O Entregador de Estrelas escrita por Beatriz Azevedo


Capítulo 9
A pessoa mais velôz que conheço




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O frio nao importava mesmo. Afinal, Hoje era meu dia de sorte. Sentei na cadeira bamba e comecei a colocar pregos na sola dos sapatos. Meu dia de sorte foi confirmado com o fato de eu so ter me machucado 4 vezes sendo que normalmente volto com as maos vermelhas e sangrentas. Fiz isso ate as 9:47 quando o frio aumentou e minha tosse voltou. Notei que não era o único fingindo estar bem. A verdade é que todos os meninos e meninas estavam doentes.

“Ok! Podem ir para cama” A freira gritou de cima da escada e eu suspirei aliviado. Todos arrumaram os materiais na estante e quando nos arrumamos em uma fila para subir as escadas a voz estridene da freira invadiu o local novamente “Mudanca de planos! Vao para o bloco de jardinagem”

E ai, so ai eu notei que nao, com toda certeza aquele nao seria meu dia de sorte. Ouvi alguns gemidos de um menino de 8 anos que operava uma das maquinas e alguns resmungos aborecidos.

“Apressem-se!”

Mordi o labio e observei ao meu redor. Todos que estavam nas filas da frente tentavam ir para tras, mas logo a enfermeira os fez mudra de ideia e subiar as escadas. Entrei em uma das filas e subi a escadaria de concreto ate sentir o vento gelado soprar em minha face. Olhei para cima. O horror. Minha avo nao estava.

“Vovó?” Sussurei.

“O que?” Um menino se virou pra mim.

Olhei para o chao imediatamente e ele olhou para outro lado provavelmente acreditando que eu nao havia aberto a boca.

“Eu não quero tomar banho, principalmente agora” O menino na minha frente falou.

“É! por que agora? Está de noite e esta frio!” Robert saiu de trás do menino e falou.

Me encolhi tentando sumir ja que eu não estava conseguindo imaginar ninguem como estrelas. Talvez eu não tenha conseguido me concentrar pelo fato de minha mente me distraía com as notícias da manhã.

“Parece que receberemos vistia amanha” Jane falou se virando para entrar na conversa.

“Hey Robert, parabens por passar no campeonato.” O menino de oito anos do final da fila falou.

“A corrida? Foi extremamente fácil” Ele respondeu e sorriu.

“Claro, ladrões precisam saber correr” Jane provocou e Robert a ignorou.

Olhei para as filas no meio do patio e as duas casinhas de banho no canto leste. As freiras falavam algo para organizar as filas.

“Se tomarmos banho agora vamos morrer de frio e sera uma visita ao cimitério” Robert argumentou e eu me senti inferior a sua voz forte e decisiva e seu fisico mil vezes melhor que o meu. Robert é mais ou menos o exemplo da pessoa que você gostaria de ser. Mas o que eu admiro nele é que ele é o melhor corredor que conheço.

“E o que vai fazer?” Jane respondeu como sempre se achando mais inteligente que o resto do mundo.

“Eu vou fugir.” Ele sorriu para mim “Quer vir comigo, mudinho?”

“Seriamos pegos.” Respondi num sussurro.

“Não seja covarde.” Ele deu um tapinha de amizade em minhas costas, mas eu senti um murro que por pouco não me fez cair de cara na neve. “Se corrermos rapido vai dar tudo certo”

Me abraçei e observei o cachecol amarelo amarrado em seu pescoço voando com o vento frio e a neve enquanto o meu cachecol verde tampava a mancha na minha perna. A ideia das freiras vendo a mancha me desesperou. Algumas pessoas ja haviam sido levadas para dentro do lavatório junto com as freiras. Seriam poucas filas até a nossa.

“Está foi a pior ideia que ja tiveram” O primeiro menino respondeu ajeitando seu suspensorio verde.

“Vamos mudinho, vamos embora.” Robert murmurou sem que os outros ouvissem. Como ja falei Robert podia fazer o que quisesse por que ele com toda certeza é a pessoa mais veloz que eu conheço.

“Por que eu?” Perguntei.

“Por que você não faz nada se outras pessoas não lhe ajudarem ou lhe derem ideias. Vamos, você vai gostar de ser livre”

“Eu não posso”

Ele revirou os olhos.

“É uma pena, mudinho.” Robert olhou para a cerca não monitorada. Ele ajeitou seus cabelos loiros e sorriu fundindo seus olhos azuis escuros com a cor do céu. Seus olhos brilharam e ele me encarou novamente. “Eu não vou voltar.”

Robert olhou para os dois lado se certificando de que não havia nenhuma freira olhando e disparou em direção a cerca. Tombei minha cabeça de lado e sorri. Ele havia conseguido. Estava a poucos metros da cerca. A poucos metros da liberdade, e eu?

Eu ia tomar banho e morrer de frio. Eu ia tomar banho e ser denunciado como morto pelas freiras. Fechei os olhos e imaginei acordar morto no outro dia, mas minha visão foi interrompida com a visao de alguem interrompendo Robert antes que ele chegasse na cerca. Abri os olhos rapidamente e olhei para sua figura que ja havia passado do portão. Ele havia conseguido! Estava longe do alcançe de minha mente. Suspirei aliviado e levantei meus olhos para o céu novamente a procura de minha avó. Meu olhar nao chegou ao céu. Parou na luz de velas da janela que sempre apreciam o espetáculo da fábrica. Mrs. Hills.

“Rober-” Comecei a gritar, mas Jane me impediu colocando sua mão em cima de meus lábios.

“Não, mudinho, esta louco? Vao saber que você é cumplice.”

“O Robert!”

“Ele nao faria isso por você, não se importe”

A encarei incredulo e tentei gritar novamente, mas outro grito saiu, desta vez da janela. “Fugitivo!”. Foi uma das cenas mais rápidas que ja presenciei, ainda mais rápido que Robert correndo e recebendo primeiro lugar no campeonato. Rapidamente uma nuvem de adultos correu em direção ao menino mais velôz que conheco. Ele correu e virou na outra esquina seguido por 3 homens. Perdemos nosso campo de visão. Podia até ser uma cena e tanto, mas ninguem tinha coragem de mover um músculo fora da fila. Os segundos demoraram como horas. E ai tudo mergulhou em um silêncio profundo. O menino que chorava do outro lado ficou calado e todos esperavam o que viria. Um último grito.

Perdi conta de minha respiração por um instante enquanto o grito cortava e ecoava em meus ouvidos. O barulho de pancadas e xingamentos invadiu a rua e eu cai no chão exausto com a destruição dentro de minha cabeça que tornava tudo que vinha do mundo mil vezes maior e mais violento. A imagem de Robert caido na neve manchando-a de vermelho invadiu minha mente. Suas pernas velozes agora estavam roxas e com cicatrizes e seu rosto de galã cheio de horror e lagrimas. O menino mais velôz que conheco nem era assim, tão velôz.

Alguns minutos aprenssivos depois os três adultos voltaram com suas caras passivas. Nao trouxeram nenhum arranhão com eles. Nem o Robert. Ouvi Jane sussurrando em meu ouvido 'hey, talvez ele tenha fugido, talvez ele esteja longe daqui.', mas era óbvio que não e todos sabiam da verdade. A cena foi o bastante para as freiras mudarem de ideia sobre o banho e nos mandar para cama.

Eu me sentei e esperei pelo que aparecesse primeiro:

Minha avó ou o Robert

Nenhum dos dois apareceram e eu dormi com minha cabeça apoiada na janela.


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