Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 40
Capítulo XXXIX


Notas iniciais do capítulo

Estou bastante satisfeita, pois ontem mesmo eu consegui finalizar essa primeira parte da história. Além desse capítulo há mais três e a historia tomará outro rumo a partir de então. Eu espero que você continue acompanhando. Vou falar mais sobre isso mais pra frente.



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O final do ano tem se aproximado bem depressa. E minhas expectativas só aumentam. Fico pensando em como vão ser as festas de final ano agora com a Clarissa ao meu lado. Certamente serão as melhores festas de fim de ano de toda a minha vida. Até porque não há nada melhor que dividir momentos assim com quem a gente ama e sente que vai sempre amar, independentemente do que aconteça.

Eu sempre gosto de fazer surpresas para a Clarissa, porque ela realmente merece, porque eu sou apaixonado por ela e porque eu adoro a carinha que ela faz quando eu faço algo que ela realmente goste, mas que ela não esperava. Eu faço vários tipos de surpresa, de aniversário de namoro ou até mesmo fora de datas comemorativas. Dessa vez, eu tive uma ideia que eu considerava muito boa.

Montaria pra ela uma caixinha com trinta bilhetes, pra ela ler um por dia, por um mês.

Geralmente, eu tenho essas ideias sozinho e gosto de executa-las também sozinho, a minha maneira. Mas como a Mari estava muito pra baixo ultimamente e eu não suportava vê-la dessa maneira, eu a chamei pra me ajudar depois da aula sem que a Clarissa soubesse. – não que ela se importasse. Eu e a Mari somos mais que amigos, somos irmãos.

Sei que a Mari gosta muito de participar desse tipo de coisa, ela gosta de se sentir útil.

― O Gustavo não vai estar lá, não é? – ela perguntou no caminho até a minha casa, tirando a franjinha dos olhos.

― Claro que não, boba. – apertei suas bochechas, sorrindo. Ela me deu um tapa e riu. ― Você sabe que nas terças-feiras ele vai para o curso de inglês. Qual é? Agora deu pra esquecer a programação do seu próprio namorado?

― Não é como se estivéssemos tendo a melhor fase do nosso relacionamento. – ela observou, encolhendo-se dentro do moletom rosa shock. ― Você sabe.

― Vocês já conversaram? Já tentaram se resolver? – perguntei. Tínhamos chegado na minha casa, então abri a porta pra gente entrar.

― Mais de um milhão de vezes, Bernardo! – ela bufou, jogando a mochila sobre o sofá. ― Sabe o que é pior? Ele esqueceu completamente que fizemos um ano de namoro!

Ah, então era isso. Agora sim, fazia total sentido essa crise deles.

― E ele sabe disso? Sabe que ele esqueceu?

― Não! – ela revirou os olhos. ― Ele não lembra de nada que seja importante para nós, só para ele. E aí, eu vejo você e a Clarissa sempre tão juntinhos, se amando muito, carinhosos um com o outro, você mimando ela, agradando ela, fazendo surpresinhas, dando presentes e como acha que eu me sinto tento o namorado mais idiota do mundo?

É, pelo visto não foi uma ideia tão boa assim chama-la pra me ajudar a fazer a surpresa para a Clarissa.

Clarissa por sua vez, amou a surpresa. Ela ficou tão empolgada, que já queria ler todos os bilhetinho de uma só vez. Todas as frases e textinhos românticos que eu escrevi pra ela de várias maneiras. Mas eu a fiz prometer que leria um por dia, pelo mês inteiro. E ela jurou que seguiria as regras da maneira que eu sugeri e eu acreditei nela.

Tinha acabado de chegar da minha caminhada pelo bairro quando de longe vejo o Edu me esperando na porta de casa. Eu estranhei a princípio, ele raramente aparecia assim sem avisar. Mas pela sua expressão ao me aproximar, não eram más notícias, pelo contrário.

― Queria bater um papo contigo, Bernardo.

― Ah é? Tudo bem então. Entra. – abri a porta.

Primeiro de tudo: tomei um banho e troquei de roupa, me agasalhando melhor. Minha mãe não estava em casa, não tinha almoço pronto e nem nada especial para comer. Fiz um sanduíche pra gente e um suco, sentamos no sofá da sala. A casa era só nossa por enquanto.

― Desembucha. – pedi, dando uma grande mordida no meu sanduíche e deixando algumas migalhas cair no sofá.

Claro que teria que limpar tudo antes da minha mãe chegar, ou ela surtaria como qualquer outra mãe normal.

― Primeiro gostaria de te fazer uma pergunta. – ele tirou os óculos de grau, limpando na camiseta. ― Er, bom, você e a Clarissa já chegaram a, bom, como eu posso dizer isso? Hum... Transar?

Quase engasguei com o suco.

Eduardo bateu nas minhas costas, enquanto eu tossia.

― Porque a pergunta? Não, eu e a Clarissa ainda não... – porque esse papo tinha que ser tão estranho até mesmo com os amigos mais íntimos? ― Er, bom, ah, você sabe.

― Não? – ele arregalou os olhos. ― Eu pensei que já tinham feito alguma coisa. Vocês são tão... Ligados.

― Não, não ainda. Mas não faltaram oportunidades. Acontece, afinal, somos muito íntimos. – eu sorri, dando uma última mordida no meu sanduíche. ― Mas porque você tá me perguntando isso?

De repente, ele ficou todo sem graça.

― É que eu e a Isabel, você sabe, nós namoramos há um tempinho já – ele gesticulava, nervoso. ― E, bom, meio que rolou ontem lá em casa. Pra ser mais preciso, não foi meio que rolou. Literalmente rolou, aconteceu, nós transamos.

Meio queixo só faltou cair duro no chão.

― Tá falando sério? – eu perguntei, surpreso. ― Vocês...?

― Sim. É muito sério. A gente nunca tinha falado sobre aquilo antes e também a gente nem esperava que iria acontecer tão cedo. Afinal, nenhum de nós nunca chegamos perto de ter algo assim, tão intenso. Foi muito diferente do que eu imaginei que seria, sabe? Eu não fiquei nervoso, nem nada. A Isabel fez parecer fácil, e deixamos acontecer, devagarzinho, sem pressão de ambos os lados. Mas foi bom, tipo, muito bom. Eu até tô pensando em repetir de novo e de novo e....

― Ei cara, para com isso. Que safadeza! – deu um soco de leve nele, no ombro. Eduardo riu. ― Ela é minha cunhada, esqueceu?

― Tá, eu sei. Brincadeiras à parte, eu estava mesmo precisando colocar isso pra fora, entende? Conversar com alguém. Eu sei que muitas vezes eu sou muito calado, reservado e discreto. Mas aí eu pensei em você, e cara, nós somos amigos há um tempão! Não tinha pra que e nem porque te esconder algo assim. Eu confio em você, nós confiamos um no outro. E eu não te contaria algo tão sério se não te considerasse muito. – ele sorriu, meio tímido. E eu sorri também, satisfeito por ele estar se abrindo comigo. ― Agora que você já sabe, e é o único a saber por enquanto, por favor, não conte isso a mais ninguém. Não só por mim, mas pela Isabel.

― Tudo bem, cara. Sem problemas. Em nome a nossa amizade. Você pode mesmo confiar em mim. Mas fico feliz – dei tapinhas no ombro dele. ― por você ter confiado isso a mim.

Por fim, acabamos voltando para o início de tudo. Eu deixei os copos vazios na pia da cozinha e descemos até o meu quarto-porão pra jogar videogame até ao anoitecer, que era o melhor que fazíamos.

No dia seguinte eu só tive receio de uma coisa: não conseguir esconder esse segredo da Clarissa que já me conhece do avesso.

E se ela perguntasse? E se ela me achasse estanho? O que eu diria? Afinal, é a irmã dela com o meu amigo. Somos todos amigos. Mas não era como se o segredo fosse só meu, fosse nosso, era deles, do Edu e da Isabel. Eles que teriam que contar para os outros, se quisessem.

― Pensou mesmo que não iria precisar falar nada a respeito? – ela me surpreendeu, na saída do colégio, quando voltávamos para casa de baixo do guarda-chuva. Caia um chuva fina. ― Eu já tô sabendo de tudo. – ela complementou, como se lesse meus pensamentos. ― A Isabel é minha irmã, pensou mesmo que ela não iria contar pra mim?

Fiquei tão sem graça, que só conseguir rir.

Clarissa também estava brincando, ela não falava séria. Era madura o suficiente para entender o porquê eu não tinha comentado nada durante toda a manhã. E é por isso que gosto tanto dela.

Cheguei em casa, após deixar a Clarissa na casa dela, e me deparei com a minha mãe sentada na mesa da cozinha.

― Mãe? Chegou cedo hoje. – eu abri a geladeira para pegar uma garrafa com água.

― Pois é, meu filho. Eu tenho muita coisa pra corrigir de vocês. – vocês= alunos. ― Preciso ser rápida, o ano já está terminando.

― Por falar nisso – depositei a água da garrafa em um copo cuidadosamente. ― você sabe porque ainda não nos deram as notas das provas trimestrais? Já faz um mês!

― Eu não sei muito a respeito. – ela se virou pra mim. Enquanto eu bebia minha água. ― Só sei que houve uns problemas no sistema de notas e que eles estão tentando solucionar o mais rápido possível.

Terminei meu trabalho individual de biologia, para ser entregue no dia seguinte. Já era muito tarde, hora do jantar. Mas eu estava sem fome, e recusei a refeição. Preferia o aconchego do meu quarto. Peguei meu celular sobre o criado-mudo e liguei para a Clarissa.

Não poderíamos nos ver aquela noite, porque estava chovendo forte lá fora. E também, já estava tarde. Mas não era de todo mal assim, pois nos víamos todos os dias no colégio, pela manhã.

― Bom mesmo seria se você estivesse aqui para dormirmos juntos e aquecermos um ao outro.

― Eu sonho com esse momento todos os dias. – ela disse, a voz baixa. Meio sonolenta. ― Sinto que isso está cada vez mais perto de acontecer. E será a melhor noite de nossas vidas.

Desligo o celular para que ela possa dormir, é nítido que ela está morrendo de sono pelo som da voz. Bem, se a Clarissa já me conhece do avesso, eu também conheço muito dela. E mesmo que ela não diga em palavras o que sente ou o que pensa, através de seus pequenos sinais eu percebo muitas coisas.

Ao contrário dela, eu não estou com sono. Ainda. Desligo a luz do meu quarto, mas deixo o abajur ligado ao lado da cama. Fico ouvindo o barulho da chuva caindo lá fora. É tudo que consigo ouvir, além dos batimentos do meu coração. Meus pais, provavelmente já estou dormindo, já se passa da meia-noite. Acendo a luz do visor do meu celular, só pra poder ver a foto da Clarissa como papel de parede. Ela está sorrindo pra câmera, os cabelos louros trançados e os olhos pretos com aquele brilho diferencial que eu tanto gosto.

No começo do ano, eu olhava para a Clarissa e a despreza, pela maneira grosseira como ela tratava as pessoas e a frieza como ela encarava o resto do mundo. Naquele tempo, eu não entendia muito porque tinha que me apaixonar justamente por ela quando eu tinha tantas outras opções de garotas bem mais legais e interessante. Eu pensei que fosse por ela ser tão sozinha, sem amigos, sem nada ou por ela ser tão vazia, tão diferente, tão apagada e odiada. Nós mal a conhecíamos e mesmo assim eu tinha me apaixonado. E só hoje, ao lado dela, olhando pra ela, eu entendo o porquê de ama-la tanto.

Não imaginávamos que atrás daquela casca, da armadura e das muralhas que ela criou em volta de si pudesse existir uma garota tão sensível, adorável, risonha, bem-humorada, boa amiga e principalmente, a melhor namorada que eu já tive, mesmo não sendo a primeira.

Ela realmente surpreendeu a todos quando revelou seu verdadeiro eu, cativou facilmente a todos. E apesar de ter me apaixonado por aquela Clarissa amarga antes mesmo de conhece-la inteiramente, eu prefiro essa Clarissa meiga que tem o dom de fazer eu me apaixonar cada dia a mais por ela como se todos os dias fossem as nossas primeiras vezes. O nosso primeiro beijo, o primeiro abraço, o primeiro encontro, o primeiro contanto.

Pensando nela, eu dormi.

― Já pensou no que você vai querer ser quando for, literalmente, um adulto? – Clarissa perguntou, sentando-se em meu colo e envolvendo-me com seus braços.

Apesar de ainda estar aquele friozinho, a primavera trouxe o céu azul de poucas nuvens, e flores por todo o jardim.

― Quero fazer Letras na faculdade. Quero seguir os passos da minha mãe e ser professor. – eu respondi prontamente. Tirei um cacho do rosto dela e coloquei atrás da orelha. ― E você?

― Eu confesso que, ainda não parei pra pensar nisso. – ela torceu os lábios, reflexiva. ― Às vezes eu acho que estou vivendo uma vida que não me pertence.

― Não entendi. Como assim? – olhei pra ela, intrigado. ― Você se arrepende...? De nós? De tudo?

― Não, não é isso. – ela sorriu. ― É que as vezes eu não me sinto eu, completamente, entende? Às vezes sinto que falta um pedacinho de mim. Outras vezes, sinto que você é o único capaz de preencher esse pedacinho, enquanto estamos juntos. Mas quando não estamos, é vazio, eu sinto falta de algo. Sinto que o Vicente não é o me pai exatamente porque ele não é. Sinto que a Isabel não é minha irmã, porque ela também não é. Sinto que os meus amigos, não são meus amigos, porque primeiramente eles são os seus amigos e não meus.

Clarissa não fala muito sobre o seu passado, tudo que eu sei é que ela é adotada e a Isabel também. O Vicente não é o verdadeiro pai delas e elas não são verdadeiramente irmãs. Mas não sei de mais nenhum detalhe, porque eu sei o quanto dói pra ela tocar nesse assunto, por não saber absolutamente nada de suas verdadeiras origens.

O Vicente não é o tipo de pai adotivo que gosta de ficar falando sobre o pouco que ele sabe sobre elas, porque ele gosta de sentir o pai de verdade delas. E no final das contas, ele é. Porque é o único que se preocupa, o único que cuida e cria elas, com tudo que pode oferecer.

― Eu não entendo. Você diz isso porque, tem curiosidade de saber mais sobre seus verdadeiros pais? Sobre a sua história?

― É, exatamente isso. Só que eu não tenho para onde recorrer para obter essas informações. O Vicente não fala nada e eu também já até desistir de insistir nesse assunto. Sei que é difícil pra ele tanto quanto é pra mim. Se tem alguns papeis importantes falando sobre mim, devem estar bem guardando, em lugar onde eu não possa alcançar. E, bom, eu não tenho outros caminhos. Não consigo pensar em mais nada.

― Pode ser que agora você se sinta sem saídas. – seguro o rosto dela, unindo nossas testas. ― Mas um dia, eu tenho certeza, que isso pode mudar, isso vai mudar. Não sei se pelo Vicente ou por você própria, mas você vai descobrir mais sobre você. E nesse dia, eu quero estar ao seu lado, para o que der e vier.

Na quarta-feira finalmente sairia o resultado das provas trimestrais, não só eu, como todo o resto do colégio, queríamos saber dos resultados e do porquê de toda essa demora. O diretor, Álvaro, não tinha nada a declarar. E ficou por isso mesmo, a curiosidade pairando pelo ar.

Os inspetores colaram os resultados nos diversos murais espalhados pelo grande colégio. Esperei aquela multidão de alunos agitados para ver o resultado, e quando por fim, ficou mais vazio e mais visível, eu chamei a Clarissa para irmos ver juntos como tínhamos nos saídos no resultado final.

― Meus resultados foram excelentes! E o seus? – Clarissa festejou, sorridente. ― Minha nota mais baixa foi na prova de exatas, o que já era de se esperar. 6,5 de média.

Eu procurei pelo meu nome completo e quase caí pra trás com a surpresa:

Prova Trimestral – Linguagens, códigos e suas tecnologias.

Aluno: Bernardo Martins Fernandez.

Média final: 4,3.

Todas as minhas outras notas eram azuis e altas. Mas essa em especial estava visivelmente vermelha e muito baixa.

― Não! Como assim? Não pode ser. – olhei para a Clarissa, indignada com a minha média baixa. ― Eu estudei muito, Clarissa!

― Eu sei amor, eu sei. – ela estava aflita, apertando firme a minha mão. ― Isso só pode ser um mal-entendido. Vamos ver.

Clarissa me puxou até a secretaria. Ficamos quinze minutos esperando para sermos atendidos. Ela foi comigo. Eu precisava falar com alguém que pudessem dar uma explicação sobre a minha nota que certamente foi confundida com o outra pessoa, outro Bernardo, não sei. Aquele quatro vírgula três não me pertencia. Não podia ser!

― Não tem nada de errado aqui, Bernardo. – a mocinha da secretaria forçou um sorriso pra mim, atrás do vidro. Eu pedi pra que ela visse no sistema a minha nota e desse uma conferida pra mim. ― Você se chama Bernardo Martins Fernandez?

― Isso mesmo.

― É o que tá escrito aqui. – ela deu de ombros. ― Essa é a sua nota. Sinto muito desaponta-lo. Você deveria ter estudado mais.

Eu estava prestes a entrar em colapso. Nunca antes, em toda a minha vida, tinha tirado uma nota tão baixo. Não nas minhas matérias preferidas, não na matéria cuja minha mãe era a minha professora e eu cresci vendo-a lecionar aquele conteúdo que eu tanto aprendi a amar.

― Eu acredito em você, meu amor. Tenha calma! Vamos dar um jeito nisso. – Clarissa repetia, passando a mão no meu rosto.

Eu cheguei em casa abalado, ainda sem uma explicação para aquela nota. Eu tinha estudado e mesmo que não tivesse estudado, eu saberia praticamente tudo. Era muito fácil pra mim que sempre me dei bem com todo o conteúdo. Sem problemas algum eu admitiria não ter estudado ou ter me distraído ou quem sabe até errado na hora de preencher o gabarito. Mas não. Eu estudei, eu acordei aquele dia me sentindo muito bem e tomei muito cuidado com o gabarito. Então, o que afinal havia dado errado?

― Eu estou muito decepcionada com você, Bernardo. – disse a minha mãe, assim que entrei. ― Não esperava isso vindo de você.

Então ela já sabia de tudo. Ótimo.

― Mãe eu posso explicar... Eu....

― Suba já para o seu quarto e pense onde exatamente você está errando. Talvez seja o namoro com a Clarissa, talvez esse romance esteja afetando você. Vocês não se desgrudam nunca! Se veem todos os dias! O que mais você queria? – ela estava brava, mas sem razão.

― Mãe, me escuta. Não é nada disso. A Clarissa só me faz bem e não o contrário. Nós estudamos juntos! Eu não posso ter tirado aquela nota tão baixa! Olha pra mim! Deve ter havido algum engano...

― Engano, Bernardo? – ela riu, sem humor. ― Francamente! Quando foi que isso já aconteceu em nosso colégio? O erro é todo seu meu filho! Agora não se pode chorar pelo leite derramado...

Me tranquei no meu quarto-porão pelo resto do dia. Estava com raiva de tudo a minha volta, inclusive de mim mesmo. Agora nem a minha própria mãe acreditava em mim. Eu só tinha a Clarissa, mas agora que minha mãe cismou que ela é a grande culpada da minha falta de empenho na prova, eu não queria mais problemas. Preferiria que ela ficasse em casa mesmo, longe dessa loucura.

No meu celular chegou uma mensagem de texto.

Com um número que eu desconhecia.

“Acho que dessa vez você aprende a não se meter comigo. Eu disse que era capaz de qualquer coisa para afastar você. Não se meta na minha vida, Bernardo. Viu só do que sou capaz? Espero de coração que você consiga reverter essa situação pra melhor... Só que não haha.”

Sim, claro. Foi ele o culpado pela minha nota baixa. Ele sabotou o sistema do colégio de notas, atrasando as medias finais. Sabe-se lá como, mas ele foi capaz. Só que essa eu não iria deixar passar por menos, porque eu pude até ter poupado arrebentar todo o seu rostinho lindo aquele dia quando saímos no tapa, chutes e socos, mas dessa vez não iria deixar barato. Não mesmo.

O garoto pode até ter sido inteligente suficiente para ter conseguido alterar a minha nota. Mas foi extremamente burro ao mandar aquela mensagem de texto no meu celular.

Eu subi correndo pra mostrar tudo aos meus pais, para provar a minha inocência. Como se tirar nota baixa fosse um crime! Bom, eu tive que explicar tudo a eles, desde o princípio, de todo aquele ódio mortal do Rafael por mim por puro ciúmes da Lorena.

Minha mãe ficou de conversar com o diretor Álvaro na manhã seguinte, lá no colégio. Ela ficou com o meu celular, pois era a única prova que tínhamos. Mamãe se desculpou comigo, por ter sido injusta comigo e com a Clarissa. Claro que não tínhamos nada a ver com aquilo.

Meu pai pensou em chamar a polícia, para denunciar tamanha fraude contra o sistema do colégio. Mas o Rafael iria ser preso porque? Porque invadiu o sistema de notas do colégio por puro ciúmes da namorada contra o ex-namorado, pai da filha dela? Hum, pensando bem, acho que não. Ele não seria preso nem hoje e nem nunca. Não nesse país. Pedi ao meu pai que deixasse pra lá, mas ele fez questão de ligar para os pais da Lorena.

Sabe-se lá que destino o Rafael teria dali em diante. Não seria dos piores. Eu nem saberia dizer se finalmente ele iria afundar. Mas se ele não fosse pra bem longe dali, de nossas vidas, da nossa cidade, seu próximo passo certamente seria me matar a sangue frio.

Eu não estava preocupado quanto a isso, só queria que tudo fosse resolvido e a minha nota verdadeira fosse exibida. Já meus pais, por outro lado, fariam da vida daquele garoto um inferno, até que ele me deixasse em paz. No final das contas, mesmo sem pedir, eu acabei ganhando tudo o que sempre quis: minha liberdade, longe das garras desse infeliz, projeto de marginal.

Minha nova nota foi entregue em minhas mãos: 9,3. Eu fiquei muito satisfeito, é claro. A direção do colégio pediu desculpas a mim pessoalmente e disseram que isso nunca mais voltaria a acontecer. Descobriram também que o Rafael não teve total culpa no caso, e que uns garotos do terceiro ano tiveram suas parcelas de culpa também, ajudando-o na fraude. Todos eles foram expulsos.

― Eu tô muito orgulhosa de você. – Clarissa me disse, dando-me aquele super abraçado apertado. ― Eu sempre soube que você era um máximo. Acho que agora, finalmente, esse Rafael nunca mais vai se meter na sua vida.

Por Deus, que ela estivesse certa quanto a isso. Era tudo que eu queria.


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Notas finais do capítulo

Eu tinha dito anteriormente que o Bernardo teria uns probleminhas, mas que daria um jeitinho de solucionar. E foi exatamente o que aconteceu nesse capítulo. No próximo capítulo terá a maior revelação de todas. Na sexta-feira eu posto ele pra vocês, ou até mesmo antes.



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