O Lado Escuro da Lua escrita por MaeveDeep


Capítulo 20
Capítulo Vinte




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O Lado Escuro da Lua – Capítulo Vinte

Artemis era a última pessoa do mundo a propositalmente faltar a aulas, mas Apolo, por outro lado, era um excelente motivo para fazê-lo. A garota abriu mão de todas as suas aulas vespertinas e permaneceu no dormitório por toda a tarde, prevenindo-se de qualquer tentativa do loiro de encontrá-la.

Aquela era, afinal, a sexta-feira. Apolo havia dito "até amanhã" na noite anterior, mas eles não poderiam sair se sequer se encontrassem, certo? Artemis o imaginou sozinho na entrada da Academia, olhando o Sol se pôr enquanto as horas passavam, e franziu os lábios, insegura.

— Olá, sexy! – uma voz animada gritou da porta, e Artemis afundou-se no sofá.

Até onde supunha, Gabriel ainda estava chateado com o que quer que houvesse acontecido entre ele e David, mas, quando o garoto saíra para as aulas da tarde, já parecera bem mais animado só com a perspectiva de ver Michael de meia-calça.

A julgar pela rapidez com que o dançarino saltitava até o sofá de Artemis, ele havia, aparentemente, voltado ao normal. O que era uma pena.

— Me faz um favor? – ele pediu, ajoelhando-se no chão e apoiando o queixo no braço do sofá.

Artemis não virou o rosto para ele, o encarando pelo canto dos olhos. A raiz dos cachos castanhos estava molhada de suor, e os olhos da mesma cor piscavam com uma fofura fingida.

— Eu não vou segurar a câmera para o seu primeiro pornô amador, se é isso que você quer.

Gabriel estalou a língua, decepcionado.

— E pensar que eu faria de tudo por você.

— O que você quer, Gabriel?

— Você pode ir comigo ao anfiteatro?

Artemis finalmente virou o rosto para ele, sem entender.

— Ao anfiteatro? – repetiu. – Por quê?

Até onde sabia, aquele era praticamente o covil dos músicos da Berklee.

— O David disse à Victoria que já tinha alguma coisa pronta, sei lá o que é, e ela ficou com vontade de ver, mas não teve tempo de pedir a ele – Gabriel explicou. – Como eu estava passando, e eu sou sexy, ela pediu para que eu buscasse com eles.

Artemis suavizou o olhar.

— Não quer ver o David sozinho?

— Não tão cedo – ele admitiu.

Artemis largou o livro que lia e correu uma mão pelo cabelo suado do garoto, o bagunçando de brincadeira, sentindo os fios embaraçados, úmidos e macios. Era estranho, ainda mais para ela, desacostumada a encostar em pessoas, mas pareceu algo apropriado para se fazer.

— Eu sou magnífica, por isso vou com você. Podemos só esperar mais um pouco? Quero ter certeza de que os ensaios já acabaram.

Foi a vez de Gabriel a olhar com curiosidade.

— Por quê? Ah – fez, sem que Artemis precisasse explicar alguma coisa. – Apolo. Entendi. É hoje o encontro de vocês, não é?

— Não, não é, porque não vai acontecer – Artemis o corrigiu. – Mas, sim, aquele petulante o havia marcado para hoje.

— Então é hoje – Gabriel concluiu, sem levá-la em consideração. – Sério, Artemis, você tem que sair dessa negação. Quero dizer, pelo menos eu assumo minha vontade de dar para o David. Você já passou da hora de aceitar que forma um casal muito lindo com Apolo.

Artemis ergueu uma sobrancelha, abstendo-se de comentar o vocabulário chulo e se perguntando como Gabriel poderia ser tão adorável em alguns momentos e tão insuportável em outros.

— Uma das bailarinas mais dedicadas desse país com um guitarrista vagabundo? Lindo, é claro. Não sei como não temos um filme da Disney sobre isso.

— Um psiquiatra temperamental que toca violino e um dançarino de balé? – Gabriel sugeriu de volta. – Se eu e o David podemos dar certo, você e Apolokins também podem.

— Você e o David não podem dar certo.

— Nossa, Artie, obrigado.

— Oh, desculpe. Achei que dois foras já houvessem deixado tudo bem claro.

Gabriel lhe lançou um olhar sério, o que foi mais ou menos engraçadinho.

— Só por que o David não fica correndo atrás de mim como Apolo corre atrás de você, não quer dizer que não esteja interessado.

— Gabriel, David foge de você.

— Assim como você foge de Apolo – o garoto comparou, parecendo satisfeito. – E nós dois sabemos que você está interessada. Só é preciso encontrar um jeito de te fazer admitir, o que também vale para ele.

Artemis revirou os olhos.

— Se tem tanta certeza disso, vá lá vê-lo sozinho no anfiteatro.

— Você disse que iria – Gabriel fez biquinho, soando traído. – E eu não posso vê-lo sozinho, ainda mais depois de uma tarde toda vendo o Michael malhar pernas e bunda na minha frente. Glúteos, a vadia ruiva diz – ele acrescentou. – Enfim, periga eu tirar a roupa e pular em cima do David.

— Imagens mentais fantásticas, obrigada.

Gabriel ajeitou o peso do corpo, apoiando-se mais confortavelmente sobre seus joelhos enquanto inclinava a cabeça para o lado.

— Faltou às aulas de hoje à tarde para não encontrar Apolo? Cuidado, ou ele vai achar que é importante.

— Não diga bobagens – Artemis o repreendeu, desconfortável, se levantando. – Acho que eles já saíram de lá.

Gabriel se pôs de pé também, sem parecer convencido.

— Olha pelo lado bom, você está bonita o bastante para sair com ele – comentou, a observando sem a menor discrição.

Artemis olhou para a roupa que vestia – jeans, sapatilhas e uma blusa de frio leve e macia –, revirou os olhos e liderou o caminho até a saída. Entre Apolo e Gabriel, tinha certeza de que ao menos um dos dois a enlouqueceria.

{...}

O anfiteatro era a glória da Academia. Com capacidade para trezentas pessoas, em mármore claro e com cortinas de veludo vermelho, tinha um teto alto que formava uma abóbada, e era iluminado por lustres prateados enormes. Era um dos lugares mais lindos que Artemis já vira, o que certamente significava alguma coisa.

Quando os dois entraram, apenas o palco estava iluminado, assim como a parte da frente, onde, para desgosto de Artemis, havia alguns músicos – estudantes, ela se corrigiu – ainda com seus instrumentos. Ela procurou se tranquilizar, dizendo a si mesma que não havia motivo para Apolo estar no meio de violinistas e pianistas, e lembrando-se dos estudantes pelos quais havia passado no caminho até ali.

Ele já foi embora, se convenceu, seguindo atrás de Gabriel pelo caminho lateral. David não estava à vista, então, provavelmente, o ensaio já havia mesmo acabado. O professor talvez nem estivesse mais ali, no máximo revendo alguma coisa no backstage. Ela estava prestes a dizer a Gabriel para retornarem quando a música começou.

Virou seu rosto tão rápido que talvez houvesse até machucado o pescoço. As notas saíam do piano escuro, elegante em suas curvas de madeira. Ela estreitou os olhos, entrevendo, pelo alçapão aberto, um pianista loiro de pele bronzeada.

Ah, Deus.

Tendo uma vaga noção de que Gabriel continuava descendo as escadas, Artemis congelou no lugar, ouvindo o ritmo da música se acelerar, as notas vibrantes e agitadas. Era moderna e rápida demais para qualquer peça de balé, mas enchia o ar como se fosse arte.

Talvez fosse, ela considerou, os olhos arregalados na direção do pianista. Não era possível, não podia ser...

What if the storm ends and I don't see you, as you are now, ever again? — Artemis afundou as unhas nas palmas das mãos, arrepiando-se por um motivo bem diferente do frio. The perfect halo, of gold hair and lightning, sets you off against the planet's last dance. – As palavras eram mais ditas do que cantadas, mas, com aquela voz tão macia, quando Apolo precisara de ritmo? – Just for a minute, the silver-forked sky lifts you up like a star... that I will follow. But now it's found us, like I have found you. I don't wanna run... just overwhelm me.

Foi só quando ele parou de cantar – sua voz gostosa deixando de ecoar pelo anfiteatro, o que ele estava usando, um microfone? – que Artemis notou que mais instrumentos haviam se juntado à música, violinos, violoncelos e mais alguns que ela não conhecia.

What if the storm ends? At least that's nothing. Except the memory, a distant echo… I won't pin down, I've walked unsettled. Rattle cage after cage, until my blood boils. I wanna see you, as you are now, every single day that I am living. Painted in flames, a peeling thunder… be the lightning in me that strikes relentless. – Artemis engoliu em seco, entreouvindo a respiração dele junto com sua voz.

A música estava preenchendo o ar como se fosse matéria sólida. Ela teria se surpreendido se, no dormitório, não a houvesse ouvido, tão rica, tão linda, tão perfeitamente executada. Não havia uma nota errada, uma hesitação breve. Apolo parecia mover as mãos pelo piano com uma naturalidade que gritava ser talento.

Os lábios de Artemis estavam entreabertos, e ela surpreendeu-se quando, tão surpreendentemente quanto havia se encorpado, o ritmo se desacelerou, atingindo notas suaves e bem-colocadas.

What if the storm ends, and I don't see you, as you are now, ever again? – a voz saiu mais baixa, suavizada. – The perfect halo, of gold hair and lightning, sets you off against the planet's last dance. Just for a minute, the silver-forked sky, lifts you up like a star that I will follow. But now it's found us, like I have found you. I don't wanna run… just overwhelm me.

Artemis balançou a cabeça para si mesma, perdida, enquanto os colegas de Apolo se aplaudiam e Gabriel gritava qualquer coisa ao subir ao palco. Foi lentamente que se aproximou, ainda incerta, sem saber se ousava acreditar no que havia acabado de ver.

Quem teria imaginado?, perguntou-se, mesmerizada, observando Apolo tirar os headphones que usava enquanto ria de algo que Gabriel estava dizendo. Subiu ao palco pela escadinha lateral, e se aproximou em passos hesitantes, ainda sem saber o que dizer.

Apolo estava de jeans, como sempre, e uma camiseta do The Doors. Por algum motivo, calçava apenas meias brancas, e parecia completamente confortável em cima do palco. Artemis nunca, nem em delírio, teria apontado para aquele garoto e dito que era um pianista tão talentoso.

— ... rascunhos das partituras, ele deixou mais ou menos pronto antes de ontem – o loiro ia explicando a Gabriel. – Estão lá nos fundos, pode ir pegar.

— David não ensaia com vocês?

Apolo ia respondê-lo quando viu Artemis, e então parou o que quer que fosse dizer. O canto de seus lábios curvou-se suavemente para cima, e Artemis quis correr a mão pelo cabelo, mas ele estava preso, então apenas enrolou seu rabo de cavalo em um cacho com os dedos. Fez seu melhor para conter seu nervosismo, e quis matar Gabriel quando o garoto soltou um assovio baixo e saiu correndo para o backstage.

Observando Apolo em silêncio enquanto se aproximava, Artemis fingiu não perceber a atenção mal-disfarçada que estavam recebendo dos outros músicos. Sob a luz focada sobre o palco, ela podia ver uma penugem clara sobre o lábio superior dele, assim como na lateral de seu rosto.

— Gostou? – Apolo perguntou, educadamente, mas com tom de quem está se divertindo.

Artemis mordeu a parte interna da bochecha, pensando em algo esperto para dizer.

— Foi lindo.

— Obrigado – e ele sorriu, mesmo que, provavelmente, fosse elogiado todo o tempo. – Eu ouvi a música pela primeira vez ontem – comentou, brincando com a partitura que tinha nas mãos. – Ela toda chama-se The Lightning Strike, mas essa é só uma parte. What If The Storm Ends— leu o cabeçalho da primeira folha. – Anna a adora.

— É uma boa música. – Artemis não iria entregar que daria um jeito de pô-la em seu iPod o mais rápido possível. – Esse é o piano da Berklee?

— Sim – ele confirmou, virando-se para o instrumento com desatenção. – Pouco prático, mas serve.

— Ele é lindo.

— É muito grande, não cabe em lugar algum – o garoto contrapôs, parecendo pensativo. – Vamos ter que arrumar outro até dezembro.

Artemis observou seu perfil bonito, e perguntou-se como seria vê-lo tocar de perto, os olhos estudando as teclas com atenção, os dedos se movendo com habilidade, os lábios franzidos em concentração.

— Hoje é sexta-feira.

Apolo a olhou, e sorriu.

— É. Não conseguiu nem me esperar chegar até a entrada da escola?

— Vim acompanhar o Gabriel – ela deixou bem claro, erguendo uma sobrancelha. – Além do mais, eu não... – parou o que ia dizendo, franzindo os lábios. Os cílios de Apolo pareciam claros, ou eram só a luz? Deus, o garoto era lindo. – Eu não tinha certeza se iria.

— E agora tem? Do pianista você gosta, do guitarrista não? – ele conferiu, com um sorriso de lado que não pareceu realmente divertido. Artemis preferia quando ele sorria de verdade, ou quando gargalhava.

Não é sobre isso, ela queria dizer. É sobre você todo. Artemis mordeu o lábio inferior, ficando em silêncio.

Se Apolo tomou aquilo como um sim, não disse nada, o olhar preso no movimento de seus lábios.

— Vamos lá para os fundos, eu preciso calçar meus tênis. – Foi tudo o que ele disse, antes de lhe dar as costas, soando mais tranquilo e mais como o Apolo despreocupado que ela conhecia. – Trato cumprido, Anna? Quero meu desenho agora – disse para a amiga enquanto cruzava o palco, a loira o respondendo com uma piscadela.

Sem dirigir o olhar aos músicos, Artemis seguiu Apolo até o backstage, um pouco desconfortável com a ideia de que ele agora pensava que ela gostava mais dele porque soubera que ele era um pianista. Artemis não seria tão fútil daquela forma, mas como Apolo poderia saber disso?

O backstage era um galpão enorme, com armários e caixas por todo lado, os pertences dos músicos espalhados pelo chão, além de discos de vinil aqui e ali, mochilas penduradas de qualquer jeito e revistas e folhas pregadas nas paredes.

Apolo havia se sentado no chão para calçar os tênis, e Artemis ficou parada em pé ao seu lado, o observando com curiosidade.

— Tocar descalço é alguma mania?

— Não – Apolo deu de ombros, amarrando os cadarços. – Só é mais confortável.

Ela levantou as sobrancelhas, sem comentar nada, e então Gabriel se aproximou, saindo sabe-se lá de onde.

— Acho que é isso aqui – disse a Apolo, mostrando algumas folhas. – Não sei ler essas coisas, e essa letra é horrível, não dá nem para entender o título. Pode ser “música ridícula de fundo de pornô” ou “sinfonia de Beethoven”, sério, não dá para saber – concluiu, gesticulando em exasperação.

Apolo riu.

— É a letra do David.

— Ele já foi embora? – perguntou a Apolo, antes que Gabriel caísse em si e fizesse um de seus comentários espirituosos.

— É sempre o primeiro a sair correndo depois dos ensaios – Apolo respondeu, achando graça. Ele havia aberto a mochila de sarja ao seu lado para pegar uma carteira de couro marrom, e estava a colocando no bolso traseiro. – Não que a gente reclame. Vamos?

Ainda tenho tempo de desistir, não tenho?

Gabriel decidiu por ela.

— Usem proteção, e lembrem-se do toque de recolher – ele avisou, se afastando. – E eu quero saber de tudo depois, Artie, meu amor. Não me poupe dos detalhes sórdidos.

Artemis encarou as costas do garoto, e então decidiu não respondê-lo. Ao seu lado, Apolo estava rindo baixinho.

— Eu gosto dele.

— Pode ficar – Artemis ofereceu, seguindo Apolo pela saída dos fundos. Seu coração estava batendo tão rápido que era estranho o garoto não estar ouvindo. Ela iria se arrepender tanto daquilo depois, tinha certeza. Quando tudo desse errado, se lembraria de que o começo da tragédia havia sido naquele exato momento.

— Eu o trocaria pelo David – Apolo comentou, em tom de conversa, completamente no escuro quanto à confusão que era Artemis por dentro. – Ele tem andado difícil desde que Gabriel começou a insistir.

Artemis sorriu de lado.

— Eu não havia pensado que havia como ele ficar pior.

Apolo deu de ombros, se eximindo da culpa.

— Anna está a dois passos de estrangulá-lo.

— O que faria do Gabriel um necrófilo – Artemis concluiu. – Não sei quanto tempo vai levar até o Gabriel cair em si. Os dois são praticamente impossíveis.

Por algum motivo, Apolo não pareceu entender.

— Impossíveis?

— Não vem me dizer que você apoia o relacionamento de um cara dezessete anos mais velho com um bailarino fácil e safado? – Artemis perguntou, incrédula. – Eles não têm nada em comum.

Os dois haviam alcançado o corredor que dava acesso ao pátio interno, e a súbita claridade do fim da tarde fez Artemis se encolher. Apolo não pareceu se incomodar, mal semicerrando os olhos.

— Não sei por que isso seria algo ruim.

Artemis olhou Apolo por trás de seus cílios, e conteve o suspiro.

{...}


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Notas finais do capítulo

Eu realmente quero que vocês escutem essa música. É do Snow Patrol, e é perfeita.Linda, linda, linda. Vocês vão adorar, espero. E ninguém suspeitava de que Apolo fosse um pianista, certo? *U* Eu preciso parar de morrer de amores pela imagem desse garoto tocando, deuses.

E o David não viu o Gabriel todo suadinho do treino, que pena :< Bom, ainda. A parte boa é que Apolo e Artemis vão sair *uuuu*

O que estão achando? *-*

Beijinhos