O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 68
Capítulo Sessenta e Oito


Notas iniciais do capítulo

E depois de um longo inverno tenebroso, voltei!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/472294/chapter/68

O Lado Escuro da Lua – Capítulo Sessenta e Oito

Gabriel se viu sorrindo para si mesmo enquanto subia o primeiro lance de escadas da Academia, pensando em David e em mais nada. Podia imaginar a cara de repreensão que Artemis faria se soubesse que o havia perdoado, mas como pudera evitar?

David havia se mostrado exatamente como Gabriel havia imaginado que seria: depreciativo e arrogante demais, mas educado e charmoso. Podia ver seu sorriso quase como se o homem estivesse ao seu lado, e estava quase sentindo o rosto esquentar de novo quando, em algum momento ao cruzar o corredor, a tristeza o encontrou de mansinho.

Encontrou-o enquanto ele olhava para as portas fechadas das salas de aula, encontrou-o no silêncio absoluto daqueles corredores naquele fim de tarde de sexta-feira. Encontrou-o na lembrança de que dormiria sozinho em seu quarto, mas de que a cama de Andrew permaneceria lá. Apenas a cama, sem nada do garoto convencido e divertido que o ouvia tagarelar sobre seus filmes preferidos.

Provavelmente ele já havia sido velado e enterrado, e a ideia de que seu amigo – tão jovem, tão bonito, com uma queda tão grande por garotas acima de sua liga e por esquiar no inverno – estivesse em um caixão fechado debaixo da terra lhe trouxe um tipo de náusea, e Gabriel apressou o passo como se pudesse afastar a ideia, mas não conseguiu.

Quando chegou ao dormitório, era como se estivesse em um hospital. Aproveitando que todos estavam de costas, amontoados no tapete felpudo da sala, subiu as escadas imaginando como Isabella estaria, perguntando-se como seria se ele houvesse morrido...

Entreabriu a porta do seu quarto, acendendo as luzes devagar. Sua cama e suas coisas estavam intocadas, esperando-o como se ele nem houvesse passado quase uma semana fora. O armário de Andrew, contudo, tinha as portas abertas e estava completamente vazio. Seus lençóis haviam sido trocados, a cama imaculadamente branca e arrumada fazendo o estômago de Gabriel se contorcer. Andrew nunca arrumava a cama.

Deu um passo para trás e, engolindo em seco, foi bater na porta de Artemis. A garota demorou um pouco para abri-la, e, quando o fez, pareceu surpresa ao vê-lo.

– Gabriel.

Havia preocupação e tristeza em sua voz e em seus olhos azuis, e era óbvio que ela não sabia o que dizer. Alguma coisa provavelmente lhe entregou o motivo de Gabriel se sentir tão arrasado por dentro, e então ela deu um passo para trás, convidando-o a entrar.

– Eu sou uma pessoa horrível, não sou? – ele murmurou, andando devagar até aquela cama enorme cheia de travesseiros, lutando contra as lágrimas. – Como pude sair tão feliz do hospital sabendo que Andrew... – não terminou a frase, porque era terrível demais, e Artemis já havia entendido tudo, trancando a porta de novo e se escorando nela. – Nós sempre dividimos um quarto – acrescentou, num sussurro.

(Aos onze anos, Gabriel havia pedido para estudar balé como um presente de aniversário. Seus pais não gostaram muito da ideia a princípio, e ele já era grandinho demais para começar, mas as coisas ficaram um pouco mais fáceis depois que conheceram Andrew, um exemplo de menino educado e “certamente uma boa amizade”, nas palavras de seu pai.

Havia apenas cinco meninos em uma sala cheia de garotinhas, e ele e Andrew passaram anos praticamente grudados um no outro até que Gabriel descobrisse que havia outros garotos em quem queria grudar, também. E Andrew havia levado a notícia tão tranquilamente que a garganta de Gabriel secava só de se lembrar, qual a última vez em que havia lhe agradecido?

Obrigado, queria tanto dizer, obrigado por todos esses anos. Sentiu os olhos marejarem, sabia que Artemis não gostava dele, mas Andrew havia sido um bom amigo tanto quanto uma presença constante, era inacreditável que de repente não estivesse mais lá.)

Gabriel ergueu o rosto quando ouviu a porta se abrir, percebendo que Artemis voltava de algum lugar com um edredom nos braços. Nem havia a visto sair.

Ao seu olhar questionador, a garota balançou a cabeça.

– Você não tem que dormir lá essa noite – ela lhe disse, em um tom seguro e gentil. – Achei uma insensibilidade não terem pensado nisso, mas a diretora Lee deve ter andado muito ocupada com o memorial e a apresentação - acrescentou, se aproximando e pondo seu edredom sobre a cama.

Ela então se sentou ao seu lado, e Gabriel entendeu por que Andrew havia se encantado tanto.

– Já dormiu com uma garota antes?

E aquilo não poderia significar o que Gabriel achava que significava, mas ele entreabriu os lábios e Artemis lhe deu um sorriso triste.

– Venha cá – ela chamou, mansa, e, passando o braço ao redor dos seus ombros, beijou sua têmpora. – Não fique assim. Isabella está no quarto dela, e Michael deve estar em algum lugar lá embaixo – disse, o rosto perto do dele, e Gabriel se lembrou de quando ela odiava ser tocada. – Os dois estavam morrendo de preocupação com você. Alguns alunos ficaram só para poder te dar oi. Você deveria descer e falar com eles.

– Mas Andrew--

– Estamos todos em luto – Artemis o interrompeu, gentilmente. – O funeral foi na quarta. Fizemos um memorial e uma homenagem a ele, e ninguém vai ter aulas até a semana que vem. Mas você está aqui, Gabriel, e estamos todos gratos por isso.

Artemis afagou seu ombro e Gabriel assentiu, abaixando o olhar. Desceram para a sala e o abraço de Michael durou mais do que o necessário enquanto Gabriel continha as lágrimas, sem saber que importava tanto. Isabella tinha os olhos inchados quando desceu para vê-lo, mas o abraçou forte e, aninhando o rosto em seu ombro, sussurrou um graças a Deus você está bem que partiu seu coração.

Miles, Kate e pelo menos outros onze colegas se reuniram na sala para abraçá-lo e ver se ele estava bem, ou ainda se precisava de alguma coisa. Mais importante do que eles, porém, foi ter Artemis sempre ao seu lado, a mão sobre a sua, afastando não só o cabelo do seu rosto, mas também qualquer pergunta indelicada.

Nunca havia se sentido tão amado, mesmo que ninguém da sua família houvesse sequer telefonado.

{...}

Horas depois, ele saiu do banheiro de pijama, e então estendeu seu cobertor sobre parte daquela cama enorme. Artemis falava ao telefone, desenhando círculos com o dedo no parapeito da janela.

– ... eu sei. Mas não se preocupe, ele vai ficar bem – lançou um olhar a Gabriel, que inclinou a cabeça para o lado, curioso. – Os médicos disseram que ele só precisa de repouso. Nada de treino, é claro, ou de qualquer esforço físico. Mas vai dar tudo certo.

Seis meses sem dançar, o doutor Graham tinha lhe dito. Gabriel teria chorado se não guardasse consigo aquela linda e maravilhosa promessa de David, aquela perspectiva deliciosa de receber apenas a alta dele. Pareciam ter se encontrado fazia tanto tempo...

– ... não fui. Mas a Academia inteira está em luto... diante disso tudo, honestamente, não me importo mais. Há outras formas de se entrar no Bolshoi. – Pausa. – Não, pai, não precisa... – ela se calou como se houvesse sido interrompida. – Amanhã – cedeu, após um longo silêncio, com um sorriso que mal estava lá, de tão tênue. – Entendi.

Gabriel se deitou na cama, sentindo-se um pouco melhor e menos triste ao afundar o rosto em um daqueles travesseiros macios. A voz de Artemis lhe chegava mais abafada daquele jeito, mas a ligação terminou logo. Ela ainda ficou na janela por alguns segundos até suspirar e ir até a cama, deixando o celular no criado-mudo. Sentou-se ao lado de Gabriel, as pernas encolhidas.

Ele observou sua calça de moletom cinza e sua camiseta cor de rosa.

– Você não usa pijama? E aquela camisola que eu te dei?

Artemis não esboçou reação alguma. Fitou o pé da cama como se estivesse se lembrando de algo doloroso, e o garoto se perguntou se havia acontecido alguma coisa ruim entre ela e Apolo.

– Artie?

– Não gosto de pijamas.

Gabriel não havia visitado Apolo no hospital porque não quisera interromper a conversa do garoto com os pais. Mas ele parecia bem, e, no geral, não era para o acidente ter estreitado os laços entre os dois? Teve vontade de perguntar alguma coisa, mas não queria que Artemis ficasse ainda mais triste.

– Você pode dormir aqui pelo tempo que quiser – ela lhe disse, em tom baixo, interrompendo o que ele pensava. – Não acho que eles vão se importar.

Gabriel assentiu, sem encontrar as palavras para formar a mais boba das brincadeiras. Deitou-se melhor na cama, arrumando seu edredom. Deu as costas a Artemis porque achou que ela talvez quisesse um mínimo de privacidade, e então lhe deu boa noite.

Mas a mão da garota encontrou então seu cabelo, e, com o tempo e com a carícia suave, Gabriel poderia ter aberto um sorriso. Esqueceu-se de que não falava com sua mãe fazia anos, aninhou-se naquele travesseiro macio e até mesmo se esqueceu de Andrew. Adormeceu sonolento e bem-cuidado demais para transformar em palavras a inesperada tranquilidade que sentia, e sequer notou o quanto Artemis demorou a apagar o abajur.

{...}


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu vinha devendo esse capítulo a vocês há tanto tempo que nem sei se o corrigi direito! Estive ocupada postando outras coisas, contudo, então aviso aos desatentos: tem um Especial de Ano Novo super fofinho no ar, e também uma shortfic Poseidon e Atena. Quanto à própria OLEDL, vou tentar ir atualizando com frequência, mas viajo agora no fim de janeiro e acho que vou ficar meio bagunçada com as coisas. Deixando de lado isso tudo, espero que tenham gostado - eu não tenho nem palavras para o quanto amo a Artemis, e vou até me esquivar aqui com facilidade das adagas lançadas pela maioria de vocês, haha. Beijinhos, meus amores.