O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 75
Capítulo Setenta e Cinco


Notas iniciais do capítulo

Esse tem dedicatórias múltiplas. Vai para a Beatriz Helena, por ser tão doce e tão linda. Vai para a Marie, por ser uma mistura de princesa e fada madrinha. Vai para o Lucas por ser um amor (e também um panda). Para a Ana Carolina por ser uma diva, para a Bia Beckett por ser tão adoravelmente pegável no colo. Em suma, vai para todos vocês, que me enchem de elogios lindos e me fazem tão, mas tão feliz.



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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Setenta e Cinco

Anna conversava com seus amigos, mas Logan encontrou seu olhar. Artemis o desviou logo, queria Apolo. Esperou até que Charles terminasse sua ligação, voltando a contemplar o prédio em chamas. Olhou na direção em que sabia que seu quarto ficava e imaginou seu pai lá dentro. Podia vê-lo lá, mesmo que nenhum dos bombeiros houvesse lhe dito coisa alguma.

Sebastian estaria lá em meio ao fogo, assistindo à destruição que causara com o mesmo prazer quieto com que levara a filha aos funerais, com o mesmo cuidado com que a afastara do leito de Henry no hospital quando já era tarde demais.

Estaria tranquilo, consciente de que a havia assustado e castigado por ter desaparecido daquela forma, traído sua confiança. Artemis percebeu que tinha os punhos cerrados, sua vontade de chorar já tendo passado. Uma escola inocente e orgulhosa estava sendo reduzida a cinzas, pessoas como Isabella e Gabriel poderiam ter morrido – e tudo aquilo para que Artemis se sentisse intimidada.

Talvez ela devesse ficar – talvez no fundo estivesse. Mas mais do que aquilo, sentia subindo por seu corpo uma raiva que a lembrava de sua mãe, de sua ferocidade e sua força. Sou tão filha dela quanto sua, se viu pensando. Elizabeth nunca havia abandonado seu sobrenome irlandês em favor do Lancaster de Sebastian. Artemis se viu de repente fortalecida pelo poder do seu sangue.

{...}

Charles ouviu seu plano com atenção.

– Direitos reservados ao The New York Times?

– Todos eles.

– Um depoimento seu?

– Não.

O pai de Apolo pensou por alguns minutos. Segundo os bombeiros, todo o prédio já havia sido evacuado, grande parte do fogo contida. Mas Artemis sabia que Sebastian ainda estaria lá, sabendo que ela havia entendido a mensagem, sabendo que ela o procuraria para pedir desculpas.

Ele ao menos havia acertado em algo.

– E a arma – Artemis o lembrou, severa – é apenas por precaução.

A ideia de que o pai de Apolo andasse armado ainda a incomodava. Não combinava em nada com o loiro, com a imagem tranquila que tinha daquela pequena família feliz.

– Conheço os efeitos de uma bala bem colocada mais do que a maioria das pessoas, mocinha. – Charles respirou pesadamente, a observando com certa descrença. – O risco é muito grande – disse por fim, e Artemis estava quase rosnando quando ele balançou a cabeça diante de sua impaciência. – Cobri duas guerras. Estou pronto para isso. A minha preocupação é com você.

Aquela sinceridade doce fez com que Artemis se lembrasse de Apolo. Assentiu já dando um passo para trás, não podendo se dar ao luxo de se suavizar.

– Estou pronta.

Charles assentiu, e juntos os dois se dirigiram para o que restava da Academia. Não haviam cercado tudo com faixas de segurança, talvez porque achassem que ninguém em sã consciência entraria ali por livre vontade. Chegaram despercebidos até o pórtico de entrada, Artemis tentando não ver as estátuas quebradas, as velas sobre os candelabros derretendo com o calor excessivo. Charles cobriu a boca e o nariz com o casaco, fumaça ainda no ar.

Precisavam ser rápidos. Artemis o guiou pelas escadas, o mármore outrora lustroso e branco cheio de pequenas rachaduras e manchas enegrecidas. Ver o fogo queimar absoluto talvez fosse desesperador, mas doía a Artemis presenciar também a destruição deixada para trás.

O corredor elegante que levava ao seu dormitório estava irreconhecível. O papel azul claro, agora cinzento, havia se descolado das paredes, os quadros caídos no chão ainda chiando, ardendo. Charles abaixou-se para ver algo no tapete e balançou a cabeça para si mesmo, murmurando algo sobre gasolina que Artemis sequer ouviu.

A porta para o seu dormitório estava escancarada. Parando no lugar antes que chegasse a ela, Artemis virou-se para o pai de Apolo com determinação.

– Não interfira, não importa o que aconteça – ordenou o que era na verdade um pedido. – Ele não vai me machucar, então chame os bombeiros e vá embora assim que tiver tudo o que precisa.

Sua voz soou infantil e cheia de nervosismo aos seus próprios ouvidos; sentia um pouco do desespero voltar, sufocou-o. Já havia passado tempo demais da sua vida com medo, já não seria hora de domá-lo?, insistiu consigo mesmo, teimosa e desesperada. Mas Charles Wright não parecia ser o tipo de homem que seguia ordens e, ainda assim, assentiu.

– Eu sei. – Apoiou a mão em seu ombro como se visse por trás de sua postura todo o seu nervosismo, como se de alguma forma pudesse, com aquele toque, tirar a histeria de sua voz. – Fique calma, você tem tudo sob controle.

Artemis fingiu acreditar, reunindo sua coragem e lhe dando as costas. Ao entrar, tentou não se focar na ruína do lugar que havia sido sua casa por todo aquele tempo, mas era impossível. A televisão e a geladeira haviam explodido, sofás e poltronas reduzidos a suportes de madeira e espuma ainda carbonizando. Lembrou-se da festa de boas-vindas a Michael, todos eles reunidos ali conversando e se divertindo, Artemis em seu vestido azul fazendo com que o que quer que Apolo estivesse dizendo se perdesse em sua garganta.

Agora, fogo crepitava em alguns cantos da sala, toda ela coberta de cinzas e fuligem branca. Nenhum sinal de vida, até que Artemis percebeu e olhou para cima. Lá estava ele no topo da escada, um paralelo bem planejado com a morte de sua mãe. Sorria, relaxado, mesmo que seu cabelo loiro estivesse revolto e seu rosto avermelhado, suas roupas chamuscadas, olhos azuis ensandecidos.

– Estava te esperando. Sabia que você viria.

Tornar a vê-lo alimentou seu ódio. Artemis teve vontade de arrasá-lo, de arrancar aquela máscara de tranquilidade que escondia tanta coisa. Deu um passo à frente, reconfortando-se ao saber de Charles e seu gravador a poucos metros dali.

Vamos, vanglorie-se.

Seu erro foi olhá-lo com determinação demais. Notou algo a seus pés, Sebastian sorriu e se afastou para que Artemis pudesse ver melhor – chegou a, com a ponta de seu sapato social, empurrar o corpo ainda mais para frente.

Artemis sabia que era um corpo, porque o pescoço da mulher havia sido virado completamente para trás. Reconheceu o cabelo acobreado, quase castanho escuro, vermelho apenas no sol. Ergueu os olhos para seu pai, sua melhor professora morta aos seus pés.

– Era ela, não era?

Porque Victoria Romanoff havia deixado a Rússia anos atrás por conta de um homem, e não tinha seu pai passado um tempo no consulado de lá? Vi quem serão seus professores, ele também havia lhe dito, às vésperas da sua partida. É um bom time. Você estará em boas mãos.

Bailarina, quase ruiva – ouviu-se dizer. – Uma substituta?

– Eu tentei, você sabe. – Sebastian deixou de olhar o corpo com algo que horrivelmente se assemelhava a afeição para erguer os olhos para Artemis. – Mas não consegui. Precisava ser você.

– Foi ela quem te fez acreditar que era Andrew. Quem te contou de quando saí da aula mais cedo no sábado e só retornei no domingo.

– Andrew Summers é passado – Sebastian descartou o assunto com descuido. – Victoria também. Todos eles são. Agora que você viu o que sou capaz de fazer por você, podemos seguir em frente.

E então ele começou a descer as escadas, Artemis se afastando delas.

– Eu jamais vou querer ficar com você.

Sebastian parou no lugar.

– Faço questão de discordar – lhe disse, manso. – Eu talvez não devesse ter te contado tudo. Poderia ter lentamente te mostrado meus sentimentos... mas então não estaria sendo completamente honesto.

Um mentiroso assassino falando de honestidade era bom o bastante, mas o ódio de Artemis queria se alimentar de mais.

– Como conseguiu incendiar o prédio todo?

Cheio de vaidade, Sebastian correu os olhos pelo dormitório em destroços. Parou para apreciar uma chama ainda viva, admirando-a.

– Pedi a Victoria que fosse te procurar, precisava ter certeza de que continuava aqui. Ela demorou a obedecer, estava assustada. Fraca, como a sua mãe – suspirou. – Tentou mentir para mim, mas arranquei a verdade. Tive de sair para voltar com o que precisava, fui tão sutil que ela só me encontrou de novo quando eu já estava no seu quarto.

Virou-se para Artemis com um sorriso.

– É incrível o que se consegue com um pouco de charme, não acha? Nenhum dos seus colegas achou estranho que eu aparecesse àquela hora da noite procurando por alguma coisa sua. Deixaram-me subir e me deram tempo de atear fogo à sua cama. Nem devem ter sentido o cheiro de gasolina. Victoria veio logo atrás e trancou a porta, morreu quieta. Até então, os dois dormitórios desta ala já estavam ardendo. Saíram todos correndo, alguns demoraram a entender o que acontecia. Eu fiquei aqui – ele encolheu os ombros. – Aquele seu amigo saiu inesperadamente do banheiro uma hora, tive de desacordá-lo... Mas não se preocupe, o levei para o corredor para que fosse resgatado. Ele deve viver.

Ele deve viver.

– Você o machucou – Artemis rosnou, a percepção a atingindo com um baque. – Teve coragem de machucá-lo depois de tê-lo feito uma vítima daquele acidente estúpido! Ele poderia ter morrido!

– Então você sabe que ele não morreu – Sebastian apontou, calmamente. – Não deve nem se lembrar de nada. E a respeito do seu precioso acidente, saiba que não precisava ter sido daquele jeito. Summers era suposto a morrer em um falso assalto... a história te parece familiar? – ele sorriu. – John estava quase lá quando aquele músico ofereceu aos dois uma carona. Então, infelizmente, o plano teve de mudar.

Aquele músico. Artemis respirou fundo, canalizou sua raiva.

– John?

Sebastian gesticulou, enfadado.

– Não sou um assassino no sentido prático do termo, a não ser quando necessário. Victoria, por exemplo. Ou Henry. – Sorriu de lado. – Moleque insolente.

Pelo amor de Deus, Artemis, ele costumava lhe dizer. Ande logo, não precisa ter tanto medo, e isso que costumava apenas fazê-la pular muros...

– Você é um assassino – disse então, devagar, sua voz seca de raiva. – Um psicopata mentiroso. Eu odeio você.

Apenas a última frase lhe fez efeito. Sebastian desceu mais um degrau, curioso. À medida que se aproximava, Artemis via mais e mais como ele parecia outra pessoa, seus olhos vermelhos e injetados de tanta fumaça também cheios de loucura.

– Me odeia? Eu só queria o melhor para você. Todos eles, Artemis, todos eles idiotas demais, inexperientes demais. Você sempre mereceu o melhor – seus olhos cintilaram. – Sujei minhas mãos me livrando deles, mas por uma boa causa. Cumpri meu dever de pai.

– Assassinou a sangue frio todos os garotos por quem me apaixonei, colocou meu melhor amigo em perigo duas vezes e ateou fogo ao lugar a que eu começava a chamar de casa. Como isso é cumprir seu dever de pai? – Artemis perguntou, desprezo destilado em sua voz. Sua mãe fora uma atriz virtuosa, talvez houvesse lhe deixado parte do dom como um presente. – Incendiou uma escola, pondo em risco a vida de centenas de alunos, apenas para me assustar. Do que você chama isso?

– Eu chamo de amor, porque o mundo não conhece ainda palavra melhor.

Sebastian terminou de descer as escadas, sua voz séria e seus passos resolutos, e a primeira onda de medo paralisou Artemis por alguns segundos.

– Eu chamo de amor porque te vi crescer sabendo que um dia se tornaria a mulher que é hoje, porque sempre soube que nunca encontraria um homem tão bom para você como eu poderia ser. É amor, Artemis. Você não entende ainda, mas é.

E ouvi-lo chamá-la de mulher a encheu de nojo.

– Eu entendo – lhe disse então, desafiante e cruel, cruel como quando fizera Lily Macey chorar e cruel como quando magoara Apolo tantas vezes apenas para afastá-lo. – Eu entendo porque passei esses meses todos com alguém. Entendo porque fui beijada e retribuí, entendo porque me disseram amo você quando eu já sentia aquilo fazia muito tempo, entendo porque vesti a camiseta dele e dormi em sua cama. – Parou para respirar, feroz, nada lhe dando mais gosto do que ver Sebastian perturbado. – E debaixo do seu olhar, sem que ninguém soubesse. Por meses. Então, eu entendo. Porque eu amo alguém, pai, e não é você. Jamais poderia ter sido.

O silêncio pesou. Artemis achou poder ouvir a respiração de Charles a alguns metros dali, mas talvez porque estivesse com os nervos à flor da pele ao ver Sebastian dar três passos em sua direção, seu rosto impassível.

– Quem?

A pergunta saiu seca e Artemis sentiu medo. Ele jamais me machucaria, ousou acreditar naquilo e tentar se sentir tranquila. Sua mãe fora brilhante nos palcos, ela sem dúvida poderia fazer o bastante para uma plateia de uma pessoa só. Sebastian se aproximou mais, Artemis estaria prensada contra a bancada queimada se recuasse.

Ele já estava a um passo de distância quando perguntou de novo.

– Quem?

– Eu jamais te direi.

A respiração de seu pai estava rasa.

– Você parece ter se esquecido, Artemis, mas Andrew Summer morreu apenas porque eu quis que morresse. Henry, Adam, Will. Todos eles. Tirei-os do caminho antes que chegassem perto o bastante de você, antes que tivessem o sabor de descobrir o que era por direito meu. Se chegou a ir para a cama desse garoto... – sua respiração saiu pelos lábios, nunca alguém havia se parecido tanto quanto um animal selvagem. – Ele terá de pagar por isso. Acabarei com ele pessoalmente.

Apolo, Apolo, Apolo. Artemis lembrava-se de sua gentileza e do seu sorriso, da sua bravata por vezes insegura e da sua vontade infantil de tão obstinada em fazê-la feliz. Ele seria a última pessoa a merecer algo assim, a ter de se envolver com alguém como ela, o levando para uma realidade tão suja.

– Talvez você precise de um pouco de persuasão – Sebastian continuou, após um silêncio tenso. Sua voz havia decido para uma suavidade perigosa. – O que me diria de Gabriel? De eu machucá-lo uma terceira vez, e também a última? Depende de você, é claro. Só precisa me dar o nome dele. Um nome, Artemis. Só um nome.

Suas roupas caras estavam em farrapos, de nada haviam lhe servido os anos em Yale. Artemis observou a fundo o homem que ela sempre admirara, seu porto seguro e também seu medo mais secreto, bem-guardado até mesmo de si mesma. Balançou a cabeça para si mesma, franziu os lábios e o quis morto.

– Saia de perto de mim.

Mas Sebastian estendeu a mão. Se era para tocar seu rosto ou apertar seu pescoço, Artemis não tinha como saber – um estampido alto a sobressaltou, e ela gritou por instinto ao se afastar em um pulo.

Sebastian estava no chão, seu rosto deformado em uma careta de dor, sangue brotando da bala que havia atravessado seu casaco na altura do seu ombro. Com o coração disparado, o corpo tremendo, aquele barulho alto demais ainda ecoando em seus ouvidos – por Deus, nunca havia ouvido um tiro antes – Artemis olhava assustada para Charles e para o revólver que ele tinha nas mãos.

Entendeu as palavras como se elas estivessem no ar, é o meu filho que você está ameaçando, seu cretino.

– Um nome – ele lhe disse, baixo, olhando para Sebastian sem piedade alguma. – Você tem direito a um advogado, eu acredito.

{...}


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Notas finais do capítulo

Para ser absolutamente sincera, nem se eu quisesse eu saberia o que dizer.