Neo Pokémon Hoenn escrita por Carol Freitas


Capítulo 17
Desobediência (Especial)




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             A cidade de Verdanturf era uma das mais belas daquela parte do continente, apesar de estar entre as menores. Possuía casas simples, porém de arquitetura singular, dando-lhes um aspecto único. Quase todas elas exibiam jardins com jardins exuberantes e bem cuidados. O vento ali também era constante, tocando o tempo todo as folhas belas árvores que pareciam dançar. No sul da cidade estava o ponto de maior orgulho para a população local, que fora uma das primeiras a entrar na tradição mais comum da região, a arena de concursos.

                Mas não era para lá que o foco da narrativa se dirigia e sim para uma humilde casa ao norte da cidade, onde um menino de cabelos e olhos esverdeados tentava de tudo para lidar com uma pokémon rebelde. Seus pais, cansados daquela cena, já haviam ameaçado diversas expulsar a criatura dali e ele não duvidava que estivessem perto de cumprir sua promessa. Para começar, eles não haviam sequer concordado com o fato de ele ter um Pokémon e só não comentavam nada por perceberem que ele gostava de verdade da criatura, mas vez ou outra os pegava olhando torto para ela.

                A única que era favorável à presença de Ártemis era sua tia Maggie. Mesmo com todos a dificuldade que Wally tinha em lidar com sua pokémon, ela sempre insistia para que o garoto continuasse tentando. Vez ou outra até trazia alguma berrie ou guloseima que acreditava que a pokémon iria gostar, mas tudo havia sido em vão. E a situação que estavam vivendo naquele momento era a prova viva daquilo.

                Escondido atrás da escrivaninha do seu quarto e com um travesseiro em mãos, o garoto tentava a todo custo desviar dos objetos lançados pela Ralts em sua direção. Depois que a pokémon aprendera o Confusion, sua vida praticamente havia se tornado um pesadelo. Qualquer mínima coisa que irritasse a filhote era respondida com uma explosão de objetos atirados. Todos os objetos “quebráveis” já haviam se transformado em mero lixo, incluindo os pequenos troféus ganhados pelo garoto por suas conquistas na escola. Aquela explosão havia se iniciado quando ele, distraído, bateu com seu cotovelo na maçã semicomida da pokémon e ela caiu dentro da sexta de lixo do lado da escrivaninha.

                – Me desculpe, Ártemis. Foi sem querer, eu não vi que você havia deixado aí em cima... – Tentou explicar-se e recebeu como resposta um livro que o acertou de raspão. Por sorte, era um exemplar pequeno. Ele tinha medo do momento em que ela chegasse às grandes enciclopédias no topo da estante.

                – Wallance, desça já aqui! – Ouviu a voz de sua mãe gritando-o no andar de baixo.

                – Ferrou! – Disse baixinho enquanto procurava uma maneira de passar pela mira certeira de sua pokémon. Além disso, pelo tom de voz de sua mãe, sabia que a conversa não seria boa.

                Optou por tentar passar o mais rápido possível com o travesseiro tampando sua face. Qualquer outro lugar que fosse atingido e deixasse um hematoma poderia ser escondido. Levantou-se e tentou sair o mais rápido possível, mas para seu azar, a Ralts era mais astuta do que parecia, lançando o próximo livro na parte mais sensível de seu corpo que estava desprotegida. Um pequeno gemido de dor saiu de seus lábios e ele curvou-se, com a mão sobre o a área atingida.

                – Wally? – Gritou novamente sua mãe.

                – To indo! – Respondeu ele, com o máximo de fôlego que conseguiu reunir.

                Vendo que atingiu o objetivo desejado, Ártemis parou de arremessar os livros e andou até a cama do garoto, onde se deitou olhando para o teto. Ele tentou recompor-se da melhor maneira possível, mas precisou andar vagarosamente e descer as escadas com as pernas levemente abertas para tentar reduzir a dor. Quando chegou ao pé da escada, respirou fundo e assumiu a face mais inocente e natural que conseguiu para ir ao encontro da mãe.

                – Sim, mamãe? – Perguntou ele num tom gentil.

                – Por que demorou? Aquela coisa está destruindo seus pertences de novo? – Questionou a mãe.

                – Por nada! E ela não é uma coisa e nem está destruindo nada, está apenas brincando! – A mulher suspirou em desagrado com a resposta do filho.

                – Wally, quando você vai se livrar dela? Além de se comportar de maneira horrível, ainda está destruindo seu quarto. Ela vai acabar com sua saúde que já é frágil!

                – Minha saúde não é frágil e ela não vai embora – Ele retrucou, sentindo a raiva preenchendo seu peito. Sua respiração começou a ficar um pouco mais pesada.

                – Você não sabe o que é melhor pra você, pois é só uma criança! Deixe que seus pais cuidem disso!

                – Se você soubesse o que é melhor pra mim não iria querer que eu me livrasse de uma amiga! – Sua garganta já estava ficando incomodamente fechada e respirar estava se tornando cada vez mais difícil. Antes de ter uma crise na frente da mãe, decidiu sair dali, se dirigindo para porta da frente – E eu não sou mais uma criança! – Gritou.

                Antes que pudesse sair de casa, sua tia segurou-o pelos ombros e conduziu-o pelo caminho oposto, em direção à cozinha. O fez sentar em um dos bancos do balcão e lhe entregou uma bombinha de ar, a qual o garoto usou imediatamente.

                – Acalme-se – Disse ela enquanto acariciava os cabelos esverdeados – Eu ouvi a discussão de vocês

                – E-ela não tem esse direito! – Disse com voz trêmula. Aos poucos seus olhos enchiam-se de lágrimas conforme a raiva ia sendo substituída pela vontade de chorar.

                – E você precisa se acalmar – Entregou ao sobrinho um copo de água e enquanto ele bebia, falou com uma voz tranquilizadora – Dê uma volta com sua pokémon. Eu irei conversar com sua mãe.

                – Ela não gosta de mim – Desabafou em um fio de voz. Custava a si mesmo admitir isso, mas sabia que era verdade. A mulher bufou.

                – Não seja bobo, é claro que ela gosta. Além disso, vai ser bom para vocês tomar um pouco de sol e ar fresco. Fique aqui que irei buscá-la – Ela saiu do cômodo enquanto ele respirava profundamente, aos poucos se recuperando da crise inicial.

Poucos segundos depois, Maggie voltou até lá com a esfera bicolor em mãos. Wally pegou-a enquanto olhava para o rosto da tia. Mesmo um sendo mais velha, ainda conservava grande parte da beleza de outrora. Os cabelos castanhos escuros entremeados de fios brancos eram muito parecidos com os de sua mãe. Na verdade, em tudo elas eram bastante parecidas, embora sua tia sempre fora muito mais simpática e compreensiva.

— Obrigado! – Agradeceu o garoto e saiu pela porta da cozinha.

O céu estava claro, tornando a manhã ainda mais bonita. Ele se perguntou para onde iria por alguns segundos, até decidir que talvez Artemis gostasse de ver os girassóis. Caminhou por alguns minutos pela cidade, cumprimentando alguns moradores que conhecia e subiu um pequeno morro para chegar ao local pretendido. Dali podia se ver um longo campo de lindas e altas flores amarelas no auge de sua beleza. Ele olhou para a pokeball que ainda estava em suas mãos e liberou sua pokémon.

— Olha Artemis,  te trouxe aqui para que visse o campo de girassóis! – Falou com um sorriso.

A pequena olhou para ele sem expressão alguma no rosto e em seguida caminhou até o mais longe possível que a sombra da árvore onde estavam permitia, sentando no chão. Vários minutos se passaram até que o garoto finalmente teve coragem de falar.

— Eu sei porque você não gosta de mim... – Ela voltou sua cabeça na direção dele – Você acha que eu não a entendo, mas eu entendo sim. Você ficou chateada por eu ter ficado com você, queria ter tido a chance de escolher seu treinador. A May é muito mais forte e segura de si, assim como você. Além disso, nesse momento, ela agora está na estrada treinando com seu irmão, enquanto você está presa aqui comigo... Não é de se espantar que esteja chateada.

A pokémon não esboçou qualquer reação, era quase como se ele não houvesse dito nada. Wally não soube mais o que dizer e apenas optou por prolongar o silêncio. O tempo aos poucos foi passando e ele se ocupou em tentar atirar pequenas pedrinhas no chapéu de um espantalho que supostamente protegia a plantação. Várias foram atiradas sem sucesso, até que uma delas passou raspando a beirada do chapéu, fazendo-o comemorar. Vendo isso, a pequena Ralts usou seu Confusion para lançar uma que retirou o chapéu da cabeça do boneco.

— Você sabe que isso não valeu, não é? – perguntou estreitando os olhos. Ela deu de ombros e lançou uma pequena pedrinha que acertou o na testa – Ai! Isso doeu!

— Ei Wally! – Uma voz atrás dele gritou e seu corpo enrijeceu achando que era o dono da plantação.

Virou-se vagarosamente para trás e viu que na verdade, era um menino que subia o morro. Lembrava-se dele, estava visitando sua tia na época, era o filho do prefeito da cidade que havia saído em jornada há alguns meses, porém escolhera a região de Johto por algum motivo. Devia ter uns dois anos a mais do que ele e tinha a pele bronzeada e cabelos muito curtos.

— Oi Henry!

— Você... – começou ofegante. – Você tem esse pokémon há muito tempo?  - perguntou ele.

— Eu... Na verdade não – respondeu Wally, receoso de que o outro quisesse uma batalha – Apenas alguns dias. Por quê?

— Estaria interessado em trocá-lo comigo? – Perguntou ele, mostrando uma Great Ball.

— T-trocar?

— Sim, você troca seu pokémon pelo meu? Aqui eu tenho um Elekid que evoluiu num dos melhores pokémons do tipo elétrico, mas quero um bom pokémon psíquico para meu time.

Wally não o respondeu imediatamente e olhou para sua pokémon, imaginando o que ela estaria pensando de tudo aquilo. Não sabia se ela entendia o que estava acontecendo, mas não duvidava nem um pouco de sua capacidade intelectual. Sentiu seu coração apertar-se ao imaginar que talvez fosse exatamente aquilo que a pokémon quisesse, estar com um treinador que lhe oferecesse muito mais do que ele próprio oferecia.

Imagens de quando a recebeu pela primeira vez vieram à tona em sua mente. Ela era pequena e frágil, era a coisa mais linda que ele já havia visto e ele a amou desde o primeiro instante. Mesmo depois que ela destruíra seu quarto e parte da casa de sua tia, mesmo depois de perceber que ela não gostava de tê-lo como treinador, aquela pokémon ainda significava o mundo para ele. Ela nunca foi sua segunda opção. Entretanto, ali estava uma oportunidade dela ter o que queria. Ele podia tê-la amado primeiro, mas lhe daria a liberdade de ir se fosse necessário.

— Se ela quiser ir com você – Nunca pensou que palavras pudessem ser ditas com tanta dor – Não há necessidade de trocas. Ela pode ir... –retirou a esfera de seu bolso, sua mão tremia tanto que mal conseguia segurá-la.

Ártemis havia se levantado, olhava de um para outro, como se indecisa do que devesse fazer. Não podia culpá-la, era só uma criança, apesar de ser muito mais inteligente do que qualquer criatura semelhante, muito mais inteligente do que muitos humanos. No entanto, aliada a precocidade veio a arrogância e talvez tenha sido esta que guiou sua escolha. Levou a pequena mão ao centro da pokeball e tocou o botão prateado, sendo absorvida para dentro do aparelho. O garoto sentiu seu coração quebrar-se em mil pedaços.

— Você vai me dar sua Pokémon? Você está louco? – perguntou Henry, incrédulo. As mãos de Wally tremiam tanto que ele mal conseguia estender a mão sem deixar a esfera cair.

— Pegue... – Por mais que desejasse parecer firme, sua voz saiu trêmula. O garoto pegou a esfera e a observou e em seguida lançou a Great ball para Wally que a pegou por puro reflexo.

— Você não pode ficar sem pokémons – fez um sinal com o rosto para a esfera – É um cara legal, cuide bem dele. E obrigada! – agradeceu enquanto virava-se e voltava pelo caminho por onde tinha vindo.

O garoto da cidade de Petalburg ficou um bom tempo apenas a fitar a esfera azul e branca em mãos, como se para processar tudo o que havia acontecido. Um vento forte vindo do leste começou a soprar, espalhando os fios de cabelo verdes para todas as direções. Um barulho de algo caindo no captou brevemente sua atenção e em modo automático ele virou-se para olhar. Ele não havia reparado sob qual árvore estava, era uma macieira e o objeto caído alguns centímetros a sua frente era uma maçã, provavelmente a última da estação, que naquele momento se espatifara com a queda. A visão do fruto caído revirou suas entranhas e liberou uma explosão de sentimentos, fazendo-o ajoelhar-se e levar as mãos aos olhos para tentar conter a cascata de lágrimas que caía.


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