O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 39
Capítulo Trinta e Nove




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Trinta e Nove

Apolo estava voltando para o centro da cidade, mas não exatamente pelas avenidas principais. Artemis não conhecia o bastante de Boston para entender o caminho, contudo, então apenas pacientemente ficou observando as ruas e o céu.

– Eu e o David estávamos certos – acabou comentando, reparando que as nuvens ficavam cada vez mais escuras. – Parece que vai mesmo chover.

Apolo não pareceu impressionado.

– Você não tem como saber até começar a chover – teimou, passando fluidamente por motoristas alucinados, felizes e apressados com o fim do último expediente da semana.

Artemis revirou os olhos.

– Erga os olhos para o céu. Não, não erga, você está dirigindo. – Fez uma pausa, percebendo algo. – Essa é, provavelmente, a única coisa na qual eu e o David concordamos desde que nos conhecemos. Ele não gosta nem um pouco de mim, não é?

– David não realmente gosta de ninguém. – O tom de Apolo era mais tranquilizador do que sincero, como se Artemis se importasse com a opinião de David. – Só contei para ele sobre nós porque ele iria acabar descobrindo por conta própria.

– Como? – Artemis perguntou, cética.

– David é muito bom em entender as pessoas.

Você que é muito transparente.

– Bom, seria legal se ele aprendesse a lidar com elas.

O canto dos lábios de Apolo se curvou para cima.

– Isso também vale para outro alguém que eu conheço.

Artemis o ignorou.

– Gabriel me contou do porquê dele estar na Berklee, aterrorizando a todos nós.

Apolo deu uma risadinha insatisfeita.

– Imaginei que ele não fosse conseguir manter a boca fechada.

– Apenas eu posso fazer esse tipo de comentário – Artemis o lembrou, uma sobrancelha erguida. – Mas, honestamente, não faz muito sentido. O único efeito colateral que David tem da abstinência são as olheiras, e algumas noites sem dormir dariam o mesmo efeito. Não vou considerar o mau-humor porque parece algo inato – acrescentou.

Apolo juntou as sobrancelhas, reduzindo a velocidade na esperança de que o semáforo abrisse logo.

– Não entendi. Aonde quer chegar?

– David não parece estar em tratamento para largar suas tendências alcoolistas.

– Não está – Apolo lhe respondeu, e então ficou em silêncio por um tempo. Artemis aguardou, e, quando o loiro voltou a falar, seu tom era cuidadoso. – Ele é um amigo da família. Ouvi parte da história.

Artemis inclinou a cabeça para o lado, interessada. Imaginou o rostinho curioso de Gabriel, e se forçou a ser sincera quando disse que guardaria segredo. Apolo dirigiu mais um pouco antes de continuar, ainda naquele tom de cautela.

– A família do David é milionária. Ele e um primo são os únicos herdeiros de uma vinicultura muito tradicional e antiga na França, e recebem quase totalmente o lucro sem precisarem pôr os pés por lá. David só estudou Medicina pelo o que ele chama de... como é mesmo que você diz? Abre aspas? – O garoto perguntou, com um meio sorriso. – Abre aspas, interesse pela mente humana.

– Fecha aspas – Artemis acrescentou, assentindo.

– Isso – Apolo sorriu. – Bom, vamos dizer que o alcoolismo dele é só um efeito colateral da depressão. David tem tomado remédios controlados tem mais de três anos, mas a situação ficou realmente crítica há cerca de seis meses... – Fez uma pausa. – Pelo menos é essa a história que entreouvi dos meus pais.

– A depressão dele piorou? Mas por quê? – Artemis inquiriu, curiosa.

– Não é difícil descobrir – Apolo respondeu, a olhando de soslaio com súbita descrença. – Com todo esse dinheiro, David nunca teve grandes projetos ou necessidades... Qualquer coisa que quisesse já lhe estava à mão... É um psiquiatra brilhante, mas não o melhor do mundo... E, mesmo que fosse, de que lhe serviria?

– Não entendi – Artemis não teve medo de dizer, confusa. Honestamente, que sentido aquilo fazia?

– Artemis, ninguém vive sem razão de ser – Apolo lhe explicou, mantendo contato visual pelo canto dos olhos castanhos. – Se nada faz o seu coração acelerar, ele perde a vontade de continuar batendo.

Aquilo a fez levantar as sobrancelhas, pega de surpresa.

– Isso... – parou, sem saber como continuar. – Eu gosto disso – decidiu, com cautela.

É como me sinto em relação ao balé. Observou Apolo, curiosa. Será que é o que ele sente quando toca? Quando sobe ao palco?

– É o que eu acho que aconteceu com o David – o garoto acabou concluindo, enquanto passavam por uma entrada de mão única ladeada por um muro baixo. – Chegamos à nossa segunda parada – anunciou, satisfeito, dando o assunto por encerrado.

Artemis olhou para o prédio na frente do qual Apolo estava estacionando. Era um edifício alto que terminava em uma elevada cúpula metálica, as janelas fechadas por persianas cinzentas.

– Impressionante – teve que admitir. – O que é esse lugar?

– Impressionada você vai ficar quando entrar – Apolo avisou, inclinando-se para abrir o porta-luvas. Guardou seus óculos escuros, e então se virou para Artemis com um meio sorriso. – Alguma ideia?

A garota ergueu os olhos para o topo do edifício.

– Essa cúpula é suspeita – começou, pensativa. – E, vejamos, está anoitecendo... assumindo que esse detalhe seja parte do plano – acrescentou, formando uma hipótese assustadora de tão maravilhosa. Não, seria querer demais... Mas a resposta de Apolo foi um “com certeza”, e Artemis voltou a olhar para cima, extasiada. – É um observatório astronômico? – perguntou, morrendo de medo de estar errada.

Apolo sorriu, os cantos dos seus olhos se enrugando de leve, obviamente cativado pela reação dela.

– E ele é todo nosso essa noite – acrescentou, talvez querendo que Artemis desmaiasse.

{...}

Se os papéis fossem invertidos, o garoto teria sido educado o bastante para esperar por Artemis enquanto ela conversasse com a moça por trás do balcão. No cenário normal, contudo, Artemis apenas lhe acenou enquanto apertava o botão do elevador, trocando o apoio do peso do corpo nos pés em ansiedade.

O loiro lhe acenou em resposta, adoravelmente surpreso, mas Artemis nem se explicou, pois logo as portas de metal se abriram para ela. A subida foi lenta e angustiante, Artemis observando o próprio reflexo nas paredes por falta do que fazer. Fazia anos que não encostava em um telescópio, e aquele observatório, de acordo com a placa na entrada, ainda pertencia ao MIT – no mínimo tinha equipamento de ponta!

Quando as portas do elevador tornaram a se abrir, ela alegremente pisou no corredor escuro. As luzes se acenderam assim que seu pé tocou o chão, e Artemis levou a mão à boca, em choque. O lugar era enorme, o teto de metal se erguendo a mais de oito metros do chão. Havia cinco telescópios posicionados estrategicamente, um grande painel com pôsteres e artigos de revistas e até um Sistema Solar feito de plástico suspenso no ar por fios transparentes.

Deu um passo à frente, mas recuou de imediato quando um bipe começou a apitar, luzes vermelhas se acendendo. Juntou as sobrancelhas, frustrada. É claro que precisaria de um cartão de acesso, como não pensara naquilo?

A espera por Apolo pareceu demorar horas, mas finalmente o garoto chegou, jogando um cartão metálico para cima e o pegando com um sorriso todo charmoso.

– Procurando isso aqui?

Artemis revirou os olhos.

– Esse bipe está me irritando. Abra logo – pediu, mal podendo esperar para regular o telescópio mais próximo. Mesmo com o tempo de chuva, provavelmente poderia ver algumas estrelas naquela noite tão... parou, erguendo os olhos para o teto de metal. Como veria qualquer coisa através daquilo?

– Quer ver uma coisa legal? – Apolo perguntou, correndo o cartão pela leitora magnética e destravando o mecanismo. Deu um passo para trás, permitindo que a garota entrasse primeiro. Artemis ergueu os olhos ao finalmente adentrar a cúpula, tomando nota de cada pequeno detalhe. O lugar era tão incrível.

– Claro – o respondeu, distraída. Quantos milímetros de abertura aqueles telescópios teriam? Duzentos, no mínimo?

Ouviu o barulho de alguns botões e se virou, curiosa, para ver Apolo olhando com expectativa para cima. Seguiu seu olhar, e então boquiabriu-se. A cúpula de metal estava se abrindo, descendo com uma lentidão que beirava o suspense proposital. Estática, Artemis percebeu que havia uma cúpula de vidro por baixo, e que, de repente, todas as luzes dos prédios ao redor deles eram visíveis, o céu um mistério em diversos tons de azul e cinza.

– Não podemos descer a de vidro – Apolo admitiu, soando chateado. – É medida de segurança, com essa chuva se aproximando.

– Não importa – Artemis o dispensou, encantada. – É lindo.

Devia estar ventando do lado de fora, as nuvens se mexendo de forma vagarosa. O Sol já havia se posto, só uma tênue coloração amarelada no horizonte, todo o céu em um tom maravilhoso de azul. As primeiras estrelas estavam aparecendo, tímidas diante de toda aquela tempestade, escondendo-se atrás das nuvens...

– A última vez que vim para cá foi no ano passado – Apolo contou, olhando com desinteresse para o paraíso ao seu credor. – É legal. A escola também trouxe a gente aqui na sétima... oitava série, eu acho.

Artemis o observou parado no meio do observatório, as mãos nos bolsos da calça jeans, parecendo tão à vontade e tão tranquilo... era incrível como as pessoas funcionavam. Ali, seus pés quase flutuavam acima do chão, mas Apolo não parecia não mais do que educadamente impressionado.

O que faria o coração dele acelerar? Apenas o palco, só a guitarra, só o piano? O que o deixaria tão encantado, tão maravilhado quanto Artemis estava naquele momento? Algo traria aos seus lábios não um sorriso confiante, mas um sorriso bobo, espontâneo e incontrolável?

– Se queria olhar só para mim, nem precisávamos ter subido até aqui – Apolo observou, com um ligeiro curvar de lábios.

– Eu não estava olhando para você – Artemis mentiu, embaraçada, revirando os olhos e voltando a se concentrar no telescópio à sua frente. – Você só se intrometeu no meu campo de visão.

– Claro – Apolo riu baixo, sendo prontamente ignorado.

Artemis começou a ajustar o cassegrain à sua frente, tentando se lembrar da última vez que tivera a oportunidade. O observatório de Nova York estava em uma reforma que parecia eterna, e antes disso...

– Eu estava pensando. – Apolo interrompeu suas lembranças, puxando uma cadeira para perto dela. Não demorou meio segundo para que uma respiração morna começasse a soprar fios do seu cabelo, roçando sua nuca. Quando ele chegara tão perto? – Um dia vou ser incapaz de erguer os olhos para a Lua sem pensar em você.

Artemis cuidadosamente olhou-o por cima do ombro, percebendo que Apolo tinha os braços apoiados no encosto da sua cadeira, o queixo encostado neles. Havia um ar todo satisfeito em seu rosto, suave malícia em seus olhos castanhos.

– Considerando o meu nome, parece lógico.

– Não é pelo seu nome. Nem pela deusa – admitiu, com um encolher quase imperceptível de ombros. – É por quem você é. Tudo aqui me lembra de você.

– Você não me conhece tanto assim – Artemis replicou, incomodada.

– Queria que houvesse se visto quando a cúpula desceu.

O transparente aqui é você, não eu, Artemis percebeu, surpresa. Não sou expressiva, nunca fui.

– Vamos ficar sozinhos aqui em cima? – foi como o respondeu, sem saber o que fazer com o rumo que a antiga conversa estava tomando. – Temos quanto tempo?

– Quanto tempo você quiser – Apolo lhe respondeu, prolongando as sílabas, praticamente ronronando de satisfação com a própria capacidade de ser um namorado tão atencioso. – Como aprendeu a mexer em um telescópio?

Artemis voltou o olhar para frente, mordiscando a parte interna da bochecha.

– Eu tinha um pequeno quando era criança – contou. – Não chegava nem perto desse, é claro, que é profissional... mas era bom. – Pequeno, delicado, presente de seu pai. – Refletor, noventa milímetros. Mas se quebrou, e eu nunca mais ganhei outro.

Apolo riu baixinho.

– Você, quebrando alguma coisa?

Quantas vezes foi chamada para o jantar, Artemis? A voz era cortante. Quantas? Era uma exigência que não seria satisfeita com nenhuma resposta.

A fúria de Elizabeth partira o telescópio em dois e rachara sua lente, deixando-o como sucata no chão. Artemis lembrava-se dos cantos de seus olhos ardendo, do nó enorme na garganta, do terrível sentimento de culpa – ouvira os chamados para o jantar – e do desespero para não cair no choro; seu pai sempre lhe dissera para não chorar na frente da mamãe, não chorar na frente da mamãe, não chorar na frente...

Está chorando? E ali estava o aperto em seu braço, unhas compridas pintadas de vermelho penetrando na pele macia, deixando marcas que ela faria de tudo para esconder de seu pai quando ele chegasse de viagem.

Traçou um desenho sem forma no suporte do telescópio com a ponta do dedo.

– Foi a minha mãe. Mas foi sem querer – acrescentou, suave. – Quer tentar ver alguma coisa? – propôs, olhando para Apolo por cima do ombro. Distraia-me. Você faz isso sempre tão bem. – Só é uma pena que o tempo não esteja perfeito, planeta algum vai ser visível.

– Fiz a reserva há umas semanas, nem me ocorreu olhar a previsão do tempo – Apolo admitiu, desviando o olhar para a nuca de Artemis. – Falha minha.

Há quanto tempo Apolo tem isso planejado?, não pôde evitar se perguntar. Não deve ter sido fácil reservar o observatório do Instituto de Tecnologia de Massachusetts apenas para duas pessoas.

– Sempre dá para ver alguma coisa – tornou a falar, com cautela. – O céu não está tão fechado assim. Talvez seja até melhor que fique mais escuro, isso realça as estrelas.

O canto dos lábios de Apolo se curvou para cima, seus olhos castanhos lentamente indo encontrar os dela.

– Se você diz. Como são as estrelas de perto? Elas têm algum formato?

Artemis teve que encará-lo.

– Você realmente passou pela quinta série? Os testes de admissão da Berklee precisam ser revistos com urgência. – Apolo a encarou de volta, e ela acabou balançando a cabeça e sorrindo de leve, embaraçada. – Dá para ver algo muito legal pelo telescópio – contou, em tom tranquilo. – Muitas estrelas que vemos são, na verdade, duas ou três, tão próximas umas das outras e tão distantes de nós que achamos que são uma só. Como a Alpha Centauri – exemplificou, se virando para frente e procurando por ela, rezando para que estivesse visível. Ha. – Aqui. – Ajustou o foco. – Pronto. Já dá para ver que são duas estrelas.

Estava prestes a se levantar para lhe dar espaço quando Apolo se inclinou, erguendo-se da cadeira e apoiando uma mão no suporte do telescópio para que pudesse ver através dele. Artemis congelou no lugar, pega de surpresa. A camiseta dele era macia e tinha um cheiro agradável, e ela foi incapaz de se mexer quando Apolo apoiou a outra mão em seu ombro por equilíbrio, seu tórax inconfortavelmente pressionado contra a parte de trás de sua cabeça e seu ombro.

– Hummm – ele murmurou, voltando a se sentar como se não houvesse feito nada demais. – Bom, tinha pelo menos cinco estrelas ali. Como eu iria saber qual era a Alpha... Centauri? É esse o nome?

– Sim – Artemis concordou, talvez mais rapidamente por nervosismo. – E é fácil, ela está à leste do Cruzeiro do Sul.

– Como eu não... ah, droga! – Apolo exclamou, se levantando num pulo. Gotas pesadas de água batiam no teto de vidro, vindas tão repentinas quanto um passo em falso. – Não acredito que já começou a chover! – Procurou pelas chaves do carro no bolso, já se afastando na direção da saída.

– Vamos embora? – Artemis perguntou, desolada, inconformada com aquela queda d’água súbita, tão típica do verão. Contra o vidro, o barulho da chuva era alto, delicioso e torrencial; com um cobertor, dormir ali seria uma experiência maravilhosa.

– Vou só guardar o carro no estacionamento coberto – Apolo lhe garantiu. – Volto logo.

Artemis assentiu, erguendo os olhos para observar a água escorrendo. Não sabia o que era melhor, ver as estrelas ou a chuva... como Apolo sequer conseguia agradá-la tanto, mesmo que por acaso?

Ah, se eu acreditasse em destino...

{...}


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo foi tão pedido que eu nem sei se fiz a revisão apropriada... mas os reviews de vocês me tiraram o fôlego! Gente, obrigada mesmo! Vocês são os melhores do mundo *---*