Eles escrita por ItS


Capítulo 15
Destruídos


Notas iniciais do capítulo

Gente, esse foi o maior de todos para fechar com chave de ouro. u.u
Não sei se perceberam, mas eu modifiquei os nomes dos episódios. Cada termo remete a uma ação, gesto, psique, acontecimento de um(ns) mutante(s) no determinado episódio. Portanto, olha como o título desse está muito sugestivo.
Ah, esse é o último, sim, dessa primeira parte, mas logo logo vem a segunda. Ela se passará numa vilazinha e focará muito no sobrenatural.
Não sei a Fic foi boa, mas, para mim, superou minhas expectativas do quanto eu gostei da mesma.



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1

Dia: 23 de março de 2047, às 14:57. Ilha.

O barulho dos helicópteros e, posteriormente, dos navios estava ficando mais alto. À medida que o som se expandia, Luke, Daniel, Anne, Joana, Gustavo e Alexei ficavam mais felizes. Mas será que era mesmo o resgate? Eles não tinham nem ficado uma semana ali e já estavam saturados daquele local. Era perverso demais. Maçante demais. Alguns estampidos foram ouvidos ao longe. O que estava acontecendo? Talvez, pensou Daniel, isso não fosse o resgate, mas, sim, a nossa morte vindo. Daniel nunca fora tão otimista, visto que, na maioria das vezes a probabilidade de coisas boas era menor do que as de coisas ruins acontecerem. E, se ele sempre pensasse no pior, o que viesse melhor do que esse pior já era vantagem. Mesmo que fosse o pior mais um.

O que está acontecendo? – fora Joana quem tivera a coragem de perguntar.

Não sei – informou Gustavo, na dele. – Mas saberemos logo.

Ele apontou a frente. O barulho parecia estar seguindo o grupo. Gritos surgiram. O barulho do esvoaçar dos pássaros. O adejar dos que podiam voar mais alto e manter-se relativamente seguro do incerto. Após o aviso de Luke, todos correram para um local onde podiam ver o que iria acontecer, sem que fossem avistados. Pensando assim, todos procuraram por algum esconderijo provisório. Em meio as folhas, Alexei camuflou-se, tocando-as e assumindo sua composição, aparência, rigidez e todo os tipos de características que definem o verde. Joana manteve-se escondida atrás de uma árvore, recusando-se a olhar o que viria a acontecer. Torcia para que fosse um resgate, mas o pessimismo que Anne e Daniel estavam proporcionando acabou com todas as suas esperanças.

Daniel, por sua vez, escalou uma árvore desajeitadamente e, enquanto alguns riam, ele se defendia dizendo que era inteligente e que, por isso, não precisava de reflexos aguçados. Anne o seguiu, enquanto Luke e Gustavo decidiram ficar em posições mais fáceis de sair e lutar. Todos estavam muito apreensivos conforme as árvores iam quebrando. O barulho nítido e límpido talhava o ar e trazia a sensação de insegurança. O farfalhar ia aumentando e, conforme progredia, os jovens ficavam prontos para um confronto iminente. Que tipo de resgate usaria, provavelmente, tanques que derrubavam árvores enquanto atravessava uma ilha lotada de mutantes? Talvez um resgate que precisasse disso. Todavia, aquela não parecia ser a decisão mais sensata a se fazer no momento.

Preparem-se! – gritou Luke, após se jogar, desviando de uma bomba enviada por um helicóptero que, surpreendentemente, não fizera barulho ao se aproximar sorrateiramente.

Uma chuva de bombas vinha de diversas direções. As meninas tentavam abafar os gritos, mas era evidente que eles já tinham notado a presença deles. Gustavo e Luke que estavam na linha de frente se esconderam entre as folhagens. Agora seria o perfeito ensejo para eles se separarem e despistar os inimigos, mas manter contato em meio a uma troca de choques era muito difícil, quase ineficaz. As bombas que vieram na direção de Gustavo chocaram-se contra ele. Entretanto, quando Luke o fitou, percebeu que rapaz ainda estava sã e salvo. Era o poder dele. Ele podia ficar invulnerável durante alguns segundos. Segundos precisos que salvaram a vida dele.

Luke estava escondido e até conjecturou ir embora, porém, ao lembrar-se de Anne, decidiu ficar e lutar por ela. Afinal, o que mais ele tinha em sua vida? Seus pais o odiavam. Ele morava sozinho em sua casa, vivendo de aparência, luxúria e de coisas frívolas. Concentrou-se veementemente. E para a salvação dos dois garotos que estavam na árvore prestes a serem alvejados com as espingardas de alguns homens que o mantinham sob a mira, uma onda emergiu. Ela vinha das plantas e, principalmente, da árvore que havia dado de beber para os jovens. A onda engoliu os inimigos, deixando-os sem ar e, por consequência, com a morte. Anne agradeceu e, ao virar e dar de cara com outro oponente, embaralhou sua mente com pensamentos obscuros. Para a vítima, milhões de formigas escuras e sem olhos surgiam da terra, ferroando-o com armas afiadíssimas.

Temos que fugir daqui – disse Luke, observando Joana socar um homem e jogá-lo para longe.

Cuidado! – gritou Gustavo para Joana e, num pulo, salvou-a de um tiro certeiro nas costas.

Obrigada – murmurou, sem graça.

Luke, Daniel, Anne, Gustavo e Joana correram. Alexei, que ainda estava escondido com seu poder, fitou a saída sugestiva dos seus “amigos”. Me deixaram aqui, pensou ele, pois eu mato vocês. Nem que eu tenha que morrer para isso. Alexei estava com mais raiva de Luke, pois o plano de fugir fora dele. No mínimo, Luke queria que Alexei ficasse só e morresse com uma bala no peito. Ingênuo. Alexei era muito mais inteligente do que aparentava.

Deixando de lado sua camuflagem, Alexei correu, tomando cuidado para desviar de algumas balas que ainda eram atiradas. A essa altura, os homens já deviam ter perdido o rastro dos jovens e, assim, partiram em busca de outros mutantes. Afinal, não teria como eles fugirem para sempre. Alexei correu na direção em que vira os outros fugindo. Palmilhando lentamente, ele seguiu as marcas deixadas pelas suas presas. O melhor e que mais o ajudou a encontrá-los foi uma vistosa trilha de sangue. Alguém deles devia estar ferido. Melhor para Alexei. Menos um para ficar em seu caminho.

2

Dia: 23 de março de 2047, às 18:45. Casa de Diego.

Durante o tempo em que Diego e as meninas ficaram lá, ele pode conhecer mais a fundo de cada uma. Ana era, assim como seu poder, esquentadinha. Marina era mais doce e temerosa, prudente, ele diria. Isabelle era, às vezes, arrogante. Mas ainda tinha lá seus momentos de charme. Fernanda era alegre e carismática e Julia, a pior delas, era ambiciosa e presunçosa. Descobrir isso era fácil. Julia parecia não ligar muito para o que acontecia e sempre via somente o seu lado, dando palpites egoístas e sugestões fúteis. Ela até tentara dar encima de Diego. Provavelmente achara que ele era forte e que, assim, poderia protegê-la até encontrar uma segurança mais impetuosa e cheia de vigor. Porém, a pessoa que tinha mais chances de sobrevivência ali era Marina. Fora o poder, ela ainda contava com uma mente aberta e promissora. Sempre vendo o que iria acontecer, entretanto, nunca esquecendo de seus amigos.

E aí? Nós vamos ficar assim para sempre? – perguntou Julia, fazendo menção em sair.

Você quer ir lá fora para quê? – perguntou Isabelle retoricamente – Para ser morta a tiros?

Cala a boca, nerd – bradou Julia, claramente irritada.

Diego e Marina intervieram, tentando apaziguar a situação. O convívio de pessoas que não tem nada a ver umas com as outras pode se completar, mas, nesse caso, tudo que fazia era o contrário. Nada saía do papel. Eles haviam tentando bolar um plano para derrubar o governo. Primeiramente, eles iriam encontrar mais pessoas com quem pudessem contar. Porém, no decorrer da conversa, os pitacos indesejáveis e as insinuações de Isabelle e Julia atrapalharam o desenvolvimento e o desfecho do plano. Ainda tinham que cuidar dos comentários quase pessimistas de Marina e ainda lutar contra a ânsia de Ana em lutar e o medo de Fernanda em ferrar seu padrasto, Lúcio, um famoso patrocinador e puxa saco do governo. No fim, nada saíra da teoria.

Gente – chamou Isabelle, receosa –, eu acho que tenho algo que pode ajudar vocês.

A atenção de todos voltou-se para a garota; não era muito comum algo que pudesse ajudar e não o contrário.

Diga – disse Julia, seca e direta.

Fui eu quem criou o Warrisa.

Isabelle não sabia o motivo que a fizera contar. Talvez fosse a falta do que fazer; o ócio. Talvez fosse realmente para ajudar. Ela não sabia. Mas, de qualquer forma, aqueles jovens foram o primeiro a descobrir o grande segredo. Warrisa, a rede social que evoluíra o modo de mexer na internet. Nele havia tudo. Desde fotos, informações, contatos, entrevistas, vídeos, propagandas, compras, trocas, comércio. E tudo era regido pela lei. Era a rede social. Era o meio de comunicação que todos usavam. O registro da criança começara a ser feito nele. Todas as informações referentes ao indivíduo constavam lá, no Warrisa. CPF, RG, Identidade, Passaporte, carteira de motorista, vagas em empregos. O sigilo era ferrenho e a segurança idem. As formas para burlar o sistema eram quase inexistentes. Ninguém ainda tinha conseguido fazer o que fizera na outra rede social.

Ninguém acreditou a princípio. Como uma garota de 12 anos – e 9 meses, algo que Isabelle sempre insistia em deixar claro – conseguira fazer aquilo? De qualquer forma, isso não tinha que ficar em pensamento. Tinha que ser proferido em alto e bom som.

Mentira – disparou Fernanda. – Como uma garota de 12 anos conseguiria fazer isso?

12 anos e 9 meses – corrigiu. – Eu terminei o trabalho inacabado do meu avô. Por isso foi bem mais fácil. Principalmente por causa do meu poder.

Isso poderia ser verdade. Era o máximo ver o que Isabelle era capaz de fazer com qualquer aparelho eletrônico. Podia consertá-lo, estragá-lo, explodi-lo, melhorá-lo, desenvolver ferramentas, explorar até o último pingo de informação. Isso tudo somente com um simples pensar ou um mero toque. Mas eles ainda estavam com um pé atrás. Há tempos que as pessoas vinham tentando descobrir quem era o autor da mais famosa e usada rede social. A rede social que movimentara o mundo. Em questões de pouquíssimos meses de uso, você já estava viciado e dependente das informações das quais o meio poderia fornecer. Era algo surreal a utilidade e veracidade daquele componente que passara a ser imprescindível para qualquer tipo de lugar.

Eles continuariam conversando. Porém, após um baque surdo vindo do portão, a conversa cessou. Fernanda correu para a janela, tomando cuidado para não encostar seu ferimento em quaisquer lugares que ela tocasse – ela tinha sido tratada com a ajuda do kit que Diego possuía. Eles tinham se recusado a deixá-la ir para o hospital, pois isso seria muito perigoso –. Fitou através do vidro rofo da janela. Emitiu um murmúrio de algum palavrão e sinalizou para que eles se escondessem. A polícia estava ali. Junto dela camburões, armamentos e tanques estavam postados. E, por meio de um auto falante, a polícia verbalizou:

Rendam-se e morram rapidamente ou morram tentando escapar de nossas balas.

3

Dia: 23 de março de 2047, às 15:03. Ilha; direção do mar.

Daniel e os outros estavam correndo. A direção que tomavam – erroneamente, diga-se de passagem – era o mar. Eles poderiam até saber que estavam indo para lá, porém, dadas as circunstâncias e, por conseguinte, a carga emocional e psicológica, não estava pensando com clareza total. Indiferentes aos impasses que os galhos, pedras, espinhos e folhas representavam, os garotos continuaram correndo. Alexei, seguindo o rastro dos mesmos, atentou-se ao momento em que eles pararam. Claro, se ele tivesse continuado andando, teria esbarrado com eles e, assim, seu elemento surpresa cairia por terra. Mas, como ele não era, de forma alguma, sonso, deteve-se e escondeu-se atrás de um grande tronco que estava em decomposição. Cogumelos aqui e ali salpicavam a madeira de forma singela, benigna.

E o Alexei? – perguntou Anne, lembrando-se do garoto e fitando, ao mesmo tempo, a perna alvejada de Daniel, o inteligente, porém lerdo.

Esquecemos dele! – exclamou Luke. Alexei, ponderando o tom de voz do rapaz, percebeu que ele estava quase em êxtase. Maldito, estava feliz, achando que ele estava morto.

Temos que voltar lá e ajudá-lo. – sugeriu Gustavo, benevolente.

Não dá mais tempo – interferiu Daniel, gemendo. – Pode ser perigoso. Talvez ele ainda esteja escondido lá e, se voltarmos, pode ser pior para ele. – Daniel sempre com suas perquirições implacáveis e quase criteriosas. – Vamos – pediu ele –, me ajude aqui.

Gustavo e Luke ajudaram-no a erguer, deixando-o apoiado em um pé só.

Para onde vamos? – perguntou Joana, visivelmente exausta.

Eles devem ter vindo de barcos – expôs Daniel, colocando novamente sua cabeça para funcionar. – E provavelmente estão procurando por mais mutantes. – continuou, inexorável – Deve haver alguns de vigia, mas daremos conta deles.

Você não está pensando em roubar um barco, está? – perguntou Anne, temerosa.

Tem uma ideia melhor? – instigou Joana, furiosa. Ela já estava farta daquela garota que ficava esnobando o rapaz lindo e maravilhoso que era Luke, aquele pedaço de mal caminho.

A ideia parece ser boa – proferiu Gustavo, pensativo –, afinal, nós não podemos mais continuar nessa ilha. – finalizou.

Sigiloso, Alexei ouvia toda a conversa. Ele poderia esperar que eles conseguissem o barco, e adentrando o móvel e escondendo dele, ele esperaria até chegar na cidade, onde provavelmente iriam. Quando isso acontecesse, Alexei atacaria. Iria derrubar todos com um soco só. No fim, ele escaparia são e salvo de volta para Lago das Montanhas e anda conseguiria, de bônus, a sua tão almejada vingança. Sim, ele tinha certeza de que Luke participara do ato hediondo que acontecera em dias atrás. E, como aqueles garotos estavam acobertando-o e, talvez, até o tivesse ajudado, também mereciam morrer. Todos deveriam morrer sem piedade alguma. Dado o estado do corpo de Patrícia, o seu assassino – ou assassinos, pensou ele – não tivera comiseração alguma. Somente chegara, matara e fugira. Como um simples destruidor roaz.

Eles andaram e, em questão de minutos, avistaram o mar. Uma linha azul estendendo-se ao longo de pontos metálicos fulgurantes. Sim, os pontos que tilintariam eram os barcos nos quais os bombardeiros vieram. Eram lanchas. Isso significava que a cidade ficava próxima. E, para a sorte deles, não havia nenhum vigia ou algo assim. Porém, para Alexei, o azar desconcertava seu coração. Seu plano não funcionaria com lanchas. Ele estava imaginando um grande navio, com diversos recintos e compartimentos, perfeitos para se formar um esconderijo e, em minutos vindouros, montar uma armadilha para vitimar alguns assassinos de amores não correspondidos. Eles subiram no barco e, com um desenho feito na areia por Joana, usaram uma faca para cortar a longa corda que assegurava a permanência da embarcação na água.

Ali, atrás das folhas, escondido, Alexei fitava o grupo de jovens que aspiravam à fuga discreta para longe daquele inferno. O mar brilhava veementemente, emitindo lampejos e ondas refulgidas ao longo da orla. O sol, arqueado por entre nuvens, proporcionava uma sombra graciosa, deixando alguns leves grãos de areia em holofotes de seus raios cálidos. O vento soprava, boreal, lambendo os cabelos sujos de Alexei. As folhas balançavam e farfalhavam, assistindo, como telespectadores, a visão lastimável que iria acontecer. De um súbito anil, o horizonte passara a ser da cor do sangue. Um vermelho vivaz, misturados com destroços de metais, pedaços humanos e estilhaços de o que um dia era uma lancha. De olhos arregalados, Alexei correu para ver mais de perto o acontecido. Para seu azar, um pedaço do casco do aniquilado veio de encontro ao seu. Seu pescoço foi fatiado como uma carne no açougue.

4

Dia: 23 de março de 2047, às 18:52. Casa de Diego.

A primeira coisa que viera a mente de Diego fora a fuga sorrateira pelo porão que dava acesso à parte de trás de sua casa alugada. Porém, ao notar que estava cercado, deixou o plano de lado e decidiu fazer algo mais ousado. Iriam enfrentar de frente. Sim, não teriam outra opção senão essa. Claro, tinha a rendição. Entretanto, isso nunca passara pela cabeça de qualquer um deles ali. Honra. Mesmo numa situação calamitosa em que se encontravam tudo relacionado aos mutantes, eles ainda tinham honra. Julia, coitada, ainda tinha orgulho. Um orgulho que estava ferido e que repartia em pedaços que tentava se reconstituir. Isso não seria possível perante o que iria acontecer. Perante a humilhação que ainda iriam passar. Por um lado, isso cessaria de vez o sofrimento dela.

Vamos – incentivou Diego –, nós podemos vencer. – Talvez ele tivesse dito isso mais para ele do que como estímulo para os outros. – Temos de lutar contra eles. Caso vencermos – ao ver os cenhos abatidos das garotas, avaliou corretamente por alguns instantes –, e vamos, mostraremos para o Estado de que somos fortes e que eles precisam nos ouvir.

Você acha mesmo que vamos conseguir? – achincalhou Julia. Ela e seu otimismo demasiado. – Já viu a quantidade de armas e pessoas que eles têm? Não faremos nem cócegas.

Enquanto a conversa permanecia sobre o que deviam fazer, a polícia ia se esgueirando, entrando pelos fundos e pelas janelas do andar de cima. A discrição fora tamanha que surpreendera todos. Sobressaltados, ergueram as mãos em sinal de submissão. Eles estavam cercados a uma distância arriscadíssima, visto que possuíam armas de fogo brandidas e postas no meio dos olhos. Ana, com sua psique esquentada de ser, conjecturou no que iria fazer. Botar fogo, claro. Mas ela não iria participar da festa sozinha. Seus animaizinhos não permitiriam. Eles queriam refestelar-se com aquele banquete olímpico. E, quando o policial que mirava a cabeça da garotinha piscou, uma chama brotou do chão. O tapete chamuscara e a janela faiscara, lançando fagulhas por todo o recinto. O lugar irradiou luz, com lampejos flamejantes zunindo em toda a parte.

Beijinho! – disse Ana, após trucidar um homem com a ajuda de seu fiel urso, que vicejara das flamas que engoliam o oponente. Em meio às chamas que lambiam os pilares, o tigre que matara aquele homem dias atrás retornava solene e nobremente, com uma feição selvagem e majestosa. Os olhos deles relampejavam. Fogo emanava de cada pelo de ambos os animais. O medo era nítido nos semblantes dos chamuscados. Dimanando fogo pelas mãos, a garota ainda conseguiu abater outras vítimas, deixando-as tostadas ao calor de seu elemento furioso.

O ensejo formou-se com a projeção da garota. Fernanda, ainda machucada, transformou-se numa partícula de poeira, adejando acima da cabeça de um policial desprevenido. De repente, uma bigorna de toneladas caíra sobre ele, esmagando-o e deixando sua cabeça em migalhas. Transformando-se num tridente, conseguira fazer outro sucumbir, perfurando-o na perna. Julia, correndo na direção da arma, tomou-a com seu poder baseado na energia cinética, arremessando-a contra o rosto de um policial que fazia menção em arrojá-la. Empalado no peito, o policial jazeu no chão, quase inerte, enviando somente alguns movimentos espasmódicos e alguns gemidos que ainda escapavam de sua garganta dilacerada pelo tigre que avançara sobre ele.

Atirando contra eles, alguns homens que estavam no segundo andar tentavam chaciná-los. Diego, demonstrando incrível pontaria e precisão, retirou duas bazucas de seu vórtex. Lançou contra ele bombas, explodindo o local acima deles. O lugar iria desabar se não saíssem antes dali. Isabelle, que observava o acontecimento sem participar diretamente da luta, avisou-os do perigo iminente. Eles tinham que sair dali se quisessem sobreviver. Marina também percebeu isso. Escondida no banheiro após teleportar-se para lá com o intuito de sobreviver por mais algum tempo, decidiu sair e, mesmo que isso resultasse em sua morte, seguir seus novos amigos. Assim como ela, Diego, com a barriga alvejada por alguns tiros, mas protegida pelo colete que retirara de seu “esconderijo secreto”, ordenou para que eles fugissem dali. Fazendo o que pedira, as garotas acotovelaram-se perante a porta. Mirando-os, os outros policiais, com semblantes tomados por fascínio, medo e horror, estavam de olhos arregalados e com armas a postos.

Vocês escolheram o jeito difícil – disse um deles. – Agora sofram as consequências.

Estampidos novamente ecoaram, porém, dessa vez, nenhum estilhaço vibrou, nenhum caco espatifou, nada quebrou. Em vez de balas, as armas dos inimigos traziam consigo algum tipo de fumaça que inibia a respiração, a força, os sentidos e, com toda certeza e veracidade, os poderes mutantes das aberrações que agora jaziam no chão, estuporados. Estatelados, a polícia aproximou-se dos jovens caídos. O corpo deles não se mexia. Nenhum deles havia sentido torpor maior. O efeito daquela droga devia ser realmente forte. E era, pensou um deles. Tão forte que é capaz de deixá-los inconsciente até dias. Mas não queremos isso para vocês. Temos algo muito maior e mais bombástico em mente.

5

Dia: 23 de março de 2047, às 15:12. Ilha, beira-mar.

A explosão foi ouvida em boa parte do lugar que circundava o acidente. Os donos da embarcação se congratulavam, pois possivelmente teriam conseguido algumas aberrações. Sim, eles já haviam premeditado isso muito antes. Era nítido que poderia acontecer algo como isso. As aberrações saberiam do incidente e do que estava acontecendo e, assim, partiriam em busca de algum meio que pudesse levá-los para longe da ilha. E, pensando assim, colocaram bombas que ativariam caso alguém ligasse as lanchas sem antes desligá-la. E dessa forma aconteceu. A equipe não tivera a precaução de checar tudo para ver se estava nos conformes. Foram movidos pela ânsia de sair daquele inferno. O medo dominou a razão e, quando isso acontece, as chances de coisas ruins acontecerem dobram drasticamente. A prova disso é a morte de Daniel, Alexei e os outros.

Destino trágico, coitados.

6

Dia: 23 de março de 2047, às 19:17. Praça Principal de Lagos das Montanhas.

Quando Fernanda abriu os olhos, notou que estava na praça que costumava sair para passear com seu cachorro. Na sua perna, no local onde o ferimento se instalara, a dor persista e parecia estar mais aguda. Comendo-a de dentro para fora, guinchava abafadamente, com medo de que algum barulho pudesse atrair coisas piores vindo dos policiais que os campeavam. Ela olhou para os lados e viu que seus amigos estavam na mesma situação. Exaustos, com fome, com medo. Estavam com os braceletes que coibiam o uso dos dons mutantes. Presos a uma corrente única, com os elos sendo de espinhos e estranhamente brilhantes à luz do globo solar, Diego e os outros temeram o que iria acontecer. Poderiam esperar coisa ruim.

Uma multidão os assistia como num reality show. Todos estavam com raiva. A fúria dominava os rostos imundos, nojentos e feios da população ralé, a classe mais facilmente enganada, percebeu Julia com muito desprezo e asco. Diante de uma rebelião de pedras, os jovens mutantes miraram o telão que se postava em sua frente. Lá, passava o que tinham feito contra os policiais que invadiram a casa de Diego. Viram as mortes, as degolações, as incinerações. Claro, fora feito em prol da sobrevivência deles e em legítima defesa, pois, caso contrário, eles já estariam mortos, com tiros na cabeça e com o cabelo de forma emaranhado banhados na poça de sangue que ficaria lhando o corpo da vítima.

Aqui, meu povo, é uma prova de que essas aberrações são um monstro. Que fazem tudo para acabar com a raça original – o homem que falava era Célio, o chefe. – Eles merecem morrer.

Sons de vaias correram pelo ar. Gritos de incitamento e instigação idem.

Eles vão perecer perante as nossas mãos!

E essa era a deixa para o apedrejamento até a morte daqueles seis jovens mutantes.

7

Dia: 23 de março de 2047, às 19:21. Casa de Alberto.

Alberto estava assistindo tudo pela TV. Ao vivo. Aquele acontecimento bombástico sendo transmitido em toda rede nacional. Ele não estava gostando nada do que via. Por que isso estava acontecendo? Qual fora o motivo de tudo aquilo? Por que o governo estava fazendo isso? Quem, afinal de contas, era o responsável pelo que estava acontecendo? Isso, de qualquer forma, poderia passar em branco para diversos, mas, para Alberto, aquilo era inerente a sua vida ridícula. E, como se já fosse boa o bastante, ainda teria de enfrentar essa nova conjuntura. Merda. Merda, merda, merda, merda. O que seria dele agora? Será que iriam descobrir onde ele morava e, após ter certeza dos fatos, viriam atrás deles? Subjuntivo nunca funcionara com ele. Normalmente, as coisas sempre aconteciam com total veracidade. É, e essa foi mais uma costumeira situação do seu péssimo dia-a-dia.

Alberto. Temos um mandado de prisão. – informou um homem fardado, que devia ter entrado em seu barraco a força. Segurança naquele local nunca fora o forte.

O quê? Afirmando o quê? E, quem mandou isso? – Ele estava com medo. E medo não era uma palavra que se encontrava antigamente no dicionário tolo do homem.

Antigamente.

Eu, meu caro Alberto. – Barbara entrara na sala. Estava com um cenho repleto de raiva e fúria. Foi surpreendente o fato de ela na partir para cima do homem que acabara com a vida de seu esposo. – Você está preso por matar meu marido e não só por isso – ela ponderou alguns instantes. – Você também é um mutante.

E o som do tiro ecoou. Perigoso e ensurdecedor, o barulho cortou o ar e atingiu o braço do homem, que gritou de dor, contorcendo-se feito o pedaço do rabo que uma lagartixa deixa para trás. Com a mão, Barbara ordenou para que o policial que a acompanhava saísse. Sozinha e chorando, a mulher sacou uma arma. Alberto arregalou os olhos. O que ela iria fazer? Ele poderia gritar por ajuda, mas seus nervos estavam preocupados com a dor lancinante que cobria todo seu corpo. Além do mais, após uma algum tipo de medicamento que a mulher logo injetara no moribundo, ele estava perdendo a força nas pregas vocais. Em compensação, ele conseguia ouvir as coisas com mais perfeição, assim como sua visão estava melhorada e, por coincidência – ou não –, seu tato também estava mais apurado.

Como um boi que recebe machadadas ante de ser completamente morto, Alberto sentia a dor mais aguda. Seu braço trazia uma angústia sem igual. Ele se considerava resistente. Porém, naquele momento, tudo que conseguia era chorar e pedir para que ela parasse. Entretanto, o seu pedido era mental. E, como Barbara não tinha empatia nem telepatia, ela não estava conseguindo entender. Não que, se ela conseguisse, ela parasse. Ela estava preocupada demais com sua vingança. Sim, vingança. Iria torturar aquele homem. E, começando pelo buraco causado pela velocidade e voracidade da bala, ela alargou o ferimento com o canivete. O homem tentava gritar, mas nada saía de sua boca. Ela estava se sentindo melhor enquanto mutilava todo o corpo do homem. Esquartejado e já morto, Alberto foi fitado pelo furor de Barbara que, mesmo assim, continuava a empalar o canivete super afiado em sua superfície fina chamada pele.

Barbara – chamou o policial após adentrar o recinto humilde –, precisamos ir agora. Já está na hora de você fazer o comunicado. – Ele esperou um tempo. – O extermínio já terminou.

Eu ainda não terminei com o homem – disse ela, seca. – Farei o comunicado daqui mesmo. – informou, limpando seu rosto do sangue viscoso derramado pelo homem já morto.

Tudo bem – concordou ele, por fim. Olhando-a por um momento e vendo a situação de sua roupa de grife importada, mencionou: - Você precisa retirar os resquícios de sangue. Isso não fará bem para sua imagem. – Ela assentiu. E, limpando superficialmente sua roupa, foi colocada no webcam do notebook que trouxera. Agora ela estava ao vivo e aparecendo em diversos telões de todo o país de Bagéli. A população estava fissurada nas palavras que a presidente emitiria. – Pode começar. – disse o policial que acompanhava ela. A mulher já sabia o que iria dizer de cor. Sabia que seria hipócrita com aquelas palavras. Mas, e daí, o que eles poderiam fazer contra ela?

Minha cara população. A partir de hoje, dia 23 de março de 2047, as coisas mudarão. Todas as aberrações que interferirem no bem estar da cidadania serão eliminadas. Sabemos que há alguns poucos que não fazem mal. Entretanto, 95% deles almejam a destruição. E, por isso, tomamos essa atitude.

Não podemos deixar que o pior aconteça. Temos de nos unir. Precisamos mostrar que não é só porque eles têm poderes que podem destruir e matar quem e o que quiserem. A partir de hoje, uma lei será feita. Ela nos protegerá. Ela protegerá você, população. Protegerão vocês, pessoas vulneráveis a eles, as aberrações.

A partir de hoje, nós iremos mostrar a eles que o original não pode ser preterido.”


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Notas finais do capítulo

Sim, o final foi trágico, mas esse é o motivo da mudança que acarreta boa parte da trama como um todo no país Bágeli, que tem como capital Lago das Montanhas.
A outra parte da Fic passará em outra cidade, também em Bágeli.
Espero os comentários de vocês.
Ps.: Essa é a sua última chance de recomendar a história, portanto, o façam e deixem-me muito feliz.
Continuação da história: http://fanfiction.com.br/historia/468087/Aberracoes_-_Interativa/