Pequena Maria escrita por Ryskalla


Capítulo 10
Capítulo 10 - O Mais Irritante


Notas iniciais do capítulo

Okay, okay. Eu demorei. Sim, fiquei gripada, fiquei com preguiça, fiquei jogando... Mas tudo isso nem foi culpa de bloqueio. Bom, não do criativo. A culpa foi do bloqueio de confiança mesmo. Acho que ele é meu maior inimigo. Sou constantemente atacada por ele, sempre aquela coisa: Você nem escreve tão bem o suficiente para merecer esses leitores. Você é uma vergonha e coisa e tal. Tipo, eu recebo cada comentário maravilhoso e fico naquela: Eu sou digna deles? Sou digna de leitores tão perfeitos? Enfim, aqui vai um capítulo carregado de insegurança e incerteza que eu gostaria de dedicar à minha beta linda: The Hacker. E aproveitar agradecer a recomendação que ela deixou



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A respiração do grupo adormecido era atrativa. Um erro que poderia custar caro... Como se atreviam a adormecer, sabendo que ela não precisava dormir? Nada poderia impedi-la de pegar aquelas almas... Ah, era verdade... Havia o boneco, mas ele era tão incapaz que sequer contava como uma preocupação.

Aproximou-se de Ethan, ele era o causador de tudo... Não iria usar a alma dele, iria apenas deixá-la vagando pelo mundo. Não tinha certeza se aquilo era possível... Se não fosse, bom, iria apenas matá-lo. Pousou a foice em cima de seu peito e lembrou-se que deveria sentir alívio. Porque aquele rapaz nunca mais seria capaz de interferir na sua vida.

— Você irá roubar minha alma? — Ethan sussurrou. Se Noire fosse capaz, teria se assustado. Manteve a foice parada e avaliou os sentimentos na voz do garoto. Havia medo, porém não um pavor. O que ela não esperava era que houvesse tanta tristeza. — Porque descobri um pouco sobre seu passado?

— Acha que devo? — O garoto deu de ombros e Noire recolheu a foice. — Você deseja se matar?

A expressão de Ethan tornou-se soturna e ele se pôs de pé. Caminhou para um ponto distante do grupo e a ladra de almas o acompanhou. Aury havia acordado, porém a jovem fingiu não notar.

— Não, não sou tão covarde. — O campo estava silencioso e a floresta podia ser vista algumas milhas a frente. Seria até ali que o guarda os acompanharia. Pelo tom baixo do rapaz, Noire percebeu que era algo que Ethan não queria compartilhar com os outros. —Jamais perdoaria qualquer pessoa que cometesse suicídio, incluindo eu mesmo.

— Eu... Tentei me matar diversas vezes... Porém nunca fui capaz de morrer. — Podia ver que os olhos verdes de Ethan continham uma raiva mal disfarçada e, devido a isso, não acrescentou que muitas das tentativas de suicídio ocorreram quando Noire ainda era a agraciada com a possibilidade da morte.

— O que passava pela sua cabeça? — A princípio, ela continuou em silêncio. Não conseguia se lembrar ao certo... Poderia dizer que estava inundada pela tristeza, porém aquela não era a palavra correta...

— Que eu estava cansada... — É, talvez aquela fosse a palavra que procurava. Tentou lembrar-se daquela sensação. Não era um cansaço natural, oriundo de uma caminhada exaustiva... Era apenas... — Eu só conseguia pensar que, por mais que houvesse esperanças de um futuro melhor, eu simplesmente já não me importava... Porque o presente era exaustivo e doloroso demais para que qualquer coisa futura pudesse fazer valer a pena... Naquela época eu não queria nada, nem ser feliz ou triste... Eu só queria o vazio e o vazio é tudo o que eu tenho agora.

— Não irei dizer que consigo compreendê-la... — Por mais estranho que pudesse parecer, era como se Noire soubesse o que ele pensava... Aquele rapaz era terrivelmente transparente. Podia ver que sua ausência de sentimentos o incomodava, mais do que ele deixava demonstrar. E ela sabia que era exatamente a frieza em sua voz que afastava a compreensão de Ethan. Porque, enquanto vivesse, Noire jamais conseguiria ser compreendida novamente. — Não consigo compreender nenhum dos dois...

— Seu pai se matou? — Pode ver a surpresa estampada nos olhos do rapaz. — Você é... Transparente. Estivesse observando... Seus amigos são mais próximos de você do que o contrário. Eu poderia dizer que você não se importa verdadeiramente com eles... Então deveria ser alguém da sua família... Levando em consideração que você disse dois e não duas... Só poderia ser um irmão ou...

— Meu pai. — Ethan deu um sorriso azedo. Era aquilo que o diferenciava de Ridley. Porque Ridley conseguia entender, porque ela aceitava tudo, mesmo sem concordar. E aquele rapaz era o oposto... Mesmo concordando, ele não aceitaria. — Quando minha mãe adoeceu ele não quis viver tempo o suficiente para vê-la morrer. Eu e minha irmã ficamos sozinhos. Até que minha irmã também morreu...

— Você o culpa... — Noire murmurou com sua costumeira voz vazia. Nesse aspecto, não eram muito diferentes um do outro. Porque Noire lembrava-se de que odiava seu pai... Mesmo que esse sentimento já não lhe fosse permitido. — No fim, você não tem nada... É covarde demais para cometer suicídio e ainda assim almeja a morte... Foi por isso que resolveu me ajudar e é por isso que não compreende... Você não quer aceitar que no fundo você é como seu pai...

— Não foi por isso que quis te ajudar. — O rapaz a encarou profundamente, porém logo desviou o olhar. — Estive pensando sobre... Você de certa forma me lembra a minha irmã. Meus pais resolveram cuidar dela quando nenhuma outra família cuidaria. Ela era o tipo de pessoa que se joga fora...

— Acha que posso tomar o lugar de sua irmã? — Podia notar que Killian e Aury estavam mais próximos e ouviam a tudo atentamente. Ethan, no entanto, estava absorto em suas próprias dúvidas. — Que irei preencher seu vazio?

— De forma alguma. — Deixou escapar uma risada fria. — Creio que seja algo como... Veja, minha irmã tinha meus pais e a mim. E você? Não devo estar fazendo muito sentido, perdão.

— Realmente não está... — Aquilo era uma mentira, obviamente. Porque a ladra sabia o que Ethan queria dizer.

— Tentarei explicar melhor. Uma vez meu pai protegeu um pombo. Hector e Yui me protegiam. O senhor Novack me protegeu. Eu protegi minha mãe e minha irmã... — Suas falas eram pausadas, como se estivesse refletindo antes de se explicar. Como se estivesse com medo de falar algo errado ou mesmo ridículo. — Quem estava lá para te proteger, Noire? Eu te observei por dias e ninguém nunca lhe ofereceu a mão. Certo, tinha o Aury, porém... Na época eu achava que ele era apenas um gato. Todas as crianças que você atacou possuíam alguém que as protegesse. Era como se o mundo houvesse te abandonado.

— Abriu mão de tudo porque o mundo, em uma decisão sensata e racional, me abandonou? — Aquilo já beirava a burrice. Nem mesmo Ridley faria algo assim.

— Foi como você disse, eu não tenho nada. Não é como se fosse um ato heroico ou inteligente. — deu de ombros. No fim, parecia que Ethan jamais entenderia o verdadeiro motivo de tudo aquilo. Masoquismo ou empatia? Talvez os dois. — Acho que no fundo eu tinha certeza de que você não me faria mal.

— Você ainda tem uma coisa... — murmurou e, em um movimento rápido, ergueu Ethan poucos centímetros do chão enquanto o segurava pelo pescoço. Ele era magro, entretanto o braço de Noire tremia ligeiramente. Não sentia o peso e nem o cansaço, porém podia perceber que seu corpo reclamava. Poderia acabar quebrando o próprio braço. — Eu ainda posso matar você. Está apavorado, não está? Consigo ver... Consigo distinguir seus sentimentos... Mesmo sendo incapaz de senti-los.

Havia alguém atrás dela e quando Noire olhou, viu que se tratava do boneco Killian. Aparentemente ele usara o pedaço de madeira que segurava para atacá-la. Deixou que Ethan caísse no chão e encarou o boneco por um longo período. A criatura, por outro lado, olhava fixamente para Ethan e tremia.

— Atitude insensata, boneco. Deveria ter chamado alguém para te ajudar a me impedir. — De início, Killian nada falou. Estava ocupado demais tentando controlar o medo e seu corpo que insistia em tremer.

— E-eles enten... Entenderiam errado-do. — A gagueira do boneco estava pior que o normal. Ethan continuava largado no chão e em seus olhos haviam lágrimas. — Porque você só que-queria assustá-lo. Não queria matá-lo de verdade... Mas eu sei. Nem sempre sentimos as co-coisas. Você não conseguiria sentir quando ele estivesse morrendo... Da me-mesma forma que nã-nã-não consegui sentir quando me-meu corpo oco capturou a alma da-daquela menina.

— Killian... — Ethan iniciou, sua voz estava arranhada... Ainda não havia se recuperado do susto. — Obrigado...

— Quando... Quando vocês entenderão que já não sou mais humana? Que sua compaixão é inútil? Que eu poderia matá-los e nenhum sentimento viria até minha alma? — Lembrava-se dos homens que cortaram seu corpo. De como permaneceu em silêncio durante as vinte e cinco tentativas anteriores... E de quando desistiu de tudo, quando resolveu assustá-los numa tentativa inútil de instigá-los ainda mais a descobrirem uma forma de matá-la. Não encontraram... Porque era impossível. Na vida de Noire, a esperança sempre era a primeira a morrer.

— Eu gostaria que você parasse com isso. — Aquelas palavras tremidas não pertenciam a Killian e sim a um Ethan nervoso. Deveria ser curioso e ao mesmo tempo engraçado como o rapaz, mesmo carregado de raiva, conseguia manter sua voz em um tom baixo. — Pare de tentar afastar os outros. Se há algo que não suporto... É quando alguém se propõe a algo e desiste.

— Eu não vejo onde isso se aplica a mim... — Podia notar que a cada palavra Ethan se tornava ainda mais frustrado. — Se afastar de mim deveria ser a primeira opção cogitada... É o que alguém racional faria. Mas como a razão não entra nessa sua mente confusa... Imagino que a melhor solução para ambos seja que eu vá embora.

De fato, teria feito isso se Ethan não houvesse segurado sua mão. Naquele momento Noire pode sentir com uma maior vivacidade a sensação de ser pega de surpresa. Porque Ethan a derrubara no chão e jogara a foice para fora do alcance da ladra. Por mais mirrado que fosse, ele conseguiu encontrar uma forma de prendê-la sem que ela conseguisse se soltar.

— E-Ethan! — Killian murmurou apavorado.

— Por que você rouba almas? Se não há nenhuma esperança, se nada mais lhe importa... Por que continua roubando a alma de crianças inocentes? — perguntou. Os olhos cor de esmeralda reluziam como uma joia bem lapidada. Suas mãos apertavam os punhos do Noire com mais força. — Não tente me fazer acreditar que não há um milagre lá fora esperando por você. Porque há e essa é a razão de você continuar fazendo isso. Você nega, mas ainda há esperança na sua alma. Você ainda acredita.

— Não há! Eu não acredito em nada disso! — Não conseguiu reprimir a raiva, não conseguiu reprimir aquela lembrança tão vívida... E com a raiva mais lembranças vieram. Lembranças fortes. Alívio, alegria, prazer... Fechou os olhos e tentou se concentrar. Não iria se permitir nutrir nenhum sentimento por aquele rapaz. Ele deveria continuar sendo o que ainda é para ela: nada. Noire não queria sua amizade. Porque o tempo iria levá-lo também e sua alma só se tornaria ainda mais disforme e... — Eu havia aceitado que perderia minha alma. Eu havia aceitado o vazio. E então você estragou tudo... Por favor, me deixe ir embora...

— Se tivesse realmente aceitado você teria me impedido naquela noite. Poderia ter gritado, poderia ter atraído a atenção. Você aceitou a ajuda e não consegue suportar isso. Por que tem tanto medo de que seus sentimentos voltem? — Expulsou cada vestígio de sentimento que possuía. Não precisava deles... Não agora. Porque nada daquilo iria adiantar, não enquanto ela fosse imortal. — Eu irei te ajudar, posso não conseguir, mas eu garanto que irei tentar. Não importam os meus motivos, não sei se é apenas empatia, se é um forte desejo de autodestruição ou alguma motivação mesquinha do meu íntimo. É extremamente irritante essa sua insistência em negar minha ajuda.

— O que é mais irritante? — Conseguira recuperar o tom desejado. O tom que tanto incomodava Ethan, que o fazia contorcer o rosto sem notar. — Alguém que insiste em ajudar uma pessoa que não quer ajuda ou aquele que recusa a ajuda da pessoa insistente?

— A segunda. Porque eu não posso te irritar, você, no entanto... — Seu olhar se desviou para Killian, que ainda tremia. Podia ver a preocupação estampada nos olhos de Ethan... Talvez, no fundo, ele fosse o tipo de pessoa que se importa com tudo. Seja com uma boneca ou com um monstro desalmado. — Killian, você...

— Ethan. — Noire o interrompeu. Havia dois motivos para tal atitude. O primeiro, era porque queria que ele a soltasse. O segundo, era porque a ferida no rosto do rapaz voltara a sangrar.

— O quê? — Não demorou muito para que ele notasse a gota de sangue no rosto da ladra. A princípio exibiu uma expressão confusa e só então pareceu lembrar. — Ah, mas que droga!

Ele finalmente a libertara e ela não sabia ao certo o que fazer. Valeria a pena se arriscar? Criar laços? Estivera sozinha por mais de trezentos anos... Aury sempre estimulava que ela criasse laços, contudo... Depois de Sara. A solidão lhe pareceu ser a única saída.

E agora lá estava ela outra vez, dando uma chance... Rodeada por supostas pessoas que querem seu bem. Como se sua alma já não estivesse desfigurada o suficiente.

— Quer que eu chame a Trice? — A boneca perguntou e Ethan apenas balançou a cabeça em sinal de negação. Era óbvio que ele não aceitaria perturbar o sono da menina.

A ladra caminhou até a bolsa onde a ruiva guardava seus medicamentos, pegou o frasco que ela tanto usava e um pedaço de pano limpo. Hector fingia que dormia, ela podia notar. Há quanto tempo estaria fingindo? Aury a observava atentamente, porém mantinha seu silêncio. Talvez ainda muito ofendido devido a briga da noite anterior...

Voltou para perto do rapaz e colocou o pano umedecido com conteúdo do frasco em seu rosto. Ele não pode evitar soltar um grito abafado e se afastar. Apenas o sono de Yui pareceu ser perturbado, ainda assim não foi o suficiente para acordá-la.

— Desculpe... Eu esqueço das coisas que podem causar dor... — Ele deu um sorriso breve e passou a segurar o tecido contra o rosto.

— Killian, sobre o que você falou... Você quer conversar so... — Um urro feroz foi ouvido ao longe. Não tão alto, mas alto o suficiente para acordar Yui. Começou a ponderar se Beatrice não era como aquelas pessoas a quem o sono se assemelha muito com a morte. — Será possível?

— O que foi isso? — Yui indagou, a voz ainda embargada pelo sono.

— Não tenho suspeitas. — Hector levantou, pronto para desembainhar sua espada a qualquer minuto. — Talvez seja apenas um urso. Ou alguma outra criatura da floresta, digo, estamos cada vez mais próximos dela.

— Noire... — Apenas pela voz de Aury ela pode compreender. Não foi necessário olhar sua fisionomia torturada. Ela sabia. o felino havia falhado em alguma coisa. E agora as bestas da Rainha Charlotte estavam atrás deles.


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