O Entregador de Estrelas escrita por Beatriz Azevedo


Capítulo 19
Carta para um carteiro




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Talvez Mary e eu nunca tenhamos dado certo por que enquanto eu estava ocupado demais passando pelo preocesso de sentir-me morrendo devagar como se algo arrancasse um pouco de mim a cada dia ela estava muito ocupada sendo uma dama, ou talvez parecendo superior a mim. Eram iniguais de diversas formas e por isso quando meu mundo parava por um instante e o mundo dela parava por um instante e nos tinhamos que interagir um com o outro muito provavelmente brigariamos -ela brigaria comigo e eu teria que ficar calado-.

Antes de darmos outro passo, porém sua pergunta me intrigou e eu voltei a ela. “Mathew estava no corredor consoco.”

“Estávamos sozinhos.” Ela respondeu seca.

“Sabia que ele nõ existia.” Murmurei e seus olhos me encaram curiosos.

“Então você tem consiencia de que ele não existe?” Ela semi cerrou os olhos. “Se você sabe disso, sabe que não passa da sua imaginação você está curado!”

“O problema é que eu ainda o vejo. Eu ainda converso com ele e ele interage com o meu mundo.” Cruzei os braços e o procurei pela rua.

“Já pensou em se tratar?” Ela perguntou admirando uma das charretes que passou na rua.

Com esta frase meus pensamentos voaram no tempo para uma tarde de sábado, durante uma das visitas semestrais do meu tio, alguns dias antes do natal quando meu tio me levou para dentro do escritório do meu pai -que mesmo que o dono havia falecido há 2 meses não foi mudado em nada, na verdade minha mãe havia o transformado em uma espécie de santuário onde ela ia toda a tarde chorar- Olhei para o relógio verificando que depois de 10 minutos seriam 6 horas e portanto ela invadiria o quarto com seu eterno vestido e manto preto. Meu tio caminhou até a cristaleira brilhante do meu pai e a abriu. Observei assustado sua ação de tirar uma bebida amarela com bolhas da cabine imperturbada e pensei que estáva testemunhando um sacrilégio. Ele apontou para a cadeira do meu lado e colocou a bebida em uma das taças.

Escalei a poltrona enorme de negócios do meu pai com meu corpo de 7 anos e observei meu tio tomar o primeiro gole. Ele fez uma careta depois de beber o líquido, mas continuou o segurando enquanto caminhava pensativo pela sala.

“Sua mãe me disse que você parou de ir para a escola.” Ele falou e eu novamente me mexi com desconforto. Ele levantou uma sombrançelha perante meu silêncio. “E então?”

“Hum... eu... sim.”

“Por que?” Ele perguntou e bebeu um gole da bebida novamente enquanto aguardava minha resposta.

“Eu- eu não consigo ler. Eu não consigo fazer nada sozinho por quê não consigo ler.” Minha resposta não causou nenhuma reação diferente do que quando ele tomou o primeiro gole da bebida.

“Sua professora disse que você é um gênio.” Ele colocou a mão no braço da poltrona que eu me encontrava e sorriu. “Se você aprendesse a ler seria a pessoa mais inteligente que ela já conheçeu.” Brinquei com meus dedos e ele olhou para o teto pensativo. “É isso que não entendo, sendo você tão inteligente como ela declara, como não consegue ler?”

Observei seu bigode para tentar me distrair da pergunta que passei a ouvir todo dia depois que comecei a escola. Meus olhos voaram para a cabideria de madeira em forma de madeira com o chapéu e o casaco do meu pai. Meu tio estralou os dedos e eu voltei minha atenção para ele novamente.

“O que você está fazendo agora que não tem mais escola?” O encarei e ele suspirou impaciente. “Sua mãe disse que você passa horas no frio da noite pintando um quadro.” Ele se respondeu.

“Mapa.” Falei e ele me lançou um olhar afiado. Com medo as únicas palavras que sairam da minha boca foram “Um mapa de estrelas, senhor.”

“Um mapa de estrela.” Ele murmurou achando a frase peculiar. “Estrelas não vão trazer honra ao nome decadente desta família, vão?” Ele ajeitou os óculos e eu fiz que não com a cabeça. Com isso meu tio sorriu e resolveu perturbar a estante do meu pai. Ele tirou um livro de capa avermelhada e o trouxe para mim. “Leia a primeira frase.”

Olhei para as letras sem sentido algum e as contemplei mexendo e rodando por toda a página. Algumas brincavam de espelhos, outras brincavam de desaparecer e outras ficavam maiores e menores. Um constante carnával de caos. “Eu não consigo.”

“Se concentre somente no livro, só diga o que lê!” Sua voz ficou alta e eu senti tudo girar. O método que meu tio cuidava dos seus pacientes -que irônia, meu tio cuidar de pessoas como eu- era sempre com a frase 'concentre-se somente em um ponto'. Nada até hoje me fez mudar a ideia de que foi meu tio que me fez têmer médicos sendo eles médicos psicológicos ou físicos.

“Pdac se entembeu a” Meu tio arrancou o livro das minhas mãos, ajeitou os óculos e falou alto:

“Para se entender a complexidade-” Ele fechou o livro e me encarou com o rosto vermelho. Depois de alguns instantes ele guardou o livro na estante e colocou a mão na testa. “Você vai ser a ruina do nome dos Mayntons serão vítimas de chacota pelo resto da humanidade. Um burro, um idiota numa família perfeita de gênios. Uma das famílias mais puras. Seu pai era um respeitado fazendeiro, eu sou um médico, seu av-” Parei de o ouvir ao olhar pela janela. A história de como nossa família era grandiosa até chegar a mim já me foi contada milhões de vezes. Ao percerber minha ausência de espírito ele mudou de assunto. “Você tinha amigos na escola? Talvez não prestasse atenção por que estáva falando com eles.”

“Não senhor, a professora bateria na gente.” Respondi e ele fez um gesto para que eu continuasse. “Mas eu tenho amigos que moram aqui perto. Brincamos normalmente.”

Meu tio franziu a testa com a frase.

“Você disse 'moram aqui perto'?” Ele perguntou e eu fiz que sim. Ele tomou um gole da bebida e se aproximou da janela. “Venha aqui, mocinho.” Pulei da cadeira e meu tio me levantou para que eu tivesse a visão da janela mais alta da casa. “Diga, sobrinho, o que vê daqui depois da fazenda?”

Acompanhei meu olhar da plantação de trigo até a cerca que definia o final da nossa fazenda. Acompanhei a estrada que passava por mais dois campos vazios e finalmente 3 casas que ficavam paralelas a floresta do outro lado.

“Casas?”

Ele me colocou na cadeira do meu pai e me encarou sério. “Não tem nada ali.”

“Mas tem casas ali tio, há 3 casas e...”

Seu rosto fino e pálido ficou vermelho e ele segurou meus braços com força. “Eu estou te deizendo não há nada ali. São só vários campos plantação.” Admirei meu tio que cuidava da mente das pessoas e não via as casas. Hoje eu sei que que estava errado era eu. “Repita: não há nada ali.”

Repeti a frase sem acreditar em nada que falei.

“Você ainda vê as casas?” Ele perguntou e eu fiquei de pé na cadeira e me apoiei no encosto olhando para a janela. Fiz que sim. “Você precisa ver um doutor.” Arregalei os olhos. “Sente-se, vamos conversar.”

Tudo passou com um piscar de olhos e eu voltei a encarar Mary.

“Sim, já pensei em ver um doutor.” Respondi e ela me encarou séria.

Olhamos para os dois lados e eu levantei meu pé para atravessar a rua quando alguém gritou meu nome . 'E eu pensava que não haveriam mais interupções.” Pensei. Um moço alto caminhou em minha direção o encarei até notar sua semelhança com a minha. Uma bolsa de carteiro.

“Sr. Maynton?” Ele perguntou com se tivesse corrido muito para me alcançar. Fiz que sim de leve. “Tenho uma carta para o senhor.” Ele abriu a bolsa cheia de envelopes e começou a procurar por um para mim. O encarei surpreso e olhei para Mary que também estáva surpresa.

“Hum... como eu iria receber uma carta em tão pouco tempo? Demoraria meio mês para uma carta da Inglaterra chegar aqui.”

O carteiro deu de ombros e me entregou um envelope velho e mais amarelado que o comum.

“Assine aqui, porfavor.” Ele falou me entregando uma prancheta. Tentei lembrar como meu nome se parecia já que, com a inutilidade do meu cérebro eu tinha que o decorar. Peguei a caneta e assinei. O carteiro agradeçeu e sumiu.

Olhei para o envelope que possuia uma letra cursiva indicando um endereço e do outro lado meu nome. Me virei e vi Mary tentar ler o nome por trás de meus ombros. Coloquei o envelope na bolsa de carteiro e ela semi cerrou os olhos.

“Vamos.” Falei e finalmente entramos na primeira rua.


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