Pequena Maria escrita por Ryskalla


Capítulo 9
Capítulo 9 - A Princesinha


Notas iniciais do capítulo

E aqui vai mais um capítulo de Pequena Maria, estou cogitando mudar a imagem da fic... O que acham? Deixem sua opinião ;D Bem, espero que gostem do capítulo q



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Beatrice nunca fora capaz de entender porque, para as outras pessoas, sempre era mais fácil agir com violência do que agir com carinho. Ela só conseguiu compreender isso quando encontrou Noire. Porque somente quando Beatrice tocou em Noire ela entendeu como uma pessoa normal sentia.

Sua infância nunca fora de todo fácil. Crescera sem mãe e seu pai tinha crises frequentes. Nunca podia se defender quando ele a surrava por duas razões: a primeira era por respeito; a segunda... Era porque também sentiria a dor.

Uma estranha capacidade que Beatrice nunca contara a ninguém, pois acreditava que todos eram assim. Por isso quando seu pai a batia, ela imaginava que havia feito algo muito sério para que ele infligisse tal dor a si mesmo também. Conseguia aguentar por causa da senhora que conhecera. Ela sempre cuidava de suas feridas e também a ensinava tudo sobre as plantas. Mas essa pequena luz se apagara...

Na noite em que Noire assassinara seu pai, Beatrice receberia o pior dos castigos. Não importava o quanto tentasse encontrar uma lógica para os atos de seu pai, a menina nunca entenderia porque ele queria cometer incesto. E, como um anjo negro, aquela moça enigmática chegara. Era uma cena que jamais esqueceria. A figura negra a empurrara para trás e, quando Beatrice a tocou, foi incapaz de sentir de volta. Um transparente lobo feroz saiu do corpo de seu pai e então os olhos dele se tornaram vazios. O lobo desaparecera e a moça seguia rumo à porta.

— Por favor! Leve-me com você... — Beatrice implorava, mesmo sem entender o motivo de querer seguir a assassina de seu pai. — E-eu posso ajuda-la. Se alguém te ferir, posso cuidar do machucado.

— Ethan... Foi chicoteado... — Havia algo de errado com a voz da estranha. Era tão vazia... Porém, não vazia o suficiente para não existir um vestígio de raiva nela. — Você pode cuidar dele?

— Claro! Eu só preciso pegar minha bolsa com os medicamentos e as pl... — A estranha a impediu de terminar sua frase. Parecia haver pressa em sua voz, mesmo que a menina não pudesse ter certeza.

— Eles ainda têm que aceitá-la... Não depende só de mim... — E, quando abriu a porta, Beatrice já estava ao lado dela e segurava sua bolsa de couro, o objeto mais valioso que possuía. — Eu não posso demorar...

E, mesmo agora enquanto fazia os curativos de Ethan, a menina se perguntava se tudo não passara de um engano. Afinal, era impossível a existência de alguém insensível, não era?

— Sinto muito. Sei que está doendo bastante. — Beatrice murmurava, apesar de ter consciência que aquilo não iria diminuir a dor do rapaz. O ferimento do rosto iria melhorar em breve, mesmo que fosse deixar uma feia cicatriz. O do braço que estava sendo um problema, pois este quase não recebeu tratamento. Ele limitou-se a sorrir pesaroso e tornou a desviar seus olhos. Parecia que Noire era a única coisa que ele queria ver. — Espero que o gato não brigue com ela por minha causa.

— Já está brigando, mas a culpa não foi sua. Consegue ouvi-los? — A menina, que já estava habituada com o silêncio, interrompeu o que fazia para prestar atenção na discussão.

— Você sabe que não pode roubar a alma de adultos, Noire! Isso só piora sua situação! — O felino gritava completamente transtornado. A moça o encarava com uma expressão distante, no entanto, era possível ver... Havia um vestígio. — Agora mal consegue disfarçar a raiva.

— Não estou com raiva, Aury... Você é o único aqui que está portando esse sentimento... — Mesmo na voz, que para ouvidos desatentos parecia vazia, havia aquela coisa... Aquela coisa que dizia que Noire estava com raiva. Com muita raiva.

— Pode tentar enganar a si mesma, mas a mim não! Eu sei do que está com raiva. Está com raiva por ter salvado a garota. — Nessa altura, Ethan estava sorrindo e Beatrice não conseguia entender a razão. Não era um sorriso de quem se divertia vendo o sofrimento ou desgraça alheia. Era um sorriso de alívio. — Está com raiva porque a menina te faz se lembrar dela. Na verdade, acho que foi exatamente por isso que você a salvou.

— Aury... Você não tem nenhum rato para caçar? — E a desgraça estava feita, pois aquelas palavras ofenderam o gato profundamente. O felino se afastou de Noire irritadíssimo e deitou-se isolado do grupo.

O resto da noite continuou assim, um período de observações. Killian observava Ethan e este por sua vez observava Noire. Beatrice fizera o possível para melhorar os cortes do garoto e a cada hora aplicava o medicamento.

— O que é isso? — Ele perguntara na terceira vez em que a menina fora até ele.

— Lágrimas da Piedade. Acho que não é o nome certo da planta, mas uma senhora me ensinou com esse nome. Elas crescem próximas ao riacho. — Informou com um sorriso doce no rosto.

— Isso diminui a dor... — Respondeu em tom de voz baixo, perdido em algum pensamento que Beatrice desconhecia. O que Ethan pensava, era se aquela planta teria aliviado as dores de sua irmã também. Será que existia alguma planta que tivesse o poder para ter curado sua mãe? Eram pensamentos inúteis que não valiam a pena. Nunca valeram. — Agradeça a essa senhora, quando encontrá-la outra vez.

— Ela morreu há algum tempo. Antes ela vivia em uma casa nas proximidades da minha. Aprendi tudo o que eu sei com essa senhora, mas um dia ela não respondeu. O tempo da morte buscá-la havia chegado. — Recolheu os fracos e os tecidos limpos, guardando-os em sua bolsa em seguida. Levantou-se e, ao observar que a maioria dormia, sorriu para Ethan. — Eu acabei por enterrá-la, mas agora acho que você deveria dormir um pouco.

Um gosto amargo se formara na boca do rapaz. Se para ele foi difícil cavar uma cova... O quão difícil aquilo foi para uma menina que aparentava ser tão frágil? E, mesmo que o conselho de Beatrice fosse sensato, Ethan não possuía sono para dormir. Estava cansado de fato, mas apenas o cansaço não era o suficiente. Levantou-se e iniciou uma breve caminhada pelo acampamento temporário. Hector, Killian e Aury estavam dormindo. O quão estranho era para Ethan tomar conhecimento de que aquele felino também era capaz de sentir sono? Beatrice estava preparando suas coisas e Yui... Bom, Yui estava lendo um livro roubado.

— Yui! — Murmurou Ethan rispidamente ao passo que arrancava o livro das mãos da garota. — Não acredito que fez isso. Os Contos da Rainha! Sabe o quão raro ele é? Foi escrito pela própria Rainha Ridley!

A cleptomaníaca não conseguiu se defender, nem Ethan conseguiu desferir mais acusações, ou mesmo colocar toda a sua frustração em novas palavras. Porque Noire tomara o livro dele. Porque Noire estava lendo e... Ethan nunca viu tanto ódio nos olhos da ladra de almas.

— Como ela se atreveu? — Noire murmurou. Suas mãos tremiam e sua atenção estava presa ao livro. Todos a encaravam de maneira tensa e Aury, que parecia ter sentido que havia algo de errado, acordou. Foi tudo tão rápido, mas ao mesmo tempo parecia ter durado uma eternidade. Era como se o tempo estivesse parado e ele só voltou a andar quando a ladra de almas atirou o livro na fogueira. — Quem ler esse livro... Terá sua alma roubada.

No entanto, Ethan não estava prestando atenção nas palavras de Noire. Enfiou a mão na fogueira e retirou o livro o mais rapidamente que pode. Todos prenderam a respiração enquanto Ethan tentava impedir que o fogo consumisse suas páginas. Ele respirou fundo algumas vezes, fora rápido o suficiente para salvar da destruição completa, porém os danos... Ah, o senhor Novack iria matá-lo.

— Você não pode simplesmente jogar um livro no fogo! Ainda mais se tratando de um exemplar raro como esse! — Mesmo a ladra de almas parecia surpresa com a atitude do garoto e o grupo olhava para Ethan sem compreender. Não fora uma atitude típica, nem sensata. Hector já havia acordado e Killian, que estivera fingindo que dormia todo o tempo, olhava para Ethan com preocupação.

— Devolva... — Noire murmurou. Sua mão segurava a foice com tanta força que o nó de seus dedos perdia a pouca cor que possuía.

— Noire... — Aury tentava acalmar sua companheira, porém ela apenas o fitou com sua expressão vazia costumeira.

— Você sabia que ela havia feito isso, não sabia? — Todo o seu corpo tremia, parecia que a raiva estava indo embora e dando lugar a tristeza. Isso fez Ethan se perguntar se a alma debilitada de Noire permitia que ela sentisse apenas um sentimento por vez. — Responda!

— Sabia e não contei porque era exatamente esse tipo de reação que eu esperava que você tivesse. — O tom do gato era exasperado. Todos encaravam a ladra de almas, que parecia que entraria em colapso a qualquer momento. — Eu sinceramente não sei quando você vai superar essa mágoa pela Ridley.

— Foi a alma dela que me deixou nesse estado! — Ethan não conseguia compreender... Porque nunca houve relatos sobre a Rainha Ridley ter sido atacada. E se Noire preferencialmente atacava apenas crianças... Como aquilo poderia ser possível?

Ninguém saberia dizer o que moveu Beatrice, muito menos o que impediu Noire de roubar a alma da garota. A única coisa que saberiam dizer era que, com uma atitude repentina, a menina a abraçou e que isso foi o suficiente para acalmá-la.

— Não precisa ter esse tipo de sentimento dentro de você... Está tudo bem, olhe, meu abraço irá protegê-la de todo o mal. — Nem a própria Beatrice conseguia entender porque tivera a necessidade de tomar tal atitude. Por mais que devesse se alegrar por Noire estar se acalmando pouco a pouco, a menina não conseguia deixar de se sentir triste, porque já não conseguia sentir em sua pele o calor do abraço, não conseguia sentir uma mão imaginária acariciando suas costas... Porque Noire estava voltando ao seu estado insensível.

— Você é igualzinha a ela... — Após dizer aquelas palavras, libertou-se dos braços finos de Beatrice e isolou-se do grupo, não aceitando nem mesmo a presença de Aury, que retornara com uma aparência derrotada.

— O que foi isso? — Hector perguntou depois de um longo silêncio e mesmo após sua pergunta, o felino ainda demorara um pouco para responder.

— Ridley um dia foi a melhor amiga de Noire... Mas, devido a acontecimentos que estão enterrados no passado, ela se tornou uma das pessoas a quem Noire mais odeia. — E, por mais que Hector o enchesse com novas perguntas, o gato não parecia disposto a responder nenhuma delas. — Só posso dizer que a Ridley é algo difícil demais para que Noire consiga superar.

— Ethan, me dê o livro. — O guarda sussurrou assim que Aury se afastara o suficiente. — Yui, qual conto você estava lendo?

— O primeiro. — A garota murmurou de volta, cheia de expectativas. Adorava fazer o que era proibido.

— A Princesinha? — Ethan perguntou incrédulo.

— O que tem? — A mãe de Yui certamente não lia muito para ela...

— Ninguém gosta desse conto... Meus pais não me deixavam ler, diziam que era pesado e infeliz. — O tom de Hector era sombrio e Killian parecia tremer ainda mais que o normal.

— E-eu acho que deveriam deixar a-a senhorita N-noire em p-az. — Killian conseguiu dizer, apesar da timidez e Beatrice concordou. Se Noire queria que queimassem o livro... Era porque existia algo nele que não queria que soubessem e Beatrice sempre fora a favor de respeitar o desejo dos outros. Killian, por outro lado, era apenas medroso demais para bisbilhotar.

— Ethan, você decide. — Era tudo o que queria. Que deixassem a responsabilidade para ele. Ficou indeciso por boa parte do tempo. Talvez devesse seguir o conselho de Killian. Mas se lembrava vagamente do conto... E aquilo atiçava sua curiosidade.

— Desculpe-me, Noire... — Mas eu preciso conhecê-la melhor, pensou. Um pensamento que não queria compartilhar. Suspirou e abriu o livro, lendo a primeira frase do conto em um tom alto o suficiente para que seus amigos ao redor pudessem ouvir. — Era uma vez uma Princesinha que também era uma estrela.


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Notas finais do capítulo

Para que ficou curioso com o conto A Princesinha, ele está disponível na íntegra na minha fic de contos chamada Notas Mortais. É o segundo conto e tem o mesmo nome do capítulo :v Se houver algum erro no capítulo, favor avisar ^u^ Abraços quentinhos