Premonição: Brincando com Sangue escrita por Violet King


Capítulo 1
Abelha Rainha


Notas iniciais do capítulo

Olá! Sou meio nova por aqui e essa é minha primeira fic, então, por favor, sejam bonzinhos comigo, rs. Esse será um capítulo teste, que significa que se gostarem, é só comentar que eu continuo. Por enquanto não acontecerá o acidente, apenas a apresentação dos personagens. E se houver algum erro, me falem que eu arrumo, pois não tive tempo de revisar :)



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Era uma tarde quente. O céu estava limpo, sem nenhuma nuvem. E no meio daquela imensidão azul, o sol brilhava, emitindo raios de luz sobre o campo de futebol da escola Charles Lee Ray, onde as garotas do time de líderes de torcida treinavam. Suas camisas regatas estavam quase transparentes de suor, e os shorts vermelhos eram relativamente curtos para que suas pernas torneadas pudessem ter fácil movimento. Todas estavam cansadas. Algumas apoiavam os braços nos joelhos enquanto ofegavam, empinando seus traseiros assassinos. Outras jogavam água de suas garrafinhas em si mesmas para refrescarem-se. Uma cena sexy, que deixaria qualquer garoto excitado.

– Vamos lá, meninas! – A treinadora Elle apressou-as batendo palmas. Em seguida, pegou o apito prateado amarrado em seu pescoço e o soprou. – Chega de descansar!

Elle era uma mulher durona de 37 anos, difícil de sorrir. Possuía o rosto fino, olhos cor de mel por trás de seus óculos escuros de aviador e cabelos castanhos presos num rabo de cavalo. Vestia uma camisa azul clara com símbolo da escola do lado esquerdo do peito e um short branco. Era magra, mas com um corpo malhado.

Madison Carter ainda estava sentada na grama, com os joelhos dobrados e os braços ao redor das pernas. Pensava em Cory, seu namorado e quarterback do time de futebol do colégio. Os dois estavam juntos há quase três anos e formavam o casal mais popular da Lee Ray School, sendo eleitos pelos próprios alunos. Ela tinha certeza de que o amava e que ele sentia o mesmo. E apesar de não ser muito inteligente e só ter amadurecido fisicamente, parecendo às vezes um garotinho que só quer colo quando está triste, Cory era um cavalheiro e a tratava como uma rainha com seu único e romântico (talvez até infantil) jeito de ser. Madison era virgem e sabia que queria que sua primeira vez fosse com ele. No entanto, não estava pronta, mesmo os dois combinando que fariam após o baile de primavera, que aconteceria daqui a alguns dias.

O rapaz havia lhe contado que nunca tinha transado, mas no fundo ela sabia que não era verdade. E para piorar, ficava deslocada quando as meninas do time de torcida conversavam sobre sexo, sendo obrigada mentir em relação à sua virgindade para não se sentir ainda mais pressionada. Em nenhum momento Cory a forçara a fazer qualquer coisa, nem mesmo o acordo do baile. Na verdade, foi ela quem tomou a decisão por se achar insegura demais. O quarterbeck disse para não se precipitar, que era paciente e poderia esperar o quanto ela quisesse. Então a líder de torcida o beijou profundamente como um sinal de que não podia mais esperar. Só que hoje, percebera o quanto estava errada.

Ao ouvir o apito soar pela segunda vez, Madison despertou de seus devaneios e ficou em pé de imediato. Olhou para o próprio corpo e fez uma cara de nojo ao sentir a roupa ensopada de suor grudando em sua pele, além do odor de transpiração. Preciso de um banho urgentemente, pensou. Meu cabelo deve estar horrível...

A adolescente era bastante vaidosa, mas não tanto quanto as de seu grupo social, pois sabia que era naturalmente bela e não precisava de muito esforço para ter uma boa aparência. Tinha longos e volumosos cabelos loiros, e a sobrancelha mais escura e fina. Seus olhos eram azuis celestes e o nariz reto. A boca, que chamava mais a atenção, era rosada e carnuda. Também não tinha o que reclamar de seu corpo cheio de curvas, que provavelmente fora um presente genético de sua mãe.

– Certo, quero que façam uma pirâmide – disse Elle.

– Eu fico no topo – Maia Rodriguez ofereceu-se levantando a mão direita.

Maia era descendente de Mexicanos. Possuía cabelos negros e cacheados, e grandes olhos escuros como azeitonas. O nariz era pontudo e a boca larga e vermelha. Quando sorria, exibia seus dentes perfeitamente brancos e alinhados. A morena era fogosa por natureza. Insinuava-se no modo em que se vestia, andava e falava. Uma sedutora por instinto. Uma fêmea fatal.

– Desculpe – Madison entrou na conversa –, mas nós decidimos que eu ficaria.

– Sou mais leve que você. Não haverá dificuldade em me sustentar.

– O que você está querendo dizer?

– Estou querendo dizer que eu não tenho problemas com meu peso.

– Está me chamando de gorda?

– Não tenho culpa se você come feito uma porca.

– E eu não tenho culpa se você me odeia por não ter se tornado a capitã do time de torcida.

– Cala a boca! – A latina empurrou a loira, fazendo-a cair sentada. Avançou, prestes a agredi-la, quando a treinadora pôs-se entre as duas.

– Acabou o show! – o circulo de garotas que observavam, formado ao redor delas, foi desmanchado – Maia, para o vestiário. E Madison, topo da pirâmide.

– O quê?! – A morena exclamou – Isso não é justo! Ela consegue tudo o que quer só porque é a capitã e a sua queridinha!

– Para o vestiário agora, ou...

– Eu sei que você sente atração por garotas como a Madison – A Mexicana aproximou-se de Elle, num tom de voz mais baixo e sedutor, agora sussurrando em seu ouvido. – Tem fantasias sexuais comigo, também? – deu uma risadinha e botou a mão direita na cintura da mulher. Ela está gostando, tenho certeza. – Que desejos eu terei de realizar para ser a capitã?

– Já chega! – A professora apertou o pulso da jovem e largou ao se afastar, ofegante. – Está fora do time!

– Pobre treinadora Elle – Maia se distanciava cada vez mais ao mesmo tempo em que falava seu sarcástico discurso. – Deve ser muito difícil controlar seus impulsos lésbicos com moças de 17 anos, não é? Só de imaginar que poderia ser presa por ter um caso com uma menor de idade me deixa muito triste. E Madison Carter, a virgenzinha do grupo. O quão duro é namorar um cara que nem quer fazer sexo com você?

A expressão de pavor sobre as faces das duas mencionadas era evidente, sendo alvos de olhares das outras garotas. Assim que a latina sumiu de sua vista, Elle levou alguns segundos para se recompor e retomar o treino.

– V-vamos lá – pegou o apito com a mão tremula e o levou até a boca, soprando-o. – Terminou a moleza!

Maia e Madison eram melhores amigas assim que a loira se mudara para a cidade de Myers há cerca de três anos. A duas eram muito próximas e contavam seus segredos íntimos uma para a outra. Contudo, há quase um ano, as coisas mudaram quando, aos poucos, Madison começou a ser notada e ganhar visibilidade até tomar o lugar de garota mais popular da escola Lee Ray, que antes era de sua amiga. Todos diziam que ela era mais bonita, simpática e talentosa que Maia, gerando o ódio da mesma.

– Como aquela vadia pôde fazer isso comigo? – a morena perguntava a Hector, seu namorado e zagueiro do time de futebol, depois de transarem no banco de trás do carro dele. – Eu a fiz ser o que ela é hoje! Antes de me conhecer, Madison não era nada. Mas ela não vai sair impune dessa...

* * *

Enquanto as garotas formavam uma pirâmide, Scott Hill as observava, sentado em um dos bancos, sozinho. Não havia ninguém ali, na arquibancada, além dele. Scott era um garoto pálido, alto e magrelo, de cabelos cor de areia e olhos castanhos. Apesar de algumas marcas de espinhas no rosto, tinha um semblante agradável, exceto pelos enormes óculos que o desfavorecia. Suas orelhas eram pequenas e o nariz também. A boca era fina e rosada.

O rapaz era o tipo de adolescente rotulado por outros como “Nerd”. Estava acostumado a ser chamado assim, e tinha orgulho de ser um – só gostaria de não ser empurrado contra os armários pelos atletas. Não queria ser popular ou ter muitos “amigos”, pois sabia que aquele mundo era como o de um jogo de videogame, artificial, uma fase prestes a ser deixada para trás. Faltavam apenas alguns meses para a formatura. Contava os dias pra concluir o colegial, ir embora da selva onde os mais fortes sobrevivem. Scott não era forte, mas aprendera a continuar vivo. E em breve estaria longe enquanto os Jogadores de Futebol teriam que largar os estudos para sustentar suas namoradas grávidas.

– Posso me sentar? – Natalie apareceu sem ele perceber. Então o nerd colocou a mochila em seu colo para dar lugar a ela e ficarem lado a lado.

Natalie era uma jovem gótica taxada como “Bizarra”. Usava dreads amarrados para trás e roupas de cores escuras. Tinha a pele branca feita porcelana, grandes olhos verdes de coruja e piercings na língua, sobrancelha, septo e pequenos alargadores em cada orelha. Seu nariz era comum, com sardas, e a boca, delicada. Não se preocupava muito com a aparência, somente pintava as unhas de preto, passava um batom vermelho sangue e lápis nos olhos para dar mais destaque. Utilizava também alguns acessórios do tipo pulseiras e cordões com pentagramas e cruzes egípcias.

Ela era uma garota sem muitos amigos, acostumada com olhares de repreensão e julgamentos por seu estilo de vida, principalmente por sua religião. Natalie era Wicca, uma espécie de bruxa que acreditava no sobrenatural, no poder da natureza e em seus Deuses: a Mãe Tríplice e o Deus Cornífero. Houve alguns casos de pessoas terem a encontrado na floresta fazendo rituais de magia, espalhando boatos de ser satanista. Contudo, a adolescente não era. Natalie não acreditava em Satanás, e seus feitiços eram usados para cura, proteção e afastar negatividade. Entretanto, nunca se esforçou em desmentir tais rumores. A última coisa que estava preocupada era se importar com o que pensavam sobre ela. Às vezes, até se divertia com isso.

Scott e Natalie eram melhores amigos desde o começo do colegial. Na hora do almoço ele fazia sua refeição sozinho em uma mesa vazia enquanto ela o observava do outro lado do refeitório, fingido estar lendo seu livro de bruxaria. Alguma coisa naquele garoto chamava sua atenção, dizendo para ir até ele e se apresentar. Grata por não ser tímida, sentou de frente para o rapaz, ergueu o braço e o cumprimentou com um “Oi, sou Natalie. Você deve ser Scott, certo?”. E foi assim que uma esquisita amizade se iniciou: dois rejeitados que resolveram ser rejeitados juntos.

A princípio, Scott teve certo receio de andar com ela, mas ao conhecê-la a fundo, percebeu o quanto era a menina mais legal que já vira. E a cada dia que o conhecia mais, Natalie ficava feliz por ter saído de seu mundo de escuridão e ido para o dele. Apesar disso, com o passar do tempo, seus sentimentos tornaram-se confusos em relação ao nerd. Não gostava dele apenas como um amigo, gostava dele com mais intensidade. “Droga, estou apaixonada por Scott!”, deduziu por fim, há alguns meses atrás. “Ele não pode saber disso. Eu estragaria tudo. Além do mais, ele gosta da Madison, e eu nunca serei igual a ela...”.

– O que está fazendo? – indagou a gótica.

– Vendo a Madison – respondeu ele.

Scott nunca se interessou por líderes de torcida, mas a loira era uma exceção. Lembrava como se fosse ontem a primeira vez que a vira andando graciosamente pelos corredores, abraçada à seus livros, parecendo estar perdida, querendo se encontrar. Os cabelos cobrindo parte do rosto o olhar tímido pareciam torná-la invisível diante dos outros, mas não para ele. Talvez tivesse sido o único que a percebera antes de se tornar popular. Alguém que gostava dela do jeito que era.

– O que você vê nela? – Natalie perguntou. – Não consigo entender os homens.

– Ela é diferente das outras garotas – explicou ele.

– Mas é claro que sim, afinal uma Abelha Rainha precisa ser melhor que as outras se quiser continuar ocupando seu trono.

– Não, ela é como nós, só que se encaixar. Ser notada. Ser alguém. Ser normal...

– Pessoas normais são estranhas. E acredite, ela não é como nós, e nós nunca seremos da “Realeza” como ela – a bruxa disse rispidamente.

Natalie não queria ser grosseira com o garoto, no entanto, não havia outra forma de mostrar que Madison e ele eram de planetas diferentes. Tinha medo do amigo se machucar por uma ilusão.

– Tem razão – o rapaz concordou. – Que chances eu teria com a menina mais popular da escola? Olhe pra mim, sou fracassado.

– Scott, eu...

– Esqueça – impediu-a de concertar-se em suas palavras e mudou de assunto. – Bem, o que faz aqui?

– Baixei um filme pra gente assistir – ela abriu a bolsa e tirou uma capa de CD transparente com um disco dentro. – Parecer ser legal.

Apesar de suas diferenças, os dois tinham algo em comum: Eram fãs de filmes de terror, principalmente os mais antigos, dos quais chamavam de “Clássicos”. Scott adorava zumbis e por isso, seu filme favorito era “O Dia dos Mortos” de George Romero. Natalie era muito ligada á assuntos de religião e “O exorcista” a fascinava.

Sempre que um deles descobria um filme que ambos não haviam assistido, contava para o outro e entravam num acordo para saber em que casa iriam assistir – a última vez fora na do nerd. Em suas conversas, introduziam diálogos de longas metragens do gênero que se encaixavam perfeitamente nos momentos oportunos, sendo algo divertido e engraçado para eles, como uma brincadeira ou uma piada que somente o casal entendia.

– Desculpe, mas não estou muito afim – disse ele. – Além disso, eu fui encarregado de tirar as fotos do baile de primavera, então estarei meio ocupado com os preparativos.

– Você vai ao baile?! – a gótica perguntou incrédula.

– Bem, como o comitê não achou ninguém com experiência em fotografia a não ser eu, terei de ir. Até perguntei o porquê de não contratarem um fotografo profissional, mas me responderam que não tinham dinheiro, pois gastaram tudo com a decoração.

– Se você vai ao baile, o que eu vou fazer sozinha na sexta-feira à noite?

– Ir junto comigo – Scott respondeu.

– Você só pode estar brincando, não é? Odeio esses eventos que só servem para descobrir o casal mais plástico e falso do colégio.

– Qual é, vai ser legal! Estamos no último ano e temos que aproveitar. Você não gostaria de fazer algo diferente, que te marcasse, pelo menos uma vez na vida?

Em silêncio, pensou durante alguns segundos e percebeu que aquela poderia ser sua chance de se notada por Scott, o fazer vê-la com outros olhos, despertar algo nele.

– Tudo bem, tudo bem... Eu vou com você.

– Esse é o espírito de primavera! – o garoto a abraçou tentando animá-la. – Eu já te falei que você é a melhor amiga que eu poderia ter?

Amiga. Como uma palavra pode doer tanto? Natalie sentia uma ferida se abrir em seu peito quando ouvia isso dele.

Já falou, sim – ela forçou um sorriso para não transparecer seus verdadeiros sentimentos. – Agora vamos para a aula de química antes que cheguemos atrasados.

* * *

Ryan Grey caminhava por um bosque – não sabia como chegara ali, mas sabia que queria ir embora. Estava frio, parecia ser outono, pois os galhos das árvores estavam nus, e as folhas secas que deveriam enfeitá-los, cobriam o chão com vários tons de marrom. Não pode ser outono, estamos na primavera, pensou.

Caminhara por quase dez minutos e não achara nenhuma saída. Parecia que a floresta não tinha fim. Não havia ninguém que pudesse lhe orientar. Nem sequer achara um animal – apenas ouvia o som de corvos grasnando, no entanto, nenhum sinal dos pássaros.

– Papai, me ajude, por favor... – o homem escutou a familiar voz de uma menina ecoar entre as árvores. Era sua filha.

–Lily! – chamou por seu nome. Nenhuma resposta.

Então começou a correr em direção de onde vinham os murmúrios que cessaram. Agora, as únicas coisas audíveis no meio daquela mata era sua respiração densa e o estalo dos gravetos quebrando sob seus pés.

– Pai...

– Estou indo, querida!

Ryan atravessou alguns arbustos e avistou a moça de costas, no meio de uma estrada. À frente dela, um cemitério com portões baixos de grades entreabertos. Lily virou-se para ele, que viu a imagem de uma pálida garota de 16 anos usando um vestido branco de ombros bufantes e saia até a canela. Seus cabelos eram longos e castanhos, quase loiros. Tinha olhos verdes, nariz pequeno e lábios roxos, cheios de rachaduras. A pele estava mais clara do que o normal, e o pescoço chamava a atenção pelas veias azuladas.

Você está diferente... – o homem disse baixinho, duvidando, a distância que estavam um do outro, que a jovem o ouvisse.

Logo, percebeu que ela estava descalça e carregava uma argola com chaves na mão direita. A adolescente levantou o braço esquerdo, esticando-o para ele como se estivesse tentando alcançá-lo. Ryan fez o mesmo gesto, tendo a impressão de que a loira queria lhe dizer algo. Assim que a menina abriu a boca para falar, uma enxurrada de terra foi vomitada, caindo sobre seus pés.

Antes que pudesse aproximar-se dela, dando dois passos, viu um carro em alta velocidade a atingir, passando diante de seus olhos feito um borrão. O alto barulho do impacto do corpo contra a lataria fora demais para seus ouvidos suportarem. O motorista não desceu do automóvel, desaparecera no horizonte. A garota, que havia sido arremessada a metros, sumira, deixando apenas uma poça de sangue no acostamento. Desesperado, se virou para o caminho da floresta no intuito de buscar socorro, porém, deu de cara com Lily em pé, perante a si. Sua cabeça estava partida em dois, com uma enorme rachadura cruzando seu rosto, local que saíam larvas e insetos abundantemente.

– Não! – O homem acordou pulando da cadeira aos berros. Ofegante, de olhos arregalados e a testa brotando bolhas de suor, era o estado que Ryan se encontrou.

Ele estava sozinho na sala dos professores. Tinha adormecido sobre a mesa em que tomava café. Fora transportado para outra dimensão: A dos sonhos, onde tudo é possível – e onde sua filha era viva (ou meio-viva).

Não tinha uma boa noite de sono há meses. Vivia cansado e mantinha-se acordado à base de café e remédios para lecionar e corrigir atividades de seus alunos. O homem de 43 anos era professor de história na escola Charles Lee Ray. Seus cabelos eram castanhos penteados para o lado com gel, os olhos claros, o nariz reto e a boca grande. Usava óculos com armações de arame e cultivava uma barba mal feita. Tinha o aspecto de cansado graças às olheiras que possuía e ao modo meio desleixado de se vestir.

Ryan perdera Lily no outono do ano passado. A polícia encontrou-a enterrada na reserva florestal de Myers com o branco vestido sujo, e a fria carne apodrecida de seu cadáver sendo roída pelos vermes. Segundo a perícia, havia hematomas pelo corpo, levando a hipótese da adolescente ter sido atropelada. Porém, a causa de sua morte foi asfixia ao ser sepultada viva, engolindo terra.

– Ryan? – Elle apareceu na porta – Eu escutei gritos e vim correndo. Você está bem?

– Sim, eu só tive mais um daqueles pesadelos.

– Quer conversar? – ela puxou uma cadeira ao lado dele e sentou.

– Você não vai querer ouvir um velho babão contar os sonhos ruins que teve.

– Desabafar faz bem, Ryan. Há certas coisas que não precisamos guardar para nós mesmos. Aliás, sou uma ótima ouvinte.

– Ok – ele suspirou. – Bem, parece que meus pesadelos estão evoluindo assustadoramente, como se fossem sinais. Antes, eu corria pela floresta, seguindo os sussurros de Lily e caía numa cova, sobre os restos mortais dela. Dessa vez, eu a encontro viva na minha frente, e mesmo assim, eu não faço nada, nem sequer a abraço – seus olhos se encheram d’água até que lágrimas deslizaram por suas bochechas. – Eu fiquei inerte, vendo-a ser atropelada por um carro. Sabe, todo dia me culpo por tê-la deixado sair no Halloween. Culpo-me por não ter feito tudo diferente.

– Acalme-se – a treinadora deu dois tapinhas nas costas dele. – Não pode se lamentar por algo que você não conseguiria evitar. Você nem estava lá. Ninguém prevê tragédias como essa. Eu sei que não é fácil perder alguém que amamos, contudo, devemos continuar com nossas vidas, arriscar mais, mudar o roteiro.

– Está certa – o professor enxugou o rosto com a manga da camisa social. – Estou me prendendo ao passado, por isso tenho esses sonhos. Preciso me focar no futuro, recomeçar. Obrigado pelo conselho.

– Por favor, não me agradeça – pediu Elle. – Eu só não gosto de ver pessoas boas feitas você sofrer.

– Você também não me parece muito bem – Ryan percebeu a frustração no olhar dela. – Quer falar o que aconteceu?

– Não foi nada além de Maia com seus ataques de inveja. Ela desrespeitou Madson e a mim diante das outras colegas de treino. Tive que expulsá-la do time. Essa garota é uma excelente atleta, mas é muito esquentada. Agora terei que abrir testes para arranjar um novo membro para o grupo.

– Aposto que vai conseguir – ele a encorajou. – Quer tomar um café? Eu pago.

– Tudo bem, então.

* * *

Após o treino, Madison e Cory caminhavam de mãos dadas pelos corredores do colégio em direção à classe do professor Voorhees – os dois tinham aula de matemática juntos. Parecia um casal de modelos desfilando a caminho da sala de aula. Assim como a sua parceira, o jogador de futebol possuía uma beleza estonteante. Ele era alto, de corpo atlético e cabelos negros como penas de corvo. Seus olhos eram castanhos escuros, o nariz meio arrebitado e os lábios finos. O rapaz era o namorado ideal que qualquer menina gostaria de ter. Apesar da mentalidade de uma criança de doze anos, tinha qualidades que poucos jovens de sua idade tinham. Era gentil, cavalheiro e, principalmente, atencioso.

– Eu não sei o que fiz para Maia me odiar – a loira comentou. – Nós éramos melhores amigas. Hoje, ela nem suporta olhar minha cara.

– Recalcada – o quarterback disse aos risos. Por algum motivo achava essa palavra engraçada. – Você não percebe que Maia tem inveja de você ser a Abelha Rainha?

– Se eu soubesse que isso aconteceria, não teria aceitado ser a capitã das líderes de torcida ou esse título idiota. Eu nunca quis ser a mais popular. Eu só queria fazer parte de algo.

– Agora você faz parte de algo: minha vida.

– Eu tenho tanta sorte em ter você – ela diminuiu o passo e ficou na ponta dos pés para beijá-lo, depois voltou ao ritmo habitual. – Mas mudando de assunto... Já sabe com quem vai ao baile?

– Como assim? – o adolescente parou de andar, confuso. – Achei que eu fosse com você.

– Ora, mas você nem sequer fez um convite oficial.

Cory então se ajoelhou perante a amada, pegando sua mão direita e perguntado:

– Madison Carter, aceita ir ao baile de primavera comigo?

– Sim... – a garota respondeu, o abraçando. – Sim, eu aceito!

* * *

Eram 11h00 da noite. As luzes do quarto 180 do Motel Krueger estavam apagadas, e no meio daquela escuridão, Maia estava deitada numa cama de casal, usando calcinha e sutiã preto, com a cabeça repousada sobre o peito de Hector – era quente, confortável e a fazia se sentir segura. O rapaz era negro, alto e muito forte. Tinha a cabeça raspada, olhos escuros, nariz achatado e lábios grossos. No momento vestia apenas uma cueca boxer branca.

Os dois eram menores de idade, tinham dezessete anos, e tiveram que falsificar suas identidades para estarem ali, em seu ninho de amor. O estabelecimento era simples e o cômodo pequeno, pois Hector não tinha grana suficiente para uma suíte de um hotel luxuoso. Maia era filha de um dos advogados mais bem pagos de Myers e sempre oferecia o dinheiro que ganhava do pai para pagar as noites, no entanto, o atleta nunca permitiu que ela desse sequer um centavo quando estivesse com ele. Mesmo não tendo uma boa vida financeira como a dela, achava que o sacrifício de gastar tudo o que possuía com a mexicana valia a pena. Ela era diferente de todas as garotas com que saíra – havia um fogo que nunca se apagava.

A morena, além de mimada, era muito exigente, e nunca ficaria naquele lugar, onde os lençóis cheiravam a mofo, a cama rangia a qualquer movimento, a descarga da privada estava quebrada e a água do chuveiro era fria. Porém, nada disso importava quando estava com o zagueiro. Parecia que ele continha algum tipo de magia que a fazia esquecer de todos os problemas, todas as frustrações, o mundo lá fora. Hector era seu refúgio pessoal.

– Está melhor agora? – ele perguntou á Maia, esperando por uma resposta positiva. Entretanto, a latina mudou rapidamente sua expressão de prazer para de amargura.

– Como você pode achar que eu estou melhor quando a cretina da treinadora me expulsa do time de torcida por causa da vadia da Madison? Só estarei melhor assim que ela pagar por tudo que me fez.

– Hey, calma aí! Foi só uma pergunta – o moreno pegou o controle remoto sobre o criado mudo e apertou o botão “On/Off”, acendendo o tela da tevê que sintonizava somente um canal.

Um filme antigo era exibido. Carrie, a estranha de 1976, a mexicana reconheceu no momento em que a atriz, que subia no palco para ser coroada a rainha do baile, recebia um balde de sangue de porco. A morena teve um insight e se virou para o namorado com um olhar malicioso.

– Acabei de ter uma idéia pra ferrar aquela desgraçada. E você vai me ajudar.

– Eu amo quando você faz essa cara de safada.

Os dois se beijaram, tirando suas peças íntimas. Segundos depois ela estava em cima dele, numa fricção de corpos prestes a entrarem em chamas. Hector esticou braço e ligou o rádio próximo dali, aumentando-o no volume máximo para ninguém ouvir os gemidos de Maia e o barulho que a cama fazia. Existia um pouco de chiado, mas era possível ouvir a música que tocava:

You can’t have my heart

And you wont use my mind, but

Do what you want with my body

Do what you want with my body

You can’t stop my voice, cause

You don’t own my life, but

Do what you want with my body

Do what you want with my body

* * *

No dia seguinte, Gwen Walker aguardava em uma longa fila do lado de fora do ginásio da escola para ser chamada a fazer o teste de substituta de Maia Rodriguez como líder de torcida. Seria a oportunidade de ser uma bela garota popular com vários amigos. Era uma vaga bastante disputada entre a maioria das estudantes de Lee Ray e ela já estava esperando há quase três horas, contudo, sabia que seu esforço seria recompensado de alguma maneira. A qualquer instante seu nome poderia ser anunciado.

– Gwen Walker – chamaram-na.

– Sou eu! – entrou no ginásio, entusiasmada.

A sua frente, Elle e Madison estavam sentadas atrás de uma bancada – aparentemente seriam as juradas.

– Me desculpe Gwen, mas acho que houve um engano – a treinadora olhou os papeis em mãos. – Alguém deve ter feito uma brincadeira de mau gosto e colocado seu nome na lista de candidatas.

– Não, eu que coloquei – a adolescente explicou. – Quero ser uma animadora!

– Eu sinto muito, mas você não pode ser uma – informou a mulher.

– Por quê?

Porque Gwen tinha síndrome de Down. A professora não queria ferir os sentimentos dela, mas não podia aceita-la por pena, porque queria alguém com o porte físico e qualidades de uma verdadeira líder de torcida. E mesmo que a deixasse entrar para o time, acabaria se machucando na tentativa de executar alguma técnica que poderia lhe custar um braço quebrado.

A loira e morena se entreolharam por alguns segundos, buscando uma resposta para a pergunta da menina.

– P-porque você não tem os atributos necessários – Madison respondeu.

– Vocês não me querem como cheerleader porque sou diferente das outras. Eu só queria ser uma moça bonita. Isso não é justo... – e correu aos prantos em direção á saída.

Antes que Elle pudesse dizer algo, a jovem tinha ido embora.

Distraída – e concentrada apenas em mover rapidamente seus pés para longe dali – Gwen chocou-se contra a garota da fila que estava atrás dela, desabando. Ela é tão bonita, pensou observando-a do chão. Com certeza a professora não iria recusá-la.

– Olhe por onde anda, mongolóide! – a adolescente berrou com ela - Por que está chorando?! Não passou na avaliação?! Mas é claro, você nunca será normal! Sua esquisita! Es-quisita! Es-quisita! Es-quisita! – de repente aquilo se tornou um refrão cantado por todas as moças da fila. – Es-quisita! Es-quisita! Es-quisita...

Gwen se levantou e continuou correndo até chegar ao banheiro feminino. Estava vazio, não havia sinal de qualquer pessoa além dela – o que era bom, pois a última coisa que queria era encontrar meninas para lhe chatear. Parou em frente à um dos espelhos por um minuto, imaginado-se bela, comum. Apesar de não gostar do que via, tinha uma aparência agradável e graciosa. Ela era baixinha e gordinha. Tinha olhos azuis, nariz pequeno, bochechas rosadas e lábios vermelhos. Os cabelos castanhos ondulavam nas pontas, e a testa vivia coberta pela franja reta.

Então entrou numa cabine, abaixou a tampa do vaso sanitário e sentou, sentindo suas pequenas pernas latejarem e os pulmões prestes a explodir. Colocou a mão no peito. Seu coração martelava furiosamente. Jamais tinha corrido tanto em sua vida.

De repente, ouviu o som de passos que a cada instante ficavam mais audíveis. Alguém se aproximava, e deveria usar saltos-altos pelo barulho abafado e sólido que somente tais sapatos faziam. A porta abriu num rangido, e Maia apareceu de forma inesperada, indagando:

– Gwen, você está bem? O que aconteceu?

– Se veio zombar de mim, chegou atrasada - disse ela secando as lágrimas.

– E por que eu zombaria de você?

– Porque você é linda e eu sou feia.

– Isso não é motivo pra eu zombar de você.

– Bem, foi motivo para as garotas da fila no ginásio rirem de mim.

– Do que você está falando? – a mexicana perguntou.

– Madison e a treinadora estão procurando uma garota pra tomar seu lugar de líder de torcida. Eu me inscrevi para o teste, mas falaram que eu não tinha os “atributos necessários”. Só que eu sei a real causa de terem me descartado. Ainda por cima me chamaram de esquisita.

– Por isso você estava chorando?

Gwen assentiu com a cabeça.

– Eu apenas queria ser uma moça bonita.

– Olhe, você precisa aprender que nem sempre vai conseguir o que quer. Não estamos no filme “As Apimentadas”. Aquilo é real e elas são cruéis. Elle busca meninas perfeitas para transformá-las em suas bonecas de plástico até quebrarem. Porém, ela mal sabe que ninguém é perfeito. Eu fui expulsa porque cansei de ser um dos brinquedinhos daquela vaca. Você é uma garota legal e não merece sofrer por conta de piranhas invejosas. Por causa disso vou te ajudar a se tornar uma moça bonita.

– Sério?! – a adolescente abriu um enorme sorriso, não acreditando no que acabara de ouvir.

– Sim. Mas você terá que me fazer um favor.

– Que favor?

– Digamos que você vai dar uma mãozinha para Madison nunca mais ser esquecida após a noite do baile.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? Se gostou, favorite e não se esqueça de mandar uma review - alimento de qualquer escritor - para que o segundo capítulo saia.