Só Que Platônico escrita por Gaby Molina


Capítulo 6
Capítulo 6 - Mais, mais, mais




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Blue


Eu não me considerava exatamente uma feminista. Estava longe de ser machista, é claro, até porque defendia que era impossível haver mulheres machistas em nossa sociedade, onde cada um se importa apenas com o próprio umbigo.

De qualquer forma, feminismo sempre me pareceu algo para mulheres que queriam assumir um papel similar ao do homem, e não era o meu caso. Sim, eu gostava de ser paparicada, cortejada, merecida, admirada. Era como um lado completamente "troféu" que eu podia expor para as pessoas, porque era tudo com o que elas se importavam.

Era estranho olhar nos olhos de Jared e saber que ele não estava admirando a cor dos meus olhos do mesmo jeito que as outras pessoas. Era como se ele tivesse demolido a parede onde eu isolava a pessoa que eu queria que todos vissem, e isso me era estranho. Sentir que ele me via de forma diferente era estranho.
Não é como se eu fosse falsa, ou algo do tipo. Ou talvez fosse. Mas não somos todos? Vivemos em um grande palco, onde fingimos ser quem quisermos.

Ou você acredita mesmo nessa merda de "cada pessoa é única"? Somos grandes poços de estereótipos e hipocrisias misturados e deturpados, resultando em pessoas feitas de defeitos que, às vezes, se unem por uma boa causa. Ou quase isso.

Jared ergueu uma sobrancelha, o que me fez perceber que eu me perdera em devaneios.

— Julieta? O que acha da ideia?

Que ideia? Merda, Jerry, uma ajuda seria bom. Bufei e revirei os olhos, o que era basicamente a reação de Julieta a tudo o que Romeu falava.

— Não seja tolo, maldito Montéquio!

Jared

— Desculpe por ter me perdido.

— Sem problemas — dei de ombros. — Em que estava pensando?

— No nosso beijo, Jerry. Realmente gosto de você. Deveríamos sair, namorar, nos casar e ter dois filhos e um cachorro.

Certo, esse último parágrafo só aconteceu na minha cabeça. Eis a realidade:

— Acho que a individualidade se dá ao fato de as pessoas serem babacas de jeitos diferentes.

— Isso é... interessante.

Ela sorriu, me fitando, e percebi que havia um pedaço de peito de peru no canto do lábio dela.

— Você tem problemas com a realidade nua e crua, não é mesmo?

— Eu não diria problemas... Enfim, eu estava pensando — respirei fundo. — Eu e você poderíamos...

Antes que eu pudesse falar algo de que provavelmente me arrependeria pelo resto da minha existência miserável, Blue desviou os olhos e disse:

— Espere um minutinho.

E então correu até o outro lado da cantina, fingindo trombar acidentalmente com Brandon Carstairs. Suspirei e continuei comendo meu sanduíche.

Blue

— Ah, oi — acenei, descontraída.

— E aí, Monroe? O que tem feito? — Brandon encostou na máquina de refrigerante, olhando feio para um calouro que parecia querer comprar uma Coca.

— O de sempre.

— Passando muito tempo com o Dawson?

— Ah, você sabe, a coisa toda de protagonizar a peça da escola. E estou ensinando Matemática a ele também.

Brandon ergueu uma sobrancelha.

— É mesmo? — Sorri internamente com o ciúme em sua voz.

— É. E aí, o que tem feito?

— Ah, não muito, tenho saído com a Felicia.

Imaginei que esse era o nome da loura vaca que eu vira com ele no outro dia.

— Que legal.

— É.

— Bom, eu vou indo.

— Ok. Deveríamos marcar alguma coisa qualquer hora.

Dei de ombros.

— Está bem — e me afastei.

Valeu, Jerry!

Jared

Akio cuspiu o sanduíche e começou a rir, o que não fez milagres para a minha autoconfiança.

— Diga de novo. Você disse com tanta convicção que eu quase acreditei — disse ele quando conseguiu recuperar o fôlego.

— Ótimo. Você não acredita em mim. É claro que não acredita em mim.

— Espera... Você tá falando sério? Sério mesmo? Tipo... Típico "cala a boca e me beija"? O que você fumou?

— Estou dizendo. O carro parou no semáforo, ela olhou para mim e disse "Jerry, me beija".

— E você?

— E eu perguntei o que diabos estava acontecendo.

— E ela?

— E ela me mandou calar a boca e beijá-la.

— E você?

— E eu a beijei.

Akio ergueu uma sobrancelha.

— Beijo francês?

— Vou parecer idiota se disser que não sei o que isso significa?

— Sim.

— Então não vou dizer.

Ele riu.

— Quer dizer que havia duas pequenas e inocentes línguas envolvidas no processo.

— Sério? É essa a sua pergunta de um milhão de dólares? Eu acabo de dizer que Blue Cornelia Monroe me beijou e você...

— Ah, pequeno Jerry, foi de língua, não foi?

Minha voz falhou e eu enrubesci, o que serviu de resposta para Akio, que começou a rir de uma forma maniacamente satisfeita.

— Eu gosto dela, Akio. Eu realmente gosto dela.

— Você mal a conhece, Dawson.

— Eu a conheço o suficiente para gostar dela.

— Você a acha gostosa. Tem uma diferença.

— Não. Eu gosto de observar o jeito que ela afasta uma certa mecha de cabelo do rosto, e a forma como o riso dela cresce do nada, e seu rosto animado, e suas piadas, e tudo o que faz com que ela seja quem ela é.

— Cara, cala a boca antes que alguém te ouça.

— Akio, eu estou num momento vulnerável aqui.

— Percebi, Dawson.

— O que eu deveria fazer com tudo isso? Escrever um poema, me tornar Shakespeare? Tem sorte de eu ter simplesmente decidido contar a você.

— Um dia eu vou foder uma garota e eu vou te contar todos os detalhes. E toda vez que você me vir você vai pensar nessa cena.

— Detalhes demais. Detalhes demais.

— Exatamente, pequeno Jerry. Exatamente.

Blue

Era sábado à noite. Brandon bebia uma taça de alguma bebida com nome sofisticado, balançando sua identidade falsa com a outra mão. Tomei um gole da minha. É, até que era boa. Provavelmente não o suficiente para custar o que custava, mas eu não estava pagando.

— Esse lugar é bacana — falei, olhando em volta.

— É mesmo, né? Um sócio do meu pai é dono, foi assim que o conheci. Seus pais sabem que está aqui?

Eu ri.

— Eles já me odeiam, e odeiam você também.

— Isso é um não, suponho?

Dei de ombros.

— Estudando com a Sloan.

Ele sorriu. Seus dentes eram tão brancos e perfeitos que pareciam ter quase luz própria.

— Imaginei. Então suponho que não possa chegar em casa bêbada?

— Nem tarde.

— Então, vamos dar o fora daqui.

Ha. Haha. Hahaha. Hahahahahaha. Engraçado, Brandon. Muito engraçado. Exceto pelo fato de que ele não estava brincando, é claro, mas eu ri do mesmo jeito.

— Vou ficar para a sobremesa.

Ele não pareceu muito satisfeito, mas calou a boca quando eu fiz meu melhor olhar de "Volte para a loura peituda, então".

— Então... Você e o Dawson?

— O que tem?

— Sabe o que tem.

— Hum? — continuei me fazendo de desentendida.

— Desde quando se pega com nerds aleatórios em carros caindo aos pedaços?

— Primeiramente, Jerry não é um nerd. Talvez você tenha perdido a parte onde eu o estou ensinando Matemática. Além do mais, não foi nada de mais.

— Não foi nada de menos, também.

— Aonde você quer chegar?

Ele hesitou, passando a mão direita pelo cabelo louro. Por fim soltou um longo suspiro e cravou os olhos claros nos meus.

— Eu só não entendo. Quero dizer, nos conhecemos há um bom tempo. Eu sempre estive lá por você. Não entendo por que Jared Dawson ganha sorrisos e beijos em carros velhos e você parece estar me testando infinitivamente. Quero dizer, Dawson alguma vez te levou a um restaurante chique e te comprou champagne?

Eu sorri.

— Essa é a diferença entre você e Jared, Brandon. Jerry fica feliz com o que conseguir arrumar, mas você, Carstairs, você sempre quer mais.

— Bem, essa é a beleza da adolescência, não é? Queremos demais. Amamos demais. Odiamos demais. Sentimos demais.

— Tenho dezoito anos, Carstairs. Já cansei de ser adolescente.

Pude ver que meu comentário o desestruturou. Sorri internamente. Brandon era seguro demais de si, era bom vê-lo hesitando e cambaleando. Antes que pudesse soltar outro argumento decerto tão brilhante quanto os anteriores, meu celular tocou.

— E aí, Jerry?

Ah. — Jared fez uma pausa, como se tivesse acabado de perceber que havia me ligado. — Hmmm... Tenho prova de Matemática segunda. Eu sei que tá tarde. Eu sei. É que eu peguei aqui para estudar a Teoria do Caos e tem uma parte que eu realmente não faço ideia de o que é. O Google não ajudou.

— Que droga.

É. Olha... Eu não pediria se não fosse importante, mas tem como você dar uma passada aqui?

— Agora não vai dar. Estou... Hmmm... Ajudando minha mãe com uns negócios do trabalho dela. Que tal amanhã? Posso passar aí lá pra uma da tarde, porque depois tenho dentista.

— Claro. Seria ótimo. Valeu, Blue. Sério.

— Disponha, Jerry. Tenho que ir. Beijos.

Desliguei. Brandon sorria.

— Que lorota bonita, Monroe.

— Pelo menos finja que está decepcionado, Carstairs.

— Achei que fosse correr direto para o nerd disléxico.

— Bem — ergui uma sobrancelha. — Estou aqui, não estou?

* * *

Brandon não conseguiu um beijo, o que o frustrou consideravelmente. Acenei enquanto o carro se afastava e soltei um riso baixo.

Jared

— Mãe, podemos faltar à igreja amanhã?

— Por que você faz perguntas para as quais já sabe a resposta?

Suspirei.

— Olha. Você sabe que eu amo Deus e tal. Deus também sabe. É que eu vou bombar na prova de Matemática se Blue não me ajudar, e ela só pode vir à uma.

— Jared, eu não vou faltar ao culto para que você possa sair com a sua namorada.

— Ela não é minha... — suspirei. Foco. — Eu só...

— O culto acaba meio dia e meio, podemos voltar tranquilamente.

— Dá meia hora daqui até lá, e você sempre fica conversando com aquelas barangas.

Minha mãe estreitou os olhos.

— Esse é o melhor acordo que vai conseguir. Desista.

Eu desisti. Tentei prestar atenção na pregação no dia seguinte, mas não entendi muito mais do que "ame ao próximo" e "perdoe".

Quando fomos liberados, corri até minha mãe, que já conversava com as senhoras que passavam por seu sétimo ou oitavo divórcio. Arrastei-a até o carro.

Quase morremos diversas vezes no trajeto. Atravessei um sinal vermelho, o que fez minha mãe vociferar:

— JARED BARTHOLOMEW DAWSON!

Sim, meu nome do meio era Bartholomew. Não foi escolha minha, obviamente, então pretendo me abster de comentários.

— FOI UM ACIDENTE!

— NÃO GRITE COMIGO!

Chegamos em casa. Corri para o meu quarto e chutei o máximo de coisas possível para debaixo de minha cama. A campainha tocou.

— Oi! — Blue sorriu quando abri a porta. Vestia sua blusa de Remembering Sunday e uma calça jeans. Suas mãos estavam enfiadas nos bolsos. — Desculpe, eu me atrasei um pouquinho.

— Sem problemas — dei de ombros. — Eu estava jogado na minha cama sem fazer nada, mesmo. Entre.

Ela o fez.


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