O Entregador de Estrelas escrita por Beatriz Azevedo


Capítulo 13
Um carteiro na Alemanha




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Poucos minutos depois Mathew abriu a porta. Ele aparentava estar arrebentado e cansado. “Mais trabalho do que eu esperava.” Ele falou olhando para seu rosto preto de poeira e carvão no espelho. “Como você passou seu dia?”

“Estressante.” Respondi num sussurro.

“Esta é a coisa com você, seus dias são sempre estressantes, você tem que relaxar mais.”

Suspirei e ele sorriu.

“Você precisa tomar cuidado, carteiro.”

“Ok”

“Não, de verdade.” O encarei confuso “Apareceu um homem atrás de você hoje.”

“Como ele se parecia?”

“Ele tinha uns olhos bem azuis e era bem alto.”

“Sabe o nome dele?”

“Não.” Ele tentou se lembrar de algo e depois confirmou novamente com um não; “Mas ele entrou no porão do navio procurando por você.”

“Acha que ele quer algum mal em relação a mim?”

Mathew encolheu os ombros em sinal de dúvida.

“Mas ele sabe quem você é.” Mathew concluiu abrindo a última gaveta do armário e mexendo no que quer que ele houvesse guardado lá dentro. “E olhe só, um clandestino. Eu sabia que tinha gostado dela.”

“Dela?” Perguntei levantando uma sobrancelha.

Mathew tirou Carvalho da gaveta, alisando o passarinho que se aconchegou em suas mãos. Mathew levantou as duas sobrancelhas e eu olhei incrédulo para o passarinho que realmente me odiava. “Qual o nome?”

“Era Carvalho...”

“Só você para não saber que ela é uma dama” Ele olhou para a gaveta “Uma dama dormindo com suas meias. Posso sugerir um nome?” Encolhi os ombros e ele olhou para o passarinho como se o pássaro fosse falar suas preferencias. “Victória.” Ele me encarou sorrindo de uma forma óbvia sugerindo que tudo que ele queria era observar minha reação.

Cruzei os bracos e ele riu. “Em homenagem a nossa querida Rainha Victória, obviamente”. Ele falou sorrindo e depois se virou para o passarinho ‘você gosta deste nome?’ o pássaro continuou quieto em suas mãos. “O que acha carteiro? ela é uma passarinha tão linda”. Observei como o passarinho estava calmo e feliz em suas mãos.

“Ela prefere você.” Falei fazendo uma careta.

“Todas me preferem.”

Revirei os olhos e ele colocou Victória de volta dentro da gaveta. Mathew tirou um lenço do casaco, limpou o rosto e se espreguiçou. “Não vou para o jantar.”

“Nem eu.” Respondi observando-o se deitar no tapete. “Voce –” Fui interrompido pelo seu ronco. “Boa noite.”

Me deitei na cama e olhei para o teto. Meus olhos tentavam contrariar minha decisão de me manter acordado e de vez em quando se fechavam. Eu me beliscava e logo estava acordado novamente tentando me distrair com o céu sem estrelas. Olhei para Mathew que tremia e notei que eu também estava com frio. Desci da cama e tomei um passo em direção ao armário que eu abri e tirei um cobertor que cheirava a peixe mais do que todo o quarto. Ignorei a coceira que sinto só em ver peixe. Cobri Mathew e observei sua cara incomodada pelo movimento voltar para uma tranquila. Sentei novamente na cama e apoiei minha cabeça na minha mão.

Não ha realmente muitas lembranças sobre esta viajem a não ser a de que aonde quer que eu passasse alguém me dizia que havia um moço alto procurando por mim. Não cheguei a esbarrar com ele. Não com as características que eles me davam de qualquer modo. A verdade é que mesmo que estivéssemos no mesmo barco nunca esbarramos um com o outro e ele nunca veio ate meu quarto onde eu me encontrava na maioria das vezes. Eu admito que com o tempo eu ficava no deck observando o rosto das pessoas que passavam com suas áureas brilhantes (ou nem tao brilhantes) esperando que ele me encontrasse. As pessoas diziam que ele sempre estava ansioso para me encontrar e tinha um assunto serio e sigiloso para tratar comigo. Me recordo que passei o meio mês inteiro tentando adivinhar o que seria.

Eu passava meus dias ouvindo Mary falar e tentar me convencer a voltar a ler e quando eu não estava a fazer isso eu estava fugindo do Sr. Maytross que sempre que me encontrava tentava me bater. Um coisa que sempre me vem a cabeça quando estou chateado, porém, é como eu venci Mary em todos os jogos de tabuleiro desde xadréz e damas até Go! sendo que eram as primeiras vezes que eu os joguei, isso, é claro, a deixou brava comigo por alguns dias na viagem.

Outra coisa que também me lembro (agora fazendo um pouco de esforço) era que foi neste tédio e monotomita que eu comecei a me treinar para observar melhor as pessoas, principalmente o Mathew quando ele voltava cansado e eu tentava adivinhar o que ele pensava e ele sempre confirmava, eu estava sempre certo. Mas quando tentei ler a mente de outras pessoas nada acontecia e isso me confundia bastante.

Quando enfim o barco chegou no porto e eu coloquei meus pés em terra finalmente eu me senti aliviado e feliz. O porto em que havíamos atracado tinha alguns mercadores e em 15 minutos de charrete estaríamos no centro de Nordstrand. Mathew me acompanhou ate o deck e se espreguiçou fingindo absorver o calor do sol que parecia inútil já que a neve -que parecia ter coberto a cidade- não estava nem perto de se derreter.

“Carteiro, está pronto para ir atrás dela?” Mathew perguntou e eu fiz que sim.

“Não temos tempo a perder.” Respondi e franzi a testa com a dor vindo de minha perna de repente.

“Ok, onde ela mora?” Mathew perguntou sem notar a careta que eu fazia tentando não gritar com o que eu sentia como uma queimadura incessante na minha perna. Engoli qualquer dor que eu sentisse e levantei a cabeça.

Refleti em sua pergunta enquanto ele me encarava com os olhos semicerrados depois de alguns segundos Mathew fez que não com a cabeça.

“Você não veio para Nordstrand sem o endereço dela... Por favor diga que não.” Ele colocou a mão na testa e olhou para o chão como se algo tivesse o socado na barriga. Chutei a neve revelando grama marrom embaixo da camada grossa de gelo.

Ele ficou em silêncio por mais alguns segundos ate ele fazer que não com a cabeça e me puxar por um caminho que eu sabia que ele não conhecia já que nenhum de nos já estivemos na Alemanha. Me lembro de olhar desesperado para Mathew. O que ele pensava? Bater em todas as casas de Nordstrand?

“É exatamente isso que faremos.” Mathew falou rindo. ‘Sua expressão não é tao complicada de ler.” Ele concluiu quando o encarei confuso.

“Sabe que levaria dias para a encontrarmos desta forma.” Protestei.

“Tem um plano melhor?”

Fiz que não e ele sorriu orgulhoso de estar certo.

“Mathew, você sabe que eu não consigo falar com pessoas que desconheço, muito menos bater na casa delas e tentar inciar uma conversa!”

“Então sugiro que comece a tentar, você precisa sair desta redoma.” O encarei assustado, ele levantou uma sobrancelha e colocou a mão no meu ombro. “Você não conhece a Matilda e mesmo assim veio ate aqui. Ela significa algo e eu não vou deixar você desistir agora, não faz sentido.”

“Mas vai demorar uma eternidade desta forma!” Respondi. "Deve haver um modo mais prático e lógico."

“Esta perdendo seu tempo.” Nos fitamos por alguns segundos e ele fez um círculo com os olhos. "Carteiro, você não pode esperar por um dos seus planos aparecerem em sua mente... o tempo é limitado e você precisa juntar informação." Abri a boca para falar e ele me interrompeu. "O melhor modo de começar a investigar é falando com pessoas e criando ligações entre elas. Alguém há de conhecer a Matilda."

"Eu não-"

Olhei em volta onde algumas pessoas que passavam pararam de andar para nos encarar curiosamente. O estranho é que sempre faziam isso e talvez seja o fato de não termos algum adulto por perto ou minha bolsa de carteiro, mesmo que eu procure desculpas nunca realmente entendi por que. Observei os olhos brilhantes me encarando, todos virados para mim como facas. E facas me lembra o barulho do trem e o tem me lembra da minha mãe. Minha respiração começou a falhar como sempre e tudo ficou embaçado. Ouvi a voz de Mathew que parecia um sussurro já que tudo a minha volta ecoava e girava.

“Carteiro, se controle!” Senti ele me chacoalhando. “Por favor continue aqui, você esta aqui!”

Lembro que senti um frio enorme em minhas costas e demorou para que eu percebesse que eu havia caído na neve. O frio congelava tudo e eu tenho total certeza de que ele congelou minha visão, ofato, tato e audição por que me senti no meio do nada vendo coisas inexistentes e ouvindo barulhos contrários à qualquer realidade. A única coisa que ficava eram os olhos de todos me encarando e me fuzilando... literalmente. Eu gritava tentando me ouvir e me convencer de que o lugar que eu estava não existia. Eu estava em Nordstrand, não em uma maldita estação de trem, não estava? Não. Eu estava contemplando um menino acenando para minha mãe e ouvindo o trem indo embora. Corri em sua direção como em todas as vezes que isso acontece.

"Pare o trem!" Gritei com toda a força que tinha. O menino se virou e me encarou assustado, ele tombou a cabeça para o lado e eu fiz o mesmo. Depois de alguns segundos ele se aproximou envergonhado em minha direção e escondeu as mãos mexendo na bolsa de carteiro do seu lado.

"Desculpe senhor... Você sabe quando este trem volta?"

Me agachei para olhar nos seus olhos, mas acabei olhando para o chão.

E ai tudo ficou preto.


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