O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 34
Capítulo Trinta e Quatro




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/472294/chapter/34

O Lado Escuro da Lua – Capítulo Trinta e Quatro

Artemis nunca havia ido a um psicólogo (nem a um psiquiatra, graças a Deus – se todos fossem como David, talvez preferisse passar de vez por uma lobotomia ao invés de ir às consultas), mas sabia exatamente o tipo de pessoa que era.

Sabia que tinha mudanças de humor constantes, sabia de seu complexo de negação, sabia como era autodestrutivo não se expressar como deveria. E sabia, principalmente, como mudava fácil de ideia.

Não que ela fosse indecisa; Artemis era a pessoa mais determinada que conhecia. O problema, talvez, fossem as raras pessoas capazes de fazerem-na se deixar levar. Artemis, até então, achava que só conhecia uma pessoa capaz disso (e era seu pai, pelo amor de Deus) – obviamente, havia subestimado Apolo.

No que eu estava pensando?, ela repetia para si mesma, infinitas vezes, enquanto corria a mão pelo cabelo e tentava conter o choro. Já passava da meia noite, e ela estava na mesma cama onde, horas antes, havia rido levianamente com Gabriel sobre o próprio namoro às escondidas. Como pude ter concordado com isso?

Ela não conseguia responder a essas perguntas sem se lembrar da mão dele em sua cintura, do seu perfume fraco, de como o ar ficava escasso quando ele se aproximava. Sem se lembrar de como ele era confiante em tudo o que fazia, e de como a fazia se sentir completamente segura.

O irônico era que era exatamente o contrário, pensou, amargurada, enxugando as lágrimas teimosas que insistiam em cair. Não eram as primeiras; desde que Gabriel fora embora, Artemis voltara a si e caíra em um choro e um desespero compulsivos.

Apolo me odiaria, se soubesse... fungou, relanceando um olhar para o papelzinho dobrado sobre a cômoda. Alguma chance do garoto estar acordado? Como se eu pudesse sequer falar com ele agora, decidiu, balançando a cabeça para a própria burrice. Apolo perceberia logo que estou chorando, e é idiota o bastante para vir até aqui só por conta disso.

Procurou se acalmar um pouco, mas olhar para o relógio só aumentou seu desespero; já não havia passado por aquilo antes, várias e várias vezes? Talvez devesse realmente procurar um psicólogo, ou, melhor, talvez arrumar de vez aquela lobotomia.

Nem estou mais fazendo sentido, concluiu, cantos dos lábios se curvando de leve para cima. Enxugou os olhos uma última vez e estendeu o braço para a cômoda, pegando o celular.

“Mudei de ideia”, digitou, com cuidado. “Queria dizer que sinto muito, mas não sinto.” (Estou fazendo o que é certo, tentou se convencer). “Boa noite, Apolo.”

Encarou os caracteres por longos minutos, se perguntando se a mensagem se parecia com algo que uma Artemis em estado normal escreveria. Não tem como ele saber, concluiu, pegando o bilhete e lendo os números pela iluminação fraca do celular. (Digitou-os rápido o bastante para que não os memorizasse, e enviou a mensagem logo.)

Mordendo o lábio inferior, voltou a pôr o celular sobre a cômoda e amassou o bilhete, deitando-se na cama e afundando o rosto no travesseiro. Havia feito o certo, não havia? Tinha a consciência limpa, e nada a impediria de dormir.

Viu-se, contudo, pegando o celular menos de vinte minutos depois, quando se manter confortável debaixo das cobertas não foi o bastante para fazê-la dormir. A ansiedade por uma resposta era enorme, mesmo que viesse junto com um pouco de medo e um pouco de resignação com o fato de que, talvez, Apolo estivesse dormindo e só fosse respondê-la pela manhã.

Seus dedos apertaram o lençol quando ela viu que havia recebido uma resposta – lê-la, entretanto, a fez ter vontade de chorar de novo.

“Me acordou para dizer isso? Disse que queria que usasse meu número, mas não agra. Podemos conversar amanhã.”

Estava até faltando uma letra na mensagem, Apolo provavelmente tendo acabado mesmo de acordar. Artemis respirou fundo, e percebeu que não conseguiria voltar a dormir naquela noite se não se livrasse daquele problema de uma vez por todas.

Eu não quero te ver amanhã.

A resposta não demorou a chegar.

Vá dormir.

Artemis rosnou, frustrada.

Converse comigo!

A resposta dele não veio em mensagem, mas em uma chamada, menos de meio segundo depois. Artemis observou aqueles números (que ela queria tanto não memorizar) brilharem na tela, e perguntou-se se a própria voz estaria estável o bastante, se haveria chance de alguém ouvir do corredor, se não seria melhor atender no banheiro – se não seria melhor não chegar nem a atender.

Quando o que se pareceu com uma eternidade passou, Artemis se viu atendendo por medo de que parasse de chamar, levando o celular à orelha sem, contudo, dizer alguma coisa.

– Artemis? – Aquela voz já era linda, mas, quando saía rouca e arrastada daquela forma, não deixava escolha a Artemis que não fosse imaginar Apolo deitado na cama, o cabelo amassado contra o travesseiro. (Por que, Deus, por quê?) – Estou conversando com você agora.

Ela deveria ter deixado seu celular tocar até cair; já sentia qualquer coisa dentro de si cedendo, sua mente já vindo com as desculpas de sempre, com as dúvidas, a esperança de que talvez conseguisse conciliar tudo, de que talvez desse certo...

E isso que só ouvi sua voz. Persuasão, teu nome é Apolo.

– Eu me arrependi – começou a dizer logo, porque ele precisava entender rápido se ela quisesse desligar rápido. – Eu não posso, não quero namorar com você. Não diga nada, não venha nem com clichê, nem com coisas doces, nem... – parou, a mão correndo para a boca quando se viu quase à beira das lágrimas de novo.

Você fica linda assim. É lindo te ver dançando.

(Aquela risada baixa que achava que só ela ouvia).

Me diga algo que eu não sei.

Boa noite, Artemis.

– Artemis?

– Cuidado para não acordar o David – sussurrou, um nó apertado na garganta. – Eu já disse tudo o que eu queria.

De imediato, Apolo não disse nada, nem desligou. A ligação se estendeu por mais um ou dois minutos, em que tudo o que Artemis podia ouvir era a respiração dele do outro lado, talvez a movimentação de um travesseiro contra a cabeceira da cama (o garoto estaria procurando por uma posição mais confortável para uma conversa séria? Artemis não estava em condição alguma de ter uma conversa séria naquele momento).

– Você está bem?

E Artemis grunhiu e afundou o rosto na outra mão porque droga, como ele poderia saber? Uma resposta apropriada lhe veio à mente (é tão convencido que uma garota teria que estar passando mal para terminar com você?), mas teve medo de falar e trair o próprio choro.

– Vai dar tudo certo. – O tom de Apolo se suavizou. Artemis piscou, surpresa, encolhendo os dedos e sentindo a palma da mão coberta de suor frio. – Ninguém vai descobrir. Eu nunca contaria para ninguém, você pode ter certeza.

Artemis já havia ouvido promessas antes, mas todas elas haviam soado sempre tão mais perigosas, tão mais ameaçadoras. O que Apolo estava fazendo era mais um pedido, uma carícia suave à sua inquietação. Ela fungou disfarçadamente, tentando pensar no que dizer.

Não podia se render de novo, não podia.

– Confie em mim.

Não iria, não iria.

– Vou cuidar de você.

Artemis entreabriu os lábios, sentindo lágrimas rolarem por seu rosto de novo. Seus olhos já estavam irritados e inchados, e ela duvidava que qualquer outra pessoa no mundo pudesse ser capaz de chorar tanto. Não os secou, porque de que adiantaria?

– Volte a dormir – pediu, engolindo em seco. – Eu já me decidi.

Um silêncio mais curto do que o primeiro se seguiu, mas, quando Apolo falou, seu tom ainda era cuidadoso.

– Está quase chorando por quê?

Artemis sorriu, porque quase chorando estava tão longe da verdade quanto possível. Correu a mão pelo cabelo e respirou fundo, fazendo seu melhor para se acalmar.

– Boa noite, Apolo.

– A Culpa é das Estrelas – foi como ele a respondeu, tão rápido que era como se tivesse medo de que ela desligasse. – É esse o livro.

Artemis limpou as lágrimas do rosto, sem coragem de desligar. Já havia ouvido falar naquilo. Capa bonita, frases de efeito e uma morte triste no fim. Porque, de fato, tudo o que ela precisava era de mais tristeza. Abaixou o olhar para o lençol.

– É o que você queria que eu lesse? – perguntou, quietamente.

– É o que eu quero que você leia – a correção do tempo verbal veio sutil. – Vou arrumar para você.

Artemis assentiu, se esquecendo de que ele não podia vê-la. Observou as dobras do cobertor, ouvindo a respiração dele do outro lado. Talvez, se Apolo estivesse ao seu lado, ele a convencesse a se deitar sobre ele, como Zoe havia feito no telhado no que parecia ter sido anos atrás.

Talvez ele conseguisse fazê-la adormecer.

Deitou-se na cama, cobrindo-se até os ombros.

– Me conte a história – pediu, em um murmúrio.

Apolo demorou alguns segundos para responder, e Artemis já estava se arrependendo quando o garoto tornou a falar de novo, lhe explicando nomes, uma metáfora, Amsterdã e uma árvore de Natal. Ele poderia ter contado a história em dois minutos ou em uma hora, Artemis seria incapaz de dizer a diferença, sua respiração ficando mais lenta, seu coração batendo mais devagar.

Quando Apolo por fim terminou, Artemis podia dizer que estava procurando por outra coisa para falar, só para que ela não desligasse. Observou o espaço vazio de sua cama, perguntando-se como seria imaginar Apolo ao seu lado.

– Você chorou? – perguntou, quando o silêncio se estendeu por tempo demais.

– Não.

Artemis fechou os olhos.

– Tudo bem. Não vou contar para ninguém.

O duplo sentido era agridoce, e ela ouviu seu leve sorriso quando Apolo a respondeu.

– Boa noite, Artemis.

Não era a despedida educada que parecia ser. Era um okay tão grande quanto o da história, uma pergunta antes de tudo. Artemis aninhou-se mais em sua cama antes de respondê-lo, acalmando todas as suas inquietações pouco a pouco – melhor, deixando que a lembrança da voz deliciosa dele as acalmasse.

Seu travesseiro era morno, e cheirava como uma mistura de seu shampoo e do seu hidratante; algo que ela conhecia bem, e que falava de casa mais do que qualquer outra coisa que conhecia.

Ouviu sua respiração do outro lado da linha por mais alguns segundos, e entreabriu os olhos ao respondê-lo. Talvez eu não me arrependa da minha escolha.

– Boa noite, Apolo.

Os dois talvez tenham desligado juntos; Artemis caiu no sono tão fácil que foi como se Apolo a houvesse posto no colo.

{...}


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não vou assumir a culpa pelas cáries que dei a vocês, os dentistas que lucrem. Comentários são tão bem-vindos quanto chocolate de graça, e isso diz muita coisa. Beijinhos