O Entregador de Estrelas escrita por Beatriz Azevedo


Capítulo 26
Mathew e Eu




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O vento soprou meu cachecol que se não estivesse enrroscado no meu pescoço teria voado para longe. Olhei para trás onde Mathew se abraçava e andava lentamente.

“Neste frio? Não conheço ninguém que fugiria neste frio!” Mathew reclamava e eu avaliava os rastros na rua. Apontei para pegadas grandes que machavam a pedra com lama. “Não.” Virei minha mão para outras pegadas que manchavam o chão com água. “Não.” apontei para outra pegada. “Não.” Andei mais um pouco e tropecei em uma pedra caindo, por pouco de cara no chão. Mathew correu até mim, mas eu fiz um gesto para ele se afastar. Olhei para frente e notei um líquido escuro escorrido no chão.

Agachei e passei meu dedo no líquido. Meus dedos pálidos se contrastaram com o vermelho e minhas orelhas se abriram para um gemido que eu não havia notado.

“É o Doutor?” Mathew perguntou confirmando que ele também ouvia.

“Não tenho tempo de pensar nisso.” Seguimos o rastro correndo, nossos passos pararam de ecoar na escuridão quando avistamos algo diferente no meio da rua. Corri até o corpo e nós nos agachamos do seu lado. “Quem?” Perguntei para o moço que respirava com dificuldade e Mathew me empurrou, o encarei admirado.

“Idiota, ele está morrendo!” Mathew falou. O empurrei.

“Quem fez isso?” Perguntei novamente.

O moço parou seus olhos brilhantes e difíceis de reconhecer a cor nos meus. Ele estava aterrorisado. Levantei o moço pela gola do casaco e ele fechou os olhos com força. “Ele.” o moço levantou o dedo para a esquina sombria. Este gesto me fez perder o fôlego. Segui a direção que seus dedos apontavam com os olhos enquanto Mathew protestava que eu deveria chamar alguém. A verdade? Eu não achava necessário e isso me espantou no momento. Meus olhos se encontraram em dois olhos brilhantes no meio da escuridão da esquina.

Me levantei e preparei para correr atrás da sombra, mas no momento que meus pés começaram a se mover ele fugiu. Pensei em correr atrás dele, mas meus olhos me enganavam em relação à que direção ele havia corrido. Esperei por alguns segundos por algum barulho, qualquer coisa, mas nada aconteceu além da respiração cada vez mais fraca da vítima. Me agachei novamente e levantei sua cabeça.

“Saberia o descrever? “Perguntei e mordi o lábio com a demora que a vítima levou para responder.

Ele fez que sim com a cabeça e quando eu ia pedir para que ele falasse algo Mathew me empurrou com força e eu acabei caindo com minha cara no chão de pedra.

"Carteiro, eu não vou deixar você fazer isso." Ele falou e eu me levantei ignorando o quanto meu rosto ardia. Me aproximei de Mathew e o fitei.

"Eu também não irei te deixar acabar com meus planos." E levantei meu punho como a muito tempo não fazia golpeando-o no nariz, tudo bem, eu já havia tentado e imaginado o quanto eu queria socar alguém de vez em quando, mas daquela vez foi forte, muito forte. Mathew gritou e cobriu o nariz com as mãos enquanto me encarava com raiva. Me virei novamente para a vítima, mas ele me chutou e desta vez eu me protegi do chão com minhas mãos. "Eu não tenho tempo para isso." Falei. Fechei os olhos com força. Eu conseguiria matar minha imaginação? Abri meus olhos encontrando o punho de Mathew à poucos centimetros do meu nariz. Ele havia congelado e a luz da rua iluminava seu nariz que sangrava. Suspirei e tombei minha cabeça para o lado tentando entender o que havia acontecido. O gemido da vítima me lembrou da trama principal.

"Como ele aparentava ser?" Perguntei me voltando para ele. O moço abriu a boca uma vez, mas sua voz era tão baixa que era igual a nada. Ele falou novamente, mas além de falar junto com o silêncio sua frase foi cortada no meio... para sempre. Observei seus olhos enigemáticos e profundos por alguns instantes e os fechei. Um soco nas minhas costas anunciou a volta do Mathew.

Me levantei e arregacei as mangas. Meu rosto estava úmido de sangue e minhas roupas manchadas de sugeira e água. "Eu não vou lutar com você."

"Então temos um problema."

Cruzei os braços e o encarei no fundo dos olhos.

"Temos mesmo." Respondi seco. Suspirei e observei seus punhos fechados. "Ouça, você não pode se livrar de mim e eu não posso me livrar de você. Estamos juntos não importa a nossa vontade. Por incrível que pareça, mesmo que você seja parte da minha imaginação, através de mim você pode interagir com o meu mundo." Mathew concordou de leve. "Eu não quero ser seu inimigo." Meus olhos se levantaram para o céu. "Não vejo necessidade já que não trará benêficios para nenhum de nós. Mas ouça e ouça bem." Me aproximei dele. "Se eu precisar ser seu inimigo eu serei. Não me importa se eu estiver me vingando do ar, se eu precisar eu irei."

Ele franziu a testa e se afastou de mim. Tossi já que minha garganta ardia. "Eu vou atrás do Doutor." Falei por fim, me abracei e continuei andando em frente.

"Como vai saber onde o Doutor está?" Mathew perguntou me seguindo.

"Ele está por aqui. Ele sempre senta na janela e olha para cá." Respondi. Olhamos em volta pela cidade escura. "Não podemos arriscar alguém saber dele, pelo menos ainda não."

"Não adianta, nunca vamos o encontrar nesta escuridão. Melhor deixarmos para aman-"

Coloquei meu dedo nos lábios fazendo um sinal para que ele ficasse quieto. Um barulho parecia nos seguir. Olhei para a direita e depois para a esquerda. A rua estava deserta.

'Para cima.' A brisa falou e eu olhei para cima. Sorri, lá estava minha avó e... franzi a testa e olhei com mais cuidado. Algumas estrelas estavam organisadas em linhas formando várias setas que apontavam para frente.

"Já sei como chegar lá." Falei. Corri seguindo as estrelas e a trilha parava em uma casa distante das demais.

"Por quê ele estaria aqui?" Mathew perguntou olhando além da grade do portão para uma casa aos pedaços. "Carteiro... este lugar me assusta, vamos embora..."

"Precisamos entrar, se ele estiver aqui podemos o levar de volta." Parei de olhar para a porta imensa para reparar em Mathew que não tremia de frio, mas de medo. "Você nem pode morrer, do que tem medo?" Ele encolheu os ombros e eu sacudi o portão.

"Vamos voltar amanhã..." Mathew falou e eu fiz que não.

"Eu vou entrar agora."

"Está trancado." Ele protestou.

"Sabe... lá na fazenda haviam várias árvores." Falei e começei a escalar a grade. "Eu tenho a lembrança desta árvore enorme... com uma fruta que não me vêm o nome." Continuei subindo e de vez em quando olhava para Mathew que me encarava horrorizado. "Eu só me lembro que eu escalava a árvore, me sentava e comia todas as frutas do topo." Agora eu já me encontrava descendo a grade do outro lado. "Eu também ia para lá quando a polícia começou a visitar meu pai. Eu fugia dos gritos e do choro..." Pulei e me encontrei no chão. "Eu ficava lá até ficar bem de noite e todas as estrelas aparecerem, ai minha mãe me chamava. O estranho é que são os momentos mais horríveis da minha infância que tem mais lembranças boas." Sorri e olhei para Mathew do outro lado. "Eu fui feliz nos momentos mais insanos."

Ele olhou para outro lado provavelmente incomodado. Tossi e olhei para a escada que levava à porta à alguns metros.

"Eu já volto." Falei e caminhei até a porta.


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