Enigma escrita por Matheus Pereira


Capítulo 14
Unionville


Notas iniciais do capítulo

Finalmente! Aqui está o décimo quarto capítulo. "Enigma" está em sua reta final.
Boa leitura!



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9h35

Unionville é um povoado a cerca de treze milhas de Enigma, acessível por uma estreita estrada de terra. Lucchesi deixou Thomas na estação policial e, pegando um rápido retorno para a estradinha margeada por árvores e pelo Lake Patrick, chegou à cidade de Unionville após pouco mais de meia hora.

– Aceita um café? Ou um cigarro? – ouviu-se em uma voz grave, enquanto o delegado Moore caminhava pesadamente pela sala escura com cheiro de fumo.

– Aceito um café – respondeu Lucchesi, confortavelmente sentado em uma cadeira.

– Me parece mesmo que está precisando de um café. Ou de descanso. A que devo sua ilustre visita, meu amigo? – o delegado Moore perguntou, enquanto servia à Lucchesi uma xícara de café. Ele mantinha uma compleição atlética, apesar da idade Era alto e tinha um rosto pálido muito sério.

– Por acaso soube do caso de assassinato em Enigma, Moore? Foi divulgado hoje cedo pelo The Atlanta Journal – perguntou Lucchesi, enquanto tomava um gole de sua xícara de café.

– Oh, isso... Sim. É espantoso, não é mesmo? Logo aqui, no interior, onde pensamos que estamos a salvo. Infelizmente esses lunáticos estão por todo o lado – o delegado voltou seu olhar para o detetive italiano, observando o quanto ele envelhecera em tão pouco tempo, mesmo sendo mais jovem. Lucchesi tinha um rosto sombreado por uma barba por fazer grisalha, embora mantivesse o corpanzil militar. Uma sensação incômoda atingiu o delegado – Está trabalhando nesse caso?

– Sim. E é por isso mesmo que eu estou aqui – Lucchesi endireitou a postura – Estou em conflito com o delegado da cidade, o senhor Warwick... Caso venha a óbito e lhe abram a cabeça, nada irão encontrar. Mas isso não importa no momento. Eu estou à procura de uma testemunha em potencial. Preciso desse rapaz para fortalecer uma teoria oposta à de Warwick, apenas para me ajudar a ganhar certo tempo. Ele está prestes a incriminar a pessoa errada.

– Farei o que for possível para ajudá-lo, meu amigo – o delegado Moore disse, enquanto tragava um charuto.

– Só tomei-lhe o primeiro nome, mas tenho esperanças que se lembre do rapaz, porque ele é bem distinto – disse Lucchesi, enquanto bebia mais um gole de café – John. Eu entendo que é um nome comum. Mas trata-se de um rapaz branco, terrivelmente branco. Digo, é quase anormal e creio que esse aspecto chama muita atenção logo que ele é visto. Altura mediana, compleição atlética, pálido, cabelos loiros e lisos, olhos claros. Tem uma esposa, embora seja jovem. Entre 20 a 30 anos.

– Não é preciso pensar tanto. Não há tantas pessoas vivendo aqui perto, Lucchesi. John, quase albino. Só pode se tratar de John Gunner – disse o delegado Moore, trazendo seu charuto à boca logo depois. Lucchesi parecia satisfeito – Mas, não entendo. Como o senhor Gunner está relacionado a tudo isso?

– John Gunner estava em um bar clandestino na região de Enigma, onde estava até mesmo o próprio Daniel Smith, a vítima do crime. Ao retornar para casa, o senhor Gunner observou uma discussão entre o senhor Smith e a sua noiva, a poucos minutos antes do assassinato – Lucchesi relatou, bebendo o último gole de café.

– Céus! Bar clandestino? Não imaginava que o senhor Gunner freqüentasse tal coisa. Estamos falando de crime organizado, não estamos? Você sabe que os federais têm sido muito severos ao lidar com casos que envolvam gangsterismo. Há ainda o agravante das mutilações. Acha que Washington vai se envolver? – o delegado Moore perguntou.

– Os desrespeitos à Lei Seca não são o foco da polícia civil. Warwick está tangenciando isso e seguindo por outro caminho. É um assunto à parte, em termos. Daniel Smith estava mesmo envolvido com alguns Al Capone e pessoas da pior espécie, mas seu assassinato, assim acreditamos, foi pessoal, cometido por alguém próximo. Assim é a maior parte dos crimes envolvendo esfaqueamentos – explicou enquanto se levantava – Agora, meu amigo, seria de muita ajuda se me informasse onde mora aquele albino esquisito.

10h07

Não foi nem um pouco difícil adentrar a propriedade rural. Era cercada apenas por baixas ripas de madeira fixadas no chão. Por causa da luz do sol, a pele de John era quase translúcida. Era como se fosse possível ver através dele. As veias se desenhavam por cima da palidez. Essa foi a primeira impressão de Lucchesi ao ver o rapaz novamente.

Era um trabalho exaustivo. A golpes de enxada, o albino abria várias covas no solo, separadas a pouco mais de meio metro uma das outras. A sua frente, estava o resultado do trabalho já feito: uma plantação de milha, com grãos prontos para a colheita, se estendia ao horizonte.

– Bom dia – disse Lucchesi, em tom seco, assustando o albino. Agarrando firme a enxada, ele se virou, dando de cara com o detetive italiano e o delegado Moore. Logo, sua agressão instintiva se transformou em confusão. O suor escorria pelo corpo do albino, cansado do esforço físico.

– Delegado Moore... E você, Ferrari? Não entendo – ele disse, aturdido.

– Na realidade, detetive Lucchesi – disse o italiano, que assistia enquanto a pele do rapaz, John, ficava ainda mais branca – Venho aqui para fazer algumas interrogações sobre o assassinato de Daniel Smith.

– Daniel Smith? Assassinado? Quando? – John se tremia e olhava perplexo para o semblante sério do delegado Moore. – Sinto muito, eu nada sei. Quem... Quem é você? Um policial disfarçado? Por que um detetive está me perseguindo? Eu nada sei, sou apenas um trabalhador! Eu entendo... Entendo que haja a proibição para consumo de álcool, mas eu nada tenho a ver com gângsteres, tampouco era próximo de Daniel Smith! Vocês têm o rapaz errado.

– Senhor Gunner, essa é uma visita extra-oficial. Não há com o que se preocupar no momento – assegurou, em voz segura, o delegado Moore. Mesmo assim, a expressão de John Gunner não relaxou.

No momento. O assassinato de Daniel Smith está ganhando cobertura estadual, e não me surpreenderá quando aquele bar que você freqüenta for desmontado. Podem envolver até mesmo os federais por causa do crime organizado. E irá sobrar para todos os clientes assíduos – Lucchesi aproximou-se do rapaz, fitando os seus olhos claros – Você tem sorte, senhor Gunner, porque foi testemunha ocular de um fato importante que você relatou na noite de ontem. O que eu quero é um depoimento formal. Eu quero a sua palavra, em papel, entende?

O albino, coagido, desviou o olhar para o delegado Moore, como se pedisse ajuda. Ele estava em choque. O detetive Moore se aproximou dos dois.

– Tenha um pouco de tato, Lucchesi – advertiu o delegado – O que meu amigo está propondo é simples. A imprensa acabará chamando atenção para o caso dos blindtiger. E Lucchesi poderá lhe facilitar o processo se você espontaneamente relatar oficialmente um pequeno episódio o qual você testemunhou.

– Mas eu nada sei sobre o assassinato de Daniel Smith! É absurdo! Ambos estão insanos, porque eu nada presenciei, pelo amor de Deus! – o albino recuperou-se e, num fim dramático para a frase, largou a enxada no chão – E, fora isso, eu tenho trabalho a ser feito! É bom que minha mulher não me veja conversando com vocês, iria me evitar perguntas desnecessárias.

– Tentarei não lhe tomar tanto o tempo – Lucchesi disse com voz mais macia – O senhor relatou que viu o senhor Smith tendo uma discussão com sua esposa, por volta das 22 horas e 15 minutos da segunda-feira. Você foi o último, até onde sabemos, a vê-lo vivo. Entre quinze a no máximo duas horas depois, o senhor Smith veio a óbito.

– Está me acusando? Isso não faz sentido algum! Eu estava voltando para casa quando o vi. Cheguei a casa até as vinte e três horas. Eu tenho um álibi! – o albino protestou.

– Não, como você mesmo demonstrou, não tem cabimento algum. Não é esse o caso. O que você presenciou coloca em maus lençóis a noiva do senhor Smith, a senhorita Morgan, que declara tê-lo visto pela última vez na noite de domingo – explicou Lucchesi, calmamente – Então, senhor Gunner, nós dois temos um acordo ou não temos? Dê um depoimento aqui mesmo, em Unionville, e é sua cabeça que será poupada mais tarde.

O rapaz consentiu, ainda com resquícios de medo cruzando-lhe a face pálida.

10h43

Eis o que aconteceu, de volta à estação policial de Unionville.

John Gunner declarou, em depoimento formal, o que presenciou na noite do assassinato de Daniel Smith. Afirmou que, ao seguir a estrada para Unionville por bicicleta, reconheceu a vítima discutindo com uma mulher, em frente a uma casa. Descreveu-a como "uma moça muito bonita", dando mais alguns detalhes físicos. A descrição se encaixava em todos os pontos no perfil da senhorita Morgan.

A casa, na margem da estrada, vinha logo após a uma grande propriedade rural, na margem oposta, a poucos metros atrás. Por localização e descrição, tratava-se da casa do senhor Smith e da senhorita Morgan. Os dois falavam em tom alto e gesticulavam, como se estivessem em uma briga, de modo que não perceberam a presença da testemunha. John Gunner garantiu que estava longe demais do casal para ouvir qualquer palavra que tenha sido dita na discussão. Também afirmou não ter visto Megan Becker ou seu irmão David Becker em trecho algum da estrada.

Logo após a realização da parte burocrática e, com um documento oficial em mãos, Lucchesi retornou à Enigma. Tinha, agora, algo que Warwick não mais poderia ignorar.


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Notas finais do capítulo

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