Já era madrugada, mas Steve não havia tirado sequer um cochilo. Seus olhos tão abertos e petrificados como uma pedra indicavam isso. Não tinha um pingo de sono, mas queria dormir, somente para se isolar dos problemas do mundo e descansar pelo menos uma vez, mas não tinha nada que o ajudasse quanto a isso. Pensava sempre em Esmeralda, a imagem do belo rosto dela não saía de sua mente, e por mais que tentasse não pensar no pior, sempre a imaginava encarcerada e sendo torturada, tudo por culpa dele. Fora isso, tinha medo de que qualquer momento seu clone maligno viesse escondido para o matar, e levasse junto Bruce e Adália. Queria sair e acabar de vez com isso, mas não tinha uma pista, não tinha nada que o indicasse onde começar. Sabia também que não tinha nada ao seu lado que o tornasse um oponente equivalente ao seu inimigo, era simplesmente fraco demais para isso e tão vulnerável quanto uma formiga.

Levantou-se do seu colchão improvisado no chão e se alongou, para tentar desviar a mente e seus pensamentos para outro lugar. Olhou Adália e Bruce dormirem e, então, parou para pensar no que Adália o havia dito mais cedo. Não esperava nada daquilo vindo dela, e foi estranho demais ouvir tudo direto da boca dela, sabia que ela tinha tido uma vida tão complicada quanto a dele, o que não ajudava em nada no relacionamento entre os dois, permanecendo os dois um tanto quanto distante um do outro. Ele a considerava, porém, não tinha ideia de que ela fazia o mesmo, bem mais do que ele ainda por cima.

Enquanto a via dormir, pensava em tudo de mal que podia acontecer a ela de novo, tudo por culpa dele, iria se afogar em culpa e arrependimento o resto da vida, não podia de forma alguma deixar isso acontecer, por conta disso e mais outros milhares de motivos que ele era obrigado a abandonar ela, Bruce, Nicko e até mesmo Colina Nevada.

Foi então em direção à porta e saiu da casa para respirar o ar livre. Levava consigo um velho arco de Bruce e duas flechas. Certamente não serviriam para quase nada, entretanto, melhor era não sair desarmado de noite no mundo em que vivia.

Parou e deu um longo suspiro na estrada da casa. O ar frio da noite gelou seus pulmões, dando uma sensação boa e renovadora a ele. O vento soprava selvagem e agitava seus curtos cabelos, os pelos de seus braços se arrepiaram, mas ele gostava daquela sensação de sentir frio, de sentir o gelado o invadir e o refrescar, levando junto com o vento os pensamentos que o atormentavam.

Começou então a caminhar por Colina Nevada. A pacata aldeia que o acolhera, mesmo que por pouco tempo. Se havia enfim um lugar que ele podia chamar de casa era lá. Havia anos que ele vivia de um lado para o outro, vivendo com o que achava, sozinho. Mas em Colina Nevada era diferente, ele tinha ao seu lado a presença de pessoas, havia movimento, gente, não estava mais sozinho. Havia mais casas, construções. As pessoas se conheciam, conversavam, eram amigas e se ajudavam, ninguém era sozinho.

Enquanto em tudo isso ele pensava, mais triste ficava, pois sua realidade o obrigava, mais uma vez, a abandonar tudo aquilo. Teria de deixar novamente tudo o que conquistara para trás. Pelo menos era tudo em prol das pessoas que ele gostava e dele mesmo, afinal, eram esses os motivos que mais o motivavam.

Passou por casas silenciosamente, enquanto as pessoas dormiam e viviam sem mais preocupações. E de repente ele sentiu algo tocar suas costas, quando se virou, rapidamente, deu de cara com um pequeno garoto.

–Steve! –O garoto exclamou.

Steve o encarou seriamente. Olhou direto no rosto. Ele era, de fato, muito familiar a ele, parecia que já o havia visto uma vez, mas ele não conseguia se lembrar.

–Quanto tempo! –O garoto falava.

Foi então que, como um tiro, as memórias vieram à sua mente, era Fred.

–Fred! –Ele respondeu, dando-o um abraço de comprimento.

Fred era o garoto órfão que Steve conheceu assim que entrou em Colina Nevada, morava com Roger, que cuidava das tropas. Ele tinha o sonhe de ser um soldado, assim como o seu falecido pai, e gostou bastante de Steve.

Tudo isso era o máximo que ele conseguia lembrar sobre Fred no momento, até porque eles só se viram uma vez durante relativamente muito pouco tempo.

–Realmente... –Concordou. –Quanto tempo... Mas Fred, me diga o que faz acordado e aqui fora uma hora dessas? Você pode ser morto sabia?!

–É, eu sei... –Fred disse sem graça. –É só que, não tenho sono e onde eu durmo é tão sem graça... E Roger não me deixa fazer nada, mas também não fica comigo, é só o tempo que eu tenho para ficar sozinho do jeito que eu gosto e quero.

O jeito como ele falou chamou a atenção de Steve, pois apesar de pequeno, o garoto falava de uma maneira que o tocou, ele se identificou com as palavras dele, porém, mesmo assim, não devia ficar com ele ali, a céu aberto no meio da madrugada, estavam mais do que vulneráveis a um ataque.

–Tudo bem... Eu não sou ninguém aconselhável para dar uma lição de moral, mas é melhor irmos andando...

Os dois então começaram a conversar enquanto caminhavam.

–Steve, tempo que eu não te vejo. –Fred disse. –Você foi à busca ao Ninho de Creepers?

–Mais ou menos... Quase isso.

–Me contaram que foi uma tragédia... Tantas pessoas que morreram, parece que foi tudo um tipo de armadilha.

–E foi realmente muito triste, tantas famílias abaladas...

Steve ia perguntar como ele, uma criança tão jovem sabia de tudo, mas aí se lembrou que ele morava com Roger, e devia ouvir o que era comentado lá. Não era nada saudável para alguém da idade dele ouvir coisas desse tipo, ainda mais porque ele perdeu o pai num processo parecido, mas era o mundo que ambos viviam, mais cedo ou mais tarde ele teria de cair de ponta e enfrentar o mundo do jeito que ele era. Triste, mas necessário, talvez.

Andaram mais alguns passos e Steve começou a ficar inquieto com os dois sozinhos à noite. Conversava com Fred tentando não demonstrar sinais de medo, mas tinha de levá-lo dali, não era seguro. Um pouco depois que conversaram sobre um assunto bem descontraído, Steve disse:

–Fred, eu não quero dar uma de mandão, mas é melhor voltar logo para sua casa...

Fred o encarou com a cara fechada, e ele retribuiu com um olhar cortante, e Fred cedeu:

–Então tudo bem... Mas venha comigo.

Enquanto andavam, Fred ia pulando, brincando com os buracos na grama. Num momento, perguntou:

–Steve, e o que vai fazer da vida agora? Vai continuar lutando contra os monstros?

Fred era inocente e jovem demais, achava que enfrentar os monstros era algo bom, porém, Steve tentou amenizar a situação:

–Quem sabe... Talvez.

–Vai continuar aqui em Colina Nevada?

–Bom, eu queria, e realmente gostaria muito, mas muito mesmo. –Respondeu. –Só que vou ter que deixar a aldeia o mais cedo possível.

Fred parou de pular e saiu de sua brincadeira, olhando Steve direto nos olhos.

–Por quê? Não gosta daqui?

Steve ficou surpreso, como sempre se surpreendia com as ações dos outros em relação ao que pensavam sobre ele.

–Muito pelo contrario. –Respondeu. –Adoro Colina Nevada! É como um lar para mim, ou melhor, é meu lar. E me importo muito com ela, e é por isso que tenho que deixá-la.

–O quê?!

–Fred, só saiba que tem muita coisa acontecendo comigo e preciso deixar a vila. Gosto muito daqui, só...

De repente Fred saiu correndo, e disse, virando-se:

–É o Roger!

Fred sumiu da vista de Steve, e ele pensou em ir atrás dele, mas alguém o segurou com força, puxando-o.

–Steve! Quem diria.

Steve se virou e deu de cara com Roger, o responsável pela tropa de Colina Nevada.

–Roger, quanto tempo. –Ele disse sem graça, nunca gostou muito dele.

–Não tente disfarçar. –Ele o censurou. –Nossos encontros nunca foram muito bons, mas nunca o esperaria saindo a noite com o pequeno Fred!

–Eu não estava...

–Não quero saber agora! –Ele gritou. –Tenho que ir atrás dele! Mas ainda quero o encontrar de novo, tenho muitas coisas para falar contigo.

Roger saiu correndo e virou na mesma direção que Fred. Steve aproveitou e logo voltou para a casa de Bruce.

Parando para pensar, ambos os encontros foram muito pequenos, até demais, entretanto, minutos mais tarde, já dentro de casa, enquanto ele refletia, chegou a uma conclusão sozinho: Não podia mais esperar, tinha de partir o mais cedo possível de Colina Nevada, e isso era quando amanhecesse.