O Entregador de Estrelas escrita por Beatriz Azevedo


Capítulo 18
'Com uma condição'




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/471857/chapter/18

Mathew passou um bom tempo encarando o doutor desmaiado e eu. Depois de alguns instantes ele parou e colocou a mao na cabeca.

“O que esta acontecendo com voce?” Eu ia comecar a responder quando ele fez um sinal para que eu ficasse quieto. “Por que nao consegue ter algo e nao usa-lo para coisas desnecessarias?”

“Mathew eu ja te expliquei milhoes de vezes!”

“Ok, e se sua avo’ for sua imaginacao? Ja pensou nisso? E se quando tudo acabar voce descobre que esteve cego por toda a sua vida? Voce passou sua vida sonhando em alturas que nao existem.”

Semi cerrei os olhos.

“Eu nao tenho nada para acreditar agora, vou segurar no que venho segurando desde que me reconheco por gente e voce vai me ajudar.” Mat me encarou asusstado e eu me maravilhei com uma sensacao nunca sentida antes. “Eu finalmente sinto que posso fazer tudo que eu quero! Eu posso acabar o que eu preciso sem problemas.”

Mathew se aproximou do doutor ignorando minha figura sorrindo e sonhando. “Medico de cabeca, hun?”. Ele perguntou e eu concordei. “Por que voce fez isso?”

Dei de ombros e ele olhou para o casaco do doutor curiosamente.

“O que pretende fazer com ele? Se ele ficar louco nao sera de nenhuma utilidade.” Mathew perguntou se aproximando ainda mais do corpo desmaiado.

“Ele tera utilidade, voce vera’.” Respondi. “O que esta fazendo?”

“Ele tem algo no bolso.” Mathew falou e tirou o papel do bolso do doutor.

Me aproximei do Mathew para ver o que estava escrito no bilhete.

“Parece ser uma rua.” Ele falou e me entregou o bilhete.

“Mathew! Deve ser o endereco da Matilda!”

“Pode nao ser...”

“Mas temos uma pista!”

“E como pretende saber que rua e’ se nos dois nao sabemos ler?”

Pensei um pouco.

“Mary!” Corri para a porta, mas Mathew me impediu segurando no meu casaco.

“Carteiro, nao vou deixar voce machucar a Mary.”

Me virei para o encarar.

“O que?” Perguntei forcando minha garganta ao maximo para ele sentir meu tom sarcastico.

Ele continuou me encarando serio. Eu ri e fiz um gesto para que ele me soltasse.

“Mat, eu nao vou machucar a Mary.”

Mathew me puxou com mais forca ate que seus olhos estivessem ainda mais proximos dos meus.

“Voce me disse que pessoas que viram estrelas nao sentem dor ao morrer. Voce disse que nao machucaria ninguem que sofreria com a morte.” Ele sussurrou. Semi cerrei os olhos.

“Entao tem razao, eu mudei.” Senti ele segurar minha camiseta com ainda mais forca. “O que vai fazer, Mat? Voce e’ minha imaginacao, nao pode fazer nada contra mim, minha mente o criou para me proteger, nada vai te fazer mudar.”

“Eu estou te segurando, não estou? Você não pode matar sua imaginação, Carteiro.”

Me soltei e coloquei minha mão na maçaneta, mas ele novamente segurou meu braço.

“Eu não vou matar a Mary, isso é, se ela nao souber de nada.” Ele suspirou aliviado e eu voltei a o encarar. “Mathew... Por que esta protejendo-á?” Ele me encarou confuso. “Não adianta, eu leio sua mente, lembra?” Observei seus olhos castanhos ficando mais vazios. “Você gosta dela, Mathew?” Ri e ele soltou meu braço. “Não se preocupe, voce é meu unico amigo, eu nunca faria algo para perdemos tamanha amizade.” Respondi girando a maçaneta. Ele hesitou em me deixar ir, mas depois só se virou para o doutor.

Abri a porta e andei pelo corredor. ‘Qual seria o quarto de Mary?’ Pensei olhando para uma duzia de portas a minha frente. Andei ate o quarto com a luz de velas ascesas escapando pelo vão da porta e o chão. Bati na porta.

“Quem é?” Uma voz sonolenta atendeu.

“Mary?” Perguntei tentando falar com meu tom normal ja que minha garganta dóia pelo tempo que eu havia ficado falando alto e muito.

“Carteiro?”

Tierei a adaga da minha bolsa de carteiro e a coloquei entre a porta e o batente, forcei a adaga que abriu a porta com um clique.

Mary pulou da cadeira asusstada e gritou. Fechei os olhos.

“Voce me asusstou! E se eu estivesse trocando de roupa?” Ela perguntou. Mantive meus olhos fechados e sorri. “O que voce quer?”

“Eu preciso que leia algo para mim.” Respondi. A ouvi rir.

“Farei isso so por ouvir voce completar frases... O que fez voce mudar?”

“Eu nao sei...” Mesmo com olhos fechados a senti sorrir. “Mas voce vai me ajudar?”

“Sim, o que voce quer que eu leia?”

Tirei o papel do meu bolso e ela o tirou de minha mão já que eu não sabia onde ela estáva.

“O que é isso?” Ela perguntou alguns instantes depois.

“Eu não sei.” Respondi e imaginei a cara que ela fazia perante meus olhos fechados.

“É claramente um endereço.” Ela me cutucou “Pode abrir os olhos, Carteiro”. Abri meus olhos e me assustei ao vê-la tão próxima de mim. “Como você conseguiu este endereço.” Foi sua pergunta enquanto seus olhos cinza me julgavam e observavam cada movimento meu procurando por alguma culpa; Como tudo em mim era culpa ela nunca iria encontrar algo para julgar.

“Eu achei na rua e fiquei curioso.” Respondi encolhendo os ombros e sabendo que ela não acreditou um milésimo na minha desculpa. Tentei o mais rápido possível desviar sua atenção. “Sabe onde fica o endereço?”

“Hum... Quer dizer que você quer investigar um endereço qualquer?” Fiz que sim evitando seus olhos e ela suspirou. Seu olhar voltou para o papel. “Não deve ser longe da casa da minha avó... ela já falou bastante desta rua.”

“Eu preciso ir para este endereço...” Falei e ela me encarou ansiosa enquanto eu a encarava de volta. Passamos um minuto fazendo isso até eu falar “Você não está esperando que eu...”.

“Estou. Vou esperar que você peça ajuda. Pode levar o tempo que quiser, é do seu interesse mesmo.”

“Mas...”

“Carteiro, qual o seu problema? É só pedir ajuda.”

Fiz que não.

Ela sorriu e me empurrou até a porta. “Sinto muito, Carteiro. Você não quer ajuda a não ser que peça, como não vai pedir...” Ela fechou a porta na minha cara.

Encostei minha orelha na porta e a ouvi rindo. Ela abriu a porta de repente e eu, apoiado na porta, cai em cima dela.

Levantei-me e a encarei enquanto ela se levantava e cruzava os braços . “Você esta mimado de mais, todos fazem tudo que você quer e você não nota isso. Até descobrir que faz parte da humanidade que tanto odeia e reconhecer o esforço das outras pessoas que se importam com você eu não quero saber de você.” Ela riu sem sentido, me empurrou para fora novamente e desta vez trancou a porta.

“Mary!”

“Sim, Carteiro?”

“você está com o meu papel.”

“Nanananana, se ele não é útil para você, você não o precisa.”

Chutei a porta.

“Como eu falei Mi-ma-do.”

Virei-me para encontrar Mathew encostado na parede do corredor.

“E ai? Conseguiu concluir seu plano maligno e sem sentido?”

“Shh... alguém pode te ouvir.” Mathew franziu a testa. “Se bem que com este barulho de piano nada pode ser escutado.” Falei colocando as mão no ouvido para barrar o som melancólico do piano.

Ele riu sinicamente.

“Você disse que eu faço parte da sua imaginação, neste caso ninguém consegue me ouvir.”

“Mas eu estou te respondendo, e a minha voz pode ser escutada.” Respondi cruzando os braços. “E talvez sejam eles a imaginação e você é o real, tudo pode estar de ponta cabeça, ou talvez a Mary consiga te ouvir ou talvez esteja tudo errado.” Suspirei. “Eu não disse que quero acreditar que você não é real, você é o único amigo que tenho, eu pensei por tanto tempo que não estava sozinho.”

Mathew continuou me encarando e eu tinha certeza de que me rosto estava vermelho de frustração. Sentei no corredor e coloquei minha mão na testa.

“Talvez eu não exista e você seja o real.”

Ele chutou o chão e voltou a me encarar.

“Você consegue ouvir os pianos?” Perguntei e ele fez que não. “Nem minha imaginação vê o que eu imagino.”

Ele olhou para a parede paralela.

‘Eu me sinto sufocado.” Coloquei minhas mão nos pescoço. “E agora me vem o pensamento que eu matei alguém! Vêm o pensamento que enquanto ele afogava eu fiquei parado sem fazer nada.”

Mathew me observou e suspirou aliviado.

“Sabia que ia voltar ao normal.” Ele sorriu e olhou para cima como se agradecendo algo do céu (o que era provavelmente isso mesmo).

Ele colocou a mão nos meus ombros.

“Mude.”

“Não tem como mudar agora.”

“Você não vai nem tentar?”

“Não.” Fiz que não rapidamente. “Eu não tenho tempo para isso.” suspirei e Mathew semi cerrou os olhos.

“O que você vai fazer agora?” Mathew perguntou.

“O que vai fazer agora?”

“Eu vou atrás da Matilda.”

“E o endereço que está com a Mary?”

“Vou atrás dele também.”

“Crê que ele é importante?”

“Sim!” Respondi e senti meus olhos se arregalharem. “Obviamente!!! Eu tenho certeza de que é o endereço de alguém que eu conheço, não faria sentido o Doutor trazer o endereço para cá tentando me ajudar se não tivesse algo do meu interesse.” Mathew fez que sim depois de pensar por alguns instantes. Sorri e sussurrei: “Mat, eu acho que é o endereço da Matilda.”

Ele arregalou os olhos. “Acha memso?”

Fiz que sim.

“Você quer o endereço de volta, Carteiro?” Mary perguntou abrindo a porta. Seus olhos cinzas imediatamente fixaram-se nos meus e eles eram frios igual ao seu sorriso sinico de sempre. A verdade é que o sorriso dela não expressava o sinísmo, expressava -mesmo que seja uma vergonha que eu admita- sua superioridade em relação a mim. Ela sabia que mesmo sendo mulher ela era mil vezes acima do meu nível. O que é óbvio já que eu trabalho para o pai dela e o fato de que ela era mais velha, Eu com 16 ela com quase 18, tudo girava ao seu favor.

“Sim, eu preciso do endereço.” Respondi e Mathew concordou.

“Só se você pedir por minha ajuda.” Ela sorriu sinicamente. “Se não pedir o problema é seu.”

“Eu nã-”

“Carteiro, qual o seu problema? É só pedir ajuda. Você não consegue gastar sua vozinha -que agora está trabalhando mais- para ser educado e humilde? Se não você é realmente um mané.”

“Eu não preciso da sua ajuda.” Respondi. Mathew passou a mão na cara descrente de que eu havia falado aquilo.

“Claro que precisa.” Ela deu uma risadinha e tirou o papel com o endereço de dentro do seu chapéu amarelo de passeio que combinava com seu vestido amarelo que contrastava com seus cabelos cor mel. Agora que paro neste momento para pensar Mary possuía um ar extremamaente elegante de qualquer forma, seja como seus olhos cinzas meio azulados refletiam orgulho e humildade ao mesmo tempo ou o quão facinante seu ser era em si. Talvez eu reconheçesse um pouco de mim nela, eu guardo a impressão de que ela, ou talvez todos tenham mais que uma personalidade guardada para si mesmo, talvez a maioria a esconda por que eu ainda imagino que estou num grupo de loucos. “Como chegaria em lugar algum sem o meu papel?” Mary novamente assumiu sua superioridade ao se aproximar mais de mim e deixar óbvia seu crédito de altura em relação a mim.

Mathew fez um gesto de incentivo e eu fiz um círculo perfeito com os olhos. “Me ajude.” Murmurrei e ela disse que eu havia falado muito baixo e ela não conseguiu ouvir –o que eu dúvido, tenho certeza de que ela só estava se divertindo com meu rosto vermelho- quando eu repeti a frase ela respondeu:

“Acho que você não entendeu direito, mudinho, você não pode me ordenar a te ajudar. É com delicadeza, como todos os Vitorianos fazem. Afinal, você é um Vitoriano, aja como tal.”

Suspirei e falei rapidamente: “Mary, porfavor nos ajude a ler e descobrir a rua deste endereço.”

Ela cobriu os lábios com os dedos para disfarçar uma risada.

“Nossa, você demorou demais.” Ela respondeu e Mathew e eu nos entreolhamos assustados que tudo for a em vão. Murmurei um 'eu sabia' já que eu sempre suspeitei que Mary não havia mudado. Ela continuava seu papel de cruél, controladora e meiga ao mesmo tempo. “Se quiser mesmo minha ajuda terá que implorar.”

Olhei para os dois lados do corredor extenso. Não havia ninguém e a única coisa que chamou minha atenção foi a única janela da parede que revelava o sol nascendo. Voltei meus olhos para Mary assim que ela assumiu sua posição de descanço com as mãos e bateu o pé no chão delicadamente -por mais incrível que pareça ela encotrou um modo de o fazer parecer suave-.

Mathew pensou 'Você vai mesmo fazer isso?”. Eu respondi com um 'sim' de cabeça e ele sorriu já que ele estava consciente de que seus pensamentos eram claros como dia para mim.

Suspirei, peguei sua mão e começei a falar “Mary por favor, eu peço qu-” Ela segurou minha mão com força e vêm à minha mente até hoje se ela estava consciente sobre a queimadura de um mês atrás que ainda machucava minha mão direita. De qualquer forma ela continuou a apertando. “O que foi?!” perguntei ela apontou para o chão. “Você quer que eu-”

“Ajoelhe?” Ela olhou para os lados como se houvesse mais alguém ali dando sua opinião e voltou seus olhos para mim. “Sim.”

“Mas eu...” Ela me empurou e eu caí de joelhos no chão. Senti o arder do chão de granito na minha perna amaldiçoada e resolvi por fim naquilo o mais rápido possível. Segurei sua mão, deixei uma perna no chão e a outra levantada e a encarei nos olhos. “Mary por favor, eu imploro que nos ajude.”

“Bom mudinho. É claro que eu te ajudo!” Ela soltou minha mão e riu novamente. Sorri e Mathew fez uma dancinha de vitória. “Com uma condição.” E ai o sorriso do Mathew e o meu sumiram e eu cruzei os braços.

“O que você quer?” Perguntei e testemunhei a mão de alguém agarrando o colar do meu casaco em menos de um segundo e me levantando.

“Olha aqui mudinho, eu sou uma dama, trate-me como tal.” Ela parou de me erguer, mas continuou a me segurar com a mão direita enquanto que com a esquerda ela arrumou a franja que havia caído no seu olho e sorriu como se nada estivesse aconteçendo. “Sua frase deve ser reformulada para 'Como eu poderia lhe satisfazer senhorita?'” Ela piscou várias vezes adorávelmente -pelo menos foi a única coisa que eu consegui ver já que meu rosto estava tão proximo do seu que eu consegueria ver todos seus pôros.

Repeti a frase e ela parou de segurar meu casaco com tanta força. Tentei me soltar, mas antes disso ela depositou um beijo na minha bochecha.

“Eu quero ir com você.” Ela sussurrou.

Coçei meu cabelo e tentei formular uma resposta que não a chateasse por que ela era muito mais forte que eu e agora eu já tinha medo dela. Olhei para Mathew e ele pensou 'qualquer coisa que faça, não a mate'. Fechei os olhos e tentei mudar meus pensamentos que insistiam em pensar em modos de se morrer com todas as ferramentas da sala.

“Er... por que eu... eu... por que iria querer ir?” Foi o que saiu de minha boca.

Ela olhou para os dois lados e sussurrou “Quer saber de um segredo?”. Fiz que sim mesmo que eu não tivesse o mínimo interesse. Ela se aproximou de mim novamente e sussurrou “Eu gosto de você.” Senti uma facada rápida passar pelo meu estômago e os olhos de Mathew ficaram enormes de surpresa. A rápidez e o modo com que Mary foi direta me fez pensar que eu iria engasagar.

“Er... eu... você pode vir conosco.” Respondi antes que eu controlasse minha fala novamente. Tudo no meu cérebro ficou louco e eu não tinha controle dos meus movimentos.

“Você está tão surpreso quanto eu.” Mathew falou e eu concordei com a cabeça, o que, no mundo da Mary serviu somente como confirmação da minha frase anterior.

Sem outra saída apelei para a única coisa que poderia melhorar o novo fardo sobre a pessoa decadente e perto da morte que eu era: “Sem perguntas.”

Ela concordou. Colocou o chapéu em sua cabeça novamente e me ofereçeu seu braço o que eu relutantemente aceitei. “Quando saímos?” Sua voz suave falou fingindo que nada havia acontecido anteriormente.

“Agora.” Respondi e nós andamos até a calçada.

“Mudinho, não pude deixar de reparar que você menciona si mesmo na 1a pessoa do plural e...”

“Sem perguntas.” Respondi e ela fez um círculo perfeito com os olhos depois de concordar.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Entregador de Estrelas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.