O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 72
Capítulo Setenta e Dois


Notas iniciais do capítulo

Ninguém ama tanto a Artemis quanto eu amo. Vocês não têm noção do quanto esse capítulo me saiu fácil, de como foi tragicamente delicioso escrevê-lo. Preciso que esses dois se casem, por favor.



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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Setenta e Dois

Uma eternidade atrás, Apolo havia lhe dito que seu pai era uma das pessoas mais inteligentes que conhecia. Artemis havia feito daquilo uma zombaria, mas naquele momento não poderia duvidar dele, não quando Charles digitava alguma coisa em seu notebook e falava ao telefone sem se confundir uma só vez.

– Ligue para eles agora, eu preciso disso para daqui a cinco minutos. Eu disse agora. Conseguiu falar com a Lauren? Acorde-a e avise de que precisa procurar três famílias para mim, já tenho os endereços e tudo. Sim, Nova York. Agora.

Tendo se mudado para o sofá, Artemis tinha também aceitado uma xícara de café. A mãe de Apolo estava ao seu lado, toda sua desconfiança deixada para trás, sua expressão gentil e compreensiva a fazendo mais semelhante com o filho do que seu cabelo dourado.

– Eu sinto muito – ela murmurou, não pela primeira vez.

Artemis assentiu, sem conseguir se virar, mantendo os olhos fixos para que não chorasse. Teria de guardar aquilo para depois, não tinha tempo para se desesperar. Respirou fundo, pensando em Apolo no andar de cima.

– Eu não sei o que fazer – sussurrou, contudo, antes que pudesse evitar.

Era aquele o pensamento que mais cruzava sua mente, o motivo pelo qual seu pai a deixara sozinha depois de lhe ter confessado aquilo tudo. Sebastian provavelmente tinha certeza de que ela estaria em seu quarto, chorando, acuada e assustada como sempre. Mas eu não podia, podia? Se houvesse sido Apolo...

– Você está segura aqui – a mãe do garoto lhe disse, apoiando uma mão em seu ombro. Suas unhas estavam pintadas de vermelho, como as de Elizabeth haviam sido, mas seu toque era bem mais gentil. – Pode ficar pelo tempo que precisar.

Artemis engoliu em seco. Apolo...

– Charles vai precisar de uns dias para publicar a matéria – a mulher continuou. – Precisará falar com a polícia de Nova York e conversar com muitas pessoas. Cerca de dois ou três dias. Você ficará conosco.

– Não posso ficar aqui – Artemis disse, balançando a cabeça, sua voz desesperadamente quebrada. – É perigoso demais. Não quero que nada aconteça com vocês – e a breve hesitação fez os olhos da sra. Wright se suavizarem, a mulher sabendo exatamente com quem Artemis se preocupava.

– Depois de algumas semanas na Berklee, ele ficou insuportavelmente feliz – contou, em um murmúrio. – Imaginei que estivesse interessado em alguém.

Artemis não quis encarar a loira ao seu lado, mas não compreendia de onde vinha aquela tranquilidade. Por sua culpa Apolo poderia ter morrido, mesmo que não soubesse como ou porquê – “ele vai se recuperar”, David havia lhe dito, e obviamente falava de Gabriel, porque não havia forma de Apolo sobreviver, não depois dos outros...

– Nada disso foi sua culpa – a sra. Wright a interrompeu. – Uma pessoa mais velha e mais madura teria tomado decisões diferentes, mas eu não te considero mais do que uma vítima. – Outro afago em seu ombro. – Não consigo imaginar o quanto isso tudo deve ter pesado sobre os seus ombros.

Artemis sabia que ela só dizia aquilo porque seu filho estava vivo. Lembrava-se de seu sente-se, mais uma ordem do que um pedido, por trás de seus olhos a mesma ferocidade de Elizabeth – talvez fosse algo materno, talvez feminino.

– Não posso ficar aqui – murmurou, porque aquilo parecia o certo. Mesmo que talvez fosse seguro, mesmo que os pais de Apolo não se importassem. Pensava somente em Apolo, no quanto não queria arrasar ainda mais a vida dele. Mas voltar à Academia significava ficar ao alcance de seu pai, e Artemis não queria vê-lo nunca mais. – Preciso sair um pouco.

A sra. Wright murmurou alguma coisa em compreensão, mas Artemis mal a ouviu. Andou até a porta de entrada e, quando a abriu, encontrou Logan e Anna sentados na pequena escadinha que levava à varanda, os dois parando imediatamente de conversar ao virar a cabeça para vê-la.

O primo de Apolo era um homem bonito, de cabelo escuro e olhos verdes. Os dois não se pareciam em nada, mas mesmo assim havia alguma coisa nele que lhe vinha fácil, uma tranquilidade, conforto na própria pele. Artemis desviou os olhos para o céu escuro, fechando a porta atrás de si e aproveitando o vento calmo para pensar um pouco.

Observando a falta de estrelas, buscou clarear sua mente. Controle o medo, disse a si mesma. Controle o medo. Voltar para a Academia era a decisão mais lógica, seu pai jamais saberia que havia escapado. Olhou para trás sem querer, pensando como era estranho que Apolo estivesse tão perto e tão distante de tudo o que acontecia.

– Você deveria ir vê-lo. – Foi Logan quem disse, inesperadamente. Ele parecia um tipo calado de pessoa, então Artemis se virou para ouvi-lo com atenção. – Ele vai saber que esteve aqui.

– Ele está dormindo – Artemis replicou, lembrando-se da última vez que o vira e também de quando dormira ali, a cama macia, o sorriso morno e a melhor noite da sua vida. – E não acho que ele queira me ver.

– Acha mesmo? – Anna lhe lançou um olhar cético. – Apresente a ele qualquer pedido de desculpas e vocês estarão juntos antes que eu consiga dizer Apolo, você é a pessoa mais idiota que eu conheço.

Artemis não sentia vontade de sorrir para nada, mas Logan riu um pouquinho. Olhou para trás outra vez ainda assim, imaginando, sem querer, como seria se lhe contasse tudo. Imaginou-se sentada na cama com as mãos dele nas suas, dizendo-lhe tudo sobre as mortes, o choro, a tristeza e o medo cada vez maior, as noites sem dormir e os ataques de pânico, a desconfiança e a necessidade de afastar todo mundo.

Sabia que Apolo entenderia, sabia que ele seria gentil. Acabaria chorando e ele a colocaria no colo, carinhoso como só ele sabia ser. Beijaria seu cabelo e acariciaria suas costas, murmurando palavras mansas e talvez um ou outro eu te amo, sua possessividade natural evoluindo para a necessidade de protegê-la.

Artemis contemplou tudo aquilo e mordeu o lábio, sabendo que não merecia nada daquilo. Mas já havia aberto mão de tanta coisa... talvez nunca mais o visse de novo. A ideia a deixava sem fala, então abriu a porta devagar e voltou para dentro sem dizer nada aos dois. Não gostava daquelas idas e voltas, detestava incertezas – queria se sentir segura, ou ao menos acreditar que estava.

Sentiu o olhar da mãe de Apolo sobre si no instante em que pisou novamente na sala. Não soube o que lhe dizer, imaginando se talvez devesse lhe pedir permissão para subir. Eu sinto muito, queria lhe dizer. Sinto muito que tenha sido o seu filho. Talvez ela tenha lido em seus olhos seu pedido mudo, assentiu tão brevemente que Artemis poderia ter imaginado o gesto, desviando logo sua atenção para o marido.

Artemis subiu então as escadas, lembrando-se daquela noite tanto tempo atrás, sua primeira vez naquela casa. Chegou até o hall e olhou para a porta do quarto de Apolo, recordando sua ansiedade ao voltar para lá após ter vestido aquela camiseta. Tão linda, tão cheia de vaidade.

Andou devagar até lá, pensando em tanta coisa que mal via o que fazia. Encostou a mão na maçaneta sem saber como havia chegado até ali, a porta estava entreaberta e ela a empurrou com cuidado.

O quarto estava escuro. Um pouco de luz entrava pelas cortinas, mesmo que elas estivessem fechadas. De manhã, Artemis sabia que o sol entraria devagarzinho, iluminando tudo aos poucos. Deixou que os olhos se acostumassem à pouca luz fraca do poste do lado de fora, entrando com cautela.

Podia ver Apolo deitado na cama, o curativo em sua testa fazendo com que Artemis pensasse, ironicamente, nas bandanas de que Axl Rose gostava tanto. A coberta estava na altura da sua cintura, e sua camiseta preta era do AC/DC. Aproximou-se com cuidado, não querendo acordá-lo.

Ele era mesmo lindo. Aquele era um severo eufemismo e uma repetição desnecessária, mas também verdade. Seu cabelo loiro perdia a cor naquela penumbra, mas ele parecia serenamente tranquilo com seus olhos fechados, os lábios quase que imperceptivelmente entreabertos. As dez horas da noite haviam se passado há pouco, então talvez os remédios o fizessem dormir.

Artemis arriscou se sentar na beirada da cama, procurando inconscientemente pela sua mão. Hesitou antes de segurá-la, mas as lembranças eram tão nítidas que não pôde evitar, satisfazendo-se ao sentir de novo pele morna, dedos que tocavam piano magistralmente bem. E também guitarra, era isso que aqueles dedos ásperos lhe diziam, ou ainda Patience em um violão bem afinado.

If I can’t have you right now I’ll wait, dear...

Artemis o observou dormir, as recordações vindo sem esforço. Seguiu com os olhos a linha do seu pescoço, observou seu peito subir e descer com sua respiração mais lenta, voltou a observar seu rosto. O cabelo loiro espalhado pelo travesseiro, o nariz comprido, lábios macios. Observou o garoto que havia lhe dado os melhores dias da sua vida, apertou sua mão um pouco mais forte e sentiu as lágrimas chegarem perto demais, a sua arrogância fica charmosa com o tempo. Tão mais gentil do que ela poderia merecer, tão apaixonado.

Permitiu que elas caíssem só porque ninguém estava ali para vê-la, imaginando como seria quando Apolo soubesse de tudo. Anna poderia dizer o que quisesse, ele não a perdoaria. Não só o colocara em perigo como lhe escondera tudo, guardando seu medo e seus pesadelos para si enquanto o garoto lhe era absolutamente sincero.

Sentia as lágrimas quentes rolarem por seu rosto, desejando que tudo houvesse sido diferente. Apenas para que tivesse outra chance com ele, para que Apolo conhecesse outra Artemis, mais leve, mais aberta, que ele poderia chamar de namorada para o mundo inteiro ouvir. Apenas para que não tivesse passado tanto tempo com tanto medo.

O que faria? Lembrou-se dos Wright no andar de baixo, lembrou-se do pai de Adam engasgando e não conseguindo terminar seu discurso diante do caixão do filho. A ideia de que poderia ter sido Apolo a fez fechar os olhos, ela jamais se perdoaria... Queria que ele a pusesse no colo e a perdoasse por tudo, mas como poderia ser tão egoísta?

Não mereço nada disso.

– Você vai me odiar quando descobrir tudo... – sussurrou, abrindo os olhos e quebrando-se ao vê-lo. – Eu te escondi tanta coisa, Apolo, tanta – sua voz era um pedido de desculpas, as lágrimas a tornando embargada. – Me desculpe. Por favor, me desculpe.

Em seu sono, Apolo sequer a ouvia. Artemis soltou a respiração pelos lábios, não querendo acordá-lo. Observou seu rosto por trás de olhos embaçados, ouvindo o próprio coração bater alto demais naquela quietude.

Estendeu a mão porque não conseguiu se conter, acariciando seu rosto pela que sabia ser a última vez. O nó em sua garganta era grande demais, horrível amar alguém tanto assim, perde-lo lhe doía tanto.

– Amo você – sussurrou. – Eu sei que demorei a te dizer, mas é verdade. Amo você – repetiu, para que ele não se esquecesse, para que, mesmo que furioso, soubesse que ao menos sobre uma coisa ela lhe fora completamente sincera.

Soltou sua mão com pesar, mas não resistiu e se inclinou para beijá-lo uma última vez. De leve, macia sobre seus lábios para que ele não acordasse. Pôs-se de pé arrependida, sabendo que aquela seria sua última lembrança.

– Amo você – murmurou de novo, dando passos para trás com cuidado.

Saiu do quarto contendo-se para não olhar para trás, fechou a porta com delicadeza. Soltou sua respiração pesada de choro, secou as lágrimas o melhor que pôde. Quando descesse as escadas, sabia que ninguém suspeitaria de nada, e pela primeira vez queria que fosse o contrário. O coração apertado, percebeu que, em pouco tempo, Apolo havia a acostumado mal. Perdê-lo lhe doía tanto.

{...}


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Notas finais do capítulo

"E agora eu vejo, aquele beijo era o fim..." porque Renato Russo sempre vem a calhar, sempre.