Os novos herois do Olimpo escrita por valberto


Capítulo 77
Quando o inferno for adornado por delicadas estátuas de gelo


Notas iniciais do capítulo

Gente, é fim de ano. Recesso. Vou passar uns dias fora.

Vou tentar postar um novo capítulo antes do fim de janeiro de 2016, mas não prometo nada.

Feliz ano novo a todos.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/460709/chapter/77

O rosto de Lucas estava congelado numa careta de espanto quando o vento frio parou de soprar. Jade por sua vez não esboçava qualquer reação além da expressão de desafio, como se enfrentar ventos gelados como navalhas de gelo fosse coisa do seu dia a dia. Na frente deles Quoine estava parada, terminando de se materializar. Era linda como contavam as fábulas: altura mediana e corpo belo. A pele de azul claro, um tanto quanto cianótica, lhe emprestava uma aura sobrenatural e fantástica. Os longos cabelos de azul um tom mais escuro esvoaçam uniformes ao sabor do vento e por onde seu corpo se movimentava deixava um rastro de floquinhos de gelo e neve que se desafaziam pouco antes de tocarem o chão. Estava vestida com os típicos trajes gregos da aristocracia, numa toga longa e esvoaçante de um branco tão alvo que chegava a doer nos olhos. Quando o último floco de neve formou seu último fio de cabelo ela abriu os olhos, e falou com severidade na voz:

– Ora, ora, ora... se não é a filha desobediente de Apolo. Seu pai me disse que você poderia fazer alguma coisa idiota para tentar impedí-lo, mas nunca pensei que poderia chegar a encontrar você aqui. – ela sorriu como se estivesse se deliciando com a idéia, passando e leve a língua sobre os lábios de azul escuro. – Eu vou adorar dar fim à sua vida, ver o calor do seu corpo abandonar sua existência até que sua alma seja um fundo negro e vazio, uma casca gelada e sem vida, eu vou... ai!

Quione não terminou de falar. Alguma coisa a atingira bem na bochecha direita, emprestando um pouco de cor à sua pele azulada. Ela olhou com ódio na direção de Lucas. O menino ainda vestia o mesmo macacão jeans, surrupiado de um espantalho. Mas dessa vez estava com um chapéu de palha, tirado só os deuses sabem de onde. A careta de espanto em seu rosto tinha dado lugar a uma expressão centrada, firme... confiante. Na sua boca estava um ramo de trigo, que ele mastigava displicentemente.

– Sabe Quione, que você não goste da minha mãe, eu até entendo. Afinal ela é quem governa as quatro estações e você está confinada ao frio do inverno, uns poucos meses por ano. Quando minha meio irmã, Perséfone, volta do mundo inferior é a primavera. A época em que os mortais esquecem que você existe. Que você odeie as cores da primavera, o calor do verão e a preparação e a colheita do outono eu até entendo... mas aliar-se à Apolo? O que você tem a ganhar com isso?

Quione sorriu. Ela deu um passo a frente, para além do pedestal de gelo que tinha criado para a sua entrada triunfal, pisando na terra com os pés nus. O chão congelou-se imediatamente e rachou. Mesmo que estivesse com pouco mais de dois metros de altura, ela ainda era assustadora e poderosa.

– Ganhar? Eu tenho tudo a ganhar. O deus sol me prometeu invernos mais longos e poderosos se eu o ajudasse. E não vejo por que não fazer isso... eu vou adorar congelar as plantinhas de sua amada mãe e vê-las queimar com o frio do meu toque. Eu vou poder mostrar aos humanos por que o inverno deve ser temido. – Quione gesticulou e na frente dela uma enorme estaca de gelo surgiu, flutuando sem peso no ar. A estaca voou certeira ao corpo de Lucas, sendo interceptada por Jade. A estaca estilhaçou-se em mil pedaços ao tocar a pele da guerreira, como se tivesse batido não numa menina e sim numa parede de aço.

– Maldita! – berrou Quione, tomada pela frustração.

– Lucas, liberte aquelas pessoas. Eu seguro Quione!

– Pode deixar! – concordou de volta o menino erguendo as duas carroças com enormes ondas de grama e se afastando com elas. – E deixe um pedaço dela para mim!

Malditos! – disse Quione apontando o braço na direção de Lucas e disparando uma rajada concentrada de ventos congelantes. O menino esquivou-se com rapidez e desenvoltura, deixando a deusa das neves ainda mais furiosa.

– Ei picolé, não esqueça que está lutando comigo! – disse Jade atingindo a deusa das neves com sua espada. Um golpe poderoso e ágil. Uma estocada no lado esquerdo do peito. Jade sorriu quando a deusa gritou de espanto. Nunca em todos os seus milênios de existência Quione tinha sido golpeada por uma mortal. Ainda mais um ataque assim tão certeiro, mirando seu coração.

Mas Jade teve pouco tempo para se vangloriar. Sentiu um frio dolorido apossar-se do cabo da sua arma. Um frio tão intenso que a fez largar a peça. Ela olhou para a sua mão. Estava dormente de frio. As pontas dos dedos estavam arroxeadas pela falta de circulação de sangue. Quione olhou curiosa para a espada estocada em seu peito. Uma peça de bronze celestial, capaz de matar monstros.

– Se eu tivesse um coração, filha bastarda de Balder, teria doído muito. Mas como seu “pai” frisou mais de uma vez eu não tenho um coração e sim uma pedra de gelo no peito. – ela deu um peteleco na espada e a mesma quebrou-se num estalo, partindo-se em mil pedaços. – Vamos ver o que tem no seu peito.

As duas começaram a lutar. Era claro a superioridade de Quione. Todos os golpes que Jade conseguia a acertar causavam-lhe muita dor. Mal sentia as mãos, praticamente congeladas. Mas não podia parar. Por fim Jade correu para um pequeno riacho ali ao lado, fincando os dois pés na água.

– Acho que o meu frio deixou você meio louca, semideusa. Deve estar pensando que é filha de Posseidon para se curar em contanto com a água. – Quione aproximou-se e depois parou – Vamos lá, mostre qual é a sua carta.

– Chega mais perto se tem coragem, Picolé.

O rosto de Quione retorceu-se de raiva. A petulância dos semideuses tinha esse efeito nos deuses e criaturas mitológicas. Foi assim que Eric esvaziou os poderes de Mormo. Foi assim que Lucas irritou seu pai o bastante para que pudessem fugir. Deuses se irritam com facilidade. Jade sabia disso. Mas sabia também que mesmo que Lucas voltasse logo, não tinham quaisquer chances contra Quione.

– Ah, mas a menina não a menor chance contra Quione – Bárbara exclamou olhando por seus binóculos. Ao seu lado a projeção de Astréia concordou com um acenar de cabeça silencioso.

– É justamente por isso que você vai até lá dar uma forcinha. – a projeção comentou num tom quase irônico.

– Pois é, né? Dois semideuses não dão conta de um deus menor. E o que é que você faz? Manda mais um semideus. Vou fazer uma diferença medonha lá embaixo. – disse ela fazendo beicinho.

– Hum... não foi você que me disse que enfrentar deuses e gigantes estava de boa? – a imagem do R2D2 tremeluziu e depois ficou parecendo com Bárbara. A menina começou a recitar: Enfrentar Deuses, matar gigantes e caçar coisas é uma coisa... Depois de repetir-se umas três vezes a imagem holográfica voltou a ser Astréia – Reorganizei seu contrato mocinha. Você vai descer lá e vai ajudar os dois.

– É, claro – resmungou Bárbara vestindo sua armadura e colocando um óculos de piloto para proteger os lindos olhos verdes. Não demorou nada e já estava pronta. Ela caminhou até a beirada de seu dirigível e acenou para Astréia, saltando em seguida.

Jade estava sem opções de luta. Nenhum de seus golpes parecia ser capaz de ao menos incomodar Quione. A ela restava recuar dos ataques da furiosa deusa da neve. Foi quando um verdadeiro tsunami de grama e matéria vegetal cobriu Quione, arrastando-a sobre uma centena de pés de amora. A deusa da neve levantou-se, coberta de folhas e manchada de suco congelado de amoras. Ela cuspiu nacos de grama congelada de sua boca.

– Demorei? – perguntou Lucas.

– Quase nada. Aquelas pessoas estão bem? – perguntou Jade, posicionando-se ao lado do amigo.

– Estão. Quione ou Apolo jamais vão por as mãos no presente agora. – disse ele com certa confiança. – não importa o que aconteça conosco.

Silenciosamente Jade assentiu. Se tivessem que morrer ali para que os planos de Apolo fossem detidos que fosse assim. Ela sabia que não poderia ingressar nos campos Elísios, mas de certa forma o seu coração aqueceu-se ao lembrar que pelos seus feitos seria bem-vinda nos salões do Valhala.

Foi quando ouviram um assobio longo, como uma bala de canhão caindo dos céus. Lucas e Jade reconheceram o som e correram para se proteger. Quione, que desconhecia as características daquele som, parou ao ver os meninos fugirem. “Não vão poder fugir de mim”, pensou ela, deliciando-se com a eminente vitória. Foi quando algo caiu bem na frente dela, criando uma bela cratera do chão. A onde de choque e o susto foram o bastante para desequilibrar a deusa. Do meio da cratera formada pelo impacto saiu uma linda mulher. Ela vestia mais uma vez o tradicional peitoral de bronze das amazonas de Atena, mas no lugar das botas de couro vermelho, braceletes e elmo de prata, vestia uma calça baggie larga, de cor verde, coturnos pretos, luvas sem dedos e um gorro de piloto da segunda guerra mundial. Ela se levantou devagar, tirando os óculos de piloto do rosto e jogando-os sobre a fronte do gorro de couro marrom e sorriu, dando ainda mais brilho a seus olhos verdes. Ela olhou em volta, como se estivesse calculando a situação e depois virou-se para Quione.

– Deixa eu adivinhar... você deve ser Quione, a deusa da neve, estou certa? Prazer em conhecer a senhora. – ela tirou um bloquinho de anotações do bolso e procurou alguma coisa nela com atenção, e depois de parecer ter achado o que queria voltou-se para os meninos – você deve ser Jade e você Lucas. Não lembro se fomos propriamente apresentados no nosso último encontro. Sou Bárbara, senhora e capitã licenciada da guarda de honra de Atenas. Também sou caçadora de recompensas e atualmente sirvo à senhora Astréia. Aliás, Jade, a senhora Astréia manda um beijo para você.

Quione bufou de raiva, o ar condensando em pequenas pedras de gelo ao deixar furiosamente suas narinas. Como os mortais a irritavam! E os semideuses pareciam irritá-la ainda mais. Ela era uma deusa quase desconhecida na Grécia, adorada por uns poucos eremitas que viviam reclusos nas montanhas. E quando a era moderna chegou e as festas de fim de ano ficaram recheadas de neve e presentes os mortais trataram de adorar um tal de Papai Noel. Era demais para cabeça da deusa.

– Olhe, senhora Quione, eu não quero parecer desrespeitosa, mas a senhora deve deixar este reino e levar consigo cada um de seus, hã, filhos. O mais rápido possível. Tipo agora.

O sangue de Quione ferveu, se é que isso era possível, e ela esticou a mão na direção de Bárbara: o ar em volta da garota arrefeceu, solidificando-se imediatamente. Num segundo ela estava cercada por dois paredões de gelo com quase 1 quilômetro de altura cada. Os dois paredões se chocaram com força titânica, esmagando e enterrando a capitã licenciada da guarda de honra de Atenas debaixo de incontáveis toneladas de gelo sólido.

– Isso deve dar – disse Quione satisfeita consigo mesmo, embora soubesse no seu íntimo que tinha exagerado. Como era mesmo que diziam os mortais? Ah sim: ela tinha usado um canhão para dar cabo de uma mosquinha. Entretanto ela se sentiu satisfeita por ter ensinado uma lição àquela semideusa abusada. Mesmo que ela não tivesse sido imediatamente esmagada pelos paredões de gelo, ainda estava presa sob o seu peso e morreria pelo frio ou sufocada nos próximos minutos. – Agora, vocês dois...

Mal ela terminou de falar ouviu o gelo rachar. Primeiro apenas uma rachadura e depois uma série de outras maiores. O som do gelo quebrando encheu o ar como uma sinfonia dissonante de grilos gigantes, cada vez mais alto. Então os paredões de gelo explodiram, fazendo pedaços de gelo de todos os tamanhos voarem em todas as direções. Lucas havia se escondido atrás do tronco de um largo carvalho e tinha emprestado seus poderes à arvore para que ela protegesse a ele e Jade. Mas mesmo fazendo isso ele precisou se concentrar para manter a gigantesca árvore presa ao chão. Alguns dos blocos de gelo eram grandes como um ônibus e duros como o aço. Mesmo Quione teve de se proteger da explosão, cobrindo os olhos por um instante.

E um instante era tudo o que Bárbara precisava. A guerreira disparou do centro dos paredões voando na direção da deusa como um projetil disparado de uma arma. Apontada para frente estava a espada da Dâmocles, mirando bem no coração de Quione. Mas esta não era a primeira batalha da deusa. Quione moveu-se rapidamente, bloqueando e desviando o ataque com o seu braço esquerdo. Bárbara pousou uma dezena de metros adiante, levantando-se com desenvoltura e se colocando em posição de luta.

– Uau... isso foi refrescante – disse Bárbara balançando a cabeça e deixando cair sobre os ombros pequenos pedaços de gelo triturado. – Você deve fazer muito sucesso com esse truque nos churrascos de verão de Dionísio. Com Quione na festa ninguém precisa beber cerveja quente.

Lucas deixou escapar um risinho. Não foi intencional. Simplesmente escapou. Mas aquele risinho arrancou uma gargalhada de Jade. Quione fuzilou os dois com o olhar. Se ela fosse a deusa da morte pelos olhos ao invés da deusa da neve, nem mesmo o poder de Zeus impediria que caíssem mortos ao chão. Quione ergueu as mãos para invocar um ataque ainda mais devastador quando percebeu que estava ferida. Havia um corte pouco acima do seu pulso, na parte de cima do antebraço por onde o seu sangue vertia. Estranhamente seu sangue era tão vermelho quanto o de qualquer outra criatura. Era possível ver o pavor nos olhos da deusa das neves. Provavelmente era a primeira vez que via seu próprio sangue.

– Você... você me cortou... – ela balbuciou, estupefata.

– Eu não – disse Bárbara num tom zombeteiro – a espada de Dâmocles cortou você. Eu só promovi o encontro entre vocês dois. Puxa, você tem que admitir que ela é mais afiada que uma espada Hottori Hanzo. – Bárbara fez uma cara séria, engrossou a voz e depois falou com um inconfundível sotaque japonês – “Ouso afirmar que esta é a minha melhor espada. Se na sua jornada você se deparar com Deus... Deus sairá cortado”. Cara, você tem que amar Kill Bill do Tarantino.

Não que Quione estivesse realmente prestando atenção. Essa era a primeira vez que ela era ferida de verdade. Ela já tinha tentado estancar o sangue com seus poderes divinos, mas o corte permanecia. O seu sangue continuava vertendo, manchando de vermelho vivo a sua linda pele azul cianótica.

– Eu... eu não consigo estancar o sangue. – Quione balbuciou, a um passo de entrar em pânico. – Faça parar... faça parar! FAÇA PARAR!

– Bem que eu gostaria... – disse Bárbara subitamente envergonhada por ter causado tanto dor a alguém – mas essa espada foi imbuída com o poder de três deuses diferentes. Ela pode cortar qualquer coisa na face do Olimpo. Eu não sei dizer se um corte feito por ela pode ser fechado.

Quione largou-se de joelhos no chão e começou a chorar. Suas lágrimas cristalizavam como lindos diamantes antes de tocarem o chão. Bárbara foi se aproximando lentamente, espada em punho. Ela sabia que tinha que aproveitar aquele momento antes de poder fazer qualquer coisa mais. Quione era uma inimiga poderosa demais para ficar viva. Ela tinha de cumprir com o seu dever.

– Espere! – a voz de Lucas soou severa – eu posso tentar curar você... – o menino veio se aproximando e à medida que ele caminhava as plantas nasciam a seus pés deixando em suas mão várias folhas e sementes diferentes que ele ia habilmente esmagando até fazer um emplastro. – Esse emplastro de barbamitão deve ser o bastante para sarar as suas feridas.

Ele espalhou a pasta esverdeada sobre a pela azul cianótica da deusa das neves. Num primeiro momento ela sentiu o corte formigar e depois a dor deu lugar ao alívio. Depois de pressionar por alguns minutos nenhuma gota de sangue verteu de seu ferimento. Quione olhava espantada para o menino que segundos atrás tentara matar. A sua compaixão era muito maior do que qualquer plano de ambição que a deusa pudesse ter. Num momento ela sentiu-se corar novamente quando o menino amarrou o emplastro em seu braço com a ajuda de alguns cipós.

– Eu acho que você vai ficar bem – disse ele. – Tente trocar o emplastro a cada dia. – disse ele entregando a deus mais dois emplastros prontos para usar – Em dois dias ou mais não vai ter nem mesmo uma cicatriz.

Longos momentos se passaram antes que Quione pudesse falar novamente.

– Estou em débito com você, filho de Demeter. Diga o que eu posso fazer para saudar minha dívida.

– Bem – disse Lucas olhando para o infinito – tem uma coisa sim.

O menino contou o seu plano-desejo. Jade e Bárbara ouviram atentamente e no final Quione sorriu.

– Sim, eu posso fazer isso.

Lucas sorriu de volta. Sentia que agora tinham uma chance.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Os novos herois do Olimpo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.