O Entregador de Estrelas escrita por Beatriz Azevedo


Capítulo 28
Alguém como eu




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Segui minha rotina diária de sair de debaixo da mesa, calçar meu sapatos, vestir meu sobretudo, colocar minha bolsa de carteiro e sair da hospedaria em direção à casa de porta azul.

Sentei apoiando minhas costas no muro da casa à 20 metros de distância da casa amarela e esperei. Esperei até os raios do sol cairem na minha cara e eu me levantei e me espreguiçar.

Senti algo me cutucar na perna e olhei novamente para o chão. Me abaixei para ficar da mesma altura do menino que segurava o tecido da minha calça tentando conseguir minha atenção.

"Posso lhe ajudar?" Perguntei olhando direto para seus olhos claros e cansados. Ele não devia passar dos cinco anos.

"Senhor Carteiro" Ele falava devagar com uma voz suave e calma sem tirar os seus olhos dos meus e depois retirou um envelope do bolso da calça. Ele me entregou o envelope e eu o examinei o papel aspero, amarelo e sujo.

"Se a pessoa que atender sorrir ao receber o envelope por favor diga para ela ir até a igreja do centro às 10 da manhã no sábado."

Tombei minha cabeça de lado e tentei me convençer mentalmente que tudo que veio na minha cabeça não era a realidade.

"O que você está fazendo sozinho?" Perguntei e o menino fez que não.

"Perdão, senhor, eu não estou sozinho." Ele caminhou pela esquina e voltou com uma menina de cabelo cacheado segurando sua mão. Segurei minha respiração. A menina parecia ainda mais nova que ele, 3 anos? "Eu tenho a minha irmã."

"Onde estão seus pais?"

"É o que esta carta vai descobrir." O menino respondeu confirmando as suspeitas que me assombravam mentalmente. A menininha segurou a mão do seu irmão com mais força.

"Como sabem falar em inglês?"

"Mamãe nos trouxe para cá para passar o Natal com a vovó, mas nós nos perdemos."

"Hã..." 'perdemos' repetiu na minha mente por vários segundos até minha atenção desviar para a menina calada que segurava a mão do menino e a outra estava em sua boca. Ela tirou a mão da boca assim que viu meu olhar cair sobre ela e olhou para o chão. "Qual o seu nome?"

"Lizzy, senhor." O menino respondeu sacudindo a mão dela. Ela inclinou a cabeça para o lado como se nada estivesse acontecendo além do que ela via. "Eu sou o Rickard."

"Ela ouve o que estamos falando?"

Ele fez que não. "Ela não fala e não ouve."

"Por-"

"Carteiro, por favor entregue a carta para a nossa mãe."

"Você está enviando estas cartas para todos os endereços?"

Ele fez que sim e eu suspirei.

"Eu arranjo algumas moedas..." Ele brincou com a neve com o pé. "E mando as cartas."

Concordei e coloquei a carta dentro da minha bolsa de carteiro.

"O Natal foi quase a um ano atrás." Sussurei e ele pareceu não ouvir. Quando meus olhos voltaram para as duas crianças eles não estavam mais lá.

Esfreguei meu cabelo para que a neve saísse e me levantei. Algo doía em meu peito e eu não conseguiria mais olhar para aquela janela cheia de flores.

Andei sem rumo por um tempo até notar minha proximidade à casa do pescador. A filha dele estava sentada em uma cadeira de balanço do lado de fora e parecia entretida com o crochê no seu colo.

"Por que está fazendo isso aqui?" Perguntei me aproximando dela. Ela levantou os olhos e sorriu para mim.

"Bom dia... Senhor...?"

Beijei sua mão e ignorei a pergunta.

"Eu não consigo ficar lá dentro." Ela respondeu. Me sentei do seu lado e abracei meus joelhos. "Posso lhe ajudar de alguma forma?"

"Hum... sim."

Ela sorriu.

"Eu não sei onde esta rua fica." Falei entregando o envelope que ela examinou cautelosamente.

"Para quem?"

"As pessoas acham que eu sou um carteiro e ficam me contando sobre a vida delas ou me pedindo para entregar cartas. Nem eu entendo."

"Você não é um carteiro?" Ela perguntou levantando uma sombrancelha.

"Não tenho nada para levar minhas coisas além desta bolsa de carteiro." Dei de ombros e ela voltou seus olhos claros para o cartão.

"Eu sei onde fica esta rua."

Sorri.

"Poderia me levar até-"

"Senhor Carteiro!" Uma voz me cortou e os passos pesados de uma bota me fizeram olhar para a frente. O detetive andava sem hesitar em minha direção. "Você deve vir comigo agora." Ele olhou para a moça na cadeira de balanço. "Olá, madame..."

"Rachael" Ela falou erguendo uma sombrancelha. O detetive beijou sua mão e eu olhei para o chão onde as tiras de madeira formavam uma ponte. Eu conseguia ver as ondas pequenas embaixo de nossos pés. "Encantada." Tossi e continuei a ouvir o detetive.

"Eu até tiraria meu chapéu para te cumprimentar, mas minhas mãos estão tão geladas que eu não consigo me mexer." Rachael fez um sinal para que ele não se importasse e após alguns segundos de silêncio perturbados o detetive voltou a falar "Belo dia hoje, não?" O detetive sorriu e eu fiz um círculo perfeito com os olhos. "Bem frio, mas muito belo." Isso me lembrou de agradeçer por estar usando quatro camadas de blusa e casacos. Tentei encontrar os olhos do detetive, mas ele me evitou. Depois de algum tempo o detetive suspirou e falou "Se incomodaria se eu desse um passeio com o cavalheiro?" Ele continuou e eu revisei olhar para o detetive e para Rachel.

"Eu não posso me opor." Falei em tom baixo. E segurei a tosse.

"Certamente não." Ele respondeu e fez um sinal para que eu me levantasse.

"Posso saber do que se trata?" Perguntei.

"Quando eu quiser que você saiba você poderá."

"Acho que quero ficar aqui."

"Carteiro, deseja que a madame presencie o que está por vir?" O detetive falou sorrindo e Rachel me encarou séria.

"Está tudo bem." Falei em direção à Rachael. "Pode entregar para mim?" Perguntei segurando suas mãos e ela fez que sim. Me levantei e caminhei na direção indicada pelo detetive. Quando já estavamos longe da casa de pescador e Rachael já havia virado um borrão na distância o Detetive se voltou para mim, colocou as mãos no bolso e me encarou sério. Pisei várias vezes tentando evitar os olhos que olhavam diretos pros meus com a simples mensagem de "Tu foi flagrado".

"Carteiro... você não sabe o que aconteçeu." Ele falou sério e eu suspirei de leve. Acompanhei o meu cachecol verde com os olhos para evitar olhar para seus olhos coloridos.


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