O Entregador de Estrelas escrita por Beatriz Azevedo


Capítulo 25
Telescópio




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Mesmo hoje, sendo o caminho do tempo tão grande sinto um frio subir minha espinha ao me recordar do que passei na Alemanha. Hoje eu acredito que foi ai que tudo parou. Que a minha mente parou de dar várias voltas em torno de tudo que eu fiz. Parecia que com o tempo, por mais horrível que isso sôoe nos seus ouvidos a culpa de ter matado e desejado a morte acabou se varrendo da minha conciência. Logo eu já não via grande importância e é este momento que a minha vida começa a mudar. Não saberia lhe descrever se para pior ou melhor já que isso é um ponto de vista de quem se beneficia. Para mim, muito, muito melhor. Mas admito que no meio de todos os pensamentos me vinha uma coisa, uma razão para não matar todos que me irritassem ao mesmo tempo e acabar com isso, encontrar Matilda era o meu objetivo principal, talvez até minha cura e eu a via como algo extremamente raro que quase ninguém sabia. Se eu matasse todos eu poderia perder o mapa para o tesouro.

No dia depois à minha conversa com o detetive minhas pernas novamente me arrastaram até a casa de porta azul, a cada dia eu me aproximava exatamente dois passos a mais da casa e nos meus calculos levaria mais ou menos 12 dias para que eu chegasse na varanda novamente. Quando dei meus corajosos dois passos mais pertos vi algo brilhar na porta e isso imediatamente chamou minha atenção.

“Não pode ser...” Falei e corri até a porta. Havia algo que brilhava a luz do sol embrulhado em jornal. Comecei a abrir o pacote, mas vi a cortina da casa se mexer me lembrando de onde eu estava. Corri de volta para a esquina e me fundi com a escuridão. Me sentei encostado na parede e abri o embrulho cautelosamente. Havia um papel que eu não fiz questão de gastar minha paciência e ai havia um telescópio. Ele estava enferrujado, mas limpo e eu senti minha garganta fechar. Olhei novamente para a porta azul e ai para a janela. Foi por um segundo, mas lhe garanto que foi o segundo que eu mais me abri para o mundo. O rosto delicado de minha mãe apareceu, eu estava longe, mas seu olhar estava direcionado para a esquina onde eu me encontrava. Eu sabia que ela não me via devida a movimentação de outras pessoas passando, mas eu a vi.

Encostei minha cabeça na parede e abraçei o telescópio.

“Menino, você está bem?” Levantei meus olhos para um homem de olhos tão cinzas que me assustaram e eu deixei o telescópio cair. Ele estava com a mão apoiada na parede e ai caiu a ficha de que ele não realmente me via.

“Sim?”Respondi. Depois de alguns momentos eu continuei. “Desculpe-me, senhor, com toda a educação, desculpe minha indelicadeza, mas-”

“Como eu percebi que você estava ai?”

Concordei e me lembrei de que ele não veria. “Sim.”

“Quando uma janela se fecha outras se abrem.”O encarei e sorri. “Eu sinto as pessoas à grandes distâncias... me divirto em imaginar com o que elas parecem. Cada ruído eccoa no meu ouvido, ouço cada batida de coração. Cada suspiro. Cada piscar de olhos.”

“Você nasceu assim?”

“Não.” Ele virou a cabeça par cima e voltou a falar. “O estranho é que nunca vi tanto quando vejo agora. Eu aceitei.”

Recuperei meu telescópio e o abracei.

“É importante?”Ele perguntou e eu franzi a testa sem saber ao que ele se referia. “O objeto. Você o segura com cuiado... julgo-o importante.”

“Consegue saber isso pela falta de barulho?”

Ele sorriu e concordou.

“A mente humana é realmente extraordinária.” Ele falou, sorriu e continuou caminhando e enfim desapareceu na multidão.

Sorri por mais alguns instantes, eu estava confuso e estranhamente eu me sentia triste e feliz ao mesmo tempo. Me levantei e pensei na última coisa que ele falou. Caminhei em direção à tenda no meio da praça.

“Olá... olha quem voltou. Sua cabeça parou de rodar?” Fui cumprimentado pelo mágico com suas doces palavras de superioridade.

“Eu quero que me ensine a usar minha mente.”

Ele sorriu.

“Você tem que estar aberto para isso e mais importante. Seguir minhas instruções.”

“Eu prometo.” Respondi, com isso ele sorriu e bateu as mãos satisfeito consigo mesmo.

~~//~~

Quando minha mente saiu de tudo que aprendi naquela aula e a promessa de voltar todo dia já estava tudo muito escuro e eu estave perto da hospedaria. Abri a porta do quarto e nem Mathew ou o Doutor estavam. Tirei Victoria da gaveta e a observei andar pelo quarto com sua rotina de sempre parar no meu sapato e o bicar.

Fechei os olhos e pensei em praticar o que havia aprendido hoje quando bateram na porta. Guardei Victoria e coloquei novamente o meu casaco escondendo meus machucados. Abri a porta e Mary me empurrou e se sentou no sofá carregando um livro. Fechei a porta e cruzei os braços.

Ela abriu o livro e começou a ler em voz alta.

“Mary, pare.”

Ela continuou a ler.

Coloquei minhas mãos no ouvido já que, depois de ela continuar sua voz ficou águda e eu sentei meus ouvidos sangrarem por dentro.

“Mary eu não quero ouvir!”

“Por que?” Ela parou de ler e me fuzilou com seus olhos brilhantes.

Arrastei uma cadeira e me sentei a encarando pela parede paralela. Suas sombrancelhas só deixavam mais claro o que seu rosto transmitia. Pura raiva.

“Como pode ser tão indiferente a tudo?” Ela se levantou e caminhou em minha direção. “Tudo você tem ataquizinhos.” Ela fez uma careta e eu a encarei sem parar. “Sabe o que eu acho? Que você inventa estes ataques.”

“Eu-”

“Você inventa eles por que se não interromper tudo que acontece ao seu redor você vai ser obrigado a demonstrar algo a mais que a sua indiferença.” Ela olhou para o teto. “Eu amo você e ainda não sei porque.” Cruzei os braços. “Você é tão infântil. Você finge que é assim, desligado, mas eu sei que não é, você tem medo de si próprio, você tem medo da realidade incrível e mais aberta que sua mente possui.” Meu olhar foi forçado para o chão. “Tem medo de tudo ficar pior que isso?” Senti seu olhar pesar sobre mim, mas continuei examinando o chão. “Se pretende continuar escondendo tenho que lhe alertar que fingir que não vê o Mathew não funciona. Você está enganando a si mesmo.” Suspirei. “Tem algo para falar?” Fiz que não. Vi seus pés se voltarem para o sofá e sua voz continuou a ler a história em voz alta e eu fiquei sentado ali, ouvindo e meditando em tudo que ela havia dito.

Quando Mary enfim fechou o livro eu já estava viajando com todos os personagens.

“E isso, mudinho, é o fim do terceiro capítulo.” Ela falou e alisou a capa do livro com as mãos. A encarei e ela se levantou. “Foi tão ruim assim?”

Fiz que não e ela beijou minha testa.

“Você vai brigar comigo se eu voltar amanhã ou vai admitir que ouvir histórias é ótimo?” Eu ia responder quando Mathew abriu a porta e entrou no quarto. “Vento no corredor?” Mary perguntou caminhando até a porta e a fechando. Observei Mathew encostado na parede do lado dela e franzi a testa. “O que foi?”

“Nada, literalmente.” Respondi, ela suspirou e saiu.

Mathew me encarou até a porta do quarto da Mary bater. “Nada?” Ele perguntou.

“Pateticamente nada.” Respondi me levantando e espreguiçando.

“O que ela estava fazendo aqui?”

“Lendo.” Respondi tirando o telescópio de dentro da fronha do travisseiro e o levando em direção à janela. "Onde está o Doutor?"

"Ele está no quintal."

"Sozinho?" Perguntei desinteressado.

"Nah... Sim."

"Eu vou buscá-lo" Falei colocando meu cachecol, mas Mathew me parou.

“Como eu conseguiria a atenção dela?” Ele perguntou. Pensei um pouco e fiz que não.

“Mathew... sério mesmo?.” Respondi, ele se sentou e cruzou os braços. Suspirei e como eu já sabia que até acabarmos a conversa eu não sairia dali voltei a me ocupar com o telescópio. "Você não existe." Continuei abrindo a janela emprerrada e depois voltando a o encarar. Ele olhou para o chão. “Nem sei por que você da tanta importância para isso de qualquer modo.”

“Pelo mesmo motívo que te trouxe para cá.” Ele respondeu.

“Matil- não.” Ajeitei o foco do telescópio e olhei para Mathew sério. “ Mathew, eu não sinto amor.” Ele me encarou incrédulo. "Eu não sinto amor pela minha família, eu não sinto amor pelos meus amigos e eu não sinto amor por mim. Como quer- como espera que eu ame alguém?"

“Tenho certeza que no fim-” Ele começou e eu o interrompi rindo.

“Mathew, você acha que eu tenho condições de gostar de alguém?”

“Como quiser carteiro.” Ele falou e caminhou para a porta.

"Para onde vai?" Perguntei cansado.

"Atrás do Doutor." Ele resmungou e saiu do quarto. Coçei meus olhos e voltei a estudar o telescópio.

Mathew demorou a voltar e quando voltou eu já havia descoberto a nova localização da minha avó.

"O Doutor sumiu." Ele falou se pendurando na porta.

"Vamos atrás dele então." Respondi guardando o telescópio.

"Você não está irritado?"

"Não."

Mathew coçou a cabeça confuso.

"Vamos atrás dele agora?"

Fiz um círculo com os olhos, coloquei minhas luvas e sobretudo e saí.


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