Premonição: Brincando com Sangue escrita por Violet King


Capítulo 2
Noite do Baile


Notas iniciais do capítulo

Olá! Depois de quase um ano estou de volta. Quero pedir mil desculpas para quem estava acompanhando essa história, pois só pude retornar agora.
Durante o longo intervalo entre o capítulo um e dois muita coisa aconteceu. Perdi pessoas em todos o sentidos, tropecei nas cordas enroladas da vida... Uma série de fatores impediram que eu terminasse este capítulo, que já estava na metade. Mas todas experiências que me fizeram parar de escrever, serviram mais tarde de inspiração para que eu continuasse.
Então, espero que quem estava acompanhando "Premonição: Brincando com Sangue" volte acompanhar, e bem vindos, leitores novos! Acho que é isso. Ah, e boa leitura!



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Era 2h00 da manhã e faltava menos de 24h00 para o baile de primavera. Hector pilotava seu Impala 67 na companhia de Maia no banco do carona. Seus olhos eram mantidos fixos na estrada como uma águia concentrada em alcançar sua presa, e as mãos apertadas ao volante com firmeza. Tinha a sensação de estar no poder ao dirigir aquele carro (uma sensação tão prazerosa e parecida quanto transar com a mexicana). O automóvel era seu motivo de orgulho. Encontrou-o aos pedaços e o arrumou sozinho. Como era filho de mecânico e trabalhava na oficina do pai para bancar os luxos da namorada, aprendera desde cedo tudo sobre o tipo de veículo. Trocou, vendeu e até pegou algumas peças de graça no ferro-velho da cidade por ser um grande amigo do dono. “Nesse lugar, quanto mais contatos você tiver, mais favores lhe farão”, o conselho que seu pai havia dado na época em que era criança ecoou em sua mente. E o homem tinha razão, pois em poucos meses seu Impala corria pelas ruas de Myers chamando a atenção por onde passava, com a preta lataria reluzente e o potente rugido do motor intimidando todos.

Hector dirigia a caminho da escola enquanto ouvia rock no rádio e fumava um cigarro para relaxar. Apesar de se sentir no controle, estava um pouco apreensivo. Iria ajudar Maia a pregar uma peça em Madison, e se fossem pegos, tudo estaria arruinado. E isso lhe preocupava. Não poderia ser expulso quando faltava menos de um ano para se formar. Porém, ao mesmo tempo em que tal brincadeira parecia loucura, era genial e tentadora. Além do mais, faria qualquer coisa pela morena.

Chegando no estacionamento em frente o ginásio do colégio, parou o carro, desligando-o ao tirar a chave da ignição. Suspirou levemente e fitou Maia com um olhar de “Podemos ir?”, esperando o sinal dela para prosseguirem com o plano. A jovem assentiu e os dois saíram do veículo. O atleta abriu o porta-malas e pegou uma maleta de ferramentas que sempre levava caso houvesse uma emergência.

– Segure isto e isto aqui também – ele entregou a ela a caixa de utensílios e um longo pedaço de corda enrolada.

– Por acaso eu pareço ser sua empregada? – a latina perguntou emburrando a cara.

– Se quer que sigamos em frente com sua vingançinha, é melhor me ajudar – o rapaz a avisou apanhando um pé-de-cabra.

– Está bem – a garota bufou, observando o namorado retirar da traseira do automóvel um galão e despejar o fluido rubro em um balde vazio de metal.

O líquido no recipiente era ponche de frutas vermelhas batizado com álcool, acompanhado de rodelas de limão que boiavam na superfície. A mãe de Maia que tinha preparado, e a adolescente achou que a bebida combinaria com a ocasião em que pretendia jogar algo em cima de Madison assim que fosse coroada a rainha do baile. Pensou em usar sangue de porco como no filme Carrie, a estranha, contudo, descartou tal idéia por acreditar ser muito nojenta. Hector sugeriu que utilizassem tinta, no entanto, ela queria algo original.

Após encher o balde, o casal foi para trás do prédio, encontrando a porta dos fundos trancada, como esperavam. O zagueiro utilizou o pé-de-cabra para abri-la e em questão de minutos entraram no ginásio.

Estava escuro, um verdadeiro breu. Hector pegou um par de lanternas em sua maleta, acendendo uma e dando a outra para a mexicana. O lugar era grande e muito espaçoso, decorado com faixas, cartazes e diversos tipos de flores coloridas nas paredes. Perto da entrada, ao longe, havia dezenas de mesas enfeitadas, e mais á frente ficava a pista de dança, coberta por balões de cores quentes que flutuavam pelo piso de madeira. Exatamente no centro do salão, um globo espelhado pendia do teto, pronto para refletir as luzes disparadas em sua direção.

O local em que Maia se encontrava era o palco, que lhe dava uma ampla visão de todo o recinto. Então notou dois tronos diante de si e se sentou em um deles – precisamente, o destinado à Madison. Sentia-se confortável, no poder. Aproveitava cada segundo repousada ali, sabendo que era o máximo que poderia chegar a ser uma rainha, que seria a primeira e última vez a ocupar aquele assento.

– Hey! Pare de sonhar e venha segurar a escada para eu não cair – disse ele pegando o objeto detrás do palco para subir.

Enquanto a mexicana o auxiliava, Hector passava a corda por uma roldana e amarrava uma das pontas na alça do balde, pondo-o sobre uma viga de aço. Acidentalmente, esbarrou o cotovelo em um dos holofotes mal instalados que desparafusou-se um pouco sem ele perceber.

– Pronto – o atleta desceu e escondeu a corda atrás da cortina vermelha para que ninguém visse depois. – Agora só precisamos trocar as fichas de votos por falsificadas na noite do baile

– Não será necessário – Maia falou.

– Por quê?

– Porque tenho certeza de que a vadia oxigenada será coroada, afinal, ela é uma Abelha Rainha, não é?

* * *

Madison estava em seu quarto, diante do espelho admirando pela última vez o belo vestido cor-de-rosa em seu corpo antes de ir ao baile. Restava cerca de uma hora para o início do grande evento, e a qualquer momento Cory apareceria na porta de sua casa com o smoking de terno branco e calças pretas que ela mesma havia escolhido.

De repente, observando o próprio reflexo com mais atenção, notou o quanto ficava mais parecida com sua falecida mãe, Judith.

A loira perdera os pais em um terrível acidente de carro quando tinha quatorze anos de idade. Por sorte, não estava no veículo na noite da tragédia, pois decidira ficar em casa de deixar o casal aproveitar o jantar em comemoração ao décimo oitavo aniversário de casamento num restaurante francês chamado Miro81. Assim que voltavam do passeio, o automóvel perdeu o controle e invadiu o outro sentido da pista, batendo em um caminhão que transportava toras de madeira. Os dois morreram instantaneamente.

Logo, a líder de torcida se mudou para Myers após darem sua guarda para os tios maternos, Grace e Carl. Eles eram bastante amorosos e ficaram felizes em serem seus tutores – pois não podiam ter filhos. Parém, não era a mesma coisa.

– Querida, Cory está aqui embaixo! – a voz de tio Carl vinha do primeiro andar e chegava até seu quarto pela fresta da porta.

– Já vou! – Ela avisou, pegando a echarpe na cadeira e a enrolando ao redor de si. Rapidamente verificou em frente ao espelho se a maquiagem estava borrada ou cabelo bagunçado, e saiu.

– Olhem para a minha sobrinha – tia Grace comentava com Carl e Cory, os olhos cheios d’água, enquanto contemplavam Madison descendo a escada. – Parece uma princesa!

Aproximando-se dos três, abraçou os tutores e deu um leve beijo no quarterback.

– Estou bonita? – ela perguntou ao jogador de futebol, ajeitando sua gravata borboleta.

– Não – ele respondeu –, está maravilhosa. Falta apenas um detalhe. – E tirou o corsage (pequeno buquê de flores) da caixinha que carregava e botou no pulso dela. – Perfeito.

– Agora, antes de irem, vamos tirar uma foto – Grace disse entusiasmada, balançando a câmera digital em mãos. Cory pôs o braço envolto dos ombros de Madison, posicionando-se ao lado dela para a fotografia. – Digam “X”!

Clic.

* * *

Scott caminhava em direção à casa de Natalie, vestindo o antigo e desbotado terno cinza que pertencia ao seu pai na época em que era jovem. A roupa cheirava a mofo e ficava bem larga em seu copo, porém, não havia dinheiro para comprar um traje novo – e mesmo que tivesse, não gastaria com algo que usaria somente uma vez.

Agora, parado na varada da bruxa, apertou o botão da campainha e segundos depois o pai dela, Ryan, o atendeu. O homem compartilhava certas semelhanças com a filha. Um exemplo eram os grandes olhos e o fino nariz. Ele também estava de terno, pois, como professor, deveria comparecer ao baile.

Quando soube que a filha iria para o evento, Ryan ficou surpreso e ao mesmo tempo feliz em saber que ela estaria fazendo “uma coisa normal”. Achava Scott um bom menino e uma boa influência para Natalie. Não se importaria se os dois namorassem.

– Boa noite, senhor Grey – disse o nerd.

– Ah, que bom que você chegou. Entre, entre – Ryan falou, aparentando apreensão.

– Onde está Nat?

– Trancada no quarto dela. Não saiu até agora e nem me deixou vê-la. Você precisa tirá-la lá. Estou preocupado.

Scott subiu a escada de dois em dois degraus, virou o corredor à direita, fechou o punho e bateu na porta do dormitório de Natalie. Toc, toc, toc.

– Pai, eu já disse para me deixar sozinha – ela disse, encontrando-se sentada na beira da cama, com sua cobra de estimação, Ophelia, em volta de seus ombros.

– Sou eu, Scott. Posso entrar? – perguntou.

– Não, vá embora. Eu não vou mais ao baile.

– P-por quê?

– Por que foi um erro eu ter aceitado seu convite. Será que você não percebe que o baile foi feito apenas para os alunos populares? Nós nunca seremos como eles. Apenas seremos os únicos perdedores naquele lugar.

– Você tem razão. Nós nunca seremos como eles. Ainda bem, porque a única coisa que eu quero é aproveitar o nosso último ano do colégio e mostrar àqueles babacas que os perdedores também têm direito de se divertirem. Essa será nossa noite, e eu prometo que você não irá se arrepender.

– Promete? – a gótica perguntou depois um período em silêncio, hesitante.

– Palavra de escoteiro, mesmo eu nunca sendo um.

Natalie pôs Ophelia em seu aquário e abriu a porta, saindo com um vestido preto até os joelhos. O nerd ficou boquiaberto, porque para ele era inédito a amiga usar um vestido, e pela primeira vez, desfazer-se dos dreadlocks. Seus cabelos estavam lisos e negros feitos carvão, com uma franja caindo lateralmente para a esquerda. A garota calçava o velho par de all star por não ter saltos-altos ou sequer ter andado com eles uma vez.

– Estou ridícula.

– Tá de brincadeira, não é? Se isso é estar ridícula, não sei o que é estar bonita.

– Deixe de ser bobo – ela disse aos risos.

– Pronta para a noite mais inesquecível de nossas vidas?

– Sim!

– Podemos ir? – Ryan perguntou subindo a escadaria. Ele iria dar uma carona para os dois. – Não posso chegar atrasado.

– Claro, pai – ela falou. – O Scott também não pode.

– Minha nossa! – ele disse assim que viu a filha. – Querida você está...

– Isso mesmo, senhor Grey. Linda. Ah! Quase ia me esquecendo de dar isto para Natalie – o garoto tirou do bolso interno do paletó uma rosa para prender na alça do vestido dela. – Você disse que eram suas prediletas.

– Deixe que eu coloque – a adolescente pegou a flor e acabou espetando o dedo num espinho. – Ai!

– O que foi?

– Nada, só me furei – uma gota de sangue surgiu na ponta de seu indicador. – Vamos.

* * *

– Posso olhar? – Gwen perguntava de olhos fechados enquanto Maia retocava os últimos detalhes de sua maquiagem.

– Pronto – a morena girou a cadeira em que ela sentava de frente para o espelho da penteadeira.

Ao olhar o próprio reflexo, não conseguia se reconhecer. Estava tão diferente e deslumbrante com seus cabelos arrumados e o vestido dourado que ganhara de presente. Era como viver um conto de fadas dos livros que colecionava na estante de seu quarto e a latina fosse sua fada madrinha. Tinha até um par para o baile: Marc Osbourne. Ele era bonito e jogava no time de futebol da escola. Por ser amigo de Hector, a mexicana teve a idéia de chamá-lo para ir ao baile com a colega. Porém, antes a adolescente precisou se livrar da antiga parceira dele, empurrando-a da escada e fazendo-a quebrar a perna, tendo de ficar em repouso por semanas. Tudo foi feito para que parecesse um acidente.

– Sou uma moça bonita! – Gwen exclamou, levantando-se da cadeira e abraçando a latina.

– Sim, e agora que eu cumpri minha parte do trato, só falta você cumprir a sua – Maia a lembrou.

Ela já tinha lhe passado as ordens. Assim que Madison fosse nomeada rainha do baile, Gwen deveria ir para trás do palco, onde encontraria uma corda junto às cortinas.

A garota apenas precisava puxá-la e sair de lá o mais depressa possível. Maia não contara à Gwen o que aconteceria a seguir, quando fizesse o que tinha sido mandado. Ela não necessitava saber muita coisa.

A própria mexicana podia realizar tal ato, entretanto, se fosse pega, com certeza receberia uma grave punição. Além disso, gostaria de estar de frente para o palco, na plateia, para assistir a banho de ponche do melhor lugar. E se Gwen fosse pega, era certo de que sua punição – se ela ao menos ela tiver uma – seria leve por conta da necessidade especial que portava.

– Aconteça o que acontecer, não conte para ninguém que eu mandei você fazer isso – Maia a avisou, num tom intimidador.

Gwen assentiu com a cabeça, amedrontada.

De repente, ambas ouviram o som de uma buzina. A morena aproximou-se da janela. Afastando a cortina para o lado, visualizou uma limusine estacionando em frente à sua casa. A seguir, Hector e Marc saíram do veículo vestindo elegantes ternos. O moreno a avistou lá debaixo e ergueu a mão direita, dando um leve aceno para ela, que retribuiu com um largo sorriso.

– Os rapazes chegaram! – Maia comunicou a amiga, empolgada.

* * *

O ginásio do colégio Lee Ray estava extremamente agitado com o salão cheio de alunos dançando ao som alto das músicas tocadas pela banda de rock. Alguns adolescentes como Scott e Natalie ficavam ao fundo, sentados em uma mesa, observando os outros se remexerem.

– O que está achando da festa? – o nerd perguntou à amiga.

– Legal – foi a única palavra que encontrou para descrever o momento. – E, como ficaram as fotos que tirou? Posso ver?

Scott e Natalie foram os primeiros a chegarem, pois o comitê o designou para ficar na entrada e fotografar todos os casais que chegassem. Havia dezenas de pares, o que tornou um trabalho cansativo.

– Oh, claro – ele entregou a câmera à gótica.

– Nossa! Você é um ótimo fotógrafo e tem muito talento – ela se impressionava vendo as imagens passarem pelo visor da máquina cada vez que pressionava um dos botões.

– Obrigado, mas qualquer um conseguiria fazer isso.

– Aposto que não.

– E eu aposto que se eu te chamar pra dançar, você aceita.

– Nem morta eu vou lá na frente.

– Qual é! A canção que está tocando é a minha favorita!

– Por favor, não me obrigue a passar vergonha.

– Sei que todo esse lance de baile parece um pouco assustador, mas, como minha avó dizia: “A vida é um parque de diversões. Podemos optar entre a segurança do carrossel, ou os riscos que uma aventura na montanha-russa traz”. No entanto, é você quem escolhe qual brinquedo deve ir.

– Não tenho medo ir à montanha-russa se estiver junto comigo – Natalie segurou a mão do rapaz e os dois se dirigiram à pista de dança.

* * *

– Eu nem acredito que esse será último baile da gente. Em breve nossas vidas mudarão completamente. – Cory falou para Madison, os dois sentados em uma mesa próxima da pista. De repente, a loira e o namorado notaram a enorme faixa acima dos estudantes escrito “180° baile de primavera da Charles Lee Ray School”. – Caramba, a escola tem mais de cem anos! Daqui a pouco esse lugar cai aos pedaços.

Ela não sabia o porquê, mas havia alguma coisa errada – alguma coisa que fez sua espinha gelar ao ouvir a música que tocava:

The men cry out

The girls cry out

The men cry out

The girls cry ou

The men cry out

Oh no

Off with your head

Dance until you dead

Heads will roll

Heads will roll

Heads will roll

On the floor

Looking glass

Take the past

Shut your eyes

You realize

Inesperadamente, seu copo fora derrubado por uma rajada de vento, derramando o ponche de frutas vermelhas sobre um pequeno papel (a ficha de votos com a lista de candidatos a rei e rainha, contendo quadradinhos ao lado de cada par para marcar um X). O nome de Cory e Madison estava manchado pelo líquido rubro. A bebida, a canção, a faixa... Havia algo que conectava aquelas coisas e arrepiava Madison. Ela só não tinha ideia do quê.

– Mad, você está bem? – o jogador de futebol questionou sua expressão indecifrável.

– Sim – existia certa duvida em sua voz. – Vamos dançar – o puxou pelo braço, de repente, arrastando-o para o centro do salão numa tentativa de se distrair.

* * *

Daqui á pouco acontecerá a coroação, Maia pensou, olhando para o relógio de ponteiro na parede.

– Rapazes – falou para Hector e Marc, levantando-se da cadeira –, vocês poderiam nos dar licença por um minutinho? Assunto de meninas...

– Claro – os dois assentiram e a mexicana desapareceu na multidão levando Gwen consigo.

– Por que a pressa? – Gwen questionou a latina , sendo conduzida pela mesma, que agarrava seu pulso com firmeza.

– Está quase na hora! – a morena disse no instante em que deu de cara com Ryan e Elle.

– Está quase na hora de quê? – a treinadora perguntou.

– N-não é da sua conta – a aluna rebateu, se esforçando em não evidenciar o nervosismo. Seu coração batia furiosamente.

A professora estava prestes a respondê-la, entretanto, ficou pasma ao notar quem estava escondida atrás da morena.

– Gwen! Oh, meu Deus, você veio ao baile e está tão bela!

– Foi a Maia – falou, revelando-se. – Ela que me transformou em uma menina bonita.

A ideia de Maia ajudando alguém soava como uma piada. A adolescente não faria nada de graça. Elle sabia que existia alguma coisa por trás disso.

– O que está tramando, hein? – perguntou para Maia. – Eu sabia que você era baixa, mas não a ponto de usar uma menina inocente para qualquer que seja seu plano.

– Eu não sei o que você quer dizer. Embora, sei que se separou de sua esposa está passando por uma fase difícil, pegando garotas menores de idade. – Os olhos arregalados de Elle diziam: “Como você sabe que estou divorciada?”. – Surpresa? Não é legal cuidar da vida do outro, não é? Agora, se me dão licença, tenho um baile para aproveitar. – E se distanciou com Gwen, passando por entre os dois.

– Você acha que ela está bolando algo? – Ryan perguntou para a treinadora, girando a cabeça para um lado e para o outro, procurando ao redor alguma coisa suspeita, fora do comum.

– Sim, só não sei o quê – Elle disse. – Algum palpite? – Ryan não respondeu. Parecia hipnotizado com algo. Seu rosto havia perdido a cor, estava pálido. Elle seguiu seu olhar até um ponto do palco, precisamente, onde ficava a cadeira designada à rainha do baile. Não havia ninguém lá, ou pelo menos ela não conseguia ver. Só que ele conseguia. Lily, sua filha morta, estava lá, parada de pé. A figura dela era quase transparente. Seu corpo piscava ameaçando desaparecer, cheio de chuviscos, como a tela de uma TV antiga com o sinal fraco. Os olhos da garota eram completamente negros. – Ryan, você está bem? – a treinadora tocou o ombro dele, que no mesmo instante o fez estremecer e tornar a dar atenção para ela. – O que você viu?

– Nada, eu acho – disse ele. E assim que voltou a olhar para o palco, Lily já tinha ido embora.

* * *

– Fique aqui e espere Madison ser coroada, entendeu? – Maia ordenou a Gwen quando chegaram atrás do palco.

– Entendi.

– Vou estar lá na frente. Encontre-me assim que terminar. Ah, e caia fora o mais rápido o possível – a morena a avisou, se distanciando.

Em seguida, o diretor do colégio com um microfone em mãos anunciou a coroação.

– Rufem os tambores, pois chegou o grande momento da noite! Os votos para Rei e Rainha do baile já foram contados e os vencedores são... – Gwen agarrou uma ponta da corda, prestes a desamarrá-la, entretanto, viu onde a outra iria parar. Em um balde. – Cory Evans e Madison Carter!

A plateia estava de pé os aplaudindo cada vez mais. A líder de torcida não conseguia acreditar. Seu sonho tinha se tornado realidade. Sentia o coração palpitar freneticamente e um incontrolável frio na barriga. Virou-se para o namorado, que sorriu e pegou sua mão. Como retribuição, deu um sorriso torto de nervosismo. Ela tinha chegado ao ápice da popularidade. Se estivessem vivos, mamãe e papai teriam tanto orgulho de mim.

O casal levantou e caminhou de braços dados em meio à multidão ao som do hino da escola tocado improvisadamente pela banda numa versão rock. Madison e Cory subiram o palco e foram recepcionados por dois alunos carregando almofadas com um cetro e uma coroa. Após receberem os objetos, a loira ainda ganhou um buquê de rosas brancas.

Gwen, escondida em uma cortina logo atrás deles, pensava seriamente se deveria puxar aquela corda. Não sabia o que continha no recipiente metálico e o que aconteceria se fizesse o que foi mandado. Não queria ser a culpada se alguma coisa acontecesse com Madison. No entanto, ao mesmo tempo, não queria deixar Maia brava.

Mas antes que se decidisse, aconteceu algo. E nessa hora, só lhe restou escapulir dali.

Na viga de aço acima dos coroados, onde o balde se encontrava, havia um holofote mal instalado. O mesmo holofote em que Hector esbarrou e desparafusou acidentalmente quando montou a armadilha.

O peso do projetor de luz era demais para os pequenos parafusos suportarem. O objeto metálico se soltou da viga de aço que era preso e acertou em cheio a cabeça de Cory. A banda parou de tocar, as palmas cessaram e o silêncio predominou o local. Parte do crânio dele foi esmagado, desligando imediatamente o cérebro e fazendo com que não sentisse nada. A última coisa que vira fora os rostos assustados da platéia, sem entender o motivo. De repente, ouviu gritos antes de tudo escurecer como num blackout. No momento em que seu corpo desabou no chão, o quarterback já havia falecido. O rapaz não teve nem tempo de fechar os olhos. Encarava o público com uma congelada expressão confusa e um olhar sem vida.

Madison, acenando ao lado dele, apenas sentiu o rosto ser borrifado por um líquido rubro. Em seguida, percebeu que sua mão esquerda estava livre. Cory já não a segurava mais. Ao olhar para a esquerda, no intuito de descobrir o motivo do namorado tê-la soltado, a loira o viu caído com uma poça de sangue se formando ao redor de sua cabeça. Ela gostaria ter gritado, mas não conseguia emitir sequer um ruído. Gostaria de ter ajudá-lo de alguma forma, de ter conseguido pelo menos mover-se, entretanto, estava petrificada, em estado de choque.

Maia e Hector, próximos dali, se entreolharam como se quisessem dizer um para o outro “Merda! Nosso plano deu errado”.

– Vamos embora daqui – ela agarrou o braço musculoso dele, puxando-o. No entanto, ele permaneceu imóvel, intrigado com o que aconteceria dali em diante.

De repente, o refletor que matou Cory começou a cuspir faíscas que entraram em contato com a cortina do palco. Em poucos segundos, o tecido foi sendo devorado pelo fogo até que o local inteiro estivesse em chamas. Os alunos correram para a saída, desesperados, quando as portas escancaradas foram fechadas por uma força invisível e trancadas.

Maia e Hector deram as mãos e se deslocaram com a multidão, até que ela tropeçou no próprio vestido, indo para o chão e levando o namorando consigo. Os dois caíram de bruços e antes que pensassem em se levantar, sentiram dezenas de alunos passando por cima deles.

Ninguém iria ajudá-los. Todos estavam tão preocupados em salvar suas vidas, que nem se importavam em pisoteá-los. Naquele momento, um dos casais mais populares do colégio não significava nada.

Hector reuniu todas as forças que restaram para se virar. Quando conseguiu tal feito, uma garota em pânico veio em sua direção. O rapaz só teve tempo de gritar e ser silenciado logo em seguida, no instante que ela atravessou por seu corpo e pisou em seu olho esquerdo com o salto alto. O calçado pontiagudo perfurou o globo ocular, fazendo parecer que Hector estivesse chorando sangue.

Maia soube que o parceiro falecera no minuto em que não apertava mais sua mão. Ela soltou um berro ao ver o homem que amava morrer diante de si. Aquilo doía mais do que ser pisoteada. Aos prantos, com sangue correndo pelos cantos da boca, arrastou-se para o centro do salão, sabendo que não suportaria ficar de pé, pois suas pernas feridas falhariam. Assim que parou, girou o corpo, as costas machucadas pressionadas contra o piso de madeira. Deixou escapar um gemido de dor.

A morena ofegava, fitando admirada, o globo espelhado pendido no teto, acima dela. Subitamente, o objeto despencou em sua direção. Maia sabia que, sem energias, não conseguiria se desviar. Então, apenas ficou ali, deitada, esperando por seu destino. A esfera brilhante atingiu sua face, espatifando-se em vários fragmentos. Agora, o belo rosto que tanto conservara, estava desfigurado, com diversos pedaços de vidro cravados nele. Porém, o maior caco encontrava-se fincado no pescoço, local em que uma absurda quantidade de sangue escorria.

Era seu fim. Estava ciente disso. Maia levou a mão direita até o estilhaço preso na garganta e o puxou sem hesitar, acabando de vez com seu sofrimento. Mais e mais sangue derramava. A única coisa que lhe restou fazer foi fechar os olhos e mergulhar na imensa escuridão da morte.

* * *

– Não há como sair pela porta dianteira – Elle avisou Ryan, vendo os alunos, sem sucesso, esforçando-se em escapar por ali. – Temos que checar a dos fundos.

– Primeiro preciso achar Natalie – disse ele. – Não posso perder mais uma filha... Vamos!

– Espere – a professora falou, avistando Gwen sozinha no meio dos destroços e das chamas. Ela mantinha-se inerte, os braços cruzados e um olhar assustado, como se tivesse pedindo socorro. A garota parecia desnorteada, sem saber para onde ir. – É a Gwen. Preciso fazer algo por ela pelo menos essa vez. Pode ir. Eu te encontro lá.

– Certo – Ryan concordou com um aceno de cabeça e continuou seu percurso.

Talvez eu não possa salvar todos esses estudantes, mas posso tentar salvar um deles. E eu escolho você, Gwen, a professora pensou, cruzando o ginásio o mais depressa possível.

– Gwen! – Elle envolveu os braços ao redor da adolescente quando finalmente se aproximou dela. – Você está bem?

– Treinadora? – A menina perguntou surpresa com a aparição da mulher para lhe ajudar naquela situação.

– É, sou eu! – Ela respondeu arquejando. Estava cada vez mais difícil respirar com a fumaça produzida pelo fogo. – Olhe, sinto muito em ter arruinado seu sonho de se tornar uma líder de torcida. Porém, quero me redimir com você. Por isso, eu prometo te tirar daqui, ok?

– Ok. – A menina assentiu.

– Vamos logo – Elle agarrou o pulso de Gwen e ambas correram em direção à porta dos fundos.

Entretanto, antes de chegarem à metade do caminho, pararam ao ouvir um estrondo. Assim que olharam para o alto, viram parte do teto se desprender e cair em cima delas. Não houve tempo de empurrar Gwen para longe dali. Logo, o último pensamento de Elle fora: Me desculpe, eu falhei. Então, o enorme pedaço de concreto esmagou as duas, reduzindo-as em apenas uma massa vermelha de membros e órgãos internos.

* * *

– Pai! – Natalie disse assim que ela e Scott o encontraram.

– Querida, você está bem? – Ryan perguntou, aproximando-se dos dois e abraçando a filha fortemente.

– Sim, eu estava com Scott.

– Obrigado por cuidar dela – o professor agradeceu o nerd.

– Não foi nada – ele disse. – Mas agora temos que cair fora. Esse lugar vai desabar. Vimos a professora Elle e Gwen serem esmagadas. Eu sinto muito. Sei que você e ela eram amigos.

– É... eu... eu também as vi – Ryan falou, meio abalado com o ocorrido. Subitamente, sua voz embargada, como a de alguém a ponto de chorar, mudou para um tom frio, ríspido, no instante em que olhou para Natalie e lembrou que era prioridade salvá-la (nem que isto custasse sua vida própria vida). – Mas não podemos ficar parados aqui, lamentando por elas. Elle me falou que talvez dê para sair pela porta dos fundos.

De repente, os sprinklers de incêndio foram acionados.

Ensopados, os três correram até o palco, que dava acesso à porta dos fundos. Scott foi o primeiro a alcançar o local quando Natalie, na metade do caminho com Ryan, escorregou por causa do piso coberto de água e caiu, torcendo o tornozelo. O homem ajudou a bruxa a se erguer, permitindo que ela se apoiasse nele enquanto mancava em direção aonde o nerd se encontrava. Cada passo para a adolescente era uma dor cruciante.

– Andem rápido! – Scott gritou para os dois, apontando para alguma coisa no alto atrás deles.

Ambos se viraram e viram o placar eletrônico de basquete na parede se desgrudando. Ryan, sabendo o que sucederia, apressou-se e levou a gótica no colo.

– Pai...

– Calma, querida – disse ele ofegante, quase não aguentado carregá-la. – Nós vamos conseguir. Estamos quase lá.

Natalie e o pai estavam a um metro do palco no instante em que o placar desprendeu-se totalmente e atingiu o chão molhado. Descargas elétricas do objeto percorreram a água e todos que entraram em contanto com ela receberam choques de alta voltagem.

Scott, ajoelhado em um lugar seguro, testemunhava a melhor amiga, o professor e todos os outros estremecerem, mexendo seus corpos involuntariamente de modo espasmódico por alguns segundos até desmoronarem sem vida.

Os únicos que restaram foram ele e Madison.

Somente agora ele havia notado a presença dela, que ainda permanecia imóvel, exatamente no mesmo lugar desde que aquele desastre começou. Ela estava em estado de choque, os olhos arregalados fitando o nada, como se sua consciência tivesse sido transportada para outro lugar. Aos prantos, Scott levantou e chegou perto da loira, agarrando-a pelos ombros e sacudindo para acordá-la de seu transe.

– Estão todos mortos – a líder de torcida sussurrou, mostrando o quão estava ciente do ocorrido.

Ele olhou para o cadáver de Cory, próximo deles. Em seguida, girou a cabeça para os de Natalie e Ryan. Eu não fiz nada. Apenas fiquei parado assistindo a morte de Nat. Não posso assistir à de Madison também.

– Não – disse o nerd pegando o pulso da jovem. – Nós estamos vivos. E eu não vou deixar você morrer. Talvez haja como escapar pela porta dos fundos.

Apesar dos sprinklers terem sido ativados, ainda havia fogo, principalmente atrás do palco. Aos poucos, a corda que segurava o balde de ponche acima de Madison, foi sendo queimada até se partir e soltar o objeto. Scott olhou para cima e instintivamente afastou a loira, empurrando-a. Ela caiu sentada e o observou, sem poder fazer nada, ser molhado pelo líquido.

A bebida batizada com álcool pingava de seu corpo e deslizava pelo piso em direção à cortina em chamas. No instante que os dois se deram conta o que ocorreria a seguir, era tarde demais. O fogo entrou em contato com o ponche e percorreu o caminho até Scott, o transformando em uma tocha humana. O rapaz se debatia aos berros, lutando para livra-se das chamas que o consumia. Sentia seu cabelo cair e bolhas se formarem em sua pele que ardia intensamente. Quando pisou em falso e caiu do palco, já havia falecido no momento que atingiu o chão.

Agora, a única coisa Madison podia fazer era se salvar. Lembrou-se das últimas palavras que o nerd lhe dissera e levantou, correndo para os fundos. Assim que alcançou a porta, notou que havia sinais de arrombamento. Com apenas um pequeno empurrão ela se abriu. A líder de torcida saiu cambaleando, dando meia volta ao redor de prédio enquanto pedia socorro. Chegando à avenida principal, atravessou a rua e ficou de frente para a fachada do ginásio. E no instante seguinte, levou a mão até a boca ao ver toda a estrutura do lugar cair, assim como suas lágrimas. Cinzas, escombros e fumaça foram o que restou.

A loira ouviu o som de sirenes. Ambulâncias, o corpo de bombeiros e a polícia deveriam estar a caminho. Mas ela não esperaria acordada. Sua visão começou a escurecer e suas pernas a fraquejar. Então, como se estivesse sendo puxada para baixo, desabou sobre calçada fria, inconsciente.


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Notas finais do capítulo

Se você estava acompanhando a história ou está começando a ler agora, deixe um comentário mostrando que você gostou e quer que ela continue. E caso vocês queiram, prometo que o próximo capítulo sairá o mais rápido possível.

Obs: Ficarei muito grata aos leitores fantasmas que comentarem.



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