Os novos herois do Olimpo escrita por valberto


Capítulo 78
Desespero e solidão


Notas iniciais do capítulo

Ok, voltando do recesso, mas com o ritmo lento ainda.



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Dor. O corpo inteiro doía. Não era uma dor como aquelas que se sente quando levamos uma surra. Não. Era uma coisa mais profunda. Uma coisa que vinha de dentro. Era como se cada célula tivesse tido sua energia tomada à força. Era um misto de esgotamento e enfado muscular, mas elevado à enésima potência. Isabel não se lembrava de ter sentido nada assim em toda a sua vida. O simples ato involuntário de respirar parecia acender com fogo todas as suas terminações nervosas.

– Você está acordada? Que ótimo! – a voz era conhecida da menina e conseguia passar pelo torpor provocado pelo corpo dolorido. Uma voz que ela já tinha ouvido antes e que povoava seus pesadelos mais profundos. Toda a doçura da voz de Apolo agora se transformava num azedume amargo como o fel quando ele se dirigia à menina. Logo ela sentiu uma pressão em suas bochechas e abriu os olhos da melhor forma que conseguiu. – Eu sinceramente não sabia se você ia conseguir sobreviver, mas já que conseguiu, ainda bem. Eu vou precisar muito de seus préstimos, quer você goste ou não.

Apolo divertiu-se cutucando um pouco mais a menina até que alguma coisa chamou-lhe a atenção. O deus virou as costas e saiu, como uma criança que subitamente perde o interesse por um brinquedo.

Isabel estava sozinha de novo. Não sabia o que tinha acontecido. Sua última lembrança antes da dor foi quando as portas do elevador se abriram e ela e Eric foram engolidos por uma luz forte e brilhante. Depois disso havia um hiato. Isabel não sabia dizer quanto tempo este hiato durou. Poderiam ser minutos, horas ou dias. Foi a lembrança da presença de Eric que desanuviou seus pensamentos por um instante: onde estava o seu amado? Ela esforçou-se e olhou em volta, derrotando a sensação de dor que a tomava o corpo.

Ela estava numa sala muito bonita. Paredes de mármore, com tijolos do tamanho de caixas de sapato, finamente encaixadas uns nos outros. Havia frisos de bronze desenhando um mosaico impressionante no chão. Esses fios de cobre também desenhavam estranhos, porém belos, padrões nas paredes. Não havia janelas na sala e a única porta parecia ser de carvalho maciço. Toda iluminação vinha de tochas, mas no lugar da chama tremeluzente da madeira queimando havia pequenos globos de luz que pulsavam de leve, liberando luz brilhante e constante. Num canto da sala ela viu um objeto que lhe roubou o ar pelo espanto. Era um esquife de metal dourado, onde a figura de um homem de meia idade, musculoso, barbudo parecia repousar de forma plácida. Ela estava poucos metros da prisão de Zeus. Nunca passou pela cabeça da menina que a prisão de Zeus seria um sarcófago. Havia encontrado Zeus, mas nenhum sinal de Eric.

– Não posso pensar nele agora – disse a menina para si mesma, conjurando uns poucos feitiços de cura que conhecia. Ela tinha consciência de que Eric poderia estar ferido, preso em um lugar distante ou mesmo pior. Seja como fosse ela não poderia ajuda-lo se estivesse presa ali. Depois de algumas invocações e conjurações já sentia o corpo menos dolorido e a visão voltara ao normal. Mas sempre que tentava afetar alguma coisa que não fosse ela mesma, recebia uma terrível e dolorosa descarga de energia. Tinha pouco com o que trabalhar.

Logo resolveu perscrutar a sala e seus arredores: aguçou os sentidos em busca de alguma informação útil. Mas depois de algumas tentativas tudo o que foi capaz de determinar é que estava sozinha, numa sala hermeticamente fechada, alimentada por magia. Tirando o sarcófago de Zeus não havia nada que merecesse ser olhado. Era estranho ver Zeus daquela forma. Mesmo com o seu sarcófago em pé, jogado displicentemente num canto como uma indesejável peça de mobília, o senhor do Olimpo parecia mesmo muito calmo e plácido. Parecia dormir o sono dos justos. Sua aparência era de um Papai Noel meio sarado. Não fazia par com o que Oliver e Eric tinham descrito.

Quando sentiu-se forte o bastante a menina aguçou os olhos e procurou ver as linhas de magia que controlavam a realidade. Normalmente no mundo mortal as linhas eram claras e definidas, pois a magia lá era escassa. Era possível traçar todas as linhas possíveis para abrir magicamente uma porta, ou mesmo transformar água em vapor e depois transformar esse vapor num punho gigante, duro como o aço, e golpear com ele, num único vislumbre. Mas ali era diferente. Existiam tantas linhas sobrepostas, um verdadeiro pesadelo de fios se emaranhando junto com a névoa. Sempre que buscava puxar um, puxava outros juntos, fazendo com que o alarme deixado pelo deus sol soasse. E cada vez que o alarme soava Isabel recebia um novo choque.

– Isabel! Isabel! Onde você está? – a voz de Eric ecoava pela pequena ilha onde tinha acordado a poucas horas. Estava numa ilhota rochosa, com alguns pares de árvores e plantas amontoadas. Não deveria ter mais do que 50 metros quadrados. Em volta, apenas o mar. Sem nuvens no céu. Lá em cima apenas o sol impiedoso parecia lhe fazer solitária companhia.

Por fim o menino sentou-se debaixo de um coqueiro mais gordinho e baixo, cuja sombra frondosa protegia do calor do sol. Ele estava sem fôlego e sem voz. Tinha gritado pela ilhota inteira o nome da amada sem sucesso. Ele parou para raciocinar. Ainda estaria nas terras dos deuses? Não havia como saber, mas provavelmente sim. O seu desejo legítimo era pôr-se a correr sobre as águas, em direção ao continente. Ou sair voando sem rumo até achar uma saída. Sim, um Eric de duas ou três semanas atrás faria justamente isso. Mas não o Eric “modelo atual”. As duas últimas semanas o tinham ensinado que correr sem rumo não o fariam chegar mais rápido em parte alguma, a não ser a sua própria morte.

De onde estava não conseguia ver nada além das águas. O continente, se é que ele existe, poderia estar bem ali, vinte ou trinta quilômetros em qualquer direção. Mas também poderia não haver nada por dias a fio. Então ele se deu conta: estava numa prisão. Uma prisão sem grades ou cadeados. Uma prisão que ele não poderia usar seus dons para escapar.

– Uma prisão feita para alguém como eu. – suspirou o menino. – Mas não existe prisão sem fuga ou cadeado que não possa ser aberto – disse para si mesmo. Tinha que pensar. Como sair dali? Bateu nos bolsos. Boa parte de seu equipamento ainda estava ali. Suas adagas, o controle remoto para chamar o seu dragão de bronze e mais algumas miudezas que sempre carregava por aí. Só mesmo uma pessoa arrogante como um deus poderia tê-lo prendido ali.

O menino pôs-se a trabalhar. Tinha muito a fazer e pouco tempo. Pegou uma garrafa pet de água mineral e bebeu o resto de seu conteúdo, tomando cuidado para secar bem o interior da garrafa. Pegou alguns guardanapos do subway e danou-se a escrever neles com a caneta bic que sempre trazia no bolso. Era uma mensagem simples, mas esperava que fosse o bastante para funcionar. Então ele colocou o bilhete dentro da garrafa e a fechou bem. Fechou os olhos e começou a girar em torno de si mesmo, o mais rápido que podia. Depois, ao acaso arremessou a garrafa. Quando ele parou de rodar estava tonto demais para ver para que lado tivesse jogado. Na sua cabeça a música do the police “message ina bottle” ecoou por um minuto.

– Eu não tentaria de novo se fosse você, pequena. Você só se machucaria no processo. – a voz ecoou pela sala, ao mesmo tempo maternal e ameaçadora. Isabel virou-se para ver de onde ela tinha vindo. Era uma mulher, mas a julgar pela sua majestade e seu porte só podia ser uma deusa. Parecia uma versão selvagem e feminina de Apolo. – Não se preocupe em se ajoelhar... sei que você está, digamos, “enrolada” no momento. Eu sou Artêmis. A irmã de Apolo.

Artêmis era verdadeiramente linda. Cabelos castanhos escuros, levemente ondulados, lhe caíam pelos ombros, emoldurando um rosto belo. Pele alva e limpa, maçãs do rosto rosadas e lábios tão vermelhos que apreciam faiscar quando ela movia a boca. Era linda. Mas eram seus olhos que chamavam mais a atenção. Eram de um azul límpido e profundo, como se uma pessoa desavisada pudesse simplesmente mergulhar neles e se afogar. Ela era realmente linda, mas ao mesmo tempo, perigosa. Tinha o porte de uma leoa, uma tigresa, uma fera selvagem contida.

Isabel não soube o que responder. Mas naquela mesma hora agradeceu por não ter a língua afiada como a de seus amigos. A deusa das caçadas não era famosa por sua paciência. Por um momento preferiu o silêncio.

– Vai bancar a difícil e me dar o tratamento do silêncio, hein? Típico de vocês, filhas de Hécate... tanta magia e nada para dizer – a deusa deu de ombros como se não se importasse realmente com as escolhas de Isabel e continuou seu monólogo – quero esclarecer que não sou cruel como o meu irmão. Quando tudo isso terminar, se você sobreviver, eu vou adorar ter você como uma das minhas caçadoras. Você é tão bonita... não... bonita não é a palavra... você é exótica.

A deusa parecia estar saboreando suas palavras com um prazer diferente. Ela acariciou o rosto de Isabel e a menina virou o rosto, instintivamente.

– Larga de mim, maldita! – explodiu Isabel quando sentiu o toque da deusa roçar-lhe a pele – Qualquer um que se alie a Apolo é meu inimigo! Eu fui caçada como um animal. Vocês feriram meus amigos. O que faz você pensar que eu poderia um dia ser sua subordinada? Sua... – Isabel não teve tempo de terminar a frase. O tabefe de Artêmis ardeu em suas bochechas.

– Se não precisássemos de sua magia, bruxinha, eu teria prazer de disciplinar você. Mas eu sou uma deusa, eu posso esperar. Você ainda vai rastejar pelos meus pés em busca do meu afeto. – disse Artêmis se virando para ir embora. Ela parou ao lado do esquife de Zeus e deu uma bitoca no vidro. – Você não perde por esperar, velho.

Isabel estava sozinha como antes. Ela tentou se concentrar novamente, mas estava abalada demais pela visita de Artêmis. Mas agora ela sabia de alguns fragmentos do plano de Apolo. Ele precisava dela. Mas para que? Com certeza não era para abrir a prisão de Zeus. Tinha a ver com sua magia. Mas por que ela? por que sua magia era tão importante? A resposta veio como um devaneio. Ela se lembrou do que disse Morgana, quando treinou com ela em Fortaleza.

– Você tem muito poder bruto... – as palavras da meia-irmã ecoaram na sua memória. – Eu acho que você tem talento para se tornar a mais poderosa de todas as bruxas. Com o treinamento certo poderia rivalizar até mesmo a nossa mãe. Ah, não me olhe assim: os deuses têm poder infinito. Nós somos meio-deuses. Metade do infinito. Mas como o infinito é infinito, a metade do infinito também é infinita. Estamos presos apenas pelo que acreditamos. É o nosso lado humano que nos limita, e ironicamente, nos faz romper todos os limites.

Do lado de fora da torre de Zeus três figuras olhavam o prédio imponente como se fossem turistas. Estavam num canto da praça, aproveitando a sombra de uma oliveira frondosa. Uma das figuras olhou para o relógio.

– Temos pouco mais de vinte horas – comentou o professor Roberto.

– Eu sei amor. – disse a Dra. Cassandra.

– Você acha que isso aí vai funcionar? – perguntou ele apontando com os lábios para o pacote que a sua esposa carregava com todo o cuidado dentro da sua algibeira.

– Espero que sim – disse ela olhando para o céu. – por que se não vamos ter o mais longo e quente verão de todos os tempos.


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