O Entregador de Estrelas escrita por Beatriz Azevedo


Capítulo 23
Mais pessoas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/471857/chapter/23

A verdade é que eu não tinha coragem o suficiente para tentar e portanto no dias seguinte eu ignorei o convite e fui para o endereço que a governanta havia me indicado. Depois de perguntar para algumas pessoas na cafeteria foi fácil encontrar a casa que entrava no mar. Coloquei meu pé na ponte de aproximadamente três metros de comprimento até chegar na casa e senti um frio subir minha espinha. Fechei os olhos, respirei fundo e continuei andando. Abri os olhos quando minhas pernas bateram em algo. Várias caixas com peixes e varas de pescar se encontravam na frente da casa. As observei até uma voz surgir atrás de mim.

“Você tem como pagar pelo peixe?”

Me virei para um senhor de cabelo grisalho e óculos finos. Ele brilhava bastante -menos que Matilda, claro- e talvez por isso eu não tenha me importado com o susto.

“Eu não vim comprar peixe.” Respondi.

“E o que quer?”

“Eu preciso encontrar alguém, me disseram que você poderia me ajudar.”

Ele pensou um pouco e sorriu com seus dentes amarelados.

“Por favor.”

Ele cincordou e abriu a porta indiccando que eu entrasse. Tirei minha boina e observei a casa que mesmo no meio do mar era aquecida e acolhedora. Era uma casa feita de madeira com armários cheio de pratos de porcelana, talheres e velas, a sala era pequena, mas tinha um tapete macio e duas poltronas com uma mesa de centro. Havia um grande quadro na parede com o que parecia o meu anfitrião mais novo, sua noiva, 3 meninas e mais um menino sendo ninado pela mãe. Desorientadamente eu me dirigi até perto do sofá e o observei entrar. Ele parecia ter dificuldade em se movimentar e eu pensei em ajuda-lo, mas ele olhou para mim transmitindo 'nem pense nisso' com seus olhos. Depois que ele entrou ele caminhou até uma estante e tirou um livro velho.

“Quem está procurando e por quê?”

“Não é alguém que mora aqui há muito tempo...”

Ele concordou e fechou o livro depois andou até a cozinha e eu ouvi o barulho do fogão sendo asceso.

“O nome dela?”

“Matilda... Groyal.”

“Groyal?” Ele falou e eu só ouvi sua voz vinda da cozinha. “Groyal... Groyal... conheço esse nome.”

Sorri aliviado, mas quando ele repetiu o nome pela sexta vez eu mordi o lábio e me sentei no tapete apoiando minha cabeça na parede. O cheiro de peixe invadiu a sala e eu segurei minha respiração.

“Você pode lanchar aqui se quiser.” Ele falou e eu franzi a testa. “Talvez no meio tempo eu me lembre. Ele voltou para sala e me encarou. “E então? Você gosta de peixada?”

Fiz que sim mesmo querendo fazer que não e ele sorriu.

“Groyal...” Ele repetiu e voltou para a cozinha.

~~~//~~~

Olhei para o peixe na minha frente e para o senhor do meu lado que o comia entretido. Brinquei com os talheres.

“E você, cavalheiro, você me é familiar.” Ele falou e eu o encarei.

“Hum... eu não moro aqui, acho que deve estar me confundindo com alguém.” Respondi e senti seus olhos examinarem cada mancha no meu rosto.

“Qual o seu nome?” Ele perguntou e eu me senti desconfortável com perguntas que eu evito responder a mim mesmo.

“É uma história complicada, minha mãe me deu um nome que quando escrito não parece com como se fala ele.” Encolhi os ombros. “As vezes eu não sei qual é meu nome.”

“E o seu sobrenome?”

“Eu sou órfão.” Respondi olhando para o teto e evitando seus olhos. Talvez pelo medo do que minha mãe sempre dizia: meus olhos ficam perdidos sempre que minto.

“Dúvido que um órfão iria vir para a Alemanha.”

“Estou a trabalho.”

“Eu te conheço...” Olhei para o prato novamente e senti seu olhar pesar em mim, cortei um pedaço do peixe e o dirigi a minha boca. Mastiguei rapidamente e engoli tentando evitar sentir o gosto.

“Não coma tão rápido, você pode engasgar.” Tomei um pouco de água e ele continuou. “Sempre sentou desta forma?”

“Ninguém nunca criticou minha forma de sentar.” Respondi.

“Não o modo que senta: o modo como senta.”

Olhei para o copo de água que eu segurava. O líquido tremia de acordo com meu corpo. Quando eu notei isso ele começou a tremer mais até o líquido cair no chão.

“Você tem que estar mais atento a si mesmo.” Ele respondeu comendo mais um pedaço do peixe e depois voltou a me encarar. “É normal ter este ataque?”

“Meu corpo acha que está me protegendo de algo se eu tremer.” Respondi e olhei novamente para o peixe. Por causa do silêncio estranho voltei a falar “Você se lembrou da Matilda?” Perguntei esperançoso.

“Desculpe garoto, não.”Ele suspirou e comeu a última garfada do peixe. “Aceita chá?”

Fiz que sim e ele se levantou, mas depois se sentou novamente e me encarou. “Tenho certeza que quem quer que fosse sua mãe ela não ficaria contente em te ver deixar comida no prato.”

“Eu...” Corei e com seu olhar fixado em mim eu comi todo o peixe rapidamente. “Não sou acostumado a comer peixe.” Falei coçando meu braço.

Ele sorriu e caminhou para a cozinha.

“Não precisa se incomodar com o chá... eu já vou-”

“Groyal!”Ele me interrompeu. “O vendedor de livros! Oh sim! Eles se mudaram para cá a pouco tempo.”

“Você sabe onde eles moram?”

“Não, mas eles estão reformando uma livraria perto daqui.” Ele falou colocando um bule de chá na mesa. O cheiro do chá quebrou o cheiro de peixe, mas ao mesmo tempo fez tudo ficar preto. O mesmo cheiro... O rastro de chá mortal surgiu no meu pensamento escorrendo por toda a sala como se fosse o próprio sangue da minha avó. Engoli em seco e voltei minha mente para o presente. Resolvi falar algo para me distrair.

“Então... você mora sozinho?”

“Minha família morreu num acidente de barco.”

“Oh, lamento.”

“Eu teria morrido também... perdi a perna... e um ouvido.” Ele apontou para o ouvido que até agora eu não havia notado. Ele olhou para o quadro que eu havia posto meus olhos quando entrei na sala. “Luke sobreviveu até os oito. Ele me fez companhia até que seus machucados no naufragio foram descobertos como infecionados.”

“Eu lamento muito.”

Ele suspirou e sorriu falso. Fomos interrompidos por um bater na porta e uma moça a abrir. Ela me encarou e franziu a testa, depois colocou a cesta na mesa e caminhou até o senhor.

“Pai, pai, como você está?”

Senti qualquer coisa que existisse em mim explodir. Ele fechou os olhos e ela se virou para mim.

“Quem é você?” Ela perguntou e eu coloquei as mãos na minha frente tentnado me protejer de sua raiva enquanto tentava entender o que se passava.

“Eu vim-”

“Ele está muito cansado para receber visitas!”

Engoli em seco e continuei a encarando. Ela ficou mais brava e me empurrou em direção à porta. De repente ela parou e caminhou de volta para a sala de jantar olhando provavelmente para o seu pai. A vi voltar e ela se encostou na parede cansada.

“Desculpe... não estou acostumada a ver alguém com meu pai.”

“Não fale comigo.” Falei colocando minhas mãos nos ouvidos para bloquear sua voz. Ela franziu a testa. “Eu não falo com gente que não existe.”

“Não, não, não, você não entende, ele não se recorda de nada.” Ela suspirou “Ele não lembra que só a mulher dele morreu há três anos de velhice... ele confunde a vida dele com uma história que ele contava toda a noite para nós.” Dei um passo para trás.

Os passos do senhor voltaram para o corredor e logo ele estava vindo em nossa direção.

“Não acredite em nenhuma palavra dito por ela! Ela não existe! É uma alucinação.”

“Eu não posso ficar aqui.” Falei saindo.

“Hey, espere.” Ela correu até a porta e se colocou na frente bloqueando a passagem. “Ele falou com você?”

“Claro.”

“Você precisa ficar.” Seu rosto ficou vermelho e lagrimas encheram seus olhos. “Você precisa o convençer da verdade.” Fiz que não e ela me deu um tapa na cara. “Tente.”

“Como quer que-”

“Fale com ele.”

“Por que eu?”

Ela mordeu o lábio e saiu da frente da porta. Me aproximei da saida e ela limpou seu rosto com um pano. O senhor nos alcançou e tentou sair da casa.

“Me ajude a fugir.” Ele falou. “Não me deixe sozinho nesta casa assombrada.” Seu olhar de súplica me intrigou.

“Eu... eu não posso, desculpe.” Respondi e corri o mais longe possível da casa.

Ao chegar no quarto observei as várias manchas vermelhas em todo lugar de minha pele. "E eu nem consegui o endereço." Falei coçando minhas bochechas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Entregador de Estrelas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.