... Vamos comer.

E dessa forma, nós almoçamos.

~x~

Perto das cinco da tarde, Andrei, papa e eu saímos um pouco. Não era bom ficar saindo o tempo todo, pois poderia ter bombardeios a qualquer minuto. Mas nós não suportávamos ficar "presos" dentro de casa. Isso é de família.

– Daqui a pouco vamos voltar ok? Não é bom ficar caminhando a essa hora.

Eu e Andrei assentimos. Comecei a falar com papa:

– Papa... Quanto tempo você acha que essa guerra vai durar? - Perguntei baixinho.

Ele pensou um pouco.

– Não sei, minha filha... sinceramente, não sei.

Fiquei quieta por um instante.

Depois de mais ou menos vinte minutos, decidimos voltar. Depois de três passos para a volta, ouvimos barulhos de bombas, seguido de uma sirene.

Estávamos sob ataque.

Nos desesperamos e começamos a correr como se não houvesse amanhã.

– Rápido! Corram! - Gritou papa. Nós o obedecemos.

Naquela hora, nada mais me soava pela cabeça além das sirenes, dos gritos das pessoas e do barulho das bombas que aumentavam mais e mais. Dali a pouco, os nazistas chegariam ao nosso local. Ainda não tinham chegado, mas faltava pouco para nos alcançarem.

Ao chegarmos na nossa casa, felizmente ela ainda estava em pé. Mas só nos deu tempo para entrar e fazer uma coisa: Pegar as passagens que tínhamos para Moscou, e depois, para uma cidade do interior e sair rapidamente. A cena:

– Comecem a procurar as passagens! Rápido! - Gritou papa.

Estávamos loucamente procurando as benditas passagens. Mas além das passagens, achei um caderno meu em branco, não pensei muito, mas eu ainda o segurava por algum motivo.

Andrei as achou:

– Achei, papa!

– Muito bem! Agora vamos até o porão!

Infelizmente, não existia mais porão. A entrada estava completamente destruída.

– Merda! - Papa resmungou. - Temos que ir a um lugar seguro e rápido!

– Papa... Eu... - Tentei falar algo, mas não deu tempo. Meu pai agarrou o meu braço e o de Andrei, começou a correr.

Vimos nossa casa ser completamente destruída por uma bomba, mesmo que de longe. Ainda assim, podíamos sentir o vento forte do estrago em nosso corpo. Aquela cena fez com que tudo em minha cabeça desaparecesse. Eu tinha perdido o meu lar.

Papa parecia nem se importar para a casa, só queria a nossa sobrevivência e com razão. Passei a não me importar também, mas a dor era imensa.

Depois disso, a coisa mais horrível que já me aconteceu:

Andrei tinha tropeçado e caído no chão.

– Andrei! - Eu e papa gritamos juntos.

Meu pai foi até ele, ajudou-o a se levantar. Quando viu, um enorme pedaço de madeira pesada se aproximava deles cada vez mais, voando ao ar, fruto de uma explosão de uma casa. Papa não teve dúvidas.

Literalmente, jogou Andrei para os meus braços, e eu o agarrei. O grande pedaço de madeira conseguiu alcançar a perna do meu pai quando ele começara a andar, e não teve se quer tempo de correr. Ele caiu de cara no chão.

– Papa! - Eu gritei. Fomos até ele, e mesmo com todas as minhas forças e a de Andrei, não conseguíamos levantar aquele pedaço. Que espécie de madeira pesada era aquela?

– Não! - Papa gritou. - Corram! Salvem-se! Me deixem aqui! Eu não vou conseguir correr, só vou atrasar vocês!

– Não vamos te deixar, papa! - Gritei para ele.

– Façam isso!

Olhei para Andrei por alguns segundos. Ele estava com os olhos repletos de lágrimas, e notei que eu também estava. Papa virou-se para Andrei.

– Andrei, meu filho... Pegue a sua irmã e fuja!

– Mas papa...

– FUJA!

– Mas...

– FUJA AGORA!

Não sei no que deu em Andrei. Ele simplesmente me agarrou e começou a correr, mesmo contra a minha vontade.

– ANDREI! - Gritei! - ANDREI SEU IDIOTA! ME LARGUE! NÃO PODEMOS DEIXAR NOSSO PAI LÁ!

Andrei virou-se para nosso pai, que já estava a metros de distância.

– ME DESCULPE, PAPA!

Papa estava chorando, mas estava com um sorriso no rosto ao mesmo tempo.

– ANDREI! CUIDE DA SUA IRMÃ POR MIM! E LENA! SEJA FORTE!

Foi a última coisa que eu ouvi de meu pai. Logo depois, ele disse algo, que eu não pude entender.

Quando já estávamos à alguns metros de distância, ouvimos tiros. E depois disso, nada mais ouvimos. Mas uma coisa podíamos ter certeza:

Nosso pai estava morto.

~x~

Acabamos por chegar em uma base militar, em que estavam muitos desabrigados assustados. Ao chegarmos, vimos militares tentando acalmar as pessoas, mas sem muito sucesso. Caminhamos por algum tempo, mas não podíamos acreditar no que tínhamos visto há duas horas. Eu estava incrédula, não conseguíamos falar direito. Mas quando finalmente nos fixamos em algum lugar, sentamos, eu pude finalmente falar:

– Foi culpa sua... - Falava com um tom de ódio. Andrei se assustou.

– O que, Elena? E-Eu não ouvi.

Eu comecei a gritar com meu irmão. Levantei-me, vermelha de ódio e tristeza.

– POR SUA CULPA, NOSSO PAI ESTÁ MORTO! SE VOCÊ NÃO O TIVESSE OBEDECIDO, ELE PODERIA ESTAR VIVO!

– M-Mas...

Me aproximei dele com passos firmes e pesados. Fiz algo que eu nunca pensei que eu faria na vida: Socava o meu irmão com todas as minhas forças.

Ás vezes ele conseguia se defender, mas não conseguia falar nada.

Depois de algum tempo tentando matar meu próprio irmão, eu estava exausta e completamente confusa. Olhei para os olhos castanhos de meu irmão, que misturava com o sangue de seu rosto e suas lágrimas. Observei o local, agora eu via que estavam todos me olhando, e o azar de Andrei foi que não tinha nenhum sinal de militares lá para me pararem.

Depois disso, desmaiei.

~x~

Acordei três horas depois, e para a minha surpresa, com a cabeça deitada nas pernas de meu irmão. Andrei tinha enxugado o rosto, mas mesmo assim tinham hematomas. Ele acariciava os meus cabelos, e seus olhos pareciam cabisbaixos e tristes, como sempre foram.

– E-Eu só... - Ele falava entre soluços. - queria que sobrevivêssemos, mas... Eu estava apavorado e eu não queria morrer... Nem queria que você, e nem papa morressem... - Mais soluços. - M-Me perdoe, irmã.

Por um momento, eu me senti culpada e tinha ódio de mim mesma. Mal podia acreditar que eu tinha feito aquilo com o meu próprio irmão. Fui injusta com ele, eu também tinha culpa da morte de papa, sendo assim tão "forte" e não conseguir ajudá-lo naquele momento. Eu entendia Andrei, e me arrependi vergonhosamente de ter feito tal violência com o meu próprio irmão. Sentei-me à frente dele e o abracei.

– Não se preocupe, irmão... Eu estarei aqui com você.

Afastei-me um pouco dele, com as mãos ainda em seus ombros. Não pensei duas vezes antes de lhe dar um pequeno beijo nos lábios. Ele não parecia surpreso e correspondeu. Separamos nossos rostos.

– Eu estarei com você também, irmã.

Tentei forçar um sorriso.

– Obrigada por me salvar, Andrei... Eu te amo, irmão.

Ele deu um pequeno sorriso. Suspirei.

– As passagens... Estão no meu bolso.

Eu sorri, agora verdadeiramente.

– Amanhã, vamos para Moscou.


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Notas finais do capítulo

Yey! Gostaram? Se sim, deixem um comentário!

Até o próximo capítulo! :)



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