O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 40
Capítulo Quarenta




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Quarenta

Até o momento em que Apolo voltou, a chuva engrossou em ferocidade e volume. Artemis sempre havia sido uma grande fã de tempestades, e aquela poderia ser um sonho. Sentada na cadeira reclinável, observou a água escorrer pela cúpula, perguntando-se o quão forte não seria aquele vidro para aguentar tanta pressão. Como aquilo funcionaria na neve? Como limpariam o vão entre as duas cúpulas?

Artemis sempre havia sido uma criança curiosa, de qualquer forma.

– A água está escorrendo pela rua como se fosse um rio – foi o que o garoto disse, assim que chegou, fazendo com que ela se virasse.

A camiseta dos Rolling Stones estava encharcada, o cabelo dourado dois ou três tons mais escuro, fios grudados no pescoço e na têmpora do garoto – Apolo estava lindo, como sempre, mesmo após ter passado por uma chuva torrencial. Inacreditável.

– Estragou alguma coisa no carro? – Artemis perguntou, o observando afastar a camiseta escura do corpo com desgosto.

– Não – Apolo lhe respondeu, ainda parecendo incomodado com o tecido lhe aderindo à pele. – Molhou por dentro, mas eu já dei um jeito. – Ergueu os olhos para Artemis, entre esperançoso e indeciso. – Posso tirar?

Artemis contemplou a pergunta.

– Não – acabou respondendo, com certo receio. Apolo sem camisa era uma visão agradável, mas talvez fosse melhor não correr o risco. – Tenho certeza de que vai sobreviver. Pessoas jovens não morrem de pneumonia ou hipotermia assim.

– E de excesso de água? – Apolo replicou, aborrecido, sem, contudo, fazer qualquer gesto para tirar a camiseta. Se Artemis tivesse uma lista para as qualidades do garoto, “consideração” ocuparia lugar de destaque. – Bom, o que vamos fazer agora? – ele perguntou, se aproximando e puxando a cadeira que estivera ocupando.

Artemis o observou de perto. Sua pele estava úmida, e havia gotinhas de água escorrendo por seu pescoço. Os cílios estariam encharcados, tinha certeza, por mais que fosse difícil dizer apenas olhando. Eram tão claros...

– Pode tirar – acabou dizendo, antes que pudesse se conter. – Se estiver muito desconfortável.

Aquilo fez Apolo juntar as sobrancelhas. O garoto levou seu tempo a observando, braços apoiados no colo.

– Não – acabou dizendo, com elegância. – Não quero te incomodar.

Artemis pensou em retrucar, mas acabou abrindo um pequeno sorriso.

– Obrigada. – Franziu os lábios, embaraçada, pensando no que dizer. – Você gosta mesmo dos Rolling Stones? – acabou perguntando, referindo-se à sua camiseta. – Ou é só pelo símbolo? Você tem que admitir que essa língua é um ícone quase que sem significado.

– Infelizmente – Apolo concedeu, com um ligeiro sorriso. – Mas gosto mesmo da banda. Adianta devolver a pergunta para você?

Artemis balançou a cabeça, procurando pelas palavras certas.

– Eu sou mais uma pessoa de músicas do que de bandas. Não que escute tanto assim – acrescentou, vendo de forma nítida o contraste entre a influência da música na sua vida e na de Apolo (do carro às aulas de piano, das camisetas de rock aos concertos de verão...). – Tenho poucas preferidas. Rock não está envolvido.

– Eu acho que você gostaria – Apolo se aventurou a dizer, como se fosse algo em que já houvesse pensado antes. – Talvez não de Rolling Stones – acrescentou. – Mas de algo que tivesse uma boa letra.

– Boa letra e uma guitarra ensurdecedora? – Artemis conferiu, cética. – Não acho que funcione assim.

– Você não faz ideia do que está dizendo – Apolo disse, quase que com solidariedade. – Muitas bandas clássicas de rock têm letras lindas.

A escolha de palavras deixou Artemis inquieta. O fato de que Apolo era um músico pareceu acometê-la por completo, e ela finalmente se permitiu vê-lo como um artista, rabiscando partituras, testando notas, conhecendo acordes. O cabelo mais claro sob uma lâmpada fraca, as sobrancelhas franzidas, os dedos batendo nervosamente o lápis sobre a mesa... E então o sorriso leve e íntimo de quem se realiza, a felicidade pura de encontrar graça em si mesmo, o ecoar triunfante do arranjo perfeito.

– Eu gosto de uma do Guns ‘n’ Roses – se ouviu dizer, em tom de confissão.

– Você...? – o ar de Apolo era simplesmente maravilhado. – Espera – ele pediu, realmente encantado. – Repete isso.

Artemis revirou os olhos.

– Axl Rose conseguiu compor algo minimamente decente. Incrível, eu sei. – Encolheu os pés diante do olhar cético de Apolo, e então abriu um pequeno sorriso. – Patience, é claro.

– Patience? – O sorriso de Apolo era tão suave que talvez nem estivesse lá. – Eu planejava tocá-la para você.

A ideia de que Apolo planejava – realmente planejava – aquele tipo de coisa fez Artemis sentir o rosto arder de leve.

– Uma serenata? Romântico.

– Eu sou – Apolo admitiu, com tranquilidade. – E você merece. Não vou me esquecer de quando subiu ao palco depois de ter ouvido The Lightning Strike. Eu me senti o melhor pianista do mundo.

Não está longe de ser. Se o rosto de Artemis ardesse mais, talvez entrasse em combustão.Não sabia que guitarristas poderiam ser românticos, mas, pelo visto, nada sabia de rock. Desviou o olhar para a chuva, esperando que a vermelhidão passasse.

– A chuva está piorando – comentou, em tom baixo. – Costuma chover assim nessa época do ano?

– É quase início de agosto – Apolo lhe respondeu, também observando a água cair. – São as chuvas do verão. Quando a primavera chegar, mal teremos um chuvisco pela madrugada. Em Nova York também não é assim?

– Nunca reparei muito – Artemis admitiu, voltando a olhar para ele. – E então é o inverno, não é? Disse que o seu aniversário era em dezembro – lembrou-se. – Isso te faz... qual é o signo de dezembro?

– Você acredita nisso? – Apolo perguntou, surpreso.

– Não – Artemis lhe respondeu, como se fosse óbvio. – Só fiquei curiosa.

– Eu não sei – Apolo encolheu os ombros. – Mas vou descobrir, para que você possa ver se somos compatíveis ou não. Eu não me surpreenderia se você acreditasse – acrescentou, diante do olhar ofendido de Artemis. – É astrologia, não é?

– Astrologia e Astronomia são duas coisas absolutamente diferentes – Artemis se defendeu. – E eu não acredito na primeira.

Apolo encolheu os ombros, e estava prestes a respondê-la quando um relâmpago iluminou todo o planetário de repente, os sobressaltando, o trovão reverberando pelo que parecia ser a cidade toda meio segundo depois.

O silêncio pesou no lugar todo escuro, as luzes dos prédios ao redor deles também subitamente apagadas.

– Queda de energia – Apolo murmurou, e Artemis o ouviu se levantar. Piscou, tentando acostumar os olhos à escuridão. Pelo pouco que podia ver, o garoto parecia estar encostado à cúpula, e ela ouviu umas batidinhas no vidro. – Essa parte da cidade está toda escura.

– Eles provavelmente têm um gerador de energia – Artemis o lembrou, procurando se tranquilizar. – Logo as luzes vão se acender de novo.

Apolo não pareceu acreditar, ou era o máximo que ela podia dizer naquela escuridão toda.

– O prédio é antigo. Não acho que tenham. Estamos presos aqui – concluiu, com uma animação que Artemis não entendeu. – O elevador não vai funcionar sem energia.

– Se for uma emergência, podem usar as escadas – Artemis replicou. – Mas não acho que teremos um incêndio ou algo assim essa noite.

Apolo riu.

– Com essa chuva, com certeza não.

Artemis já estava conseguindo ver um pouco melhor. Piscou algumas vezes, decidindo que as luzes de partes distantes da cidade ajudavam. Apolo era bem visível quando de encontro ao vidro daquele jeito, seu nariz reto e perfeito bem nítido enquanto ele observava a cidade escura.

– Não está nenhum pouco preocupado?

Viu o canto de seus lábios se curvar em um sorriso, ou talvez houvesse sido impressão sua.

– Consigo pensar em cenários piores do que ficar trancado aqui com você.

Artemis bufou, revirando os olhos, mesmo que ele não fosse conseguir vê-la.

– Como se você fosse conseguir me beijar no escuro. – Mas ele deu um passo para trás, e Artemis empurrou a cadeira para longe, escandalizada. – Retiro o que eu disse!

Apolo riu, balançando a cabeça.

– Vem para cá – chamou, ainda parecendo estar se divertindo.

Artemis se levantou, inquieta, andando com cautela até a borda da cúpula, parando ao seu lado. Encostou os dedos no vidro e observou a tempestade por alguns segundos, enlevada por tanta fúria. Em uma das vezes em que piscou, entretanto, seu foco mudou, e tudo o que viu foi o próprio reflexo.

Observou os olhos azuis e o cabelo vermelho escuro, seus dedos tocando no vidro quase como se duas Artemis estivessem se vendo e se conhecendo pela primeira vez. Lá fora, a tempestade era violenta, relâmpagos estalando e trovões reverberando. Sua imagem, contudo, era adoravelmente tranquila. O que era o verdadeiro caos?

– É bonito, não é? – Apolo perguntou, observando a chuva como se não visse a própria imagem.

– Sim – Artemis concordou, desviando sua atenção para o céu. – Eu gosto de tempestades. Nunca tive medo de raios.

– Também não. Gosto dos trovões – ele contou, com um sorriso. – Você vai rir, mas eu realmente acho que parece a barriga de alguém roncando.

Artemis de fato riu, chocada.

– Conheço um deus nórdico que não gostaria da comparação.

– Mitologia nórdica também? – Apolo perguntou, quase que em tom carinhoso.

– Conheço pouco – Artemis admitiu. – Não tanto quanto a grega. Mas é impossível não conhecer Thor.

– É. – Apolo concordou, fazendo uma pausa. – A energia não parece que vai voltar tão cedo. – Suspirou, frustrado. – Deveríamos ter ido embora quando começou a chover, mas eu me comovi pela sua cara de criança pedinte.

– O seu coração é mole, o que eu posso fazer?

Apolo sorriu, balançando a cabeça.

– Você ficou encantada quando a cúpula desceu. Queria ter tirado uma foto – comentou, com um ar que já lembrava saudade. – Acertei em cheio, não foi?

– Eu não vou te elogiar sempre que você me agradar – Artemis deixou claro, ganhando um olhar surpreso em resposta, mesmo que de lado. O canto de seus lábios se curvou, e ela desviou o olhar para frente. – Acabaria fazendo muito isso, e seu ego sofreria danos irreversíveis.

Ouviu-o sorrir mais do que viu.

– Obrigado – ele murmurou. Os dois ficaram um tempo em silêncio, observando a chuva, até que ele voltou a falar. – Eu não costumo me esforçar tanto assim. Não a esse ponto – ergueu os olhos para o teto de vidro, parecendo pensativo. – Mas qualquer coisa sobre você--

– Pare com isso – Artemis pediu, incomodada. Apolo a olhou de lado, e a garota desviou sua atenção para a chuva, desconcertada. – Não queria te interromper assim, desculpe. Só não... não fale esse tipo de coisa.

– Você fica vermelha, não fica?

– Não seja ridículo.

– Bom, ter um cabelo como o seu tem que ter um lado ruim.

– Cale a boca.

Apolo deu uma risadinha, voltando a olhar para frente.

– Não deve ter tido muitos namorados expressivos. Ou músicos – acrescentou, como se não houvesse diferença.

Artemis balançou a cabeça.

– Não costumo namorar.

– Sou seu primeiro?

E havia tanta esperança ali que foi difícil para ela dizer a verdade.

– Claro que não. Os outros só não duraram muito.

Talvez tenha mesmo algo de errado comigo... Apolo passando o braço por trás de suas costas, contudo, acabou distraindo o rumo dos seus pensamentos, e Artemis eriçou-se um pouco, incomodada pelo frio. Virou-se para ele, e o garoto não demorou a cruzar as mãos na base de suas costas. Envolvida pela cintura daquele jeito, Artemis poderia inclinar-se sobre ele e pedir por um beijo.

A expressão de Apolo era atenta, talvez com um traço de ciúme. O garoto a observava com atenção, e Artemis não resistiu a apoiar as mãos em seus ombros, os apertando de leve. No topo daquele observatório escuro, era como se estivesse expostos para toda a cidade e, ainda assim, completamente escondidos.

Apolo estava ligeiramente gelado, ainda úmido da chuva, mas o corpo dele junto ao seu não poderia ser mais confortável.

– Acha que vai durar comigo?

Artemis considerou a pergunta. Escorregou uma mão por sua nuca, suas unhas pequenas o acariciando sem arranhar. Aquele era um pedacinho de pele ainda morno, e sua mente foi inundada por ideias e cenas do corpo todo do garoto se esquentando de novo debaixo de água quente.

– Eu não sei. – Mordeu o lábio inferior, tentando não sorrir. – Eu não me oporia, caso acontecesse – admitiu, ganhando o menor e mais lindo sorriso do mundo em resposta.

– Isso é bom – ele disse, se aproximando ainda mais. O sorriso escorregou para o canto dos seus lábios, mais perigoso do que tinha o direito de ser. – Porque eu acho que estou me apaixonando por você, Artemis.

O murmúrio baixo soou como o maior segredo do mundo, e Apolo a beijou antes que ela sequer arregalasse os olhos.

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Notas finais do capítulo

Sssh. Eu sei, eu sei.