O Entregador de Estrelas escrita por Beatriz Azevedo


Capítulo 27
A Janela




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Caminhei em direção à porta. Alguém havia passado por ela recentemente já que caíam em cima da passagem agora estavam no chão, quebrados. Suspirei e olhei para trás. Mathew olhava para mim ansiosamente enquanto suas mãos agarravam o metal das grades.

Fechei os olhos com força. Entrei na casa.

O ar era pesado, o chão gemia a cada passo que eu dava e todos os poucos móveis na sala -com exeção do candelabro dançante em cima da mesa de jantar e três quadros pendurados- estavam cobertos por lençois cheios de poeira. Meus olhos correram por toda a extenção ao meu redor. Eles pousaram na escada que levava ao segundo andar do casarão. Me aproximei das escadas e observei a luz que escapava de uma das portas no corredor.

Andei calmamente até a porta e me apoiei no batente examinando o quadro real à minha frente. O doutor estava ajoelhado na janela olhando para fora. A vela brilhante que me levou até o quarto estava do seu lado.

"Doutor?" Perguntei de leve.

"Chega essa de Doutor!" Ele falou baixo, mas sua voz gritava em meus ouvidos. "Você sabe quem eu sou."

Sorri com o desafio e levei meu polegar aos lábios, hábito de quando me sinto interessado em algo. "Olha quem está tendo um minuto de realidade." Falei e observei que ele tremeu, mas não tirou os olhos da janela. Cruzei os braços e me mantive na minha mesma posição. "As vezes isso acontece comigo." Resmunguei de leve. "Eu encontro a realidade que todos vivem mais confusa que a minha." Ele se manteve estático. "Eu gosto mais quando tudo acaba e eu volto ao normal. De qualquer modo já vamos voltar e você também."

"Eu não vou Na-"

"Este não é o meu nome." Semi cerrei os olhos tentando não sentir o ódio que senti ao ouvir o começo do meu nome. Senti a raiva fluir por minhas veias como a muito tempo não acontecia. "E eu não queria lhe levar de volta à força."

"Eu prefiro morrer do que testemunhar para sempre a destruição-"

"Do nome da nossa querida família, blá, blá, blá." O interrompi. "Isso é ótimo, Doutor, mas como já lhe disse eu não tenho mais o nome da nossa família." Sorri e continuei falando com suas costas. "Mas como qualquer bom ex-sobrinho e com toda a educação que você me deu eu nunca me esqueceria dos seus ensinamentos. Odiaria contrariar sua vontade, eu lhe mataria agora mesmo, mas você tem algo que eu que- precis- necessito."

"Eu-" Ele olhou para o chão e depois se voltou para mim em apelo. "Por favor, volte para casa, volte para a sua mãe, você não se importa com ela? Se ela souber vai partir seu coração."

Tentei começar uma frase duas vezes até voltar para o assunto principal. "O endereço da Matilda. Você o tem, eu sei." Desta vez ele se virou para mim e me encarou assustado.

"Eu não o tenho."

"Doutor, acho que não entende. Eu deveria ser um orgulho para sua família: minha mente consegue controlar à dos outros. Eu queria ouvir da sua boca, eu queria ouvir de você sã, mas se isso não vai acontecer, receio que eu vou ter de fazer isso do meu jeito." Ele arregalou os olhos. Me ajoelhei em respeito. "Como o cavalheiro que queria que eu fosse sei que pedir um favor requer um em troca. Seu último pedido será atendido em modo de gratidão."

Ele se levantou e caminhou em minha direção. Coloquei minha mão em minha frente e ele arregalou os olhos assustado.

"É dinheiro que você quer? Eu posso-"

"Dinheiro?" Ri. "Eu não quero dinheiro, você sabe o que eu quero e você o dará para mim."

Ele fez que não e eu passei minha mão pelo meu cabelo tentando filosofar no que seria uma boa ideia ou não, por falta de pensamentos eu falei:

"Sabe o que eu vejo além da janela, tio?" Perguntei tombando minha cabeça para o lado. "Você caindo." Observei seu olhos perder qualquer cor que havia antes. O observei cambalear até a janela e olhar para fora. "Espere. Qual é o endereço da Matilda?"

"Você já sabe." Ele falou e pulou pela janela.

Eu não sei se foi o barulho que se seguiu ou o pensamento que alguém tinha testemunhado o que aconteceu que me fez olhar direto para o chão e pensar no que fiz. Coloquei meu polegar no lábio.

Andei até a janela e observei meu tio. Alguma coisa gritava em mim e minha garganta ardia fazendo com que sempre que eu respirasse o ar que passava pelo meu pulmão me cortasse. Apaguei a vela e olhei para o corpo do meu tio no chão. Pela última vez a dúvida veio a minha mente, mas o barulho de alguém passeando pela rua me fez voltar e decidir sair da casa. Algo havia drenado todo o vermelho do rosto do Mathew.

"Carteiro... você o... ele seria útil."

"Mudei de ideia. Se eu não precisa confiar em ninguém tudo ficará mais simples."

" Mas eu estou aqui..."

"Acorrentado à minha imaginação." Me virei para a hospedaria e Mathew correu atrás.

" Carteiro, você disse que o detetive estaria te seguindo para todos os cantos. Ele viu."

" Não. Só tinha um brilho na casa."

Ele se abraçou.

" A culpa cairá sobre o assassino da noite." Dei de ombros. "Ele matou o Cavalheiro mais cedo e o doutor depois."

"Não faz sentido. Ele só mata uma pessoa por noite."

"Mathew, você acha que uma vez vai fazer grande diferença?"

"Para o detetive irá."

" Não se preocupe, já tomei conta disso." Sorri. "Não precisamos nos preocupar com o detetive."

~~//~~

Abri meus olhos para Mathew que me chamava. Me assustei e bati a cabeça na mesa.

"Carteiro, o que está fazendo?"

"Eu estava dormindo."

Ele me encarou sério.

"Embaixo de uma mesa?"

"Eu sempre dormi embaixo de coisas."

Mathew cruzou os braços e esperou que eu desenvolvesse uma explicação. Com o tempo ele só perguntou por que.

"Eu tenho medo." Desta vez foi minha vez de levantar uma sombrancelha e filosofar no que eu havia acabado de dizer.

"Do que?"

Respirei fundo e apontei para a janela. Ele passou alguns minutos com seus olhos confusos nos meus até colocar a mão na testa, suspirar e dizer "estrelas?"

Eu concordei devagarmente e ele ficou ainda mais confuso o que no fundo me alegrou.

"Elas vão me matar."

"Pensava que você não tinha medo de morrer." Ele se sentou do lado da mesa e inclinou a cabeça para o lado. Tentei ajeitar minhas costas para cima e me encostar na parede.

"Eu não tenho. Eu tenho medo do que aconteçe depois. Se eu não fizer o que ela mandou eu não vou brilhar." Mordi o lábio. "Ela não vai me encontrar e eu vou ser sozinho para sempre." Mathew fechou os olhos por alguns segundos.

"Já pensou em esquecer tudo por um dia?"

"Eu não consigo."

"Pense em outras coisas."

"Eu não consigo."

Ele entortou o lábio, se levantou, tirou o cobertor do armário e se deitou no sofá. Me encolhi embaixo da mesa e suspirei. Brinquei com meus dedos até que finalmente o sono me fez fechar os olhos.


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