O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 38
Capítulo Trinta e Oito




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Trinta e Oito

Artemis buscou ganhar tempo acrescentando morangos ao seu iogurte, pensando em como respondê-lo. Meus pais? Não fazia ideia de como começar algo que não fosse as meias-verdades ensaiadas que sempre usava.

– Eu já te contei que o meu pai é um diplomata – começou, hesitante. – Ele está na Austrália, agora, mas sempre passou muito tempo fora. Passei a maior parte da minha infância com a minha mãe.

– Você disse que ela havia falecido – Apolo a lembrou, provavelmente notando a hesitação da garota.

– Eu tinha onze anos. – Artemis ergueu os olhos, se sentindo um pouquinho mais à vontade. – Ela era uma atriz incrível – contou, com suavidade.

As sobrancelhas loiras de Apolo subiram.

– Sério?

A risada de Elizabeth O’Farrell era rica, suntuosa e rara, e Artemis a ouvia em sua mente enquanto o respondia.

– Ela amava teatro, e sua vida era a Broadway. – Parou. Eu terei que repetir, Artemis?, pôde ouvi-la, a voz estridente. A minha cabeça está me matando, não me deixe estressada! Nem tudo cabia em uma conversa casual de fim de tarde. – É complicado.

– Tente.

Artemis o encarou, mas Apolo sustentou seu olhar, obviamente interessado pelo resto da história. Artemis respirou fundo, balançando a cabeça. Seria menos trágico se Apolo não fosse loiro como seu pai; os dois poderiam facilmente se encaixar como versões mais novas deles. Pensar em idade a lembrou de sua mãe de novo, e ela prendeu o lábio inferior entre os dentes por breves segundos antes de voltar a falar.

– Ela não soube lidar com o tempo – repetiu, com cuidado, a mesma coisa que seu pai sempre havia lhe dito. – Os anos corriam, e ela não recebia os papeis que queria. Meu pai disse que ela mudou tanto que, quando morreu, não lembrava em nada a mulher com quem ele havia se casado. Enlouqueceu quando lhe ofereceram Madam Thénardier para Os Miseráveis. Queria Eponine, veja só – abriu um sorriso triste. – Até sua morte foi um teatro. Ela se jogou da escada – suspirou, balançando a cabeça.

A mamãe vai voltar?

Não, querida. Ela foi para o céu agora. Vovó e vovô cuidarão dela.

(Ainda bem!)

– Eu sinto muito – Apolo disse, arrancando Artemis de suas lembranças. O loiro parecia ao mesmo tempo chocado e envolvido, naquele fascínio mórbido que histórias trágicas despertavam.

– Não sinta – Artemis replicou, com suavidade. – Foi há muito tempo.

– Quem cuidou de você, com o seu pai viajando tanto?

– Oh, ele deu um tempo – Artemis respondeu, seu sorriso tornando-se só um pouco mais sincero. – Passou alguns anos em casa comigo, viajando apenas nas férias, me levando junto quando podia. Conheci a Dinamarca e a França. Quando eu não podia ir, ficava com a governanta. Fui emancipada aos dezesseis, e então passei a morar sozinha.

– Com dezesseis? – Havia surpresa na voz de Apolo, e um pouco de inveja também.

– Eu já estava terminando a escola, e iria começar a faculdade no ano seguinte – Artemis explicou, com pouco caso. Pelo pouco que sabia, os pais de Apolo não pareciam ser do tipo que deixariam o filho morar sozinho tão facilmente assim. (Qualquer mãe em seu juízo perfeito morreria de ciúmes de Apolo, em primeiro lugar.)

Dario acendeu as luzes da varanda de repente, e ela se surpreendeu ao ver como o tempo havia passado. Já estava escurecendo, as casas ao redor deles ganhando vida com suas luzes amareladas. Criava uma atmosfera mais confortável, talvez mais íntima. Apolo teria planos para depois?

– O que o seu pai achou de você ter vindo para cá? – o loiro perguntou, interrompendo suas conjecturas.

Boston?, fora a primeira reação de Sebastian Lancaster, surpresa evidente em sua voz. (E um pouco de ressentimento, talvez?) O consulado só tem sede em Nova York. Não vou poder vê-la tanto como gostaria.

Você se preocupa demais com isso.

(Imaginara-o sorrindo do outro lado da linha. Telefonemas eram ruins por isso, mas Artemis sempre podia ver as reações de seu pai.)

– Ele ficou um pouco surpreso – ela acabou respondendo. – Nova York era melhor porque, eventualmente, ele ainda voltava para cá para preencher papéis ou participar de alguma reunião. Boston ficou um pouco distante. – Correu a unha pela mesa, distraída. – Mas ele vem para a apresentação em Dezembro.

Algo cruzou a expressão de Apolo e, quase como se ele fosse tão fácil de se ler como seu pai, Artemis entendeu facilmente. Alguma chance de eu conhecê-lo? Sentiu-se mal e desviou o olhar para o céu. As primeiras estrelas estavam surgindo, uma ou duas apenas, mas nuvens pairavam ao redor da cidade de forma ameaçadora.

– Seria uma noite linda – acabou dizendo, voltando a olhar para ele. – Pena que vá chover.

Aquilo pareceu satisfazer Apolo ainda menos.

– David disse a mesma coisa. – Fez uma pausa, franzindo os lábios por meio segundo. – Queria poder te apresentar aos meus pais – acabou dizendo, um tom desconfortável de sinceridade em sua voz.

Artemis inclinou a cabeça para o lado, pensando em um pedido de desculpas.

– Acha que eles gostariam de mim?

Apolo pareceu achar graça.

– É claro.

Artemis não fazia ideia do porquê.

{...}

Despediram-se de Dario logo depois, Apolo dizendo, em tom de suspense, que ainda tinha outro lugar para levá-la. Quando se aproximaram do conversível, o garoto abriu a porta para ela, e Artemis o encarou, curiosa.

– Você nem sempre faz isso. Lapsos eventuais de cavalheirismo?

Apolo desviou o olhar para a rua por uma fração de segundo, parecendo embaraçado.

– Eu às vezes me esqueço de que tenho que te impressionar – acabou respondendo. – Às vezes não parece que estamos saindo como mais do que amigos.

Artemis levantou as sobrancelhas, incrédula.

– Eu sou a última pessoa para quem você poderia dizer isso – argumentou, confusa. – Não devo ter nada em comum com nenhum dos seus amigos. E nem com você, só para constar.

Apolo gesticulou para que ela entrasse, e Artemis se sentou, observando, surpresa, quando ele fechou a porta e se inclinou para apoiar os braços sobre o metal vermelho, o rosto perto do dela.

– Não é como se esse tipo de coisa tivesse explicação.

E lá estava; proximidade demais, sorriso pequeno, frase nada sutil, carregada de sentimentalismo excessivo. Aquilo era tão Apolo que Artemis se viu perguntando se o garoto não estava com vontade de beijá-la de novo, já estando perto o bastante para isso.

Balançou a cabeça suavemente, correndo as unhas pela palma da mão.

– Ao menos explica por que você tem falhado tanto em me impressionar.

Apolo riu baixinho, inclinando um pouco a cabeça para baixo, e Artemis se encantou pelo tom de dourado dos fios loiros sob as luzes amareladas da rua. Ergueu a mão e afastou o cabelo dele de seu rosto por impulso, se surpreendendo quando ele ergueu a cabeça de imediato, talvez tão surpreso quanto ela.

Se Apolo quisesse beijá-la naquele momento, Artemis seria a última pessoa a se opor. Mordeu a parte interna da bochecha, contudo, ao imaginar Dario indo à calçada e os flagrando por acaso. Voltou a apoiar a mão sobre o colo, ainda sentindo a maciez do cabelo do garoto nas pontas dos seus dedos.

– Deveríamos ir embora – sugeriu, nervosa. – Dario pode acabar nos vendo.

Apolo suspirou, quase como se estivesse decepcionado.

– Claro. – Endireitou-se, contraindo os dedos das mãos antes de se afastar, um gesto que Artemis não sabia se associava a ansiedade ou contenção. Ela aproveitou para respirar fundo enquanto ele dava a volta, e Apolo tornou a falar assim que se sentou. – Você quer ir a algum lugar ou podemos continuar com os meus planos?

Ela considerou a pergunta, inclinando a cabeça para o lado.

– Depende. Posso não gostar dos seus planos.

Apolo girou a chave, um sorriso de lado nos lábios.

– Impossível. Eu nunca erro.

De novo. Aquele era um lado de Apolo que não permitia a Artemis esquecer-se de que o garoto era um músico, um romântico, um leitor. Balançou a cabeça, um pouco frustrada.

– Você realmente precisa parar de falar e de agir como se estivéssemos em um filme.

Mas o garoto só a olhou de lado, o vestígio de um sorriso ainda nos lábios.

– Nunca ouviu dizer que a vida é uma história? Estou fazendo da minha uma boa. Eu compraria um livro sobre mim – e ele se virou para frente ao manobrar o conversível pela rua estreita, sem saber que acabara de deixar Artemis com mais um motivo para demorar a dormir à noite.

{...}


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Notas finais do capítulo

Ou vocês tiram minhas músicas do Charlie Brown Jr. de perto de mim ou eu vou pôr Apolo ouvindo Dona do meu pensamento e mandar a coerência sair de fininho. Mentira, eu não faria isso. De qualquer forma, voltamos ao tamanho normal dos capítulos! E a Artemis falou até bastante, não falou? Façam as inferências que quiserem. Gostando, amores? Beijinhos.