Só Que Platônico escrita por Gaby Molina


Capítulo 7
Capítulo 7 - Batom


Notas iniciais do capítulo

Quando eu disse que não abandono fics, eu tava falando sério.



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Blue

Meu celular apitou pela quinta vez desde que eu começara a discursar sobre a Teoria do Caos. Olhei, vi que era Brandon e ignorei mais uma vez.

— Portanto, hm, onde eu estava?

Jared ergueu uma sobrancelha.

— Não quer atender isso?

Esbocei um sorriso.

— Na verdade, não. Voltando...

Mas ele insistiu.

— É o Carstairs, não é?

Dei de ombros, desviando o olhar.

— Pode ser.

— E você não quer atender?

Afastei o cabelo do rosto, franzindo o cenho.

— Bem, estou aqui com você, não estou?

Ele deu de ombros e me deixou continuar explicando.

Jared

— Hai de casar-te comigo! E sabes! Casa-te comigo, e fá-lo agora!

— Jamais poderei — respondi em voz baixa. — E sabes disso também. Estamos confinados a pecar aos olhos de Deus, por ócio ou por desrespeito.

— Como poderíamos pecar, se nosso amor provém da mais alta nuvem?

— INTERVALO! DEZ MINUTOS! — gritou a sra. Montez. Ela sempre dava cinco minutos, mas todo mundo ficava dez, então ela resolveu tornar oficial.

Desci do palco ao encontro de Akio, e entreguei-lhe meu roteiro com algumas palavras sublinhadas.

— Ócio não é uma droga? — perguntei.

— Ópio — Blue corrigiu, se aproximando. — O que estão fazendo?

— Ah, Akio traduz o roteiro pra mim — esbocei um sorriso.

— Ócio — disse Akio com sua voz de dicionário. — Substantivo masculino. Preguiça; vadiagem.

— Valeu, cara.

— Disponha. Não é como se eu tivesse algo melhor para fazer numa sexta-feira à tarde.

— Tem uma festa na Loveless hoje à noite — disse Blue. — Se não tiverem nada para fazer. E tragam álcool.

Akio a encarou como se tentasse prever uma pegadinha, então tomei a frente:

— Estaremos lá.

Ela sorriu.

— Legal — e se afastou em sua nuvem brilhante de quem caga unicórnios.

— Olha, cara — Akio me encarou. — Eu adoraria ir nessa festa de gente popular que não gosta de mim, mas o "dever me chama".

— Sei, você tem um Call Of Duty. Esse trocadilho foi deplorável, cara. Além do mais, se ela não gostasse de você, não teria te convidado.

— Sei que é isso que você diz pra si mesmo pra se sentir melhor, mas ela só convidou a gente porque precisava de alguém pra comprar pinga.

— Não é verdade — murmurei. — Por que ela não pode gostar da minha companhia?

— Porque o Carstairs vai estar lá. Ela me convidou junto para você não ficar no pé dela.

Revirei os olhos.

— Você é um sociopata.

— É, é um dos meus muitos talentos.

* * *

Éramos dois cuzões que não sabiam sequer comprar bebida alcoólica, muito menos sem permissão legal. Entramos numa lojinha de conveniência encardida e pegamos a primeira garrafa que vimos, sem ter muita certeza do que era. Fui até o caixa com um cu na mão que não passava nem sinal de wi-fi e coloquei a garrafa no balcão. Eu e Akio havíamos ensaiado conversas sobre o serviço e a faculdade, mas eu estava tão mal que nem conseguia falar — e Akio, sendo o bom amigo que era, percebeu isso e não falou nada também.

— São vinte pratas — disse a moça do caixa.

Coloquei o dinheiro no balcão devagar e peguei a garrafa.

— Obrigada, volte sempre — murmurou ela, logo desviando o olhar para ver alguma coisa no celular.

Num reflexo incontrolável, eu corri para fora da loja e só parei quando entrei no carro.

— Caralho! — Akio disse meio ofegante, sentando no lado do passageiro. — O que deu em você?

— O que importa é que a gente comprou... — franzi o cenho para a garrafa. — Bem, alguma coisa. Vamos ver se ainda lembro onde é a casa da Loveless.

— Por que você sabe onde é a casa da Loveless?

— Levei ela pra casa quando fomos ao boliche.

— Mordomo.

— Foi uma gentileza.

— Serviçal.

Aumentei o volume do rádio e dei a conversa como encerrada.

* * *

Phoebe Loveless ergueu uma sobrancelha ao abrir a porta.

— Estão perdidos?

— Viemos para a festa — falei.

Ela soltou uma risada alta como se eu fosse o novo Jim Carrey, mas então foi empurrada para o lado:

— Jerry! Akio! Vocês vieram! — um sorriso largo se espalhou pelos lábios contornados por batom vermelho.

Deus, ela estava linda. O vestido escuro destacava os lábios cheios e os olhos claros. Os cabelos quase pretos caiam em ondas não completamente uniformes até um pouco abaixo dos ombros.

Blue

Phoebe me encarou, crítica.

O que eles estão fazendo aqui? — murmurou.

Eu os convidei.

— Vou chutá-los para fora.

— Eles trouxeram uísque.

Ela pensou por um minuto.

— Beleza, entrem — e tomou o uísque das mãos de Jared. — Olha, esse aqui é muito bom.

— É? — Jared franziu o cenho. — Digo... Claro que é.

— Gostei da camisa — apontei para a camisa mais ajeitada de Jared. — Fica bem quando tá arrumadinho.

Ele esboçou um sorriso. Eu gostava do sorriso tímido dele, dava para ver que ele não estava acostumado a elogios.

Peguei um copo e o enchi de uísque, depois bebendo tudo num gole só.

— Ei, devagar aí — Jared arregalou os olhos.

Sorri.

— Querido, precisa de bem mais que isso para me derrubar.

Ele não pareceu muito surpreso. Vi Brandon no topo da escada.

— Já volto. Sintam-se em casa — esbocei-lhes um último sorriso e subi as escadas.

Brandon estava bem bonito, com os cabelos claros arrumados contrastando com a camisa preta. Ele não tinha cara de bad boy — eu não me sentia realmente atraída por comportamento explosivo e tatuagem demais, perdoem-me —, muito pelo contrário, tinha uma aura mais Nate Archibald que Chuck Bass. Claro que não chegava nem aos pés da cara de bom garoto Dan Humphrey de Jared, mas mesmo assim.

— Boa noite — ele sorriu.

— Boa noite — exibi apenas um esboço de sorriso.

* * *

— Sério? Não vai me deixar te beijar?

Eu ri.

— Tem batom rosa na sua camisa, Carstairs. Mas boa tentativa.

— Isso é velho. Ficou manchado.

— Ambos sabemos que você não sairia de casa com algo manchado.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— Não estamos namorando, Monroe. Não quer que eu fale nada sobre o Dawson, mas quer saber da minha vida?

— É diferente.

— É mesmo? Gosta do Dawson, Blue?

— Não vou falar disso contigo.

— Gosta mesmo? Gosta? Vamos, tome coragem. Gosta mesmo do cara?

— Achei que era mais confiante que isso, Carstairs — encarei-o. — Vou dar uma volta agora. Se quiser me achar mais tarde, beleza. Se não, tanto faz.

E saí.

Jared

Akio virou mais um copo.

— Ei, devagar aí — repeti o que dissera a Blue, porém dessa vez estava falando mais sério. — Li algo uma vez sobre asiáticos serem mais propensos a ficarem embrigados rapidamente.

— Bem, isso é uma surpresa.

— O artigo?

— Não, você saber ler — ele riu da própria piada, o que era novidade, porque Akio raramente ria.

Estava tocando Take Me To Church no último. Eu não gostava de Phoebe, mas não podia negar seu bom gosto musical.

— Ei — Sloan se aproximou de mim, sorrindo. Ela tinha um sorriso bonito, sincero. O vestido verde destacava a pele bronzeada. — Legal você ter vindo. Quem é o seu amigo? Digo, já o vi, mas nunca fomos apresentados, acho.

— Esse é o Akio — apontei. — Ele não é inteiramente responsável por qualquer coisa que falar no momento.

— Colé? — ele a cumprimentou, o que podia ser considerado um indicador do quão bêbado ele estava.

— Você viu a Blue? — perguntei a Sloan.

— Ah... Acho que ela estava com o Carstairs.

Ergui uma sobrancelha, surpreso com o tom dela.

— Não gosta dele?

Ela deu de ombros, um pouco enrubescida.

— Digamos que, se ele fosse um cantor famoso, eu não iria ao show — ela me fitou, ainda se divertindo. — Mas eu nunca disse isso.

Toda vez que eu via Sloan eu pensava que ela era legal demais para ser popular, e quando comecei a falar com ela fiquei feliz ao perceber que não era impressão minha.

Comecei a cuidar de Akio, trocando todas as suas tentativas de álcool por copos d'água. Mais ou menos uma hora depois, senti uma mão em meu ombro:

— Oi — Blue sorriu. O batom ainda estava nos lábios, o que foi uma surpresa. Eu não deveria me alegrar, no entanto. Ela podia ter retocado. Mas se tivesse retocado, por que estava falando comigo?

— Oi — sorri também.

— Quer treinar falas?

Fiquei surpreso com o convite. Olhei para Akio. Ele estava melhor. Podia sobreviver sem mim. Certo?

Certo.

— Hmmm... Claro!

Então eu a segui escada acima até o quarto que supus ser de Phoebe.

— Ela deve ter uma cópia do roteiro em algum lugar... — Blue começou a revirar as gavetas, até que: — Ah, aqui está. Tem só o fim do Primeiro Ato aqui, pode ser?

Eu nem sabia o que tinha no fim do Primeiro Ato, então apenas assenti. Ela se sentou na ponta da cama e eu me sentei ao seu lado.

Blue soltou uma risada aleatória.

— O que foi? — perguntei.

— Ah... Minha mãe não quer que eu interprete a Julieta, sabe.

— Por quê?

— Bem... Na versão original ela acha que a Julieta é uma vaca ingênua. Na nossa versão ela acha que a Julieta é uma vaca que não sabe o que quer. Mas eu discordo. Acho que a Julieta sabe bem o que quer e como conseguir.

— Sério? Acha que ela não gosta nem um pouco do Romeu?

— Amor platônico, pequeno Jerry. Essa é toda a intenção da peça.

— Sim, mas... Tipo, ela tem algumas falas bem fortes.

— Acho que ela se importa um pouco com ele, sim, o suficiente para não querer que ele seja morto pela família dela. Mas ela não o ama. — Silêncio. — Vamos começar?

— Certo.

Ela me fitou, tomando um minuto para se concentrar e entrar na personagem.

— Romeu, eles vão te matar!

— Nunca besteira maior foi dita. Julieta, temos a nosso lado os astros, os deuses e a sorte, jamais...

— Não seja tolo! — ela revirou os olhos. — Meu primo virá, e não terá piedade. Não é costume de um Capuleto mostrar misericórdia.

— Pois nem de um Montéquio. Se for ele empecilho, eu o matarei.

— Estás louco?! É de meu primo que falamos! Sangue de meu sangue, carne de minha carne! Promete que não erguerás a espada.

— Mas, Julieta...

— Promete.

Suspirei.

— Prometo.

Nós nos fitamos por um minuto, e então ela se inclinou e me beijou. Não sei exatamente quando eu saí do papel, mas provavelmente foi quando perdi o apoio das mãos e ela caiu em cima de mim na cama. Mas não me afastou. Aprofundei o beijo, sentindo seu corpo contra o meu, seu cabelo caindo em meu rosto e seu batom adocicado. Eu sabia que o beijo estava no roteiro, mas o restante não.

Ela pôs as mãos no meu peito e se afastou um pouco, me fitando por um momento.

E então a porta se escancarou e Carstairs entrou.

— Ah — seu semblante era metade irritação e metade satisfação. — Que beleza.

E então ele bateu a porta.

Blue apenas suspirou e rolou para o lado, mas não disse nada.

— Você não devia ir lá? — perguntei, mesmo não querendo que ela fosse.

— Está tudo bem, Jerry. Não tem por quê — ela recostou-se nos travesseiros da cabiceira e eu fiz o mesmo ao seu lado.

— Então, hum, eu não preciso me preocupar com ele me dando uns cacetes quando eu sair daqui?

Ela riu, brincando com meus dedos.

— Carstairs não bateria numa mosca.

— Acho que Dawsons estão abaixo de moscas na Escala Mundial de Carstairs.

— Acho isso engraçado nas pessoas. Elas tendem a se ver ou muito melhores ou muito piores do que realmente são.

— E em qual caso você se encaixa?

Ela esboçou um sorriso.

— Deixa quieto.

A porta se escancarou de novo. Era Sloan.

— Jared? — ela me fitou. — Akio não está muito bem.

Dessa vez, não hesitei. Olhei para Blue.

— Tenho que ir.

— Tudo bem — Levantei-me, arrumando o cabelo, mas ela continuou: — E Jerry...

— Sim?

Seus grandes olhos azuis me observavam.

— Fico feliz que tenha vindo.

Sorri.

— Eu também.

E então saí do quarto com Sloan em direção ao meu melhor amigo.


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Notas finais do capítulo

Três perguntas procês:
Blue gosta de Jared?
Blue gosta de Brandon?
Jared ama Blue?



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