O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 76
Capítulo Setenta e Seis


Notas iniciais do capítulo

Olá, amores! Considerem esse capítulo como um presentinho adiantado de Páscoa... eu bem sei que vocês prefeririam um grande ovo de chocolate, mas shh, não sejam gananciosos assim. Sou uma mera escritora sem fins lucrativos.



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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Setenta e Seis

Gabriel sentiu cheiro ardente de álcool. Fungou e torceu o nariz, mas a sensação irritante não foi embora. Abriu os olhos incomodado, recobrando os sentidos aos poucos e erguendo a mão para tirar aquela coisa importuna de cima dos seus lábios – mas alguém foi mais rápido. Aquele lenço úmido saiu de perto de seu nariz, a sensação de ardência passou.

– Consegue me ouvir?

Era a voz de David. Gabriel forçou-se a focar os olhos, sorrindo por instinto enquanto os contornos do seu francês preferido se delineavam ao seu lado. Ele estava de pé, do lado de fora daquele lugar branco, a avenida da Academia às suas costas.

– Oi – disse, sentindo a voz falhar um pouco.

David pareceu achar graça, sorriu de leve. Gabriel fez um pouco de força e conseguiu se sentar, suas pernas haviam estado apoiadas na lateral do carro – de uma ambulância. Tudo parecia real, não poderia ser um sonho. As portas abertas mostravam carros passando velozes, mas não havia acabado de sair do banheiro?

Olhou para baixo, sua camiseta amarela de sex symbol estava arruinada e, que interessante, haviam tirado suas calças. Estava de cueca a menos de quarenta centímetros de David, o que definitivamente já era um progresso.

– Suas calças estavam imundas. – Porque não bastava ser magistralmente sexy, ele tinha de ser telepata também. – Preferiria ter tirado toda a sua roupa, mas tinha medo de que algum instinto seu entrasse em ação e você despertasse pronto para se esfregar na minha perna como um cachorro.

Gabriel riu.

– Vou fingir que só te ouvi até a parte em que você preferiria ter tirado toda a minha roupa. – Quando parava para pensar, era segunda vez que alguma coisa lhe acontecia e era David quem encontrava ao seu lado. Encarou seus olhos escuros, curioso. – O que aconteceu?

– Você não se lembra?

– Não. Me lembro de ouvir a Artemis chegar enquanto saía do chuveiro, gritei para ela que já estava quase terminando e me vesti. Então abri a porta... – juntou as sobrancelhas, inseguro. – Na verdade, não me lembro. A partir daí as coisas ficam confusas. Mas me lembro da dor – percebeu de repente. – Bem aqui – ergueu a mão para tocar o alto da sua cabeça. – Mas nos últimos dias quase tudo tem doído em mim, então tanto faz. Principalmente o meu ego, depois de você se recusar tanto a me beijar mesmo me vendo fofinho e frágil – fez um biquinho. – Meu coração chora sangue.

– É claro. Você disse Artemis? – as sobrancelhas de David estavam juntas. Ele ficava bonito preocupado, também, sério e inteligente com aqueles óculos. A queda de Gabriel já estava ficando feia. – Ela não estava na Academia na hora do incêndio.

Gabriel o encarou sem entender.

– Incêndio? Onde?

David hesitou.

– Na Academia – lhe disse por fim. – Eu esperava que você se lembrasse.

Um incêndio na Academia? Na sua casa? Gabriel sentiu a garganta seca, quis se levantar e ver aquilo com seus próprios olhos e então também não quis. E logo depois daquele acidente, estar em uma ambulância pela segunda vez... o que estava lhe acontecendo?

Teria ficado desacordado por muito tempo? Por que não se lembrava de nada? E Isabella, Michael, os outros... ?

– Posso?

Surpreso, encarou a mão que David mantinha erguida. Concordou sem entender, abaixando um pouco a cabeça para que David examinasse a maciez do seu cabelo, procurasse por fios brancos precoces, ou ainda por piolhos – as possibilidades eram inúmeras, ele considerou, examinando com atenção suas pernas desnudas para não ter de se focar na sensação de, bem, David.

E Artemis?

– Alguém entrou no quarto – insistiu, inconformado. Os dedos de David eram suaves, desembaraçando seus cachos com delicadeza enquanto parecia procurar por algo (dois pontos para a teoria dos piolhos). – A água do chuveiro não me deixou ouvir direito, mas tinha alguém lá. Acho até que ouvi vozes. Mas ninguém entra no quarto da Artemis sem autorização, até porque só ela e Michael devem ter a chave.

– Artemis... – David começou, sua inspeção parando. Com cuidado, ele pressionou um ponto no couro cabeludo que doeu um pouco, o garoto se remexeu de incômodo. – Dói? – ele perguntou, baixinho.

Gabriel fez que sim com a cabeça, e David se afastou. Seu olhar parecia severo.

– Você se lembra de pelo menos ter saído do banheiro, no mínimo de ter segurado o trinco da porta? Não escorregou e caiu no piso molhado, não bateu em nada?

– Não – Gabriel respondeu, confuso. – Não posso ter cem por cento de certeza, mas... não. Não parece certo.

– Não – David repetiu, sem se surpreender. – É claro que não. Nesse lugar... – ele deixou a frase no ar, pensativo. – Um abajur, talvez?

Gabriel tentou juntar os pontos.

– Está dizendo que bateram na minha cabeça com um abajur?

– Talvez.

Ele parecia sério, mesmo que Gabriel não conseguisse entender sua convicção. Por que alguém faria aquilo? Conteve seu medo, encolhendo os ombros.

– Talvez você devesse me dar um beijo, só para melhorar.

Mas antes que David se inclinasse para fazer aquilo (é claro), Artemis se aproximou correndo. O coração de Gabriel falhou um pouco ao vê-la, era um alívio saber que estava bem. Só quando ela chegou mais perto, contudo, notou que bem talvez não fosse a palavra certa: sua melhor amiga eternamente diva parecia arrasada, engolindo em seco ao vê-lo.

– Você está bem? – ela lhe perguntou, com a voz trêmula.

Seus olhos azuis estavam vítreos, suas mãos se mexendo em nervosismo.

– O que aconteceu com você? – Gabriel perguntou de volta, assombrado. Seu cabelo ruivo estava despenteado, jogado para trás em desleixo, o rosto brilhando de suor. – David me disse que você nem estava na Academia na hora, aconteceu--

– Eu sei – Artemis o interrompeu, quase que em agonia. – Eu só quero saber se você está bem.

– Ele vai ficar. – Foi David quem disse, com terno cuidado, tão manso que até mesmo Gabriel se aqueceu um pouquinho por dentro. – Venha, Artemis. Charles te levará para casa – ele tentou apoiar a mão em seu ombro, mas Artemis se afastou como se o gesto houvesse sido hostil.

– Não quero você – ela lhe disse, incoerente, os olhos azuis de repente cheios de água. – Apolo – acrescentou, em um sussurro quebradiço.

Gabriel não soube o que pensar daquilo; ergueu perdido os olhos para David. Mas o homem não o encarou de volta, murmurava palavras baixas enquanto se afastava com Artemis dali. Gabriel os observou partir, seu coração acabando por se quebrar ao se lembrar daqueles olhos azuis tão tristes. O que havia lhe acontecido?

De repente, contudo, Isabella brotou do chão e o esmagou em um abraço, dizendo seu nome naquela vozinha aguda. Gabriel afastou-se para ver seu rosto ainda assustado, abrindo então um sorriso quase que sem querer.

– Tanta delicadeza – disse, mesmo que fosse maravilhoso vê-la bem e poderosa como sempre. – Como você está?

– Ótima – ela respondeu, encolhendo os ombros magros. – E você?

Michael se aproximou dos dois também, as mãos nos bolsos das calças, e Gabriel o cumprimentou com um sorriso antes de respondê-la. Não tinha as palavras certas para o alívio de vê-los bem.

– Só desmaiei, já me sinto melhor. David me acordou com álcool, eu nem sabia que isso era possível.

– É o procedimento normal – Michael começou a dizer, interrompendo-se diante do pequeno pulinho de Bella.

– Ele não saiu de perto de você – ela contou, animada. – Queríamos ter vindo te ver antes, mas ele simplesmente não saiu do seu pé e estávamos meio sem graça de chegar muito perto. Eeeeee – ela prolongou, com um sorriso todo bobo. – Ele nem te esperou ser trazido, te carregou no colo até aqui!

Mas quê.

Gabriel encarou os dois, sem conseguir acreditar no que tinha acabado de ouvir.

– Eu não acho que isso seja permitido – Michael começou, impaciente, só para ser ignorado uma segunda vez.

– David me carregou no colo?

Isabella deu uma risadinha. Era a primeira vez que Gabriel a ouvia rir desde Andrew.

– Sim. Foi tão lindo!

Gabriel não pôde evitar rir, ainda incrédulo.

– E os outros?

– Kate torceu o tornozelo enquanto descia as escadas, mas nada sério – Michael começou a enumerar, como se decidido a ser levado a sério. – Dois garotos mais novos se queimaram bastante quando ficaram presos em um dos quartos, mas devem se recuperar. A diretora Lee foi com eles até o hospital, está absolutamente transtornada.

– Os professores?

Os dois ficaram quietos em um silêncio cheio de receio até o monitor falar de novo.

– Carregaram o corpo da professora Romanoff para fora. – Gabriel boquiabriu-se, chocado. – Estamos perdidos quanto a isso. Quem estava lá perto ouviu um tiro, alguns bombeiros correram de volta para dentro e... – Michael parou, confuso. – Artemis saiu de lá tremendo, tinha um homem com ela quase que a apoiando para que andasse. E alguém... não deu para ver direito. Foi levado em uma maca com o rosto coberto.

– Talvez porque a imprensa ainda esteja aí – Isabella opinou, quieta. – Como que isso tudo pode ter a ver com Artemis?

– Vocês dois estão bem? – David perguntou, aproximando-se de repente. Tinha seu melhor olhar de professor intransigente, e Isabella pôs os braços atrás das costas em timidez.

– Sim – Michael respondeu, respeitoso. – Só viemos nos despedir.

– Vamos ficar em um hotel – Isabella contou a Gabriel, mexendo um dos pés um pouquinho. – Um irmão do Michael chegou de uma viagem, enfim... não perdemos nada insubstituível. Sabemos onde é o seu apartamento, falaremos com você amanhã.

– Okay – Gabriel abriu um sorriso, e Bella o abraçou.

– Você sabe que eu te amo.

– Eu sei. Também te amo.

Acenou para Michael antes dos dois se afastarem, Isabella sussurrando alguma coisa em uma voz aguda de tão animada enquanto o monitor balançava a cabeça. David observou seus amigos partirem sem dizer nada, não demorando a se virar para Gabriel com um daqueles cobertores dos bombeiros em mãos.

Passou-o ao redor dos seus ombros, estendendo-lhe então a mão para ajudá-lo a descer – Gabriel sentia a sua própria mão menor e até mesmo um pouquinho mais áspera, mas que culpa tinha se aqueles treinos acabavam com ele?

– Seus pais não apareceram – David o informou, com certo cuidado, não que o garoto esperasse outra coisa. Em um convite mudo, o professor pôs-se a andar à sua esquerda, passando o braço por trás de suas costas, apoiando a mão na lateral do seu quadril. (Mas tendo o cuidado de tocá-lo por cima da camiseta, seu toque, na verdade, tão sutil que Gabriel só o notava quando se mexia.) – Como está se sentindo?

– Bem – respondeu, notando que David buscava evitar que visse os destroços da Academia. Aquilo o aqueceu por dentro e ele mordeu um pouco a parte interna da bochecha, sem muita coragem de chegar mais perto do professor. – O que aconteceu com Artemis?

– Ela está demonstrando os primeiros sinais de um forte estresse pós-traumático – David respondeu, tão tranquilo que era como se a garota só estivesse com uma dorzinha de cabeça. – Absolutamente compreensível, se o que Charles me contou for verdade.

– Ela vai ficar bem?

– Vai, sim.

Mas Gabriel hesitou por alguns segundos.

– Quando Andrew... – não quis dizer em voz alta. – Você me disse que não tinha tido notícias dele.

– Acha que estou apenas te protegendo do pior? – Mas David estava sorrindo. Ele suspirou então, pegando as chaves de seu carro no bolso e destravando o alarme. – É difícil dizer com certeza, ou até mesmo quanto tempo esse período traumático vai demorar, mas, particularmente, eu acredito que ela ficará bem. É bastante determinada. Colocou na cabeça que você era importante para ela e fez questão de te ver, mesmo naquele estado. Não há motivo para não acreditar que estará perfeitamente bem daqui a algum tempo.

Ele o levou até a porta, ajudando-o a entrar enquanto Gabriel se sentia adoravelmente satisfeito naquele ar gelado e cheirando a bom perfume.

– Quem é Charles? –lembrou-se de perguntar. – Apolo ficou sabendo do incêndio? Artemis disse o nome dele.

Alguma coisa nos olhos de David demonstrou tristeza, Gabriel achou linda aquela pequena suavidade.

– Receio que ela vá pedir por ele por muito tempo. Apolo seria... um lugar seguro. Posso?

Ele sequer havia lhe respondido quem era Charles, mas era tão lindo... Gabriel se viu sem saber como respondê-lo, embaraçado, focado demais em como seu cabelo era bem cortado em contraste com sua barba por fazer, como seus óculos lhe caíam tão perfeitamente bem e a pele do seu pescoço era doentiamente clara ao lado do tecido escuro de sua camisa.

– Pode o quê? – acabou dizendo, com a inteligência de uma ameba. Mas era tão raro ter David tão perto...

O homem acabou se afastando dele com um sorriso que mal estava lá, seus olhos divertidos.

– Fechar a porta – explicou, logo antes de fazê-lo com um baque suave.

Seguro por trás dos vidros escuros, Gabriel o observou dar a volta para entrar, as mãos um pouco encolhidas em vergonha e nervosismo. Quando David se sentou ao seu lado, parecendo satisfeito com alguma coisa, aquilo talvez fosse motivo para se preocupar: mas Gabriel acabou se empolgando como uma criança pequena.

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Notas finais do capítulo

Se o spin-off Daviel está às portas de sair a qualquer segundo? Sim, sim, sim, um milhão de vezes sim. Apenas aguardem. E Artemis volta a aparecer logo, não se preocupem. Mil beijinhos!