Enigma escrita por Matheus Pereira


Capítulo 2
O Assassinato


Notas iniciais do capítulo

98% da história é em terceira pessoa. Essa parte foi, propositalmente, em primeira. No capítulo 1, você já foi apresentado aos personagens. Agora, a "razão de ser" da história tem início, no capítulo 2. Resta saber quem é o assassinado e, mais que isso, quem é o assassino.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/465194/chapter/2

22h25

Acordei subitamente. Ao menos, eu estava ciente disso. Estava ciente do ambiente ao meu redor. Sentia o cheiro de terra molhada, meu corpo deitado num ambiente frio. Podia ouvir uma chuva fina ainda caindo e o farfalhar de folhas das árvores, agitadas por uma lufada de vento. Uma chegou até mim. Contudo, não estava totalmente desperto. Era como se meu cérebro estivesse acordado e meu corpo estivesse em estado letárgico. A ansiedade aumentava enquanto meu cérebro fazia de tudo para arrancar qualquer sinal do meu corpo. “Acorde! Agora! Há algo errado!”, parecia suplicar. Mas meu corpo não obedecia, nem chegava perto disso. Eu tentava, mas não conseguia mexer um músculo sequer.

E não conseguia respirar. Eu queria me debater, eu queria gritar. Mas era como se aquela lama estivesse sugando todo o meu corpo e eu não pudesse fazer nada a respeito. O desespero só crescia. Podia sentir uma força enorme no meu peito, como se me puxando para baixo. Buscava por ar, com arfadas penosas, mas era em vão. Por que não acordava? Por que aquela paralisia? Uma esmagadora corrente de angústia que, dolorosamente, inundava todas as células do corpo.

Até que pude ouvir passos, mas ainda era um som bem baixo, disputando com o da chuva. Sabia que estava em perigo. Foi de rompante, num ímpeto assustado e de desespero que acordei totalmente, meu coração batendo furiosamente. Entre arfadas rápidas, lutava contra a lama. Um suor frio emanava do meu corpo. Limpei a lama do rosto, o quanto podia, enquanto tentava me pôr de pé. Estava cambaleante, ainda com dificuldade de me mexer. Mas o som dos passos – cada vez mais perto – me lembrou da necessidade de reagir. De fugir.

Fugir para onde? Encontrei-me num bosque escuro, de aparência cruel e amarga, que a simples lembrança me traz de volta ao medo. Como eu teria ido parar naquele lugar sombrio? Apesar do sono se dissipar, dando lugar ao medo, as coisas estavam tão obscuras quanto o próprio bosque. Não tinha tempo de passar para onde eu deveria ir. Parei por um segundo – podia ouvir sua respiração. Podia ouvir, quem quer que fosse, abrindo espaço por entre galhos das árvores. Alguém estava vindo até mim. Não conseguia me lembrar de quem era, nem qual era sua intenção. A única certeza que tinha era de que precisava me proteger. Precisava fugir.

De pés descalços, comecei a correr tão rápido quanto o medo que pulsava nas minhas veias. Estava correndo pela minha vida. Subi um pequeno monte rapidamente, dando em uma área amontoada de árvores, consequentemente mais fácil para me esconder. Contudo, proporcionalmente mais difícil para sair do lugar. Estava arrastando-me impotentemente. Os galhos e ramos cortavam-me a pele. A terra lamacenta e fria, delineada por pinheiros e carvalhos altos, tornava a corrida ainda mais desgraçada e desgastante. O inimigo determinado também apertou os passos, logo atrás.

Meus pulmões queimavam, minhas pernas estavam em farrapos. A sensação de dor era imensurável. E, ainda, eu corria muito rápido, me machucando ao passar por entre as árvores. E, mesmo com tanto esforço, os passos atrás de mim pareciam diminuir a distância com o tempo. Arfava. O vazio no meu peito angustiava. Apesar do frio que fazia, sentia algo arder em mim. Uma vontade de lutar por minha vida. Mais que uma vontade, um instinto de sobrevivência que me impedia de parar.

22h39

A vítima estava correndo bastante. Apesar da desorientação inicial, acelerava com uma força descomunal. Como se seu corpo estivesse finalmente desperto e ciente do perigo. Ah! Aquela sensação de adrenalina. Perseguir a vítima impotente. A antecipação, os pensamentos macabros. A vítima se cortava entre os ramos e galhos, fazendo sua pele sangrar. O cheiro viajou ao meu nariz imediatamente, fazendo um sorriso doentio nascer em meu rosto. A forma como se unia ao aroma da adrenalina, do suor!

Rodaram em minha mente alguns pensamentos nojentos de como eu deveria acabar com a vida de minha vítima. Uma onda enorme de energia invadiu meu corpo e foquei novamente em encontrar minha presa. O som de seus passos desesperados ecoava na noite silenciosa. Intricava-me, por vezes confuso entre os carvalhos e pinheiros da floresta abafada. As árvores estavam envoltas por um nevoeiro e eu lutava contra o horizonte nebuloso. A chuva ainda resistia, aumentando o cheiro forte e podre da umidade florestal.

Meus sentidos estavam, entretanto, afiados. E acharia minha presa.

22h48

O nevoeiro surgia por entre os galhos dos carvalhos. O outono trazia a chuva fina e triste. Estava no limite da exaustão. Que fazer além de correr e banhar o chão podre com meu suor e meu sangue? Começo a chorar torrencialmente. Não havia ajuda em qualquer lugar. E eu não podia parar. Um vulto negro passou rapidamente entre as árvores a apenas poucos metros de distância, à minha esquerda. Segui, então, na direção oposta. Como num pesadelo, havia um terror sem nome de ser perseguido por uma sombra. Pelo irreal, talvez? Não importava. Nada importava.

Tropecei. A terra enlameada e o súbito silêncio. Não, não... Não um silêncio. Sua respiração ofegante podia ser ouvida. Estaria longe? Estaria perto? Grous ao longe enchiam o céu de um canto triste e amargurado. Em meio a uma angústia que perfurava meu peito, agarrei a lama como se ela pudesse me dar forças suficientes para continuar. Por um breve instante, senti-me mais forte novamente. Pus-me de pé. Soou uma nota mais alta, no ar, um grunhido como um choro de uma pessoa. A nota alta tremeu, e num cheque repentino, findou-se.

Ouvi passos logo atrás de mim. Os passos ficam mais próximos e próximos. Fechei os olhos, liberando mais uma corrente de lágrimas. Esperava pela dor enquanto o algoz se aproximava, pisando fundo na lama. Não, esperava que ele findasse a dor que sentia. O sangue jorrava de um corte profundo na minha perna, minha força sendo drenada junto com ele. Uma dor lancinante insuportável. Lutei para não entrar em pânico e não gritar, enquanto ouvia seus macios passos.

De repente ouvi seus passos pararem. Engoli em seco, enquanto minhas pernas estavam em chamas. Apertava meus olhos, fechados em terror. O tempo parecia não passar. Senti um ímpeto de me virar, mas sentia medo o bastante para não ser capaz nem de abrir os olhos.

– Está tudo bem – disse uma voz conhecida, ecoando na noite. A repetição me atordoava. “Por que?”, pensei. Virei-me.

Uma batida forte com algo que não pude reconhecer me nocauteou numa fração de segundos. Deslizava-me para a insanidade e sinceramente não me importava. O algoz se abaixou, de modo a estar cara a cara comigo. Cobriu minha boca com a mão áspera e fria, de modo a evitar que eu fosse gritar. Não havia motivos que justificassem sua precaução. Era uma área isolada, de modo que uma alma que fosse seria capaz de me ouvir. Além disso, acho que não tinha nem mesmo forças para tal façanha. Minhas mãos agarraram a lama novamente. Sentia o cheiro da morte entrando por minhas narinas e tomando todo o meu corpo Com a outra mão, o algoz puxou uma faca e a enterrou no meu estômago de uma só vez. Uma dor agonizante se apoderava de mim, como veneno no meu corpo.

Adormeci ou desmaiei, não fazia diferença. Inconsciência. Em antítese com o frio da floresta, senti algo arder em mim. Tentei abrir os olhos. Uma cegueira. A escuridão iminente era acolhedora.

22h58

A vítima parecia estar inconsciente. Uma poça de sangue se formava ao meu redor. Uma gota de suor minha caiu nela. Inspiro, tentando me concentrar novamente. O sangue na minha mão, tornando-a escorregadia quase tanto quanto o solo, era nojento. Mas a sensação de esfaquear era... Indescritível. Enterrei a faca mais uma vez, profundamente, na carne da vítima. E de novo. Sangue se espalhava para todos os lugares. A falta de asseio incomodava-me. Mas o sentimento de liberdade e vigor ao trazer as vísceras contidas no abdômen da vítima para fora do seu corpo da recompensava. Trabalhei no corpo por mais alguns minutos.

Cansei-me. Olhei para o que havia feito. Com as entranhas para fora, a vítima estava vazia. Havia uma desgraçada sensação de poder, como se eu absorvesse a energia da vítima. Joguei a faca no meu punho ao chão, a lâmina refletindo a fraca lua que esgueirava por entre o nevoeiro e, então, se banhando no sangue da vítima.

Inspirei, tomando consciência aos poucos do que acabara de fazer.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Obrigado por ter lido! Por favor, não se esqueça de comentar e dar sugestões ;D