O Entregador de Estrelas escrita por Beatriz Azevedo


Capítulo 8
O calor do gelo




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“Eu estou bem, fique calmo” Stwart respondeu sentando na cama de palha e me encarando com seu rosto deformado.

O encarei e ele cruzou os braços.

“De verdade. Eu vou ficar bem.” Ele olhou para a janela suja do outro lado da sala.

“Desculpe.”

“Pare de dizer ‘desculpa’ o tempo todo. Não foi você quem soltou a escada. Você foi um efeito.” Olhei para o chão e ele suspirou. “E’ irritante ouvir você falando ‘desculpe’ o tempo todo sendo que não fez nada.”

O problema era que não importava o quanto Stwart dissesse que não era minha culpa. Todos sabiam que era e minha mente me condenava. Quando paro para pensar no quão horrível é sentir culpa meus devaneios param em minha mãe. Como será que ela passou por tudo? Será que ela consegue escolher o que sente? Se este fosse o caso eu acredito que eu teria que fazer o mesmo, viver com certas coisas é um desperdício.

“Desculpe.”

Ele me encarou incrédulo e depois riu baixinho.

“Eu não realmente acredito que isso aconteceu. Não vai me abalar, não precisa ficar chateado” Ele falou e eu suspirei “Eu sinto que algo grande vai acontecer na minha vida, algo muito grande...” O encarei em silencio e depois de alguns instantes entendi que ele queria que eu comentasse em algo o que não fiz já que meus comentários são banais “Você acha que todos sentem isso? De que em algum momento da vida eles serão alguém incrivelmente importante?”

“Talvez. O problema e’ que eles esperam demais para o momento chegar e não o criam, acaba a morte sendo o evento de sua vida”

Ele franziu a testa.

“Eu tenho certeza que eu tenho tudo que precisa para fazer algo incrível”

“Sim. Todos tem. O mais importante é saber quando usá-lo”

Stwart pensou um pouco, concordou. "Por que você gostaria de fazer algo incrível?"

"Eu só quero que minha avó me encontre quando eu morrer. Se eu fizer algo incrível não terá forma nenhuma de que ela não me verá, eu iluminaria tudo..."

Stwart fechou os olhos e sorriu. "Você é romântico." Ri ele fez uma careta. "Algu-"

"Não."

Ele resolveu mudar de assunto rapidamente, o fitei abrir a boca duas vezes e começar frases em falso até que ele finalmente optou por: “Alguma novidade boa?”

“Eu vou passar umas semanas fora” Respondi brincando com meus dedos.

“Aonde?” Ele perguntou examinando a cicatriz em seu braço.

“Nordstrand.” Respondi e seu olho roxo se arregalou.

“Alemanha?” Ele riu baixinho "Está de brincadeira?".

O encarei e ele olhou para o teto confuso.

“Isso é verdade mesmo?”

Fiz que sim.

“Fico feliz por você.”

“Obrigado.”

Ele revirou os olhos.

“Desista de ser educado. É repetitivo” Ele falou ajeitando o travesseiro. Olhei para sua bochecha roxa e identifiquei a marca de minha mão.

“São as únicas palavras que eu posso sempre falar, sempre sou agradecido e culpado.”

"Você é muito duro consigo mesmo... deixe a vida rodar um pouco e-"

Meus pensamentos me interromperam com a mesma frase que repete e repete dentro de minha mente. ´deixe a vida girar.´ As pessoas tem o costume de me falar isso e eu nunca entendo...

Fiz uma careta e ele fez um sinal para que eu me aproximasse mais.

“O que aconteceu com o Phelip?” Ele sussurrou e inclinou a cabeça para uma cama distante.

“William...” Murmurei.

“Oh...” Stwart balançou positivamente a cabeça por alguns instantes e depois acrescentou “Ele ainda não acordou.”

Torci o lábio e concordei de leve.

“Preciso ir.” Falei me virando em direção a porta.

“Mudinho. Tenho uma coisa para lhe falar antes de você ir.”

“O que?”

“Veio alguém aqui noite passada lhe procurando.”

“Sabe quem era?”

“O homem não se identificou, mas se quer um aviso, evite o conhecer, não parece boa pessoa.”

“Sabe se ele trabalha aqui?”

“Eu estava sozinho. O descrevi para a enfermeira, mas ela não sabia quem era e o rosto dele iluminado por velas dificulta bastante.”

“Ele disse o que queria comigo?”

“Não... na verdade ele chegou, perguntou se eu era você quando eu disse que não ele foi embora.” Ele deu de ombros e eu fiz o mesmo.

“Ah! Mathew lhe mandou melhoras.”

“Mathew? Quem é Mathew?”

“Ele trabalha aqui na fabrica... um dia os apresento. Eu pretendo ir com ele para Nordstrand.”

Stwart sorriu “Você tem um amigo? De verdade?” Ele riu “Sua imaginação –”

“Não é imaginário!” Gritei e ele riu novamente. "Por que ri de tudo?"

"Agora eu faria de tudo para fazer qualquer coisa para tirar minha mente de onde estou." Ouvi o barulho de uma porta abrindo antes que qualquer um de nos falasse algo. Victória apareceu e sorriu. Seus cabelos dourados estavam presos em um coque e ela usava o uniforme do hospital.

“Você esta bem.” Ela confirmou sorrindo. Olhei para o chão no momento que ela acenou para mim. "Você precisa de algo?" Ela perguntou para Stwart, mas seu olhar pesava uma tonelada em minhas costas.

“Droga, eu estou ótimo só morro de preguiça de me levantar e –”

“Tudo bem então, Stwart.” Victória sorriu e se virou para mim “Vamos, mudinho, vamos deixar o Stwart em paz.”

“Gracas a Deus.” Ele falou para o teto e eu disfarcei minha cara confusa. Victória colocou alguns remédios em cima da mesinha do lado da cama do Stwart e pôs água em seu copo. "Duas destas e-"

"meia desta." Ele apontou para um dos remédios desinteressado. "Eu já decorei. Duvido que estes remédios funcionem de qualquer modo. Sabe qual é a minha opinião, mudinho? Eles estão me usando como teste-"

"Seja mais agradecido. Muitas pessoas queriam ter remédios para-" Victória o interrompeu. "Vamos mudinho." Ela já estava na porta. Caminhei para segui-la e Stwart segurou meu braço.

"Nem pense, ela é tão encrenqueira."

"Pensar no que?" Perguntei. Stwart fez uma cara incrédula, soltou meu braço e olhou para o teto.

Me juntei com Victória e saímos da sala.

“De verdade?” Ela perguntou assim que fechou a porta e me encarou.

“O que quer dizer?”

“Você vai embora?” Ela continuou e eu franzi a testa.

“Como... com sabe?”

“Enquanto eu ajudava a colocar a mesa Mary falou para mim que você a salvou...”

“Oh...”

Ele torceu o lábio e eu olhei para sua figura com brilho médio. Seria uma boa estrela... mas nem tanto.

“Vamos, eu...” Seu olhar caiu para meu joelho com um cachecol enrolado. Ela apontou para o cachecol “O que e’ isso?”

Me afastei dela.

“Um cachecol.”

Ela mordeu o lábio e me encarou.

“Por que esta usando um cachecol na perna?"

Dei de ombros e ela semi cerrou os olhos.

“Vamos ver se sobrou pão do cafe da manha?” Sugeri e ela pareceu mudar o rumo de seus pensamentos e voltar a andar. Observei ela pegar uma pedra do chão e brincar com ela. Ela sorriu e eu assenti com a cabeça.

“Sabe eu...” Ela parou de falar quando a pedra caiu no chão do meu lado. Victória se abaixou rapidamente e antes que eu pensasse ela puxou o cachecol denunciando minha maldição. “Meu Deus!”

Olhei atônito para a cena.

“Temos que ir para a enfermaria ou...”

"Victória..."

“Vamos para a igreja e...” Ela olhou para todos os lado desesperada e eu olhei para o céu impaciente.

"Victória." Segurei seus bracos para que ela me ouvisse e ela me encarou assustada. “Victória, se você falar para alguém...”

“Mas você vai morrer...” Ela franziu a testa.

“Eu vou morrer de qualquer jeito” Elas semi cerrou os olhos e eu soltei seu braco observando a marca vermelha que eu havia deixado em sua pele “Desculpe.”

“Você não quer ajuda?” Ela perguntou cocando o braco e depois os colocando na cintura.

“Por favor, não”

Ela se abaixou novamente e amarou o cachecol em cima da marca preta da minha perna e suspirou.

“Ainda acho que deveria fazer algo.”

“Mas eu não quero.”

A vi revirar os olhos, ela se virou em direção as escadas da igreja e bateu na porta de madeira. Depois de alguns instantes uma freira abriu a porta e nos encarou impaciente. “Desculpe, er... eu não estava aqui no cafe da manha e...” A enfermeira bateu a porta na cara da Victória que virou-se para me encarar e rir. Ela fez menção em descer as escadas novamente, mas a freira abriu a porta novamente com algumas migalhas de pão dentro de uma cesta. “Muito obrigada.”

“Devolva a cesta depois” A freira sorriu e eu me admirei em realmente encontrar pura bondade em sua ação. Victória desceu as escadas rapidamente.

“Ela não podia dizer não ao meu rostinho meigo." Vitoria fez uma careta e eu a encarei ate ela revirar os olhos "Vamos. E você deveria parar de olhar assim para as pessoas, é esquisito.” Ela riu e apontou para um banco de madeira no centro do patio. “Esta ouvindo? Alguém esta tocando algo do outro lado da rua, vamos sentar ali, poderemos ouvir”. Apostamos uma corrida ate o banco, mas acabamos caindo na neve e desistindo da corrida. Sentamos ela colocou a cesta em seu colo. “Está com fome?”

Concordei com a cabeça.

“Então diga. Sua voz é charmosa, não precisa esconder.”

Olhei para cima tentando esconder minhas bochechas que ardiam e ela riu. Voltei minha atenção para a musica lenta e melancólica que vinha da janela vizinha a casa da Sra. Hills.

“Tudo bem, mudinho” Victória tirou um pedaço pequeno de pão duro da cesta e o dividiu com as mãos me fazendo voltar minha atenção para ela “Se não quebrar seus dentes vai dar tudo certo.”

“É comida, não importa” Falei mastigando o pão esquisito que arranhava minha garganta por dentro.

Ela concordou e deu uma mordida em seu pedaço e cantarolou um pedaço da musica. Acompanhei o ritmo repetitivo da musica com minhas mãos e ela sorriu.

“Gosto de você, mudinho, você sabe ouvir”

“A única coisa que não faco é interromper”

“Ouvir as pessoas e’ importante. De verdade”

Encolhi os ombros e ela engoliu o ultimo farelo do pão.

“Vou sentir sua falta quando você estiver em Nordstrand.” Ela falou e começou a balançar suas pernas de leve, como de costume.

Murmurei algo.

“Só queria lhe ouvir me respondendo” Ela suspirou levantando o rosto para me encarar e sorrir de lado “Por que não gosta de falar? De verdade.”

A encarei e ela fez que não com a cabeça, depois de alguns instantes ela me encarou sem jeito.

“Sente vergonha?”

“Vergonha?” Repeti como se nunca houvesse ouvido a palavra.

“Sim, de falar algo em uma frase errada, falar uma besteria e fazer as pessoas acharem que você é burro”

“Não me importo se acham que eu sou burro. Me importo se eu me achar burro”

“E você se acha burro?” Ela perguntou olhando para a janela e eu me perguntei se a musica nunca ia acabar.

“Não” Respondi e ouvir as palavras saindo de minha boca no mesmo tempo que a musica da janela morreu. Ela voltou sua atenção para a janela e em poucos segundos silenciosos a musica voltou a invadir a rua.

Ela riu e colocou a cesta de lado, depois ela se virou para mim e me encarou ansiosa.

“O que?” Perguntei.

Ela continuou me encarando e eu cocei minhas costas desconfortável.

“Estou observando suas reações quando alguém lhe encara incessantemente”

“Seus olhos meio que me perturbam”

“Ah e’? por que seria?”

“Não sei”

“Tem sorte de eu não me incomodar com seus comentários indelicados”

Mordi o lábio e ouvi uma das crianças gritando.

“Droga! Esqueci de voltar para a fabrica!”

“Oh!”

“Desculpe, eu tenho que ir e...” Me levantei e dei alguns passos em direção à fabrica.

“Eu também preciso ir ajudar as enfermeiras...” Ela se levantou e depois sorriu.

“Oh... isso me faz lembrar” Corri de volta em sua direção.

“O que?” Ela perguntou e eu abri meus olhos para a encontrar extremamente perto de mim.

A beijei rapidamente e ela se afastou.

“Isso foi estranho.” Ela riu colocando a mão na bochecha “Embaixo desta pele fria eu estou corando.” Olhei para outro lado ainda confuso com qualquer coisa que deveria acontecer.

“Ok.” Passei minhas mãos tremulas pelo meu cabelo esquisito e nós nos encaramos por alguns instantes.

Ela inclinou a cabeça de lado como se virando sua perspectiva ela me entenderia mais. “Você realmente queria fazer isso?”

"Hum... tudo bem se eu disser que eu não sei?"

"Por que fez isso?" Ela ergueu uma sobrancelha.

"Por que eu..." Mordi o lábio

"Você?"

"Eu quis." Respondi em um suspiro, mas não me satisfiz com a resposta. Não era o caso realmente, o problema seria que eu não sabia o que havia acontecido.

Ela sorriu.

“Entao ok.” Ela brincou com os dedos por alguns instantes e voltou a me encarar. “Nos vemos depois.” A observei andar em direção ao hospital lentamente e eu fechei os olhos ainda perplexo. Nem era uma coisa tão ruim.

Corri em direção a fabrica e ao abrir a porta senti o calor das labaredas tentando aquecer a enorme sala sem sucesso causando um clima misturado. Dependendo de onde você estava você sentia frio e em outros cantos calor. Minha sorte foi que não importava o frio que estivesse la fora, eu me sentia completamente aquecido.


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