O Entregador de Estrelas escrita por Beatriz Azevedo


Capítulo 5
Estrela cadente




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Enquanto todos voltavam para os dormitórios por diversos caminhos eu me voltei para o portão. Havia uma placa dourada com várias letras, mas obviamente eu não entendi.

Tomei o caminho de sempre em direção ao parque, apaguei as velas da praça que foi banhada com a luz do luar e esperei alguns minutos até um movimento novo anunciar sua chegada. Eu consegui identificar um vestido longo, branco e que brilhava com a lua em cima dela, ela se aproximou do meio da praça e olhou em volta. Tentei não sorrir por quê talvez a lua denunciasse meus dentes e eu não queria que ela soubesse que eu estava ali.

“Carteiro?” Uma voz desconhecida cortou o silêncio da escuridão.

Me escondi atrás de um banco.

“Senhor carteiro?” A voz repetiu.

Observei o vulto que passeava pela escuridão iluminado precariamente pela luz da lua, mesmo assim eu reconheceria se fosse Matilda ... afinal... ela brilhava sem a lua.

“O que quer?” Perguntei usando minhas mãos para desviar de onde vinha o som e ela não saber onde eu estava.

“Tenho um recado da Matilda.” Ela respondeu.

“E o que seria?”

“Ela teve que viajar.” Ela ajeitou o cabelo loiro preso num coque complexo. “Foi de imediato e ela não pode lhe falar, mas...”

“Para onde ela foi?” Perguntei sem disfarçar a raiva em minha voz.

Ela riu ao perceber isso.

“Para onde ela foi?” Insisti.

“Nordstrand”

“Isso é na Alemanha!” Engoli em seco indignado. “E está à milhas de distância!”

“Sabe algo de geografia, Carteiro?” Ela falou fazendo uma careta.

“Minha avó nasceu na Alemanha… perto de Nordstrand”

Ela sorriu. “Qual o problema?”

Franzi a testa confuso. “O que ela foi fazer lá?”

“A livraria n"ao teria futuro num fim de mundo como este.” Ela falou encolhendo os ombros. “ Tem muita concorrência e devem haver outros motivos. Ela deve chegar lá daqui a meio mês… sei lá! Você sabe como é complicado.”

“Obrigado.” Respondi correndo até o meio da praça e depois andando casualmente até a moça que só brilhava pela luz da lua.

“Oh... ai está o senhor.” Ela ajeitou o cabelo sem necessidade novamente e me olhou de um jeito que me fez ficar desconfortável. Seus olhos eram um tom esquisito de azul e eu anotei em minha lista mental de que a maioria das pessoas que eu conhecia tinham olhos azuis... talvez algo haver com o lugar que eu morava?

“Sabe qual o sobrenome da Matilda?” Perguntei.

Ela ficou me encarando por um tempo, depois sacudiu a cabeça, riu e respondeu.

“Matilda Groyal? Você não sabia?” Ela se aproximou de mim e eu me afastei.

“Eu preciso ir.” Falei.

“Podemos passear.”

“Não quero passear com ninguém.”

“Podíamos tentar.”

“Não estou a fim.” Falei cruzando os braços e me perguntando o quão liberais eram os pais hoje em dia.

“Meu nome é-” Ela segurou meu braço e eu me afastei rapidamente assustado e a assustando também.

“Não se aproxime de mim!” Falei em pânico.

“Ela foi embora!” Seu sorriso brilhou com a lua. “O que esta acontecendo com você?”

Cerrei os punhos.

“Você está bem?” Acho que ela falou algo depois mas todas as vozes ao meu redor estavam ecoando e eu não entendia nada. As imagens da minha mãe, meu pai, minha avó, meu avô, o Mathew, a Maltida, o Stwart, o Charles, o Charlie, o Edward, Mrs. Hills, Mr. Samson e milhões de outros começaram a rodar em minha volta e eu coloquei a mão na cabeça evitando ouvir o que eles falavam. Me senti no meio de um redemoinho com um barulho insuportável até que um começa a se distinguir dos outros.

E de repente tudo para e eu começo a ser sacudido.

“Hey, senhor? O que aconteceu?”

“Como você parou o –”

“O quê?” Ela me encarou confusa.

“Que barulho era aquele –” Olhei para o colar que ela usava. Ele era feito de duas pedrinhas que batiam e criavam um barulho delicado. Reconheci o barulho imediatamente. Ela me soltou e se afastou.

“O que aconteceu?”

“Seu colar me salvou.”

“Do que?”

“De mim.”

Ela me encarou ainda mais confusa e volcou as mãos na cintura. “Quer chamar um medico ou algo do tipo?”

“Não! Eu –” Tentei montar uma frase sem me interromper “Eu preciso ir, de verdade.”

“Me explique o que aconteceu!” Ela bateu o pé e eu revirei os olhos.

“Não importa mais, boa noite.”

Ela me encarou com raiva e eu dei de ombros, acho que ela não entendeu minha explicação como uma real explicação. Antes que ela me respondesse saí correndo completamente decepcionado "tinha que ser hoje?" novamente olhei para minha vó e refleti por alguns minutos. Pensei que Essex tinha milhões de outras pessoas que podiam brilhar e que eu devia ignorar a existência de Matilda, mas ai… uma estrela cadente passou pelo céu e eu acompanhei seu trajeto ate um espaço vazio. Não, Matlida já tinha seu lugar no céu. A voz da minha vó entrou em minha cabeça “Traga ela para mim!” e eu ajeitei o casaco remendado e concordei. Qualquer coisa para a única pessoa que não me abandonou. Então eu iria atrás daquela estrela...

Eu não podia perder tempo por quê estrelas na terra não são eternas e aquela estrela era minha.


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