Novamente A Seleção escrita por Letícia Miyashiro


Capítulo 11
Um Sombrio Lisianto


Notas iniciais do capítulo

Nem vou dizer mais que demorei, acho que vocês já acostumaram.



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– Você está bem? - foi a pergunta que eu mais ouvi hoje.

Depois da "agradável" conversa com o príncipe, fui obrigada pelas minhas criadas a permanecer descansando no meu quarto até a hora do almoço. Não reclamei, eu realmente estava cansada, por passar quase a noite toda em claro e por ter sido praticamente humilhada pelo príncipe que me fez sair da sala. Pensei um pouco no quanto eu odeio ele antes de adormecer, acordei e adivinhe só: continuo odiando-o.

Eu queria passar o dia todo na cama, mas as criadas disseram que eu realmente deveria comparecer ao almoço, porque seria ali que conheceriamos toda a família real e minha falta seria notada e mal interpretada.

Então me levantei, troquei de vestido - desta vez, um azul claro e leve, que ia até os joelhos. Ajeitaram meu cabelo e retocaram a minha maquiagem. E eu estava pronta para o almoço.


Então eu fui até o salão de jantar e praticamente todas as selecionadas perguntaram se eu estava bem, não por preocupação, claro, mas sim por curiosidade - queriam saber como foi a conversa e como eu cheguei a passar mal. Impaciente, apenas respondi que estava bem e que a conversa foi normal e deixei bem claro que ela não havia sido o motivo do meu "mal estar".

Finalmente encontrei Laetice, que me fez a mesma pergunta, só que estava claro que estava preocupada, era a única além de Kelsey, mas pude ver uma pontinha de curiosidade na pergunta das duas, porém não disse nada sobre o ocorrido, e nem pretendia dizer.

Ao dar uma olhada pelo salão, percebi que dois lugares na mesa estavam desocupados, questionei Laetice sobre isso e ela disse que as garotas haviam sido eliminadas. Tão rápido? Isso me pegou desprevinida.

Depois de alguns minutos, Lucy entrou correndo no salão "anunciando alto" (porque damas não gritam) que a família real entraria no salão. Não que nós já não estivéssemos preparadas, mas depois daquilo as garotas praticamente se desesperaram em parecerem o mais impecáveis possíveis para o príncipe e seus pais. Eu mesma toquei meu cabelo para ver se estava tudo no lugar e alisei meu vestido. Por segundos esse foi o som que tomou o local, pois todas estávamos em silêncio, aguardando ansiosas a aparição da família real. Percebi em algumas garotas uma postura ereta bem forçada, a maioria, na verdade. Tentei relaxar ao perceber que eu estava da mesma forma. Olhei para o lado e flagrei Laetice calma e relaxada, ao menos aparentava estar assim, e perfeitamente. Como ela conseguia? Kelsey simplesmente estava distraída em deixar seu broche reto sobre o tecido, sorri com isso.

Segundos depois, o rei adentrou a sala, seguido da rainha. E o clima no salão pesou mais ainda. O casal real exalava soberania e nobreza, a rainha Kriss, principalmente, parecia fria como gelo, e o rei um pouco contrariado. Quase me assustei ao ver que todas as garotas da sala se abaixavam e percebi que elas reverenciavam, e que eu devia fazer o mesmo. E foi o que eu fiz, tão de repente que quebrei a sincronia das 35, ou melhor, 33. Me senti estúpida e me perguntei mentalmente se eles haviam percebido. Percebi que o príncipe e a princesa já estavam no salão também, Alyss parecendo assustada, e Aaron descontraído.

Depois daquele momento de tensão, nós pudemos nos sentar. Ficamos paradas esperando alguma pronunciação do rei, mas ele no momento cochichava algo com Aaron, que parecia debochar. Pude ver que o rei enfim desistiu de conversar com Aaron e voltou a atenção para nós, dando um sorriso, claramente forçado. Observou-nos, e percebi seu olhar demorar-se em mim. Senti um frio na espinha, aquele era o rei, com o olhar fixo em mim. Eu sabia os motivos, mas aquela situação era extremamente desconfortável para mim. Senti meu rosto corar de constrangimento, mas não desviei o olhar, todos haviam percebido.

Finalmente o rei se tocou e ele enfim pigarreou e se pronunciou:

– Sejam bem-vindas, selecionadas. É uma honra estar presenciando tanta beleza num lugar só, e espero poder conhecer cada uma particularmente - ele disse isso olhando pra mim. - Tenho certeza que cada uma de vocês merece o coração de meu filho, mas infelizmente só uma de vocês irá conseguí-lo. Todavia, não se abatam! Creio que todas aqui tem chances iguais de conquistá-lo, e enquanto isso tudo não acaba, vocês poderão desfrutar de tudo - ou quase tudo - que o palácio lhes oferecer. Espero que se sintam em casa, e com o tempo, principalmente a escolhida, me vejam, não como um rei distante, mas como um grande pai - ele ergueu a taça de água que estava ao seu alcance. - Um brinde! Á Seleção! - e todas erguemos nossas taças, em seguida cada uma tilintando contra a mais próxima.

Pude escutar um baixinho: "Se me permite me pronunciar, papai." e voltei o olhar para a mesa da família real, e pude ver o rei acentindo para Alyss. Sua voz doce ergueu-se e tornou-se firme:

– Queridas selecionadas, irmãs, só gostaria de anunciar que estou feliz com a presença de cada uma de vocês aqui hoje, e que gostaria de verdade que pudéssemos todas conversarmos e tornarmos amigas. Quero que saibam que sempre estarei á disposição para conversas no Salão das Mulheres, para tornar o vosso tempo aqui mais agradável - ela deu um sorriso meigo. - Bem, por agora se inicia o almoço, desejo á todas uma boa refeição.

– Criados, podem servir! - brandou o rei. E menos de um segundo depois, apareceram os mesmos homens com bandejas do dia anterior, servindo cada uma de nós com agilidade e sincronia impressionante, até mesmo artística. E logo após exibirem os alimentos do dia, se retiraram com a mesma rapidez que apareceram.

Um cheiro delicioso de massa e molho tomou o salão, quase não acreditei no que os meus olhos viam, não era um prato refinado, mas certamente era delicioso. Eles estavam nos oferecendo um enorme e apetitoso pedaço de lasanha. Tomando o cuidado de manter a classe exigida no palácio, começo a devorar a lasanha...como uma dama, é claro.

Já na metade do pedaço, cometo o erro de olhar para a mesa do rei, que continuava e me encarar, com a lasanha intocada. Um clima de desconforto pairava sobre aquela família, com a rainha tentando repreender o rei por me encarar, querendo manter a discrição e Alyss desviando o olhar da lasanha para mim também. Será que ela sabia sobre a minha mãe também? E foi assim que eu perdi a minha fome.


Nós fomos liberadas para passear pelo palácio áquela tarde, e muitas garotas foram diretamente para o Salão das Mulheres. Lucy disse que era lá que nós passaríamos a maior parte do tempo, nos entretendo com livros, revistas e TV, enquanto tomávamos chá e comíamos biscoitos. Obviamente aquilo tudo pareceu muito chato para mim. Anne me contou que minha mãe passava a maior parte do tempo no jardim, e foi para lá que eu fui. Tive dificuldade em passar pelos guardas, que me ditaram regras para a minha segurança, pois lá estaria mais vulnerável.

Me sentei no banco mais isolado que encontrei, tirei os sapatos que machucavam os meus pés e os esfreguei sobre a grama verde e bem-cuidada. Uma delícia de sensação. Soltei meus cabelos e sentí-los caírem sobre meus ombros foi como se eu me livrasse de um peso no peito. Aquela brisa, a sombra da árvore próxima e o cheiro das flores que enfeitavam o jardim mais majestoso que eu havia visto em toda a minha vida me davam um sentimento de liberdade que eu só sentia em minha casa, no meu próprio jardim.

Desde que eu nasci, morei na mesma casa, convivi com os mesmos vizinhos, estudei na mesma escola, brincava nas mesmas ruas e frequentava os mesmos lugares. Por anos isolei-me nesse mundo de rotinas, entreti-me com as mesmas coisas e conformei-me com as mesmas opiniões, porque você só podia fazer isso num país como Illéa. Então eu comecei a observar o ambiente em que eu vivia, e com o tempo cansei-me dele. Mas estava presa nele, então empenhei-me em observar mundos diferentes. Pesquisei em livros, ouvi histórias e finalmente percebi o quão vasto é o mundo em que vivemos, e ansiei-me por explorá-lo. Hoje estou num jardim diferente, com uma morada diferente e me sinto diferente. Me libertei daquele ambiente antigo, mas estou infeliz porque sei que me prendi á outro ambiente, e pior: saí da minha zona de conforto.

Mas eu tinha um apego com jardins: Eles faziam eu me sentir livre. Mesmo não estando, em ambas as situações, meu coração estava manso e terno. Nunca soube explicar o motivo, e nunca me pressionei a conseguir fazê-lo.

Escutei alguém se aproximando e alguns cliques. Virei-me para trás, assustada, despertando-me subitamente de meus devaneios. Ali estava, a princesa Alyss, tirando foto de um canteiro de lisiantos. Curiosa, eu me aproximei.

– Vossa Alteza? - chamei.

Ela pareceu se assustar e se virou para mim de súbito.

– Ah! Rosalie! - respondeu. - Quase me matou de susto, moça - novamente, ela parecia desconfortável com a minha presença.

– Desculpe-me, não foi intenção - respondi rapidamente. - Gosta de fotografia?

– Ah, isso? - ela deu uma olhada na câmera. - Bem, serve para passar o tempo, o jardim é sempre tão lindo, oferece umas fotos esplêndidas. Mas gosto mesmo é de fotografar minhas viagens, sabe como é, lugares novos.

– Na verdade não sei - dei um sorriso amarelo. - Sempre vivi no mesmo lugar, o que você está acostumada é extremamente novo para mim.

– Entendo, Rosalie, deve estar sendo muito assustador para você. Pra mim também, na verdade, nunca recebemos tantos hóspedes de uma só vez. Nem famílias calorososas como a italiana trazem tantas pessoas - ela parecia estar mais á vontade.

– Bem, então estamos passando por essas novidades juntas, certo? Compartilhar inseguranças tornam-nas menos incomodantes.

– É, é aparentemente é verdade - ela estava sem graça novamente.

– Posso ver a foto que você tirou? - perguntei, tentando estender a conversa.

– Ah, a foto? Bem... - consegui deixá-la ainda mais constrangida. Lancei-lhe um olhar insistente e ela enfim cedeu.

– Tudo bem! Olhe só - ela mostrou-me a tela da câmera.

Lá estava um sombrio lisianto roxo, se destacando dos demais por conta do foco. A qualidade estava perfeita, a foto estava linda. Não conhecia muito sobre fotografia, mas aquela imagem realmente me agradou.

– Está lindo! - elogiei. - De verdade, Alyss, perdão, princesa, você tem talento.

– Pode me chamar de Alyss, e admito, não foi um dos meus melhores trabalhos, mas dá pro gasto, não?

– Nem imagino como seja o melhor, então.

A partir daí conversamos. Descobri na princesa uma garota humilde e faladeira, a aparência tímida era devida á falta de comunicação com as outras pessoas, mas mesmo assim ela ansiava em novas amizades, estava angustiada por conta da prisão que os altos muros do palácio proporcionavam. Vi nela uma amiga, e percebi que meu tempo ali não seria tão desagradável.


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